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Ferreira Gullar e Paulo Leminski, dois rivais em exílio | Ensaio
Ensaio a partir do livro Poema sujo, descobre pontos em comum entre Ferreira Gullar e Paulo Leminski, dois grandes rivais da Poesia Brasileira
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Gullar estava no exílio, em Buenos Aires, em 1975, quando escreveu o poema. Depois de passar anos morando em diversas cidades do mundo (Moscou, Santiago do Chile e Lima), viu ditaduras militares se instalarem nos países sul-americanos. Com o fracasso da utopia comunista no Brasil, depois de um tempo na Rússia, emigrou para o Chile e assistiu à queda de Allende. Mudou para a Argentina em 1974 e reviveu o pesadelo de ver os amigos ao redor serem presos ou fugir. Sabendo que os agentes da repressão brasileiros fechavam o cerco no país vizinho, decidiu escrever um poema que fosse um testemunho final.
O Poema sujo, escrito em cinco meses, em estado de transe vertiginoso, foi acalentado por anos. Tem como fio condutor a ideia de resgatar memórias de sua cidade natal, São Luís do Maranhão. As condições de penúria no exílio e a eminência de calar-se para sempre o forçaram a ultrapassar o tom memorialístico. O Poema sujo dá voz ao desespero do poeta. Desespero que, paradoxalmente, engloba grande esperança, por situar-se na infância, como demonstra seu trecho mais conhecido, transformado na letra da canção O trenzinho caipira, a tocata da Bachiana no. 2, de Villa-Lobos:
A evocação da memória da infância em redemoinho é o ponto de partida para compor um poema em vários tons, com momentos de intensidade e de banalidade, como cita o poeta, construídos por fragmentos de lembranças “das pessoas às coisas, das plantas aos bichos, tudo, água, lama, noite estrelada, fome, esperma, sonho, humilhações, tudo era gora matéria poética”. Antítese entre o claro do presente e o turvo da infância, mais que resgate, é a recomposição do passado no presente.
A memória da infância é um registro infiel, sujo, recomposta por destroços: telhas encardidas, garfos e facas que se quebraram, e se perderam nas falhas do assoalho para conviver com baratas e ratos no quintal esquecidos entre os pés de erva cidreira. Desordem que é ordem “perfeitamente fora do rigor cronológico”, do labirinto do tempo interior. A casa perdida no tempo, com talheres enferrujados, facas cegas, cadeiras furadas, mesas gastas, armários obsoletos rastejam “pelos túneis das noites clandestinas” esperando “que o dia venha”. A infância é o único refúgio para quem perdeu tudo. O corpo, a única casa, o único território, a possibilidade de êxtase quando já não se pertence a lugar nenhum.
A identidade são-luisense se concretiza no corpo do poeta, o passado se esmiúça, como cita Alcides Villaça: o “sujo do poema refere-se tanto ao impuro quanto pela composição das diferenças, pelas águas revolvidas, pelo estilo que vai da mão solta no papel à cadência rigorosa de uma avaliação […] Mas sujo também porque participa de uma história não oficial, secreta, que soma a consciência abafada e o corpo prisioneiro de vontades caladas.” Sujo porque a vida é suja: toda matéria se perde, apodrece lentamente.
A canção de exílio dos anos de chumbo é Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim, composta em 1968 para um festival. A canção traz referências claras ao “dia que virá”, dia em que os exilados retornariam à pátria. Gullar antecipa a pátria destruída, memória devastada e iluminada apenas pelo facho das lembranças da cidade de infância. Os objetos da casa primordial gastaram-se no tempo e por isso sua lembrança é de sujeira, ou algo que foi sujo.
O testemunho do poeta é mais uma canção do exílio, que se desvia do nacionalismo insuflado por Gonçalves Dias. A canção de Gullar é tanto mais comovente quanto busca negar qualquer resquício romântico ou panfletário. Em nem um momento revela textualmente a dor pela perda dos amigos, o esfacelamento familiar e a melancolia da desterritorialização.
