O mês de dezembro dá às caras trazendo em sua costumeira bagagem a época do ano em que histórias de amor, redenção e misericórdia pipocam por todos os lados. Ninguém consegue ficar imune – e duvido que, depois da capitalização do nascimento de Jesus Cristo, alguém tenha conseguido. Em meados de 1843, o escritor inglês Charles Dickens apresenta a jornada espiritual do avarento Ebenezer Scrooge em “Um Conto de Natal” (original “A Christmas Carol”). O conto foi sucesso instantâneo e eternizou a mágica transformação pessoal de um sujeito desprezível – mudança auxiliada diretamente pelos encantos natalinos. É também fruto do mês de dezembro a comovente história da “Pequena Vendedora de Fósforos”, escrita pelo conhecido Hans Christian Andersen. O conto narra a desventura de uma pobre menina que padece de frio, fome e solidão, enquanto o mundo terreno se refestela nas ceias de passagem do ano. A história serve para lembrar homens e mulheres da falta de empatia, solidariedade e caridade, princípios básicos do Natal. No universo artístico, muitos são os exemplos de odes natalinas, incluindo pinturas (a exemplo das obras de Di Cavalcanti, Anitta Malfatti, Goya, Rembrandt, Benjamin West) e músicas (como o CD “25 de dezembro”, da cantora brasileira Simone, que toca em looping eterno por todo o país).
Até mesmo esta coluna cultural foi arrebatada pelo “espírito de natal” ao adiar as impressões sobre um curta-metragem com temática de suspense/terror psicológico para falar da animação “O Natal do Burrinho”, produzida há 31 anos atrás pelo diretor gaúcho Otto Guerra e com co-direção de José Maia e Lancast Mota.
Otto Guerra (Foto: Maurício Capelarri)
São rápidos cinco minutos para acompanhar a triste história de um burrinho solitário que vaga por terras desérticas. Logo nos primeiros segundos, uma melancólica trilha sonora acompanha a sorumbática caminhada do burrinho noite adentro. O animal guarda certa semelhança com Bisonho, personagem da turma do Ursinho Puff cujas feições cansadas parecem revelar torpor e um “ânimo exausto” – por mais que essa afirmativa soe uma contradição em termos.
Sozinho, o burrinho bebe água, chora no lago e dorme embaixo de uma árvore. A vida seguiria seu curso depressivo se não fosse por uma família que aparece no meio do deserto. Pai, mãe e bebê chamam a atenção do burro, que decide seguí-los e ajudá-los. Os rostos dessas pessoas não são visíveis, mas é possível distinguir os traços de José, Maria e Jesus em sua fuga para o Egito. Esse episódio é amplamente ilustrado nas artes e pode ser inferido no curta-metragem tanto pela indumentária das personagens quanto pela passagem de soldados romanos – representados pelos seus olhos raivosos e pelo estandarte com o acrônimo SPQR, frase latina que pode ser traduzida como “O Senado e o Povo Romano”.
Pintura “The Nativity of Christ”, de Vladimir Borovikovsky
Depois de enfrentar longas distâncias, tempestades de areia e frio, a família e o burrinho conseguem chegar ao destino final. Esse acontecimento transforma a vida do animal, lançando‑o para o encantamento dos finais felizes. No entanto, Otto Guerra nos surpreende com um desfecho inusitado que, em um átimo de segundo, levanta outro ponto importante: o quanto as “mudanças mágicas” são verdadeiras? Elas existem ou são objetos da necessidade ficcional, tão comum em épocas de fim de ciclo? A presença do burrinho soa como uma fábula disfarçada ou sem intenção. Mas está lá, oculta.
O Natal do Burrinho foi selecionado para os festivais de Bilbao (Espanha) e Oberhausen (Alemanha). Também conquistou o prêmio de melhor curta gaúcho no Festival de Gramado de 1984. Em uma época em que o estímulo à produção e circulação de obras nacionais não provocava inveja a ninguém, esbarrando na falta de incentivo, interesse e espaço – fato que, apesar de notáveis melhorias, permanece até hoje -, Otto Guerra e sua equipe apostaram na animação. Se a crença em fábulas for capaz de mudar a concepção dos financiadores e do público do cinema nacional, cabe uma dica: a história “O Cavalo e o Burro”, de Monteiro Lobato.
Em Paranaguá, minha cidade natal, ainda não há ciclistas, clicloativistas, nem bikeiros. Há pessoas que usam a bicicleta como meio de transporte. É uma sensação confortável estar na minha cidade natal com músicos na praça e bicicletas. Em vez de ouvir “The Wall”, eu penso em “Cinema Paradiso”. Em breve esta aldeia será igual a todas as outras, com a instalação de dois shopping centers — todos os que ainda andam de bicicleta terão seu carro. Há tempos li que o fotógrafo Pedro Martinelli foi morar na Amazônia para registrar os últimos momentos da floresta em pé. Também quero acompanhar esse momento de transformação em que a minha pequena cidade vai ser se tornar igual a outra qualquer.
Empresários indo trabalhar de bicicleta em Kobe, Japão (Foto: Thad Roan — Bridgepix)
Na Alemanha, na Holanda e na Bélgica, na China e no Japão, países em que a bicicleta não é meio de mobilidade alternativa, mas preferencial, as pessoas levam tudo sobre duas rodas. Os japoneses, mais elegantes: executivos pedalam de terno e gravata e hábeis, empunham o guarda-chuva numa das mãos e com a outra agarram o punho do guidão; senhoras alinhadas na última moda desfilam com graça. Os chineses já se parecem mais com os caiçaras, levam a mulher e o filho e a mudança de casa sobre a bike.
No filme “Butch Cassidy and Sundance Kid”, Paul Newman tem uma famosa cena de bicicleta com Katherine Ross. Lá, explica que para os chineses, quando uma mulher e um homem andam juntos numa bicicleta estão namorando.
31Dada a profusão de bicicletas na cidade, meu avô, Kingo Kubota, ao instalar-se na cidade, teve visão de negócios. Abriu a Bicicletaria Santa Cecília, homenageando a cidade que morou anteriormente, no norte do Paraná: Santa Cecília do Pavão. Como todo bom japonês, meu avô cultuava rituais e adorava homenagens. Meu nome, por exemplo, é uma homenagem a outra cidade em que morou, no interior de São Paulo: Marília.
Cena do filme “Butch Cassidy and Sundance Kid” (1969)
Fui uma criança cujo pai era dono de uma bicicletaria. Meus colegas de escola achavam que eu era a criança mais sortuda do mundo. Era o tempo em que nosso sonho consumista era ganhar uma Caloi, graças à propaganda televisiva: “Eu quero a minha Caloi”, anunciavam em todas as telas. Aprendi a andar de bicicleta com rodinhas e depois, sem rodinhas, caindo algumas vezes. Certa vez, minha escola promoveu um passeio de bicicleta e não fui. Todos me olharam espantados.
Além de vender bicicletas que ele mesmo montava, com a carcaça de bicicletas usadas, meu pai também tinha uma oficina. Os primos de meu pai e meus dois irmãos trabalharam na oficina. Um dia meu irmão mais velho foi para a escola com a mão suja de graxa. A professora perguntou o que era aquilo. Ele ficou com vergonha e nunca mais quis voltar pra escola.
Meu pai, Satoru Kubota e minha mãe, Tijiro, ao lado de minha tia Tereza, o trio em frente à Bicicletaria Central. (Foto: Kingo Kubota)
Depois de anos, meu pai decidiu ampliar o negócio de duas rodas para quatro. E passou a vender peças de automóveis. Os primos já não trabalhavam com ele, meu avô havia partido, e o irmão envergonhado não sujava a mão com graxa. No ano de 1995, meus pais foram ao Japão pela primeira vez e viram de perto como o japonês se movia nas grandes cidades com bicicletas. Abandonavam suas bicicletas no estacionamento e pegavam outras, como guarda-chuvas. Já não se comoviam com as magrelas.
Desde que o cicloativismo começou a ganhar força em Curitiba e nas grandes metrópoles, impulsionado pelo exemplo das cidades europeias, passei a ver a bicicleta com os olhos de outros. Não era mais o ganha-pão de minha família, que pagou meus estudos. A bicicleta agora é transporte alternativo na mobilidade urbana.
Em Paranaguá as magrelas continuam em sua condição provinciana. Indo e vindo, levando o mundo sobre duas rodas. Penso que voltei numa hora boa para reciclar meus conceitos sobre a minha aldeia.
“Tudo ao meu redor são rostos familiares, lugares desgastados, faces desgastadas. (…) Os sonhos nos quais eu estou morrendo são os melhores que já tive”
(Mad World, composição do Tears for Fears na voz de Gary Jules).
Certos lugares são devastados por catástrofes naturais ou por extermínio bélico. Mas existe um tipo de desolação que chega sem alarde e se instala. Algumas vezes, ela nasce junto com o lugar. Há os que correm desesperadamente para fugir. E há os que ficam. O filme Gilbert Grape – Aprendiz de Sonhador (original What’s Eating Gilbert Grape?), do diretor sueco Lasse Hallström, conta a história de um jovem que permaneceu no mesmo lugar, enterrado pela rotina de uma cidade onde o relógio parou.
Gilbert (Johnny Depp) vive em Endora, pequena cidade engolida pelo tempo. Depois do suicídio do pai, ele assume a responsabilidade pelo sustento da família. E não apenas isso: Gilbert vive integralmente para cuidar de seu irmão Arnie (Leonardo DiCaprio), um adolescente com problemas mentais, e de sua mãe (Darlene Cates), que sofre de obesidade mórbida. Há ainda duas irmãs, Amy (Laura Harrington) e Ellen (Mary Kate Schellhardt), criaturas atrapalhadas que tentam auxiliar Gilbert, mas acabam cobrando mais do que ajudando.
A família de Gilbert Grape
Trabalhando como faz-tudo em uma mercearia, Gilbert leva Arnie a todos os lugares. O grande evento do ano para os dois irmãos é a passagem de trailers pela estrada que cruza a cidade. Em uma dessas passagens, um dos veículos quebra e precisa permanecer na minúscula Endora por algum tempo. Esse simples fato fortuito é o ponto de transformação na cabeça de Gilbert, já que ele conhece Becky, garota viajada e cosmopolita, que acompanha a avó em excursões pelo país. Vivida pela atriz Juliette Lewis, Becky é o contraponto de Gilbert: enquanto o jovem tem olhos tristes, pesados pelas obrigações que nunca cessam e precisa conviver com sonhos acorrentados, a jovem é viva, intensa e efusiva. No lugar dos arroubos escandalosos, Becky oferece outro tipo de carpe diem: ela apresenta para Gilbert a imensidão de um mundo que está ali, expresso no pôr do sol ou na possibilidade de observar a poesia no invisível. Esse é um dos pontos interessantes do filme.
Leonardo DiCaprio, Johnny Depp e Juliette Lewis
O enredo sem pirotecnia começa a ganhar o coração do espectador com a atuação sensacional de Leonardo DiCaprio. Os gritos e brincadeiras de Arnie arrancam emoções do peito e despertam o olhar para a existência interior de pessoas que fogem dos padrões considerados normais. As limitações mentais de Arnie não o impedem de sorrir, ser feliz e procurar o carinho incondicional do irmão. Pelo contrário: o espectador observa um adolescente que consegue viver em Endora sem que a monotonia da cidade o empurre para dentro do poço. Nesse caso, a ignorância do mundo funciona como uma benção. Indicado ao Oscar em 1994 na categoria de melhor ator coadjuvante, DiCaprio merece cada menção honrosa pela atuação. Ele alcança os gestos, olhares e padrões de comportamento de uma pessoa com deficiência mental. Na época com dezenove anos, o ator deixou muito veterano de queixo caído.
Johnny Depp como Gilbert
Na pele de Gilbert, Depp mostrou ser o homem ideal para viver o papel: os olhos melancólicos e pesados de responsabilidade; o jeito afável e dedicado com o qual tratava seu irmão e o desejo incessante de sair daquele lugar. Todas essas emoções ganharam contornos reais no rosto de Johnny Depp, que ainda não tinha sido possuído pelos trejeitos do famigerado capitão Jack Sparow, personagem que interpretaria uma década depois na série interminável Piratas do Caribe. Mais bonito do que nunca, Depp traz na expressão o desespero silencioso de Gilbert; sua inocência misturada ao comodismo e o medo de abandonar a sua benção e calvário: a própria família. Em Endora, a família Grape é a personificação da imobilidade da cidade: a mãe obesa que não sai de casa há sete anos; a própria residência da família, completamente imutável desde que foi construída pelo pai; a rejeição de Gilbert em conhecer o supermercado novo que abriu na cidade, ameaçando a sobrevivência do mercadinho em que trabalha, e a rotina de vida que leva: de casa para o trabalho e vice-versa. Sua única distração é o assédio constante da mulher do corretor Carver, a dona de casa Betty. Em uma das silenciosas crises existenciais de Gilbert, Betty revela qual é o motivo de querer manter um caso com ele, aumentando consideravelmente o caos interno do jovem Grape.
Leonardo DiCaprio como o jovem Arnie
O longa metragem surpreende pela emoção sincera, dicotomias e dilemas que podem estar perto de nós. Muitas vezes, seguimos mecanicamente os dias porque estamos presos na confortável bolha da vida ou em obrigações pétreas que transformam nossas existências em buracos vazios sem direito à esperança. A felicidade de Arnie, seu modo alegre de viver, a “benção da ignorância” e a capacidade de recomeçar os dias sem remorso são um ponto alto na mudança de perspectiva. O baixo orçamento de Gilbert Grape – Aprendiz de Sonhador provou que existem emoções ocultas na epiderme humana que aguardam a oportunidade de vir à tona, e independem de altos investimentos. O cinema abre espaço para essa pulsação se manifestar.