Depois de concluir o poema, Gullar o leu a Vinícius de Morais, que levou uma gravação da leitura para o Brasil. Grupos se formavam para ouvir a voz do poeta exilado. O editor Ênio Silveira pediu cópia para publicá-lo. Com a publicação, amigos, jornalistas e escritores clamaram ao governo militar o fim do exílio de Gullar. O governo não atendeu. O poeta, porém cansado, resolveu voltar por conta própria. Quando chegou, foi levado ao DOI-Codi e interrogado, acareado e ameaçado. Mas graças ao poema, pôde ficar no Brasil.
A catarse do agora contra o futuro marginal
A republicação do Poema sujo, em 2013, pela José Olympio, o celebra como marco na luta contra a repressão militar. Mas antes de se torna persona non grata no país, Gullar já guerreava, e muito, mas por razões estéticas, contra outros adversários. Contrapôs-se ao movimento de vanguarda da poesia concreta, composta pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, defendendo o nacionalismo da arte brasileira e criando a poesia neoconcreta. A principal crítica de Gullar aos concretos era de que comparavam a poesia à matemática e pretendiam atuar em todos os campos, jornais, publicidade, da música (canção popular), tevê, rádio, cinema.
Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, a Tríade Concretista.
Provocador, polêmico, jamais pacífico, o poeta Paulo Leminski é herdeiro de uma tradição poética de vanguarda (ou tradição de ruptura, como quer Octávio Paz) que no Brasil rendeu movimentos como o Modernismo, a Poesia Concreta e o Tropicalismo. Por causa do tempo histórico de sua eclosão (anos 70 e 80), por vezes é erroneamente situado dentro da Poesia Marginal, movimento ao qual nunca se filiou (não gosto da poesia de Cacaso, um dos líderes da poesia marginal carioca dos 70/80, afirmou, em entrevista ao jornalista Aramis Millarch, em 1986) e contra o qual escreveu uma série de ensaios no livro “Anseios Crípticos” (1986).
Leminski herdou a briga com os neoconcretos. Apesar de propagar a teoria da arte como inutensílio, nunca fez apenas arte pela arte. É o que se comprova na canção Verdura, vetada pela censura em 1978.
O poeta Fabrício Marques associa o verso de repente me lembro do verde ao Tropicalismo, conectando o verde citado com uma das cores-símbolo do Brasil:
A associação com o verde tropicalista não é a única possível. A cor verde e triste é a ”grana” que seduz a família a vender o filho para os americanos. O verde triste transforma tudo em mercadoria, até as relações afetivas. Triste ainda o verde do uniforme dos militares, cujos censores entenderam a ironia. A canção só passou pelo crivo em 1981, quando foi gravada por Caetano Veloso. Mas a referência aos poemas tropicalistas é inexata. Em vez de Superbacana e Ai de mim, Copacabana, a associação mais inebriante poderia ser Quando o santo guerreiro entrega as pontas, de Torquato Neto:
Leminski deglute antropofagicamente o Bispo Sardinha, como queria Oswald, cantando, com dó de peito o momento histórico do início da diáspora global. O sentimento de dor (por ver seu igual partir e se partir) não fratura o poeta, que finaliza: só assim eles podem voltar e pegar um sol em Copacabana, com a consciência de que a Alegria é a Prova dos Nove, como cantava Oswald, ou seja, a única forma de resistência a um regime desigual que estimulava o despatriamento só poderia ser a ironia, trazendo a capa de um falso conformismo. Desse modo, mesmo nunca tendo se desligado de sua terra natal, Lemisnki participa dass agonias da vida nacional em seu insilio1.
O crítico Silviano Santiago esclarece que o bordão antropofágico vincula-se com a catarse do agora: “o ressurgimento de um corpo que não estaria mais comprometido com a ética protestante do trabalho, um corpo que recusa, inclusive, […] a colonização do futuro. Esse corpo, então, estaria fincando mais e mais o pé no agora: nesse sentido, um corpo que é fruição.” Esta ideia estaria ligada à emergência das minorias sexuais nos anos 70: “De certa forma, na nossa sociedade ocidental, em particular, o prazer esteve muito vinculado a uma certa normalização de conduta sexual, e quando essa conduta não era normalizada as pessoas se sentiam enormemente infelizes.”