Os poetas Lau Siqueira, Vássia Silveira e Marília Kubota encontraram-se no último dia 24 de outubro em Curitiba e repetem a dose no próximo dia 05 de dezembro em Florianópolis e no dia 06 em Joinville, para realizar o lançamento de seus livros de poesia “Livro Arbítrio” (Casa Verde, 2015), “micropolis” (Lumme Editor, 2014) e “Febre-Terçã” (Off Flip, 2013), os três publicados por pequenas editoras. Reunimos os autores nesta entrevista para um pingue-pongue de ideias sobre poesia e a aventura das edições independentes e uma reflexão sobre a função social da poesia:
Vássia Silveira, Lau Siqueira e Marília Kubota
Por que mesmo não sendo autor iniciante, você editou seu livro por uma pequena editora?
Vássia Silveira: Porque não me atrai essa lógica do mercado das grandes editoras. Não tenho interesse em apertar, de forma automática, como criticava Chaplin em “Tempos Modernos”, os parafusos desta máquina. E muito menos ser um deles. O problema é que essa lógica é tão perversa que mesmo algumas editoras pequenas acabam sucumbindo a estratégias que mostram certo desprezo, desrespeito pelo autor — quando, do ponto de vista da pequena editora, ele não é um nome “vendável”, não faz parte de panelas, não tem cacife para concorrer a editais do governo nem está incluído no mundo das feiras literárias. O que me faz pensar que o caminho está no artesanal e na força da coletividade, em iniciativas onde o autor é também um fazedor de livros. Acho fantástico, por exemplo, o movimento cartonero na América Latina! Ele rompe com toda essa lógica de mercado, é cultural, político, social, filosófico, poético e de resistência.
Lau Siqueira: As pequenas editoras são, atualmente, o principal campo de batalha da literatura contemporânea. O mercado editorial está por demais concentrado e as grandes editoras estão transnacionalizadas. Não se interessam por literatura brasileira. Menos ainda pela literatura contemporânea. Se limitam, no máximo, à republicação dos canônicos. O que se vê predominar nas grandes livrarias é uma literatura estrangeira de baixa qualidade ou mesmo livros de auto-ajuda. As pequenas editoras vêm cumprindo um papel importantíssimo na condução da literatura e especialmente da poesia contemporânea. Com raríssimas exceções, a literatura brasileira contemporânea tem passado “muito bem, obrigado” por fora das grandes editoras e até mesmo por fora do mercado formal do livro. Não acho isso ruim. Pois o mercado do livro é algo extremamente perverso, mafioso. Nós não existimos para eles e eles não existem para nós. E a vida continua.
Marília Kubota: “micropolis” é meu terceiro livro de poemas. Escrevo desde os 15 anos, mas demorei para publicar o primeiro de livro poemas, “Selva de sentidos”, produzido pela artista Jussara Salazar, em selo de sua autoria, o Água-forte Edições, em 2008; o segundo foi “Esperando as bárbaras”, publicado pela Blanche, de Curitiba, em 2012. A Lumme é conhecida pela publicação de boa poesia, brasileira e estrangeira. Optei por esta editora por causa de seu catálogo e qualidade no trabalho de edição de Francisco Santos. Se pudesse, gostaria de ser publicada pela Cosac Naify ou Record, mas sei que atualmente só pagando um agente literário ou fazendo lobby se consegue entrar numa grande editora.
Você acha que poesia não vende, como reza a lenda?
Vássia Silveira: Acho que quem lê poesia, compra poesia. Agora é claro, vivemos em uma sociedade onde o consumo está cada vez mais vinculado ao marketing. E no caso do livro parece que as estratégias têm que partir também do autor: o cara (ou a cara) tem que ser bom (ou boa) em marketing pessoal. Isso pra mim é um problema, sabe? Porque sou meio bicho do mato e não tenho disposição para criar um personagem fora da literatura.
Lau Siqueira: Não vende? Como assim? Baudelaire continua vendendo. Fernando Pessoa continua vendendo. Drummond continua vendendo. Semanalmente são lançadas dezenas de livros de poesia no país inteiro. Alguns com ótimos índices de venda. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, nos mostra que em algumas regiões, como a região do Pajeú (PE), a poesia é mais popular que livro religioso. Essa história de “poesia não vende” é que é uma lenda. É certo que ninguém está enriquecendo com venda de livro, mas dizer que poesia não vende é uma blasfêmia. Vende sim! O que não há é um único autor vendendo demais. Há um certo equilíbrio. Ainda não está sendo possível excursionar pela Europa com nossos livros, mas já é possível viajar para Curitiba e Florianópolis, por exemplo.
Marília Kubota: Leminski uma vez escreveu num ensaio que os poetas deviam rejubilar-se porque poesia não vende. Não vende porque é um inutensílio, não serve a ninguém nem a nada, a não ser para dar prazer a quem cria e a quem aprecia. Tem o mesmo valor de um beijo, o ato sexual, contemplar saguis no Parque Barreirinha ou matar o trabalho para ir ao cinema. Hoje, quando tudo, até a nossa opinião e gostos se transformaram em mercadoria para as empresas pontocom, a poesia segue como peça de resistência. O mercantilismo tenta a todo custo comprar o poeta, especialmente o iniciante, que se deslumbra com prêmios, paratextos literários e a mídia. Mas a poesia resiste, diverte-se à margem do sistema, encarnada em palhaços como o performer Hélio Leite, que poucos críticos doutores considerariam poeta, mas até se tornou personagem de Adélia Prado. Glauco Mattoso, Ricardo Chacal, Alice Ruiz, Leila Miccolis, Nicholas Behr, Douglas Diegues, Jose Kozer, Reynaldo Jimenez são a evocação da graça, seguindo a máxima de Oswald de Andrade: a alegria é a prova dos 9. Se não existe diversão não é poesia. Vender ou não vender não faz parte dos ócios do poeta.
Marília Kubota
Que estratégias os poetas devem usar para distribuir seu livro?
Vássia Silveira: Olha, minha experiência não ajuda a responder esta questão. A única coisa que entendo de distribuição é o que fiz com o “Febre Terçã”: saí distribuindo, literalmente, entre amigos e leitores de poesia.
Lau Siqueira: Acho que a principal estratégia é a venda direta. Fazer tardes, noites,manhãs de autógrafo. Olhar no olho do leitor. Usar as redes sociais para distribuí-lo nacional e internacionalmente. Os esquemas de distribuição nas redes de livraria são charmosos, mas extremamente desfavoráveis aos poetas em todos os sentidos. Buscar os lugares alternativos é a principal estratégia. Monteiro Lobato já fazia isso nos anos 30. Escreveu uma carta para comerciantes do país inteiro com a seguinte pergunta: “você quer vender, também, uma coisa chamada livro?” Com isso abriu mais de 2.000 postos de venda para os seus livros, em armazéns, farmácias, estabelecimentos diversos espalhados no Brasil. A cultura alternativa, aliás, possui um mercado bem generoso e razoavelmente democrático espalhado pelo Brasil.
Marília Kubota: O bacana da poesia é encontrar outros poetas. As estratégias vão acontecendo com os encontros. Dois poetas juntos são pólos que atraem energias positivas e potencializam a criação do combustível mais poderoso do planeta, a alegria. O encontro entre dois criadores gera felicidade; estratégias para distribuir livros surgem das faíscas de felicidade: os poetas podem doar seus livros uns aos outros — como fazem com frequência — ou contratar uma distribuidora — o que é pouco provável — ou participar de eventos para vender seus parcos exemplares. O fato é que os livros de poesia são milagrosamente distribuídos. Uma pesquisa feita na última FLIP revelou que os livros mais vendidos foram de poesia. Mas a poesia sempre sobreviveu fora dos megaeventos de mercado, porque em cada canto do planeta há poetas juvenis, poetas madames, poetas empreendedores, poetas eruditos, que se galvanizam à voz dos menestréis, ou seja, ainda há necessidade de cultivar algo que não tem utilidade para o mercado.
Qual a sua visão sobre a poesia contemporânea?
Vássia Silveira: Tenho curiosidade e desconfiança ao mesmo tempo. Curiosidade em descobrir o que de bom está sendo produzido e desconfiança com o que o mercado (e as redes sociais) me diz que é bom. Movida por esses dois sentimentos, acabo me refugiando muitas vezes na poesia de autores que me acompanham desde sempre, o que não deixa de ser uma grande ironia…
Lau Siqueira: Está acontecendo, apesar de tudo. Há uma diversidade imensa. Numa quantidade assustadora. Um bom garimpo nos permite encontrar poetas importantes como Sérgio de Castro Pinto, Antônio Brasileiro, Líria Porto, Glauco Mattoso e muitos outros. Existe um panorama nacional se consolidando cada vez mais, entre diluidores e suicidas. As pessoas estão, de forma muito saudável, se afastando dos chamados “cabeças de rede”. Mas, acho que ainda é cedo para um olhar mais definidor. Alguém já disse que o cenário atual se parece com um liquidificador ligado. Ainda não dá pra medir a qualidade do suco.
Marília Kubota: não é diferente a poesia contemporânea da poesia do passado. Alguém já disse que as redes sociais democratizaram a imbecilização. Não sabíamos que havia tantos poetas por aí, agora esbarramos com eles em todos os lugares. Creio que na verdade há poucos poetas, isto é, poucos de fato se dedicam à pesquisa de linguagem, a criar algo novo. No Brasil, depois dos anos 90, temos Paulo Henriques Britto, Armando Freitas Filho, a poesia demolidora de Sebastião Nunes, Lucila Nogueira, Debora Brennand. Entre os mais novos, Carlito Azevedo, Claudio Daniel, Micheliny Verunschk, Jussara Salazar e Rodrigo Garcia Lopes. Da safra da nova geração (00), a singularidade e insularidade de Nydia Bonetti, embora ela tenha 50 anos. Uma novidade é a poesia étnica, isto é, poetas negros com consciência de sua identidade étnica, como Edimilson de Almeida Pereira e Nina Rizzi, trazendo à baila não apenas a reivindicação da negritude, mas vozes estranhas ao discurso canônico.
Vássia Silveira
Como vê a ansiedade dos novos autores em relação a prêmios literários ou indicações, a necessidade de ser legitimado a qualquer custo, seja negociando prefácios com críticos ou matérias em jornais?
Vássia Silveira: Acho engraçado e desolador ao mesmo tempo. Engraçado porque parece que isso realmente tem funcionado (e daí a desconfiança sobre a qual falei anteriormente). E desolador porque essa prática mostra que a literatura, em alguns casos, está deixando de ser um processo de reflexão e amadurecimento do autor com o texto. E veja, estou dizendo isso e me colocando, também, como uma autora nova. Porque minha relação com o texto está sempre inacabada, é um percurso que me sinto obrigada a fazer. E que não depende da legitimação do outro. Pra ser bem honesta, toda vez que leio ou ouço alguém se referir a mim como “poeta”, sinto um calafrio na espinha. Porque tenho medo do peso e da responsabilidade desta palavra. Prefiro pensar que estou no entre-lugar da poesia.
Lau Siqueira: Perda de tempo. Esse tipo de coisa a psicanálise resolve. Cada poeta é absolutamente responsável pela sua poesia. A preocupação central do poeta (novo ou velho) deve ser com a metalurgia da palavra. Escrever um poema é uma atividade muito difícil. Dividir essa preocupação com a necessidade de alpinismo é a negação da própria poesia. Os prêmios não representam nada. Absolutamente nada. Os prefácios robustos ajudam na terapia, mas não resolvem a cura. Matéria em jornal não representa nada, porque os jornalistas não leem nem o próprio jornal que editam, imagine livros de poesia. A “fama postiça” resolve apenas a necessidade de afirmação social de certos poetas, jovens de qualquer idade.
Marília Kubota: Vejo com preocupação a ansiedade do poeta jovem em ser consagrado imediatamente. “Poeta bom é poeta morto” é um adágio que considero válido para manter a autocrítica em alta. Flora Sussekind escreveu, no ano de 2005, o artigo “Hagiografias”, em que analisava a poesia de três autores da Poesia Marginal: Cacaso, Ana Cristina César e Paulo Leminski, mortos e em vias de serem canonizados. Dois seriam suicidas, apenas Cacaso morreria por fatores naturais, mas empedernido crítico da ditadura militar. O que importa hoje para o poeta – ou escritor – é o reconhecimento crítico antes que o autor encontre a voz poética. Para isto, vale tudo, desde ser empreendedor mambembe até bajular novos editores, críticos e outros poetas. Há novos autores que declaram não ter capacidade para comentar o trabalho de seus pares e se colocam à frente de sites que emulam revistas literárias. Para ser poeta é preciso ter lido muito, e de forma variada, ou seja, loucamente. A leitura fornece o senso crítico para separar o joio do trigo. Ao reconhecer que não têm senso crítico, tais autores fazem autopropaganda negativa: não têm leitura suficiente para se auto-avaliar, como poderão ser avaliados por outros leitores ? Numa discussão sobre os atentados em Paris, lembrei o final de “A montanha mágica”, de Thomas Mann: “Será que também da festa universal da morte, da perniciosa febre que ao nosso redor inflama o céu desta noite chuvosa, surgirá um dia de amor?” Um autor que escreva um texto como este não precisa ser distinguido com um prêmio. O prêmio é sua linguagem ter atingido o mais alto nível de compreensão e beleza sobre a complexidade da natureza humana.
Quais são seus livros de cabeceira ? Há um autor que pode ser considerado uma influência literária?
Vássia Silveira: Continuo me encontrando e me desencontrando no “Grande Sertão: Veredas”, no “Livro do Desassossego” e em “Água Viva”. E fundamentalmente em um livrinho pequeno que ganhei aos 15 anos de meu pai e que inclusive dei de presente também para minha filha mais velha: o “Cartas a um jovem poeta”, do Rilke. Então acho que posso dizer que estes são meus livros de cabeceira. Sobre a influência literária, é complicado… Não sei se posso apontar o nome de um autor ou autora somente. Porque tudo o que me afeta passa, de alguma maneira, a fazer parte de minhas angústias em relação à escrita. O que posso dizer é que minha aventura como leitora foi marcada a ferro e fogo, e ainda na adolescência, por Dostoievski e pela poesia de Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Drummond… Eu não acharia nada ruim se pudesse escrever como eles ou como a Clarice, a Ana Cristina César, a Hilst.
Lau Siqueira: Não sei se tenho livros de cabeceira. Mas, autores de cabeceira. Sempre leio Antônio Cândido, Ezra Pound, João Alexandre Barbosa, Joan Brossa, Maiakovski, Fernando Pessoa, João Cabral, Augusto de Campos, Drummond e alguns poucos autores. Misturo poetas e teóricos, mas ando lendo poucos romances. No entanto, sou aberto às influências não apenas de poetas, mas de músicos como Jards Macalé, Itamar Assunção, Chico Cesar, Zeca Baleiro e outros tantos.
Marília Kubota: Considero Manuel Bandeira e Jorge de Lima os poetas maiores do Brasil. Tenho lido também e apreciado a obra de Murilo Mendes. Mas Paulo Henriques Britto e Armando Freitas Filho são hoje nossos poetas maiores. Me admira quantos leitores ainda se deixam cativar por Emily Dickinson, autora que cultuei na juventude, e Clarice Lispector. Por compromissos profissionais leio muita literatura japonesa, entre estes Banana Yoshimoto e o best seller Haruki Murakami, mas sei que a literatura deles é bobagem. Gosto dos tankas de Takuboku Ishikawa e Akiko Yosano, além dos quatro grandes mestres haicaistas, Bashô, Buson, Issa e Shiki e de haicaistas do Brasil, Nenpuku Sato, Masuda Goga e Teruko Oda. E adoro a poesia popular brasileira, a MPB: ouço de Chico Buarque a Edvaldo Santana, Estrela e Téo Ruiz e os incríveis PoETs, a banda dos poetas Alexandre Brito, Ricardo Silvestrim e Ronald Augusto.
Lau Siqueira
O que fazer com o cânone literário ? O cânone é uma referência para a obra de vocês ou estão na turma do deixa isto pra lá?
Vássia Silveira: A ideia de cânone me incomoda quando penso que há, por trás dela, uma relação histórica de poder que passa não só pela academia e por aquilo que ela legitima como “alta literatura”, mas também pelo olhar do ocidente em relação ao oriente; ou da Europa em relação à África, Ásia e América Latina. Por isso prefiro pensar no que não fazer com o cânone: ter uma postura ingênua frente a ele. Isso não significa, de forma alguma, ignorá-lo (ou ignorá-los, já que o cânone é diverso e mutável). Porque seria muita estupidez minha “deixar para lá” autores como Dostoievski, Tolstói, Shakespeare, Goethe, Kafka, Virgínia Woolf, Homero, Cervantes, Borges, Pound e Mallarmé para falar de alguns estrangeiros que li e sinto a necessidade de reler; ou de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Oswald de Andrade, Haroldo de Campos, João Cabral de Melo Neto, Mário de Andrade, Murilo Mendes, Manuel Bandeira. Enfim… Acho que é importante lê-los com fome suficiente para saber que há outras leituras inquietantes e não canonizadas. É preciso descobri-las também.
Lau Siqueira: Geralmente isso tem mais a ver com política literária que com poesia. Eu vejo isso de forma muito libertária. Não é assunto que deva preocupar um poeta. Que os generais da cena que decidam quem deve viver ou morrer. Não me interessa. Não perco meu tempo escolhendo fita métrica para saber quem é maior ou menor. Quando gosto de um autor, não interessas se é considerado canônico ou não.
Marília Kubota: Ultimamente leio poucos autores canônicos. Gostaria de ler mais Shakespeare e literatura de língua inglesa e francesa. Mas tenho descoberto os autores de língua portuguesa, de Portugal e ex-colônias: Saramago, Gonçalo Tavares, Sophia de Mello Breyner Andresen, Helberto Helder, Adília Lopes. Por isto me vêm a ideia de ler mais Camões, apesar de que quase todo bom autor em língua portuguesa dificilmente deixará de sofrer a influência do autor de Os Lusíadas. Embora não seja considerado no cânone ocidental, um projeto meu é ler o Heike monogatari, clássico que marca a ascensão do shogunato no Japão.
Como fica a questão da solidão criativa hoje, quando vivemos numa sociedade hiperconectada?
Vássia Silveira: A minha vai muito bem, obrigada. Primeiro porque gosto e preciso da solidão. E segundo porque sou louca o bastante para me manter conectada com a minha própria vida, o que já rende matéria suficiente para me tirar o sono, a fome e muitas vezes o riso. E quando falo da minha própria vida não estou me referindo às misérias cotidianas da Vássia enquanto mãe, mulher, filha. Mas das angústias da Vássia enquanto ser, estar e ver o mundo. Isso significa, por exemplo, que você não vai me encontrar, na rua ou no ônibus, com os olhos pregados a uma tela, porque tenho o péssimo hábito de observar as paisagens, as pessoas, aquela “vida besta” que falava Drummond. Então, para mim, a hiperconectividade é uma grande farsa, uma distração.
Lau Siqueira: A solidão, hoje, é coletiva. Exercitamos nossa solidão nas redes sociais sem nenhum pudor. Meu último livro, o Livro arbítrio, foi integralmente escrito no Facebook. É fruto de uma solidão compartilhada, curtida e comentada. Estamos vivendo no século XXI e não no século XIX. Na solidão do século XIX não tinha Wi-fi.
Marília Kubota: Tenho necessidade de solidão para criar. Quando estou em casa, em Curitiba, passo quase a maior parte do tempo a sós, lendo ou escrevendo. Através da internet consigo conversar com parceiros para produzir projetos ou eventos literários. Por força de compromissos profissionais e familiares, tenho menos momentos de solidão do que gostaria. Muitos falam que o autor deve se isolar para escrever – ir para a praia, fora de temporada, ou a algum lugar distante. Gostaria de poder fazer isto, mas é quase impossível. Se eu fosse para um paraíso ecológico ou uma aldeia, duvido que ficasse desconectada.
Vocês moram em cidades pequenas. Acham que não é necessário morar no eixo Rio-São Paulo para projetar suas obras?
Vássia Silveira: Bem, acho que temos exemplos recentes provando que não…
Lau Siqueira: No eixo-Rio/Sampa predominam as periferias, onde a sobrevivência se assemelha às pequenas cidades onde moramos. O país foi construindo novas referências, sem que se faça necessário buscar um “centro de projeção”. No mais, pra que projeção? Vamos vivendo o que nos cabe.
Marília Kubota: Com a sociedade constelada criada pela conexão por satélite, não parece mais necessário morar em metrópoles, como Rio e São Paulo. Mas o eixo cultural continua sendo as duas cidades, no Brasil. Se você é artista, não pode deixar de mostrar seu trabalho no Rio e em São Paulo para se projetar nacionalmente. Mas não é preciso mais morar e trabalhar nestas cidades.
A questão social em poesia é ultrapassada ? Poesia engajada é sempre panfletária? Como vê a apolitização de parte dos poetas contemporâneos, que optam por um ativismo seletivo — em relação a questões étnicas ou de gênero, ou à ecologia, por exemplo, deixando de se posicionar sobre grandes questões da humanidade, como as guerras e a política nacional e internacional?
Vássia Silveira: Não acho que seja ultrapassada e também não gosto de rotular como “panfletária” a poesia engajada. Sinto inveja dos autores que conseguiram ou conseguem levar para a poesia, e de forma clara, as grandes questões de seu tempo. Tenho consciência de que não consigo fazer isso, pelo menos não ainda. Sou lenta, demoro a processar aquilo que me impacta, o que faz com que eu facilmente seja encaixada nesse perfil que você traçou e criticou na última pergunta. Acho mais fácil, por exemplo, me posicionar de forma incisiva em relação a questões étnicas e/ou de gênero porque tive mais tempo para digerir a violência embutida nelas. E não por ser apolítica, muito menos por não me interessarem as guerras civis, o drama dos refugiados, o fundamentalismo, o ódio ao PT, as manobras da política internacional e seus desdobramentos na América Latina, na África ou na Ásia. Essas são questões que me afligem e sobre as quais procuro refletir e me posicionar em outras instâncias. Agora veja, estou falando de minha experiência. Não posso responder pelo silêncio dos outros.
Lau Siqueira: A poesia transita livremente pelo tempo. Em qualquer tempo. As temáticas escolhidas não alteram o produto final do poema. Nenhuma questão social ou política é ultrapassada. Na verdade são questões desafiadoras para a usina criativa de cada um. Cada qual sabe por onde caminha, mas existe até mesmo um certo preconceito quanto às escolhas temáticas desse tipo, o que eu acho uma bobagem. A matéria da poesia é a palavra. O resto é cenário.
Marília Kubota: A sociedade constelada facilitou a segmentação e fortaleceu a identidade coletiva. Stuart Hall fala sobre as identidades móveis, em que o indivíduo abandona a identidade com a nação e o território, buscando outro tipo de subjetividade, nômade. Durante muito tempo me identifiquei como nipo-brasileira até perceber que a hifenização não faz sentido: sou brasileira. Mas a aceitação de um biótipo diferente do europeu ainda está em processo na sociedade brasileira. A luta das minorias sociais, dos imigrantes, das feministas, dos negros, dos homossexuais, embora pareça assimilada, ainda está em processo.
Acho importante discutir estas questões, porque em tempos de recrudescimento político, tais minorias são as primeiras a serem socialmente rechaçadas. Creio que o poeta jamais abstém-se de ter uma posição política. Eu me recusei a fazer parte de duas antologias patrocinadas pelo governo do Estado do Paraná. Uma de contos, organizada pelo escritor Luiz Ruffatto, e outra de poesia, organizada por Ademir Demarchi. Foi numa época em que o governo fechou vários espaços culturais em Curitiba, cancelou verbas para projetos culturais no estado e apropriou-se dos direitos autorais dos colaboradores do JORNALNICOLAU, para fazer uma edição fac-similar, que até hoje está à venda. O NICOLAU, criado por uma equipe comandada pelo artista gráfico Luis Antônio Guinski e pelo poeta Wilson Bueno fez história na cultura do Paraná e do Brasil. A recusa foi um protesto contra os desmandos deste governo, que culminou no episódio de 29 de abril, o Massacre do Centro Cívico. Na época em que comecei a denunciar os abusos do governo do Paraná nas redes sociais, muitos me advertiram para ficar calada. Nunca consegui ficar calada, por isto jamais recebi indicações para participar de eventos literários, mas os colegas mais dóceis receberam. Declinei de participar da antologia “O verso da violência”, publicado pela Editora Patuá. Embora traga registros importantes, feitos pelos fotógrafos Lina Faria e Bruno Covello, me pareceu que a publicação da antologia não faria diferença na oposição a este governo arbitrário, no qual muitos se aproveitam para promover interesses pessoais através da máquina pública.
No conto “O pescador e sua alma”, o escritor irlandês Oscar Wilde narra a dramática história de amor entre seres de dois mundos distintos: de um lado, o homem da terra que, consumido pela paixão, é capaz de abdicar da própria alma. Do outro, a encantadora sereia, figura mitológica que pertence ao mar. Depois de infinitos percalços e dores, o apaixonado pescador encontra a redenção através do amor.
Hans Christian Andersen, famoso criador de contos de fadas, também abordou a figura da sereia, apresentando‑a como uma criatura que ama e sofre em doses cavalares. Anos depois, adoçando consideravelmente a história, os estúdios Disney imortalizaram – e recriaram — a personagem de Andersen com o filme “A Pequena Sereia”, em que a jovem princesa Ariel, ruiva, espirituosa e travessa, vive querendo descobrir como é a vida fora do mar. Ela se apaixona perdidamente por um príncipe humano e seus problemas começam.
Em 2011, a pequena sereia ressurge sem enredos de amor; pelo contrário, ela é a atração macabra de um freak show circense comandado por um sujeito com aparência de Mágico de Oz. Esse é o pano de fundo de “A Pequena Sereia” (original The Little Mermaid), curta-metragem do diretor Nicholas Humphries em parceria com a roteirista Meagan Hotz, autora da versão.
As cenas iniciais do curta carregam nosso imaginário para dentro de um pântano abandonado, salpicado por luzes que balançam como pêndulos em meio à névoa. Uma sensação miasmática de horror e podridão começa a percorrer os olhos e descer até à garganta. Pássaros sobrevoam o lugar, passando como bólide pela tenda do circo de horrores erguida no meio do nada.
Dentro do anfiteatro em ruínas, uma dúzia de almas curiosas observam os movimentos de uma sereia dentro da diminuta banheira em que se encontra. Ao contrário da beleza estonteante imortalizada pelos contos de fadas, a sereia do circo é uma criatura híbrida: características humanas se misturam a elementos marinhos, como cauda e escamas. No lugar do rosto parnasiano, uma sequência de cortes que lembram guelras.
Diante da pequena plateia, constituída essencialmente de trabalhadores e pessoas simples, o sádico diretor do circo lança a semente da violência, brutalizando e ridicularizando a sereia. Um dos elementos mais interessantes do curta é a ausência completa de falas: todos os “diálogos” são realizados por meio de imagens visuais e comunicação corporal — no caso da sereia, o olhar significativo grita sozinho.
Diante da falta de compaixão do homem que a mantém prisioneira e da dor de ter seu coração esmagado pela indiferença, a sereia precisa descobrir uma forma de livrar-se dos constantes abusos, agarrando-se à ideia de liberdade.
No filme, o tom sépia enfatiza a nostalgia quente, refletida em um ambiente arruinado, mas que continua despertando interesse por conta da tentação humana em absorver o bizarro. Outro ponto que merece destaque – também pelo uso do sépia — é a aura de sensualidade que brota do desconhecido. A lenda do hipnótico canto da sereia também está presente no curta e tem sua primeira aparição escondida em uma cena. No momento em que o espectador a encontra, ele consegue dialogar com a criatura do mar.
Direcionando o olhar para o terror fantástico, Nicholas Humphries investe em efeitos visuais (luz, maquiagem e edição são primorosos) e na criação de uma atmosfera imaginativa e nebulosa. Para os fãs do escritor Stephen King e de séries como American Horror Story, o curta “A Pequena Sereia” é um verdadeiro banquete.