Paulo Leminski
O crítico fala de um corpo não reprimido, de pura alegria, em contraponto com a tradição crítica que coloca o presente como estado de martírio. O sofrimento cultuado pelos grupos políticos de esquerda no Brasil tinha como projeto de redenção a possibilidade de uma utopia social. Santiago se posiciona contra este estado de pobreza: “Invertendo os termos, dizendo que o presente pode ser vivido, pode ser vivido alegremente, sem as amarras da repressão, estaríamos descondicionando a possibilidade de um pensamento dito utópico.” Nos versos de Leminski:
Esta ideologia está em coalizão com a micropolítica do desejo de Felix Guattari e o comportamento aqui-agora do movimento hippie dos anos 70, que vulgariza conceitos de filosofias orientais, como o hinduísmo e o zen-budismo. Os hippies trazem a ideia do prazer na realidade do presente, em que a utopia não se adia, em que o estado paradisíaco é vivido todos os dias. A poesia de Leminski constrói a catarse do agora contra a repressão do presente – no contexto histórico, a saída da ditadura militar para a ditadura da economia global. Contra um sistema no qual a poesia é apenas o desejo, os artefatos de Leminski tornam-se instrumento crítico que corroem conceitos e fazeres mumificados, como na genial inversão distraídos venceremos do título de livro publicado em 1987, que carnavaliza o bordão Unidos, venceremos.
Um dos recursos usados pelos poetas para combater o regime repressor foi o humor. Santiago diferencia dois processos usados nos movimentos de poesia de protesto. O primeiro, a paródia, é um recurso valorizado como instrumento potencial de irrisão contra o poder instituído, uma ruptura. O segundo, o pastiche, é uma derrisão que enfraquece o poder da crítica: A paródia significa uma ruptura, um escárnio com relação àquela estética que é dada como negativa. O pastiche não rechaça o passado, num gesto de escárnio, de desprezo, de ironia, escreve Santiago.
A paródia tem o mesmo grau de irrisão do instituído pelo mote Tupy or Not Tupy, inscrito no Manifesto Antropofágico de Oswald, em 1922. A lição modernista foi incorporada por Leminski, que desde sua aparição pública nos jornais em Curitiba, achincalha o culto ao conto e a figura monumentalizada de Dalton Trevisan, nos anos 70 e 80. Neste momento, seu embate não é contra as inovações de Dalton (a linguagem sintética, a opção pela “cor local”, adotadas por Leminski) e sim contra a institucionalização de Dalton.
Ferreira Gullar
A dor tão elevada que é capaz de fazer rir, evocada por Alice Ruiz no prefácio do livro La Vie en Close foi a tática de uma guerrilha que tem no riso, no chiste, no witz, na desconstrução de clichês e no aproveitamento de palavras de ordem seu núcleo. Este tipo de guerrilha cultural seria herança do Tropicalismo. Para Ana Cristina César, a Tropicália é a expressão de uma crise, uma opção estética que inclui um projeto de vida, em que o comportamento passa a ser elemento crítico, subvertendo a ordem mesma do cotidiano. A ideia de enfrentar o sufoco político com as armas do cotidiano foi legitimada em Leminski.
Dois adversários no campo da estética da poesia lutam contra um inimigo comum. E filiam-se à tradição literária brasileira inserindo mais uma paródia da Canção do Exílio, desconstruindo o nacionalismo original. Enquanto a nação desaparece, a infância torna-se território mítico e o corpo, o único sacramento, para Gullar. Já Leminski percebe que até a infância será vendida, restando, para a poesia, sua única arma de luta: o prazer de provocar sentidos.
Insílio: De acordo com Paul Ilie, inner exilie são os que vivem o exílio em seu próprio país. O conceito nasce baseado em sociedades autoritárias. Os insilados ficam presos no país sofrendo os desmandos do regime. Ilie discute o inner exilie da sociedade espanhola sob o regime franquista, não exiladas de acordo com o modelo clássico, mas tiveram a liberdade restrita, sofrendo com a negação, dominação, anulação, intolerância.
BIBLIOGRAFIA
Livros
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