Nestes dias de superlua e pôr-de-sol alaranjado todos olham para o céu. Diante de fenômenos astronômicos e geofísicos extraordinários voltamos a ser mulheres e homens paleolíticos, embasbacados pelo poder das forças naturais, Passamos a girar em torno de satélites, astros e estrelas do zodíaco. Não como simples consulentes de horóscopos, mas como seres deslumbrados sob o cosmo desconcertante.
Não por acaso há uma correspondência entre os signos celestes e os signos linguísticos. “As estrelas no céu lembram as letras no papel”, cantou o poeta. Nos primórdios, a lua e as estrelas eram fonte de inspiração para os aedos. Cantava-se para uma noite romântica, que ocultava em seu manto negro galáxias a serem descobertas por cientistas e astrônomos, séculos adiante. Munidos de lunetas e telescópios potentes, os cientistas desmistificaram a abóbada celeste. Apesar de hoje sabermos que as estrelas que vemos no céu são corpos movendo-se a anos-luz da Terra, o encanto não se diluiu.
Falando em romantismo, embora para a maioria dos ocidentais esta face não seja a mais visível, o japonês tem sua porção sentimentalista bem acentuada. Evocando o mote “olhar para o céu”, lembro uma canção que fez sucesso nos anos 60: Ue wo muite arukou. Na voz de Kyu Sakamoto, a canção japonesa, cuja tradução do título é Ande olhando para o céu, cruzou os mares e ecoou nas Américas, rebatizada nos Estados Unidos como Sukiyaki.
A letra aparentemente aborda um fracasso amoroso e incita o amante rejeitado a seguir em frente, de cabeça erguida. A canção, que em 1963 atingiu o topo das paradas de sucesso americanas, tornou-se um hino para os japoneses. Não se trata de uma simples canção romântica. Seu autor, Rokusuke Ei, escreveu a letra enquanto ia para casa, voltando de protesto estudantes japoneses contra a presença militar dos americanos no Japão. Desde a derrota na 2a. Guerra Mundial, o Japão se tornou uma nação ocupada e até hoje a ilha de Okinawa mantém uma base militar americana, tornando-se um ponto estratégico dos EUA no mapa geopolítico da Ásia. Vários cantores do mundo todo gravaram a canção, inclusive brasileiros. Há uma versão da canção em que Daniela Mercury a canta, em japonês, com sotaque e ritmos brasileiros. Para levantar os ânimos dos japoneses desabrigados pelo tsunâmi de 2011, vários músicos japoneses gravaram a canção, com arranjos que vão do pop ao jazz.
Isto eu escrevi porque hoje faz 6 meses completos de luto pela morte de meu companheiro. Durante 6 meses a alegria muitas vezes bateu à minha porta e eu a ignorei. Hoje à noite, olhando para céu, percebi que não posso mais deixar a porta trancada. Não posso chorar pelo amado que se foi pelo restante da vida. Tenho amigos que se enlutaram e até hoje continuam chorando suas perdas. Mas não consigo mais resistir ao clamor do céu.
O céu que se alaranjou na última semana de outubro é a confirmação de uma nova primavera. Primavera que pergunta, em sussurro: “você perdeu seu companheiro e tem 51 anos. E agora?” Agora só posso continuar ouvindo Ue wo muite arukou e andar olhando para o céu.
Conheci a literatura de Mia Couto durante o período em que fiz Doutorado em Recife. Juntei-me a um grupo de estudos denominado Literatura Africana: narrativas da descolonização, sob a coordenação de Silvia Cortez Silva, minha professora e orientadora. Entre cafezinhos, bolos, livros e boa conversa, Mia Couto foi sendo assimilado por mim, ou melhor, ele foi comido, cheirado, absorvido pela minha fome de literatura e poesia.
Mia Couto nasceu em Beira, Moçambique, no ano de 1955. Faz parte de uma geração de escritores africanos de língua portuguesa. Herdou da cultura oral africana a habilidade de ouvir e contar narrativas. Na minha edição do livro “Cada homem é uma raça: contos” (editora Cia das Letras, 2013), inspirador dessa resenha afetiva e reflexiva, tenho registrado na contracapa um breve autógrafo do autor: “À Ana Cristina. Beijo. Mia Couto. 2013.” Guardo com muito carinho esse “quase” encontro, já que a obra foi um presente de minha ex-orientanda do curso de História, que terminou por se encantar com a obra do autor após a leitura de um artigo meu sobre outro de seus livros: “O Outro pé da sereia”. Mia Couto é um desses autores que encanta pela performance estilista, pela notável capacidade que tem de mover para sua escrita a sensibilidade e a delicadeza de quem aprendeu que a melhor batalha não é travada nos campos de guerra, mas nos domínios da escrita.
O livro “Cada Homem é uma Raça” é um conjunto de onze contos escritos em uma linguagem coloquial, mas não se engane o leitor, a obra não tem sentidos fáceis. Assim como a representação do numeral onze, na numerologia, diz respeito ao desafio e batalha, o autor irá lançar sob seu leitor uma luta intrigante por sentidos, já que os contos se referem a uma problemática bastante oportuna para nossa contemporaneidade: se cada pessoa é uma humanidade individual, qual é a intenção em se levantar bandeiras e preconceitos contra o Outro? Se cada indivíduo é uma fronteira, quem me garante que não estamos todos em trânsito, em amargo e sinistro estado de embriaguez?
Os onze contos se distribuem pelo espaço do livro, mas apenas para que não o percamos de vista. Eles infinitam as fronteiras do leitor e da leitura, os levando para outros cenários atemporais com personagens que mais parecem humanos (talvez sejam). Ainda no começo da obra, em formato de fragmento, Mia Couto nos faz pensar:
Minha raça sou eu mesmo. A pessoa é uma humanidade individual. Cada homem é uma raça, senhor Polícia.
Toda essa advertência para que o leitor se prepare para uma descida aos subterrâneos do sonho, da loucura, da amargura, do ciúme, da ausência e da solidão. O que fazemos quando nossa humanidade vaga em oscilantes desequilíbrios de desumanidade? O que somos quando nos resta apenas o pesadelo e a desilusão?
Mia Couto
“Cada Homem é uma Raça” é um conjunto de desequilíbrios narrativos equilibrados pela suavidade e perspicácia do autor, que enche de sentimentos e ressentimentos os sujeitos que transitam sob o espaço da obra. No conto A Rosa Caramela, a personagem é corcunda e magra e tem uma desorientação bastante inabitual: vivia apaixonada por estátuas. Sondam alguns que o motivo tenha sido o sonho frustrado de ser noiva. Ela inventara-se noiva no desassossego dos seus sonhos em ter uma festa de casamento com brilhos e cortejos. Enamorou-se de estátuas com a leveza de quem se apaixona pela frieza do amor não correspondido. Era sua loucura que a fazia perder o juízo? Ou teria sido a falta de afetividade com aquela que era sem beleza para se acomodar na (ir)realidade de um casamento?
A loucura de Rosa Caramela cruza-se na narrativa com a do Tio Geguê e do seu sobrinho, que passam a narrativa vivendo em um universo de insanidade e alucinação. Os dois personagens vivem cada um a seu modo a desilusão da guerra e da orfandade. O Tio Geguê havia se tornado participante de um grupo de vigilância e sabendo somente marchar foi para guerra. O sobrinho, que vivia tempos de alucinação, achava ter falado com a mãe que nunca conhecera. Ele imaginava que seu pais não quiseram “ver transitando de bicho para menino, ranhando barbas, magro até na tosse.” Ambos caminham pela narrativa ébrios de nascença e de ausência e desconfiavam que “a morte se tornava tão frequente que só a vida fazia espanto”.
Mas não é somente loucura e alucinação que individualiza, humaniza e fragiliza os personagens da obra de Mia Couto. O moído cotidiano do sofrimento castiga e chega a criar uma ilusão de pertencimento. Rosalinda é gorda, cheia de saudades do sofrimento que havia vivido com seu finado marido Jacinto. No cemitério, por vingança, troca as inscrições dos túmulos vizinhos para que suas antigas namoradas não lhe acomodem saudades e choros. Espancada e traída, via no gesto sua última forma de vencer os terríveis anos que havia passado em sua companhia. Somente na morte seu sofrimento findava; somente na morte e na troca do aqui jaz poderia ser finalmente esposa.
A temática sobre machismo é recorrente na obra de Mia Couto que inventa outro personagem quase mítico, um pescador que fica cego durante uma das suas pescarias e não aceita que sua mulher fosse pescar e desse ordem no barco. No intuito de desmobilizar a mulher de suas intenções, ele leva o barco — juntamente com os filhos — para o alto das dunas. Fizera daquela embarcação primeiro sua moradia e depois o incendeia a golpes de insanidade na frente dos filhos e da mulher. Vivia a procurar seus olhos no mar e sem querer enxergar que a mulher precisou ir trabalhar para trazer mantimentos para casa. Desde o princípio da narrativa, o leitor é advertido: “vivemos longe de nós, em distante fingimento. Desaparecemo-nos. Porque nos preferimos nessa escuridão interior?”.
Mia Couto
“Cada Homem é uma Raça” é uma literatura de denúncia sobre as diferentes maneiras que erguemos muros e fincamos bandeiras. A aparência como requisito de sofrimento é um bom gancho de pensamento para refletirmos a partir de qual momento nossa aparência física passa a ser determinante para definimos quem somos. Os estrangeiros que perambulam pelos contos de Mia Couto são vítimas do olhar sempre indiferente do Outro. São perseguidos e vivem sob olhar atento da desconfiança e do medo. A lenda de amor entre um forasteiro e sua amada, que vivia em uma aldeia, é significativo para percebermos como somos rápidos em fazer julgamentos e lentos em aprimorar nossa humanidade.
O conto O embodeiro que sonhava pássaro narra a história de um vendedor de pássaros que passa a ser o principal suspeito em uma colônia de estrangeiros, que viam com desconfiança aquela difícil convivência com um homem pobre e preto, que vivia a andar pelo lugar vendendo pássaros e a roubar das crianças descuidados interesses. Aqueles que não gostavam daquela inadequada junção sentiam ciúmes do passado, da feliz arrumação das criaturas pela aparência. Em um desfecho fenomenal, o autor nos leva a pensar sob quais gaiolas vivemos presos? Somos pássaros que sonhamos com voo, mas apenas rastejamos pelo chão?
Os contos em trânsito deixam os leitores tontos. Somos levados a refletir que apenas quando repensamos nossas atitudes nos abrimos para revermos nossas certezas. Duarte Fortin, coxo e encarregado geral dos criados em uma mineradora, em confissão ao padre admite: — “Se Deus for negro, senhor padre, estou frito: nunca mais vou ter perdão”. Se existem certezas elas nos mantém cegos pela vida. Devemos procurar nossos olhos não no mar, mas na fundura de nosso Ser. É a partir de um movimento de reflexão e de responsabilidade ética com o Outro que poderemos abrir nossos escuros para melhor enxergarmos nossas tessituras. Vagamos pela leitura de Mia Couto procurando compreender e juntar os sentidos que habitam nos seus contos, mas apenas somos levados a uma viagem interior, em busca de nosso próprio processo de (des)humanização.
Quando comecei a trabalhar em jornal, minha primeira incumbência como estagiária foi fazer a página de óbitos. Eu detestava aquilo. Queria escrever críticas de livros e de filmes e ser célebre. Mas nem um estagiário é contratado para escrever críticas de livros e filmes. Para não ter que apenas digitar a página com o nome dos mortos do dia, inventava nomes estapafúrdios como Epaminondas Pantagruel e metia no meio da lista. Se alguém percebeu a pequena traquinagem, nunca fiquei sabendo.
A primeira reportagem que fiz na vida foi sobre irregularidades de estacionamentos privados na cidade. Eu não lia jornais locais, só revistas semanais e as páginas de cultura, além de 4 ou 5 livros de ficção por semana. Não sabia como funcionava a administração pública, nem os negócios. Trabalhei durante muito tempo na editoria “Geral”, como se chamavam os cadernos que traziam notícias e reportagens sobre a cidade. Entrevistei muito buraco de rua. Hoje nem sei como escrevi essas matérias. Além de tímida (não sabia fazer perguntas), não sabia escrever matérias para a editoria de notícias locais. Algumas devem ter sido estapafúrdias, e posso ter metido um poema ou citação literária no meio.
Até hoje não sei como consegui ser aprovada em todos os cursos vestibulares para os quais prestei concurso. No curso de jornalismo da Universidade Estadual de Londrina, nos cursos de Letras da Pontífice Universidade Católica do Paraná e da Universidade Federal do Paraná e no curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná. Se tivesse juízo, teria morado 4 anos em Londrina. Um dos professores do curso dizia que o jornalismo era arte, como a arquitetura. E que teve uma aluna que não conseguia organizar as ideias para escrever uma notícia. Me identifiquei imediatamente. Nunca consegui organizar ideias para escrever uma notícia. Não sei como fiz entrevistas e escrevi reportagens durante 25 anos de profissão.
Revisores e editores sempre sofreram comigo. Na verdade, jamais publiquei poemas meus nos jornais em que trabalhei. Também não escrevia textos poéticos em reportagens jornalísticas, embora algumas notícias — pela minha falta de contato com a realidade concreta — fossem estapafúrdias.
Com o tempo, aprendi a não levar tudo tão a sério. Mas ainda é difícil ser simpática e agradável o tempo todo. Em grupo, gosto de ficar em silêncio, mais observando do que falando. Sozinha, gosto de curtir melancolia e ler sobre tipos esquisitos. Se um poema, crônica ou novela trata da vida de um tipo esquisito, me apaixono, como os bizarros de J.D. Salinger ou os solitários de Dostoievski.
Hoje em dia prefiro seguir o caminho contrário ao dos que se apressam para chegar a algum lugar. Ando em ruas solitárias e descubro que alguns consensos podem ser rompidos. Andando a pé, converso com moradores de rua e muitos parecem não ser perigosos. Pelo contrário, têm medo de receber um não. Não devia conversar com desconhecidos. Isso acontece por acidente. Alguém pede dinheiro e eu digo que não tenho, mas dou um sorriso. Daí o marginal perde o medo e começa a conversar.
Algumas pessoas me acham insuportável por esquecer tudo. Desde acontecimentos a nomes de pessoas. Esquecia o chuveiro ligado ou a chave na porta de casa. Cheguei a esquecer de pegar documentos para ir viajar, as passagens de avião ou as malas. Minha distração chega a tal ponto que acabo esquecendo muita gente. Nesse caso, corroboro o ditado “há males que vêm para bem”. Esquecer se torna uma dádiva quando é preciso apagar ofensas e ressentimentos da alma. Já dizia o inesquecível Mário Quintana; “tenta esquecer-me… Ser lembrado é como evocar/Um fantasma”. Assim é…
“Esta grande infelicidade, a de não estar só”, reveladora sentença do ensaísta francês La Bruyère (1645 ‑1696), foi escolhida pelo contista e poeta Edgar Allan Poe, mestre da “beleza mórbida” literária, para ilustrar o conto “O Homem da Multidão”. Publicada em 1840, a história narra as percepções feitas por um homem que observa o trânsito de pessoas na rua. A partir das características físicas, indumentárias e gestuais, o observador vai desnudando a identidade de personagens anônimos. Em dado momento, quando avista um sujeito idoso, com roupas que escondem requinte atrás da sujeira e movimentos ansiosos para se misturar à multidão das ruas, o narrador inicia uma louca perseguição. A cada novo passo, ele percebe que o “homem das multidões” recusa-se a estar só; seu maior desejo é perambular anonimamente entre a turba londrina.
Ser alguém sem nome e sem rosto no furacão coletivo, acalenta a consciência humana com uma falsa sensação de segurança, construindo um castelo de areia contra o medo da morte. A solidão e a morte andam de braços dados, tornando o indivíduo apenas uma partícula inexistente entre tantos organismos vivos. Esse é o sentimento de Almeida, personagem do curta-metragem O Dia M, dirigido por Paulo Leierer. Interpretado pelo ator Caco Ciocler, Almeida é um homem na casa dos trinta anos que descobre, através de exames laboratoriais, que seus dias de vida estão contados. Sozinho em sua casa, ele decide que precisa lidar com a situação e informar às pessoas próximas que está caminhando para a estrada do sono eterno.
No entanto, a notícia de sua morte não parece afetar absolutamente ninguém ao seu redor. Assim como o ‘homem da multidão’ de Poe, Almeida vai perambulando entre casas, ruas, pessoas e cemitérios, misturando-se ao cotidiano de rostos egoístas, cansados, amargurados e indiferentes. Lembrando a novela russa “A morte de Ivan Ilitch”, de Liev Tolstói, mas sem sequer ter a presença confortante de um Gerassim, o solitário moribundo Almeida se vê às voltas com as máscaras humanas. Perto do leito de morte, ele está só. Completamente só.
Sunday, 1926 por Edward Hopper
Duas das cenas mais assombrosas do drama são espremidas na cara do espectador logo no começo do curta, quando Almeida vai à casa dos pais para anunciar sua morte e, em seguida, procura contratar os serviços de um despachante funerário. No meio da incredulidade furiosa do pai e do deboche sarcástico do despachante, Almeida encara silenciosamente a fragilidade de tudo o que imaginava ser e ter.
On the Stream of Life — Hugo Simberg
Vencedor de Melhor Curta no Hollywood Brazilian Film Festival – HBRFEST em 2009 e do Troféu Shoestring no Rochester Internacional Film Festival, também em 2009, O Dia M foi selecionado em inúmeros festivais nacionais e estrangeiros. A anônima trajetória de um homem que percorre a multidão e que deseja desesperadamente ser notado, pois o dia de seu adeus definitivo galopa a passos largos e ele estará mais solitário do que a própria morte, confronta o indivíduo com sua existência: Será que significamos alguma coisa? Alguém sentirá nossa ausência? Atravessaremos sozinhos o abismo da morte? Até que ponto a atomização do homem o faz querer ser partícipe do coletivo, para depois empurrá-lo para a condição real de solidão e esquecimento?
Essas são algumas das questões com as quais o curta-metragem indaga o espectador, dando firmeza à proposta do diretor Paulo Leierer e de toda a equipe. Destaque para a trilha sonora do filme, com a faixa “First Breath After Coma” (álbum The Earth is not a cold dead place), da banda americana de post rock Explosions in the Sky.
Visualmente, O Dia M lembra uma mistura das pinturas solitárias de Edward Hopper com as lúgubres visões da morte retratadas pelo nórdico Hugo Simberg. Ou, nas palavras do poeta Rainer Maria Rilke: “A solidão é como uma chuva. Ergue-se do mar ao encontro das noites; de planícies distantes e remotas sobe ao céu, que sempre a aguarda. E do céu tomba sobre a cidade. (…) Então, a solidão vai com os rios…”.
Este é o primeiro, de uma série de sete artigos, que abordam vários aspectos do processo de criação dos quadrinhos.
Meu papel como cartunista-comunicador de ciências
Como um cartunista-comunicador de ciências, eu escolho deliberadamente tópicos que são pouco compreendidos pelo público em geral.
Meu objetivo é atrair temporariamente a atenção dos leitores através de quadrinhos profundos e bem desenhados, e depois desviar essa atenção de mim e direcioná-la para especialistas que têm soluções e informações abrangentes.
Flavor Flav e Chuck D., do grupo de hip hop norte-americano Public Enemy
Em outras palavras, sou uma espécie de Flavor Flav, e Hubbert, de Chuck D.
Sou apenas um hype-man para a ‘voz da autoridade’, M. King Hubbert.
Hubbert: “Não acredite no hype sobre o crescimento da produção de petróleo!” McMillen: “Yo Hub, eles devem estar fumando um, tá ligado?”
Escolhendo um tema sobre o qual o público tem pouco conhecimento
O Pico do Petróleo é um excelente exemplo de um tema importante que é mal compreendido pelo público em geral. Tenho conhecimento do problema há 10 anos e ainda me deparo com uma ignorância gigantesca ao falar com outras pessoas sobre o assunto:
“Ah, o petróleo vai acabar? Bom, nós podemos simplesmente mudar para outro combustível.”
“Mas eu ouvi dizer que encontraram um novo campo de petróleo enorme na costa [do Brasil, da Rússia, da Suazilândia…].”
“Mas o preço baixou. Problema resolvido, certo?”
“Ótimo! Mal posso esperar pelo Pico do Petróleo! Finalmente os árabes vão falir!”
Esses são exemplos do caleidoscópio de respostas mal informadas que ouço sempre que cito o Pico do Petróleo, ou outras questões relacionadas à sustentabilidade energética.
Meu quadrinho não aborda questões mês-a-mês, como a queda do preço de Dezembro de 2014. Também não entra em temas importantes como EROEI (sigla em inglês para Energia Retornada sobre Energia Investida).
Eu queria que meu quadrinho fosse mais “generalizado e atemporal”, em vez de “atual, mas prestes a se tornar obsoleto”.
Meu objetivo: criar a cartilha definitiva sobre o Pico do Petróleo
Eu sabia que não conseguiria produzir um compêndio absoluto sobre o Pico do Petróleo por meio de um quadrinho. Eu não poderia simplesmente incluir todos os fatos, números e nuances do assunto.
Em vez disso, decidi escrever a cartilha definitiva sobre o Pico do Petróleo, que funcionaria para o leitor como um curso básico de 20 minutos sobre o tema.
Meu objetivo era fazer um quadrinho que levasse uma pessoa com nenhum conhecimento sobre o Pico do Petróleo a uma compreensão razoável dentro de 20 minutos.
Mais importante: eu queria que fosse um recurso online gratuito, disponível no maior número possível de idiomas, dependendo apenas de quantos tradutores voluntários eu conseguisse recrutar. Ele está disponível atualmente em francês, alemão, espanhol, chinês, português do Brasil e outros idiomas (clique na ‘bandeira’ no canto direito superior do meu website: ).
Uma plataforma de lançamento para pesquisa independente
Espero que, após lerem meu quadrinho, os leitores sintam o desejo de aprender mais sobre o assunto por meio de suas próprias pesquisas e reflexões.
É através delas que as pessoas entenderão a EROEI (Energia Retornada sobre Energia Investida, em inglês). É através da pesquisa que as pessoas perceberão que a queda de preços em dezembro de 2014 não altera o problema fundamental: de que nós estamos queimando petróleo a uma velocidade muito maior do que o processo geológico da Terra o regenera.
Meu quadrinho leva os leitores à metade do caminho do conhecimento, mas conta que eles completarão a jornada por conta própria.
Pico do Petróleo: o irmão incompreendido do aquecimento global
Na minha experiência, a maioria das pessoas já ouviu falar de aquecimento global, mas nunca ouviu falar do Pico do Petróleo. O que é uma grande vergonha, pois acredito que ambos os fenômenos têm a mesma importância. Além disso, esses dois fenômenos provavelmente acontecerão simultaneamente.
Uma vez que o público já detém um conhecimento sólido sobre o aquecimento global, tratei o Pico do Petróleo como um fenômeno isolado no meu quadrinho.
Na realidade, o Pico do Petróleo e o aquecimento global serão fenômenos politicamente relacionados, com influências de um respingando no outro.
O Pico do Petróleo vai acontecer independente do aquecimento global e vice-versa. Mas seremos forçados a considerá-los como parte de um problema interligado.
Por exemplo, a necessidade de descarbonizar nossas economias pode resultar em uma “bolha de carbono não-utilizável” de combustíveis fósseis cuja queima consideramos inconcebível, dado aos conhecidos efeitos do aumento de gases do efeito-estufa. Isso respingará nos mercados de ações, e então, em economias maiores.
Nessa situação, a inclinação da “montanha-russa” será muito diferente do funcionamento da curva do Pico do Petróleo. Podemos ser obrigados a reduzir rapidamente a nossa utilização de petróleo, construindo uma montanha-russa que cai rapidamente e deixando muitas de nossas ‘treliças’ trancadas no estoque.
Esses são cenários além da minha previsão, e além do escopo do quadrinho. Com o Pico do Petróleo eu quis simplesmente aumentar o conhecimento público sobre o fenômeno de Hubbert, para que discussões bem informadas possam ser feitas sobre as decisões que precisam ser feitas.
Um chamado para apoiadores
Se você desejar, pode contribuir para a sua próxima experiência de leitura de quadrinhos no stuartmcmillen.com
Caso possa, por favor, compre uma cópia de $5 do Pico do Petróleo via PayPal, cartão de crédito ou Bitcoin. Caso deseje fazer uma doação maior, basta editar o valor de $5 no carrinho de compras. Uma outra alternativa é se tornar um apoiador mensal via Patreon.com. Desde já, agradeço!
Outros artigos sobre a ‘criação do Pico do Petróleo’
Este é o primeiro, de uma série de sete artigos, que abordam vários aspectos do processo de criação dos quadrinhos. O próximo da série é A Criação do Pico do Petróleo, parte 2: a filosofia do storytelling.
Tradução: Alana Carvalho Revisão: Daniel Kossmann Ferraz e Mara Vanessa Torres
O interrogAção é o tradutor oficial do Stuart McMillen. (Texto Original)
Seu nome, Miya, deveria ter sido Miyako. Na época em que nasceu, era proibido às japonesas nascidas no campo usarem o ideograma KO [子]. O uso era permitido apenas às mulheres de origem nobre. O ideograma miya [宮] significa templo xintoísta, príncipe ou princesa da família imperial. Sua mãe, Masa Sato, era de família nobre. Prometida a um noivo que não gostava, casou-se, por amor, com um homem abaixo de sua condição social. Por isso a família a deserdou. Miya tinha um irmão mais velho, Sadaji e dois irmãos mais jovens, Tome e Kameki. Muito jovem, minha avó se interessou por literatura. Em sua cidade, que fica na província de Saga, região sul, perto de Nagasaki, só havia bibliotecas na igreja presbiteriana. Ela se converteu, só para frequentar a biblioteca e ler a obra do escritor francês Victor Hugo. Sadaji e Kameki vieram para o Brasil antes das irmãs, nos anos 30 e começaram a trabalhar no cafezal da família Shinobu, na Colônia Nipolândia, em Birigui, na região oeste de São Paulo. Depois, vieram Miya e Tome.
Museu de Etnografia de Paranaguá (Foto: Kingo Kubota)
Kunyo Tiba, meu avô, marinheiro, também veio para o Brasil, com a missão de buscar a irmã, Miyoko. Ela resolveu se aventurar no “País dos frutos dourados”, como era chamado pela Imigração Japonesa. Veio como agregada da família Shinobu, um expediente comum na época. Famílias eram compostas por membros de diferentes origens, forjando documentos. Miyoko morava na “casa grande”, com a família artificial. Kuniyo não pôde voltar ao Japão, porque seu país havia anexado a Manchúria e começaram os conflitos com a China. No cafezal, conheceu Miya e casou com ela.
No Brasil, Miya continuou frequentando a igreja presbiteriana. Praticava a arte do tanka — uma das formas poéticas japonesas. Kuniyo tocava shakuhachi — a flauta de bambu japonesa. Como ele era era marinheiro, poucos ofícios restavam em terra. Mas Kuniyo achou que não teria futuro morando na colônia japonesa de Birigui. Decidiu fabricar carvão vegetal e mudou para Tapiraí, no Sul paulista, que veio a se tornar um importante centro de produção da matéria-prima. A mulher e os três filhos o ajudavam a queimar carvão. Por causa do ofício do patriarca, a família morou em diversos pontos da cidade. Kameki, o caçula Tiba, ficou doente e foi se tratar em Campos de Jordão. Curado, decidiu fazer um curso de farmacêutico, em São Paulo. Quando se formou, os irmãos montaram uma pequena farmácia no centro de Tapiraí. Kuniyo decidiu montar um bar, vizinho à farmácia.
Família Tiba, Sorocaba, anos 40.
Meu tio mais velho começou carreira militar e pôde comprar um sobrado para os pais, no bairro de Jabaquara, em São Paulo. Mudaram-se para lá em meados dos anos 60. Toda vez que íamos visitá-lo, Kuniyo fazia algodão-doce para nós. Ele vendia o doce nas ruas de São Paulo. Criança, não sabia como o açúcar colorido se transformava em nuvem de algodão. A casa de meus avós era meio mágica. Na cozinha havia um grande telescópio. Um dos tios havia entrado para a Aeronáutica e tinha mania por apetrechos de aviação e aeronáutica.
Meu avô morreu em 1974, de câncer no intestino. Na época era uma doença devastadora. A família cuidou dele por meses. Depois que o marido morreu, Miya vinha passar férias com minha mãe. Meus avós só falavam japonês. Eu e meus irmãos não entendíamos o que falava. Sinto pena de não ter estudado a língua japonesa quando criança. Só descobri o que era shakuhachi e tanka com quase 40 anos. Zannen.**
* Em japonês: antigo, antigo. Em geral, as histórias de tradição oral japonesas começam com “Mukashi, mukashi…” **Em japonês: Que pena !
A partir do dia dois de junho, o artista Maikon K apresenta seu solo Corpo Ancestral no Teatro Londrina, no Memorial de Curitiba. O trabalho cumpre temporada até dia 14 de junho, de terça a domingo, às 19h com entrada gratuita. Nos sábados e domingos são realizadas sessões extras às 17h.
Corpo Ancestral é uma dança de Maikon K, em colaboração com os artistas Kysy Fischer, Faetusa Tezelli, Fábia Regina e Beto Kloster. Neste trabalho, o artista investiga suas memórias e mitologias pessoais para criar um “corpo de passagem”. A dramaturgia se constrói na relação com a plateia, que se localiza perto do performer, e na criação de um fluxo de imagens e sensações.
A primeira versão de Corpo Ancestral estreou em 2013. Segundo o artista, com este projeto, sua investigação tem como ponto de partida o corpo xamânico. “Busco com este trabalho, um corpo “devir”, capaz de construir diversas realidades através do som não verbal, do movimento, de signos visuais e atividades ritualizadas. Um corpo sem identidade fixa, em constante transformação, que expressa as forças e arquétipos que nele habitam”, argumenta o performer Maikon K.
Seu trabalho situa-se nas fronteiras entre dança, performance e ritual, elegendo o corpo como matriz simbólica e campo de experimentação. Em 2015, sua dança-instalação “DNA de DAN” foi selecionada pela artista sérvia Marina Abramovic para integrar a mostra “Oito Performances”, dentro da exposição Terra Comunal.
As apresentações de Corpo Ancestral acontecem de 2 a 14 de junho, de terça a domingo, sempre às 19h, no Teatro Londrina, no Memorial de Curitiba. Nos sábados e domingos ocorrem sessões extras às 17h. A oficina “Corpo do Abismo” será oferecida gratuitamente ao público em geral, no dia 13 de junho, compartilhando as práticas de criação do artista. Os interessados devem mandar e‑mail para maikonk[arroba]gmail[ponto]com .
Serviço: Corpo Ancestral de Maikon K.
Teatro Londrina — Memorial de Curitiba
de 2 à 14 de junho às 19h
sessões extras aos sábados e domingo às 17h
Entrada Franca
Para mais informações ou quaisquer dúvidas, favor entrar em contato.
Victor Hugo (41) 9684–9506
Boas energias, luz, calor humano e esperança integram o composto do álbum Above the Buried Cry, da banda de alternative/atmospheric rock Aeon Spoke. Falando assim até pode parecer clichê, mas o trabalho capitaneado pelo talentosíssimo guitarrista, compositor e vocalista Paul Masvidal, ao lado do seu fiel companheiro, o baterista Sean Reinert, não poderia ser diferente.
Os dois músicos em questão foram membros da banda Death durante a execução e turnê do álbum Human (1991), considerado um divisor de águas na carreira de uma das maiores bandas de Heavy Metal que já existiram em todos os tempos. Conta-se que Chuck Schuldiner, líder do Death, tentou dissuadir Paul Masvidal a não deixar o grupo, pois considerava‑o um guitarrista excepcional. Mas o fato aconteceu, levando Masvidal e Reinert a retomarem suas atividades com o Cynic, trabalho perene dos músicos.
Paralelo ao Cynic, o ano de 2000 fez emergir a primeira demo do Aeon Spoke, composta por seis faixas, culminando depois em um EP lançado em 2002 e radio sessions em 2003. No ano seguinte, o primeiro álbum da banda vem à tona com sete faixas (o material foi regravado em 2007). Above the Buried Cry introduz mensagens positivas e reflexões acerca do comportamento humano, o que vem a calhar com as crenças do porto-riqueno Paul Masvidal.
Sean Reinert e Paul Masvidal
Nascido Pablo Alberto Masvidal, o músico cresceu em Miami, Flórida, e estudou música clássica e jazz desde os primeiros anos. Paul é envolvido com a filosofia Oriental e com tudo o que diz respeito à espiritualidade. Ele também é iniciado na prática do Kriya Yoga, expondo suas ideias/experiências nas letras de suas composições, que abarcam Cynic, Aeon Spoke, Portal e outros projetos paralelos.
Sean Reinert tem acompanhado Masvidal desde a década de 1980 e é considerado um proeminente baterista, escrevendo e apresentando performances em programas de televisão e filmes. Reinert parece ter a mesma filosofia de vida do seu amigo Paul, o que resultou em faixas como:
“No Answers”
A felicidade não está em respostas e deve ser procurada com otimismo.
“Grace”
Um pedido de fé bem ao estilo da doutrina oriental, onde paz e amor devem ser perseguidos constantemente.
“Silence”
Crença, desejo, amor, esperança e alusão, uma vez mais, ao sol como fonte de renovação/renascimento.
“Emmanuel”
Belíssima intro, é uma das faixas mais introspectivas do álbum. A música lança o ouvinte para uma irremediável conexão com uma natureza onírica, que se perde em cada nova nota. Minha faixa preferida!
Above the Buried Cry também traz “Pablo at the Park”, “Suicide Boy”, “Face the Wind”, “For Good”, “Nothing” e “Yellowman”, tudo dentro da linha “descubra-se e entregue-se”. De fato, pensamento pra lá de alternativo para um mundo cada vez mais egóico, manipulador e obcecado pela sede de poder. Mas a arte existe para isso: abrir, cativar e estimular consciências.
Muitos de nós, que lemos e relemos livros, assim como sites, blogs e tudo que concerne ao universo literário, costumamos manter o hábito de escrever cartas, artigos, e‑mails, matérias, trabalhos acadêmicos, recados rápidos em redes sociais, um tomo de 1.000 páginas do romance de estreia ou, simplesmente, um informativo para o mural da empresa – algo do tipo “Área reservada ao tempo-livre. Chefes de setores, favor respeitar” (ok, não custa imaginar). Enfim, as opções são extensas. Muitas vezes, nos perguntamos como nos tornar escritores melhores, mais rápidos, concisos, versáteis, criativos e interessantes.
Marshall McLuhan
Pois bem, dentre os cultuadores do totem Novas Tecnologias — tudo começou com o profeta Marshall McLuhan, não se culpem — existem aqueles que estão buscando novas formas de melhorar cada vez mais sua capacidade de escrever e produzir conteúdo. Jennifer Blanchard, uma copywriter profissional que até meados de 2013 mantinha o blog Procrastinating Writers, é uma dessas entusiastas e decidiu usar o twitter como prova de que 140 caracteres podem sim fazer de você um escritor melhor. No artigo How Twitter Makes You a Better Writer (Como o Twitter faz de você um escritor melhor), Blanchard dá algumas dicas e testemunhos de como uma rede social, louvada e/ou criticada — mas sempre analisada — nas faculdades de Comunicação ao redor do mundo pode dar um upgrade significativo nas suas habilidades de escrita.
Jennifer defende que o Twitter não é apenas um ótimo espaço para negócios e expansão de marcas, mas também o lugar ideal para organizar as habilidades para escrever. Segundo ela, o “Twitter força você a ser conciso”, ou seja, você precisa ser rápido, hábil e criativo com as palavras. O recurso te oferece apenas 140 caracteres para dizer tudo o que você precisa. “Isso não é um monte de espaço. Letras, números, símbolos, pontuação e espaços, todos contam como caracteres no Twitter”, reforça Jennifer. Você precisa dizer o que tem que dizer utilizando o menor número de palavras possível, o que te obriga a tomar decisões entre a imensidão de vocábulos a usar, reduzindo suas ideias ao essencial. A copywriter dá a entender que para os escritores verborrágicos, que costumam escrever laudas e laudas sem sair do preâmbulo, esboçar sentenças em 140 caracteres é um verdadeiro desafio. Dessa forma, o Twitter — quem diria? — te força a exercitar e ampliar o vocabulário que possui, impulsionando à procura de palavras e expressões novas “para dizer de modo melhor, claro e conciso” toda a mensagem que se quer passar.
A copywriter Jennifer Blanchard
O último argumento da autora versa sobre a possibilidade de melhorar as habilidades de edição através do Twitter. Para Jennifer Blanchard, todo autor deve ser capaz de editar seu próprio texto, e a ferramenta de 140 caracteres serve para deixar a capacidade de edição simplesmente excelente (top-notch). “É quase como jogar um jogo; tentar escrever uma mensagem de 140 caracteres e ainda obter seu ponto de vista de tal forma que inspire seus seguidores a tomar medidas como clicar no seu link ou retwittar seus posts”, afirma Blanchard.
A autora fala ainda sobre como o uso dessa rede social a força a pensar cada vez mais profundo dentro do seu vocabulário até encontrar um modo curto de dizer suas mensagens. Ela, que diz ser usuária do Twitter há algum tempo, revela que a ferramenta não só a tem ajudado a melhorar suas habilidades de escrita como também a realizar cópias (reproduções) de forma mais produtiva.
E você? Também acha que o uso do Twitter é útil para desenvolver habilidades e, ao contrário do que uma parte de pensadores contemporâneos argumenta, pode ajudar a melhorar nossa capacidade no que diz respeito à leitura, escrita, pensamento?
Uma das melhores sensações que eu tenho experimentado na partilha física e mental que acontece nas salas de cinema – basta observar como todos os espectadores parecem estar ligados minimamente pelos acontecimentos que transcorrem na tela – é perceber o exato momento em que um filme hipnotiza toda a plateia, alterando comportamentos e prendendo respirações. Esse é o pêndulo mesmerizador de Ida (2013), filme do diretor polonês Pawel Pawlikowski. O longa conquistou inúmeros prêmios, incluindo European Film Awards e Associação Americana dos Diretores de Fotografia, além de duas indicações ao Oscar 2015 nas categorias “Melhor filme em língua estrangeira” e “Melhor Fotografia”, vencendo na primeira.
Filmado em preto e branco, Ida revisita as máculas do Holocausto através da história de vida da noviça Anna (Agata Trzebuchowska) e sua recém-descoberta tia Wanda (Agata Kulesza). Antes de confirmar os votos no convento onde vive, Anna é enviada pela madre superiora à casa da tia, para que saiba mais sobre a própria vida e decida entrar para a comunidade religiosa de forma consciente. Para Anna, o mundo começa e termina nas paredes do convento e é com insatisfação resignada que ela vai ao encontro da tia.
Wanda é uma mulher dominada por fantasmas amargos, pelo vício do álcool, por amantes passageiros e um secreto histórico de tristezas. No passado, ela integrou a luta do movimento antinazista, tornando-se depois juíza e condenadora implacável dos torturadores/assassinos de judeus. Esse universo é extremamente oposto ao de Anna que, sem eufemismos, descobre que tudo o que conhecia sobre sua vida não passa de um rosário de mentiras. Na verdade, a noviça chama-se Ida Lebenstein e foi entregue na porta do convento quando ainda era bebê. Sem saber do paradeiro dos pais, Ida e a tia partem em busca de respostas; cada qual com suas angústias, medos e dores.
A história se passa em 1962, onde os resquícios da Segunda Guerra Mundial ainda despontavam como feridas abertas, fustigando os espíritos dos sobreviventes e de seus familiares. É nesse mundo novo que Ida mergulha com toda a sua inocência, experimentando a malícia e as chagas emocionais que fazem parte da história de sua família.
O longa-metragem faz uso de uma câmera quase estática, apostando em close-ups. Outro elemento interessante em Ida é a opção pelo formato 4:3 e em preto e branco, apesar da gravação com câmera digital, uma clara referência aos filmes em 16mm. Outra curiosidade é que o filme também foi convertido para película 35mm, sendo exibido nas poucas salas de cinema que ainda suportam esse tipo de película. Com fotografia de cair o queixo – assinada por Ryszard Lenczewski e Lukasz Zal -, o longa revela a atmosfera silenciosa do interior de seus personagens, enfatizada também pela ausência de trilha sonora e passagens só com sons do ambiente. Como o público brasileiro – do qual posso falar baseada em minha vivência — não está acostumado com a linguagem do silêncio, é difícil manter uma constante em salas de exibição. Por isso, foi emocionante presenciar a interrupção imediata do frisar de sacos de pipoca, papéis de bombom, latas de refrigerante e murmúrios eternos. Naquela sessão, a plateia estava hipnotizada: Ida não faz ruídos, comunica-se pela atenção do olhar. É com esse andar sem deixar rastros que a jovem noviça aprende como lidar com a inocência que vai morrendo aos poucos.
Mistura de reflexão e memória, o filme consegue alcançar a poesia que não grita, não gesticula e não balbucia: ela expressa com olhares e não-ditos. Destaque para a atuação das atrizes Agata Trzebuchowska e Agata Kulesza, intérpretes de Ida e Wanda, respectivamente. Como iniciante, Trzebuchowska comprova seu empenho – que vai além da semelhança física com a atriz Sissy Spacek (conhecida pela atuação em “Carrie, A Estranha” – 1976). Já Agata Kulesza recria as dores de inúmeras mulheres judias, guerrilheiras ou não, que viram suas famílias serem despedaçadas pelo horror nazista e tiveram que olhar para o abismo, evitando mirar em seus próprios reflexos.
No livrinho “Infância”, o escritor J. Coetzee conta que ele e seus irmãos se escondiam quando os parentes do lado materno chegavam para visitá-los. Ele descreve a hipocrisia das gentilezas sociais e a tentativa da mãe em ensinar “bons modos” aos filhos. Fora do ambiente doméstico, denuncia o apartheid da África do Sul, dando como exemplo sua experiência escolar. Crianças não europeias, ou seus filhos, eram espancadas pelas europeias. Coetzee contou numa palestra em Curitiba que seus livros passaram pelo crivo da censura oficial, mas foram liberados sob a alegação de que a linguagem erudita só seria entendida pela elite letrada.
O escritor moçambicano Mia Couto diz que a mãe passava apuros com o pai, poeta, que não conseguia ajudar em nenhum trabalho da vida doméstica. E ela rezava para que não surgisse na família mais poetas. Uma vez, mandou o filho à padaria, a algumas quadras de casa. No caminho, Mia se distraiu seguindo uma borboleta e esqueceu o que ia fazer. Sentado na calçada, passou horas vendo formigas. Em sua casa, uma confusão: o pai havia passado mal. O menino ficou na rua até que, tarde da noite, quando lembraram dele o foram buscar. Encontraram-no ainda a observar o formigueiro.
( Desenho por: Gervasio Troche )
Essas duas histórias me vieram à cabeça, quando voltava da consulta à minha médica homeopata. De repente, o ônibus parou. Lá atrás uma passageira gritou: “o que aconteceu?” Um barbudo com camisa do Atlético respondeu: “Quer saber o que aconteceu? Quer mesmo saber ? Veja aqui, já te mostro.” Remexeu na mochila e por alguns segundos, os passageiros ficaram apreensivos. Como o sujeito demorou remexendo na mochila, um outro passageiro, a seu lado, gritou “Vai demorar pra dar o tiro?” O nervosinho acabou sacando da mochila uma barra de banana-passa. “Olha aqui a banana de dinamite”, brincou, caindo na gargalhada.
Uma passageira mudou de lugar, perguntando por que o ônibus havia parado. “Não sei”, respondi. Ouvi o motorista ao celular: uma carreta bloqueava o trânsito. As cobradoras desceram do ônibus e convidaram o torcedor do Atlético a ajudar. “Sair daqui só na contramão”, disse o motorista. As cobradoras e o passageiro bloquearam os carros, como se fossem guardas. Os três pareciam crianças travessas brincando de guardas de trânsito. Apoiamos o trio para poder continuar seguindo viagem.
As moças, coradas, e o torcedor do Atlético retornaram. Alguém gritou que mais um passageiro havia descido. Tinha que parar o ônibus pra ele reembarcar. Quando o ônibus voltou a navegar, me senti estranha. Da janelinha do coletivo avistei uma mãe e uma filha rindo uma com a outra, numa luta de sacolas de supermercado.
Nos últimos tempos penso se é necessário preservar a infância em nós. Se, adultos, não corremos o risco de nos infantilizar. Para mim, ler ou escrever poesia é uma forma de cultivar o lado criança. Quanto mais envelhecemos, a criança se torna solitária. Algumas se sufocam comendo chocolates, indo à Disneylândia, ou proferindo discursos sobre caixotes de madeira. Outras, desenham histórias em quadrinhos, recitam versinhos, cantam e tocam violão. As que nunca morrem são as bufonas, como o torcedor do Atlético. Que sabem que tudo na vida é passageiro, menos quem conduz a graça.
Compartilhar. Esta é a palavra que iniciou uma série de ações, pesquisas e aventuras que fizeram surgir e abastecer o interrogAção durante estes 5 anos de vida. De uma pequena faísca iniciada por um blog pessoal, hoje somos um portal cultural com uma equipe de 6 pessoas fixas, espalhados por quatro cidades do Brasil e uma nos EUA, e com conteúdo de mais de outros 15 colaboradores. E foi por causa de pequenas e grandes ações que cada um deles tomou, que o interrogAção é o que ele é hoje.
Sou profundamente agradecido a Mara, que é mais que parceira no movimento catártico de tentar fazer o impossível e revolucionar a produção de conteúdo cultural, a Marília, que está sempre respirando poesia e possui um olhar incrível, ao Rafael, que é um furacão na produção dos mais diversos textos e entrevistas, ao Aristides, que está sempre compartilhando suas aventuras pelos mares da contracultura, ao Lauro, por disseminar que a arte é inevitável, a Débora, por sua visão afiada e certeira, ao Faw, por acreditar e colaborar na construção de novos caminhos, e a Carol, por ajudar a espalhar a nossa paixão. Considero todos vocês mais que importantes companheiros nessa jornada, mas verdadeiros amigos, daqueles que contamos nos dedos das mãos.
Alguns deles também tem o que falar dessa jornada, segue abaixo seus depoimentos:
Uma das coisas que eu tenho aprendido com a vida é que o entusiasmo nos faz navegar em águas profundas, subterrâneas, abissais. Esse é o sentimento que tenho experimentado nestes 3 anos em que faço parte do interrogAção.
Com as imersões que faço por meio do trabalho que desenvolvemos no site – e através das conversas que tenho com o Daniel, editor-chefe, nas reuniões de fechamento de pauta e de edição, continuo mantendo meu entusiasmo vivo, flamejante, respirando minhas três palavras mágicas — sonho, galáxia e saudade.
No interrogAção, nós sonhamos em viver pela e para a cultura; não achamos que a galáxia é o limite e mantemos a saudade do que ainda não vivemos como elemento de pulsão. É essa crença em paixões avassaladoras, no poder dos livros, na magia da música e na imersão cultural que eu quero continuar despertando no meu coração, na minha mente e no meu espírito. E tudo isso eu tenho encontrado em dobro no interrogAção.
Obrigada a quem me indicou e a quem abraçou a causa ao meu lado e ao lado do Daniel – a quem chamo de melhor amigo. Eu sempre leio livros ou ouço música para sonhar, para ser transportada dentro de uma visão nova, de uma partícula de vida especial. Obrigada por isso e muito mais, interroga! Parabéns!
Mara Vanessa Torres Editora-Executiva
Minha relação com o site interrogAção é de pura afetividade. É uma equipe jovem, apaixonada por cultura e artes, que em vez de seguir regras e padrões, procura descobrir ou criar sua identidade, seu espaço.
Escrever para o site interrogAção é uma experiência interessante. Estimula a organizar a escrita e a dialogar com a literatura contemporânea. Nunca tive método para escrever, para mim a literatura e a poesia são necessidades íntimas, tanto de leitura quanto de composição. Publicar no site permite compartilhar paixões e dialogar com o admirável mundo novo em que vivemos.
Marilia Kubota Redatora
O interrogAção é o campo livre da expressão e do aprofundamento do intelecto. É nele que encontramos textos/artigos/crônicas/dossiês que nos permitem ir além do conhecimento. É o atalho para a sabedoria.
Foi o interrogAção que me permitiu explorar áreas e potencialidades que até então só vislumbrava em um horizonte distante. A parceria está no começo. Em breve iremos lançar o ‘Dossiê Musas da Boca’, solidificando essa parceria.
Foi também graças ao interrogAção que tive a oportunidade de conhecer dois amigos que levarei pra sempre: Daniel Kossmann e Mara Vanessa Torres.
Rafael Spaca Redator
Mas não vamos parar a festa por aí! Para comemorar esta meia década de muita paixão pela cultura, iremos lançar durante o mês de março uma nova versão do site, totalmente focada na experiência da leitura, novas seções de conteúdo e várias outras novidades. Fiquem atentos aos anúncios neste editorial e nas nossas redes sociais.
Para finalizar, queria também agradecer a todos os nossos leitores, parceiros e apoiadores, por acreditarem e ajudarem a manter essa chama do interrogAção acesa, que é alimentada por muito suor, tesão e sonhos.
Catarse (do grego: katharsis) é o processo de depuração dos sentimentos, purificação ou purgação do espírito sensível. No teatro grego, o herói dramático precisa sofrer para purificar o espírito. Em psicanálise, é a libertação de um trauma. A gênese da mais famosa obra dos últimos 40 anos da poesia brasileira, o Poema sujo, é catártica, segundo seu autor, Ferreira Gullar.
Gullar estava no exílio, em Buenos Aires, em 1975, quando escreveu o poema. Depois de passar anos morando em diversas cidades do mundo (Moscou, Santiago do Chile e Lima), viu ditaduras militares se instalarem nos países sul-americanos. Com o fracasso da utopia comunista no Brasil, depois de um tempo na Rússia, emigrou para o Chile e assistiu à queda de Allende. Mudou para a Argentina em 1974 e reviveu o pesadelo de ver os amigos ao redor serem presos ou fugir. Sabendo que os agentes da repressão brasileiros fechavam o cerco no país vizinho, decidiu escrever um poema que fosse um testemunho final.
O Poema sujo, escrito em cinco meses, em estado de transe vertiginoso, foi acalentado por anos. Tem como fio condutor a ideia de resgatar memórias de sua cidade natal, São Luís do Maranhão. As condições de penúria no exílio e a eminência de calar-se para sempre o forçaram a ultrapassar o tom memorialístico. O Poema sujo dá voz ao desespero do poeta. Desespero que, paradoxalmente, engloba grande esperança, por situar-se na infância, como demonstra seu trecho mais conhecido, transformado na letra da canção O trenzinho caipira, a tocata da Bachiana no. 2, de Villa-Lobos:
Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo mar
Cantando pela serra o luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar…
A evocação da memória da infância em redemoinho é o ponto de partida para compor um poema em vários tons, com momentos de intensidade e de banalidade, como cita o poeta, construídos por fragmentos de lembranças “das pessoas às coisas, das plantas aos bichos, tudo, água, lama, noite estrelada, fome, esperma, sonho, humilhações, tudo era gora matéria poética”. Antítese entre o claro do presente e o turvo da infância, mais que resgate, é a recomposição do passado no presente.
A memória da infância é um registro infiel, sujo, recomposta por destroços: telhas encardidas, garfos e facas que se quebraram, e se perderam nas falhas do assoalho para conviver com baratas e ratos no quintal esquecidos entre os pés de erva cidreira. Desordem que é ordem “perfeitamente fora do rigor cronológico”, do labirinto do tempo interior. A casa perdida no tempo, com talheres enferrujados, facas cegas, cadeiras furadas, mesas gastas, armários obsoletos rastejam “pelos túneis das noites clandestinas” esperando “que o dia venha”. A infância é o único refúgio para quem perdeu tudo. O corpo, a única casa, o único território, a possibilidade de êxtase quando já não se pertence a lugar nenhum.
A identidade são-luisense se concretiza no corpo do poeta, o passado se esmiúça, como cita Alcides Villaça: o “sujo do poema refere-se tanto ao impuro quanto pela composição das diferenças, pelas águas revolvidas, pelo estilo que vai da mão solta no papel à cadência rigorosa de uma avaliação […] Mas sujo também porque participa de uma história não oficial, secreta, que soma a consciência abafada e o corpo prisioneiro de vontades caladas.” Sujo porque a vida é suja: toda matéria se perde, apodrece lentamente.
A canção de exílio dos anos de chumbo é Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim, composta em 1968 para um festival. A canção traz referências claras ao “dia que virá”, dia em que os exilados retornariam à pátria. Gullar antecipa a pátria destruída, memória devastada e iluminada apenas pelo facho das lembranças da cidade de infância. Os objetos da casa primordial gastaram-se no tempo e por isso sua lembrança é de sujeira, ou algo que foi sujo.
O testemunho do poeta é mais uma canção do exílio, que se desvia do nacionalismo insuflado por Gonçalves Dias. A canção de Gullar é tanto mais comovente quanto busca negar qualquer resquício romântico ou panfletário. Em nem um momento revela textualmente a dor pela perda dos amigos, o esfacelamento familiar e a melancolia da desterritorialização.
Depois de concluir o poema, Gullar o leu a Vinícius de Morais, que levou uma gravação da leitura para o Brasil. Grupos se formavam para ouvir a voz do poeta exilado. O editor Ênio Silveira pediu cópia para publicá-lo. Com a publicação, amigos, jornalistas e escritores clamaram ao governo militar o fim do exílio de Gullar. O governo não atendeu. O poeta, porém cansado, resolveu voltar por conta própria. Quando chegou, foi levado ao DOI-Codi e interrogado, acareado e ameaçado. Mas graças ao poema, pôde ficar no Brasil.
A catarse do agora contra o futuro marginal
A republicação do Poema sujo, em 2013, pela José Olympio, o celebra como marco na luta contra a repressão militar. Mas antes de se torna persona non grata no país, Gullar já guerreava, e muito, mas por razões estéticas, contra outros adversários. Contrapôs-se ao movimento de vanguarda da poesia concreta, composta pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, defendendo o nacionalismo da arte brasileira e criando a poesia neoconcreta. A principal crítica de Gullar aos concretos era de que comparavam a poesia à matemática e pretendiam atuar em todos os campos, jornais, publicidade, da música (canção popular), tevê, rádio, cinema.
Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, a Tríade Concretista.
Provocador, polêmico, jamais pacífico, o poeta Paulo Leminski é herdeiro de uma tradição poética de vanguarda (ou tradição de ruptura, como quer Octávio Paz) que no Brasil rendeu movimentos como o Modernismo, a Poesia Concreta e o Tropicalismo. Por causa do tempo histórico de sua eclosão (anos 70 e 80), por vezes é erroneamente situado dentro da Poesia Marginal, movimento ao qual nunca se filiou (não gosto da poesia de Cacaso, um dos líderes da poesia marginal carioca dos 70/80, afirmou, em entrevista ao jornalista Aramis Millarch, em 1986) e contra o qual escreveu uma série de ensaios no livro “Anseios Crípticos” (1986).
Leminski herdou a briga com os neoconcretos. Apesar de propagar a teoria da arte como inutensílio, nunca fez apenas arte pela arte. É o que se comprova na canção Verdura, vetada pela censura em 1978.
De repente
me lembro do verde
da cor verde
a mais verde que existe
a cor mais alegre
a cor mais triste
o verde que vestes
o verde que vestiste
o dia em que te vi
o dia em que me viste
De repente
vendi meus filhos
a uma família americana
eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana
só assim eles podem voltar
e pegar um sol em Copacabana
O poeta Fabrício Marques associa o verso de repente me lembro do verde ao Tropicalismo, conectando o verde citado com uma das cores-símbolo do Brasil:
todas as suas nuances e contradições (a cor mais alegre/ a cor mais triste). Desse modo, o poema atinge um tom quase lisérgico, no qual ressaltam ecos do tropicalismo: superbacana, de Caetano Veloso, e ai de ti, Copacabana, de Torquato. Ocorre então uma inversão paródica do nacionalismo, principalmente na segunda estrofe, que funciona como uma espécie de crítica política avant la lettre à emigração de brasileiros em busca de melhores condições de vida, numa progressão desenfreada, principalmente para os Estados Unidos, nos anos que se seguiram à primeira publicação do texto em livro (1981).
A associação com o verde tropicalista não é a única possível. A cor verde e triste é a ”grana” que seduz a família a vender o filho para os americanos. O verde triste transforma tudo em mercadoria, até as relações afetivas. Triste ainda o verde do uniforme dos militares, cujos censores entenderam a ironia. A canção só passou pelo crivo em 1981, quando foi gravada por Caetano Veloso. Mas a referência aos poemas tropicalistas é inexata. Em vez de Superbacana e Ai de mim, Copacabana, a associação mais inebriante poderia ser Quando o santo guerreiro entrega as pontas, de Torquato Neto:
nada de mais:
o muro pintado de verde
e ninguém que precise dizer-me
que esse verde que não quero verde
lírico
mais planos e mais planos
se desfaz:
nada demais
aqui de dentro eu pego e furo a fogo
e luz
(é movimento)
vosso sistema protetor de incêndios
e pinto a tela o muro diferente
porque uso como quero minha lentes
e filmo o verde,
que eu não temo o verde,
de outra cor:
diariamente encaro bem de perto
e escarro sobre o muro:
nada demais
Leminski deglute antropofagicamente o Bispo Sardinha, como queria Oswald, cantando, com dó de peito o momento histórico do início da diáspora global. O sentimento de dor (por ver seu igual partir e se partir) não fratura o poeta, que finaliza: só assim eles podem voltar e pegar um sol em Copacabana, com a consciência de que a Alegria é a Prova dos Nove, como cantava Oswald, ou seja, a única forma de resistência a um regime desigual que estimulava o despatriamento só poderia ser a ironia, trazendo a capa de um falso conformismo. Desse modo, mesmo nunca tendo se desligado de sua terra natal, Lemisnki participa dass agonias da vida nacional em seu insilio1.
O crítico Silviano Santiago esclarece que o bordão antropofágico vincula-se com a catarse do agora: “o ressurgimento de um corpo que não estaria mais comprometido com a ética protestante do trabalho, um corpo que recusa, inclusive, […] a colonização do futuro. Esse corpo, então, estaria fincando mais e mais o pé no agora: nesse sentido, um corpo que é fruição.” Esta ideia estaria ligada à emergência das minorias sexuais nos anos 70: “De certa forma, na nossa sociedade ocidental, em particular, o prazer esteve muito vinculado a uma certa normalização de conduta sexual, e quando essa conduta não era normalizada as pessoas se sentiam enormemente infelizes.”
Paulo Leminski
O crítico fala de um corpo não reprimido, de pura alegria, em contraponto com a tradição crítica que coloca o presente como estado de martírio. O sofrimento cultuado pelos grupos políticos de esquerda no Brasil tinha como projeto de redenção a possibilidade de uma utopia social. Santiago se posiciona contra este estado de pobreza: “Invertendo os termos, dizendo que o presente pode ser vivido, pode ser vivido alegremente, sem as amarras da repressão, estaríamos descondicionando a possibilidade de um pensamento dito utópico.” Nos versos de Leminski:
prazer
da pura percepção
os sentidos
sejam a crítica
da razão
(Distraídos Venceremos, 1987)
Esta ideologia está em coalizão com a micropolítica do desejo de Felix Guattari e o comportamento aqui-agora do movimento hippie dos anos 70, que vulgariza conceitos de filosofias orientais, como o hinduísmo e o zen-budismo. Os hippies trazem a ideia do prazer na realidade do presente, em que a utopia não se adia, em que o estado paradisíaco é vivido todos os dias. A poesia de Leminski constrói a catarse do agora contra a repressão do presente – no contexto histórico, a saída da ditadura militar para a ditadura da economia global. Contra um sistema no qual a poesia é apenas o desejo, os artefatos de Leminski tornam-se instrumento crítico que corroem conceitos e fazeres mumificados, como na genial inversão distraídos venceremos do título de livro publicado em 1987, que carnavaliza o bordão Unidos, venceremos.
Um dos recursos usados pelos poetas para combater o regime repressor foi o humor. Santiago diferencia dois processos usados nos movimentos de poesia de protesto. O primeiro, a paródia, é um recurso valorizado como instrumento potencial de irrisão contra o poder instituído, uma ruptura. O segundo, o pastiche, é uma derrisão que enfraquece o poder da crítica: A paródia significa uma ruptura, um escárnio com relação àquela estética que é dada como negativa. O pastiche não rechaça o passado, num gesto de escárnio, de desprezo, de ironia, escreve Santiago.
A paródia tem o mesmo grau de irrisão do instituído pelo mote Tupy or Not Tupy, inscrito no Manifesto Antropofágico de Oswald, em 1922. A lição modernista foi incorporada por Leminski, que desde sua aparição pública nos jornais em Curitiba, achincalha o culto ao conto e a figura monumentalizada de Dalton Trevisan, nos anos 70 e 80. Neste momento, seu embate não é contra as inovações de Dalton (a linguagem sintética, a opção pela “cor local”, adotadas por Leminski) e sim contra a institucionalização de Dalton.
Ferreira Gullar
A dor tão elevada que é capaz de fazer rir, evocada por Alice Ruiz no prefácio do livro La Vie en Close foi a tática de uma guerrilha que tem no riso, no chiste, no witz, na desconstrução de clichês e no aproveitamento de palavras de ordem seu núcleo. Este tipo de guerrilha cultural seria herança do Tropicalismo. Para Ana Cristina César, a Tropicália é a expressão de uma crise, uma opção estética que inclui um projeto de vida, em que o comportamento passa a ser elemento crítico, subvertendo a ordem mesma do cotidiano. A ideia de enfrentar o sufoco político com as armas do cotidiano foi legitimada em Leminski.
Dois adversários no campo da estética da poesia lutam contra um inimigo comum. E filiam-se à tradição literária brasileira inserindo mais uma paródia da Canção do Exílio, desconstruindo o nacionalismo original. Enquanto a nação desaparece, a infância torna-se território mítico e o corpo, o único sacramento, para Gullar. Já Leminski percebe que até a infância será vendida, restando, para a poesia, sua única arma de luta: o prazer de provocar sentidos.
Insílio: De acordo com Paul Ilie, inner exilie são os que vivem o exílio em seu próprio país. O conceito nasce baseado em sociedades autoritárias. Os insilados ficam presos no país sofrendo os desmandos do regime. Ilie discute o inner exilie da sociedade espanhola sob o regime franquista, não exiladas de acordo com o modelo clássico, mas tiveram a liberdade restrita, sofrendo com a negação, dominação, anulação, intolerância.
BIBLIOGRAFIA
Livros
GULLAR, Ferreira
Indagações de hoje. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1989.
Poema sujo. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2013.
LEMINSKI, Paulo
Caprichos e Relaxos. São Paulo: Brasiliense, 1983.
Distraídos Venceremos. São Paulo: Brasiliense, 1987. (5ª edição 1995).
Em relação aos que viram o filme ‘O carteiro e o poeta’, poucos terão lido ‘Ardiente paciencia’ escrito pelo chileno Antonio Skármeta em 1985, e adaptado para o cinema em 1994. Mas muitos lembrarão o personagem Mario Ruppolo, o carteiro que queria aprender a escrever poemas com Pablo Neruda, a quem entregava cartas em Isla Negra, onde o poeta se exilou por razões políticas. Quando Neruda vai embora, Mario se casa e passa a ter uma profunda consciência social. Com saudades do poeta, grava os sons do mar e a batida do coração do filho no ventre da esposa grávida e os envia ao célebre interlocutor.
Em várias entrevistas, Skármeta conta um episódio saboroso sobre o personagem. Logo depois de receber indicações ao Oscar, frustrou uma jornalista de uma grande rede de tevê americana, que o procurou para que a levasse até o amigo de Neruda. O escritor revelou que o carteiro era fruto de sua imaginação.
Pablo Neruda, Antonio Skármeta e Juan Rulfo (Foto: Sara Facio)
O chileno foi grande amigo de Pablo Neruda. Mas a faísca para a criação de Mario pode ter sido disparada num encontro com o escritor argentino Julio Cortázar, em Manágua. Ambos estavam lá para celebrar a vitória dos sandinistas, convocados por Ernesto Cardenal. Apareceu um carteiro, com um telegrama para Cortázar. Skármeta indicou o escritor, ao lado de um poste. O escritor mexicano Augusto Monterroso perguntou: “Quem é o poste e quem é Julio?”
A poesia tem sido a peça de resistência, ao longo da obra de Skármeta. O lirismo é um recurso literário estratégico, usado para tratar questões espinhosas, como a repressão política e o exílio. Assim é de ‘Ardente Paciência’, ‘Não foi nada’ (No pasó nada, 1980) e ‘A insurreição’ (La insurrención, 1985), os três publicados no Brasil, a ‘Los dias de arco Iris’, (2011). As novelas relatam parte da história recente do Chile, desde o golpe de Augusto Pinochet, que derrubou o socialista Salvador Allende, em 1973, ao processo de redemocratização, em 1990. O escritor se vale de personagens secundários, em geral jovens ou nascidos nas camadas populares, para relatar dramas vividos por protagonistas em protestos contra regimes de exceção.
A obra de Skármeta cruza-se com a sua biografia. O escritor estudou Filosofia na Universidade do Chile, orientado pelo filósofo alemão Francisco Soler Grima, discípulo de Julián Marías e José Ortega y Gasset. Ainda na universidade, atuou como diretor de teatro e montou obras de Calderón de la Barca, García Lorca, William Saroyan e Edward Albee. Ganhou concursos literários nos jornais La Nación e El Sur. Traduziu Hermann Melville, Jack Kerouac, Scott Fitzgerald e Norman Mailer.
Antonio Skármeta
Em 1969, recebeu o Prêmio ‘Casa de las Américas’ por ‘Desnudo en el tejado’. Já havia produzido um filme sobre o Movimento de ação popular e Unitária (MAPU), do qual era membro. Incorporou, mais tarde, a história à novela ‘La insurrección’. Com o golpe militar no Chile, exilou-se em Berlim, onde se dedicou ao cinema. Aí escreveu ‘O carteiro e o poeta’, primeiro para a rádio alemã e depois para o mundo. Em 1989, voltou ao Chile, depois de 16 anos. Criou um programa de televisão chamado ‘O show dos livros’.
Em 1994, estreou no cinema a segunda versão de ‘O Carteiro e O Poeta’, com o título ‘El cartero de Neruda’. O filme, dirigido por Michael Radford e estrelado por Massimo Troisi, teve cinco indicações ao Oscar. A partir daí, Skármeta passou a ser reconhecido mundialmente e recebeu vários prêmios literários por suas obras: ‘Prêmio Internacional de Literatura Bocaccio’ (1996), por ‘No pasó nada’, ‘Premio Altazor’ (1999), por ‘La boda del poeta’, e o ‘Grinzane Cavour’, em 2003. Em 2006, recebeu o ‘Premio Internazionale Ennio Flaiano’ pelo “valor cultural e artístico de sua obra”, em particular pelo romance ‘El baile de la Victoria’.
Se a maior parte dos escritores contemporâneos se rendem à sedução neoliberal, pulverizando sua obra no entretenimento para camadas médias, Skármeta resiste, fundindo ficção e memória histórica. Utópico, o escritor crê na função social da arte: ’em momentos árduos da vida de um país, celebrar a imaginação do artista, que combinada com a força da gente ativa, pode produzir mudanças libertárias na sociedade’, afirma em entrevista em 2011, publicada em seu site oficial.
Além de ‘O carteiro e o poeta’, muitas novelas suas foram adaptadas para outras linguagens artísticas. ‘Ardiente Paciencia’ virou filme e ópera, cantada por Plácido Domingo, em Los Angeles e um musical interpretado pela Orquestra Sinfônica de Londres. ‘El plebiscito’, originalmente texto para o teatro, com montagem frustrada em 2008, foi remontado na novela ‘Los dias del arco iris’. A narrativa ‘Un padre de pelicula’, que tem à frente um jovem que sente a falta de seu pai, um francês que voltou a seu país, começa a ser filmado em 2015, pelo diretor e ator brasileiro Selton Mello.
Sipho Sepamla e Antonio Skarmeta (1981)
Uma característica de suas obras são os personagens de apelo popular: pessoas humildes, jovens tímidos e tristes, prostitutas. Esses personagens sofrem uma brutal transformação em suas vidas ao entrar em contato com o mundo da alta cultura. A fricção entre a espontaneidade da cultura popular e as profundidade do conhecimento erudito acaba criando figuras transbordantes de humanidade, palpáveis como as que encontramos no cotidiano.
Criar esses tipos parece ter sido uma lição que Skármeta aprendeu do teatro e do cinema, para atrair o leitor médio. Graças à formação intelectual e política, o escritor agrada também o leitor exigente, ambientando sua ficção em contexto histórico. O encontro entre personagens da baixa e da alta cultura põe em movimento a ideia de que a literatura pode transformar a realidade através da educação. Educar, nesse caso, é levar o leitor à consciência social e à descoberta da poesia, através da identificação com os personagens mais ingênuos.