Filhos do Fim do Mundo, de Fábio M. Barreto | Livro

Um mun­do pós-apoc­alíp­ti­co onde todos os seres vivos com menos de um ano começaram a morrer

Capa Filhos do Fim do Mundo - Fabio M BarretoQuan­tos livros que você leu eram ambi­en­ta­dos em um mun­do fan­tás­ti­co, com fadas, elfos, trolls e até mes­mo dragões? Se você acha esse tipo de livro uma lit­er­atu­ra menor, vale lem­brar o suces­so das obras de Tolkien, George Mar­tin e até de autores brasileiros como Eduar­do Spohr. É difí­cil predi­z­er que ele­men­to lev­ou tais autores ao suces­so, mas com certeza a con­strução de uma história envol­vente e bem ambi­en­ta­da, um uni­ver­so crív­el e imer­si­vo são aspec­tos que garan­tem a audiên­cia literária que tais obras obtiveram.

A obra do jor­nal­ista, escritor e cineas­ta Fábio M. Bar­reto, Fil­hos do Fim do Mun­do (Casa da Palavra, 2013), é ambi­en­ta­da não pro­pri­a­mente em um uni­ver­so fan­tás­ti­co ou mun­do para­le­lo. É um mun­do pós-apoc­alíp­ti­co, ain­da que muito próx­i­mo da sociedade em que vive­mos hoje. Subita­mente, em um dia especí­fi­co, quan­do o reló­gio indi­ca meia-noite, as cri­anças recém-nasci­das começaram a mor­rer. Percebe-se que cri­anças com menos de um ano de idade, plan­tas e ani­mais tam­bém pere­ce­r­am. No mun­do todo.

O que acon­te­ceu? Qual é a cura para isso? Como evi­tar novas mortes e, mais impor­tante, como levar a raça humana adi­ante a par­tir de uma per­spec­ti­va como essa? Tais per­gun­tas inva­dem a obra e, prin­ci­pal­mente, o pro­tag­o­nista, o Repórter, cuja mul­her está grávi­da, pronta para parir a qual­quer momen­to. O que já vale diz­er que, se você gos­ta de histórias apoc­alíp­ti­cas, de mis­tério, e quer se aven­tu­rar na nova seara de autores brasileiros, esta obra de Bar­reto cer­ta­mente é pra você.

Ensaio sobre a cegueira, pela Cia das Letras

Ensaio sobre a cegueira, pela Cia das Letras

O livro lem­bra muito out­ras obras, como o filme “Fil­hos da Esper­ança”, e o livro de Sara­m­a­go, “Ensaio sobre a Cegueira”. Este últi­mo é o que mais se aprox­i­ma da obra de Bar­reto, pela sua pre­mis­sa tam­bém inex­plicáv­el: as pes­soas começam a ficar cegas. O mun­do, de uma hora para out­ra, tor­na-se um ble­caute, um grande breu para a maio­r­ia das pes­soas, que lutam deses­per­adas pela sua sobrevivência.

Mas há uma difer­ença grande na obra de Sara­m­a­go e nas out­ras citadas no iní­cio do tex­to em relação ao livro de Bar­reto: nes­tas primeiras, ain­da que as tra­mas apre­sen­tem ele­men­tos fan­tás­ti­cos, não são o prin­ci­pal chama­riz dos livros. Na obra de Sara­m­a­go, por exem­p­lo, são os con­fli­tos humanos, a imer­são e a iden­ti­fi­cação que tais histórias pro­por­cionam que nos lev­am a devo­rar suas pági­nas com avidez e ansiedade. O fan­tás­ti­co é o pano de fun­do para uma humanidade frágil e em evidência.

No caso de Bar­reto, ain­da que o livro ten­ha vários pon­tos altos e um pro­tag­o­nista muito cati­vante, o livro não deixa de lado as questões fan­tás­ti­cas por tem­po sufi­ciente para você mer­gul­har de vez na história e no dra­ma do jor­nal­ista. E pior: as per­gun­tas que são lev­an­tadas durante toda a obra, ao final do livro, não são respondidas.

Ou seja, o tem­po todo os per­son­agens do livro procu­ram a cura para o prob­le­ma que aflige a humanidade e ten­tam enten­der porque essa tragé­dia acon­tece – é isso, e a ten­ta­ti­va de sal­var o futuro fil­ho, que moti­vam o per­son­agem prin­ci­pal – para no fim isso não ter importân­cia. Há um desen­volvi­men­to muito boni­to e tocante do Repórter e de suas desilusões sobre a humanidade, que acred­i­to serem as mel­hores partes do livro – mas isso não foi o sufi­ciente para eu não me per­gun­tar a todo momen­to sobre respostas.

O autor Fábio M. Barreto

O autor Fábio M. Barreto

É pos­sív­el diz­er que a intenção orig­i­nal do autor é mostrar que esse pano de fun­do cri­a­do por ele não pas­sa dis­so – é a base para um dra­ma maior, a saber, o cresci­men­to e o amadurec­i­men­to do Repórter em sua jor­na­da para sal­var a família (e a for­ma como a sociedade se dete­ri­o­ra diante do caos). Mas a maneira como a história foi desen­volvi­da não me per­mi­tiu esque­cer a razão de tudo aqui­lo e mer­gul­har de vez na tra­jetória do per­son­agem. Eu bus­ca­va algu­mas respostas – que, diante do dra­ma de alguns per­son­agens podem ser vis­tas como questões menores — mas ain­da sim a fal­ta delas pare­ceu levar a história para um rumo difer­ente sim­ples­mente para “sur­preen­der” o leitor, e não para fechar a obra de maneira coerente.

Ilustração feita por Felipe Watanabe!

Ilus­tração fei­ta por Felipe Watanabe

Out­ro pon­to neg­a­ti­vo é que alguns tre­chos do livro são um tan­to con­fu­sos, prin­ci­pal­mente nas pas­sagens de ação (como no momen­to em que é descri­ta a chega­da do Repórter e de uma equipe mil­i­tar a um dos bunkers exis­tentes na história). É pre­ciso lê-las duas ou três vezes para dis­cernir com certeza o que se desen­ro­la, quem está fazen­do o quê e o que está acon­te­cen­do na sequên­cia. É pre­ciso atenção do leitor para não se perder nos eventos.

Assim, Fil­hos do Fim do Mun­do é uma obra que pode levar o leitor a ter uma exper­iên­cia um pouco trun­ca­da com a história, uma vez que não per­mite o embar­que com­ple­to na exper­iên­cia desse mun­do cri­a­do por Barreto.

Já seus destaques são prin­ci­pal­mente atre­la­dos à jor­na­da do Repórter e seu ques­tion­a­men­to sobre a profis­são, sobre sua família, sua vida e sobre si mes­mo. A respeito destes pon­tos, Fábio Bar­reto merece todos os crédi­tos. É curioso e tocante acom­pan­har­mos a tra­jetória deste “herói”, que se despe de todos os seus pré-con­ceitos, certezas e pré-jul­ga­men­tos diante da nova real­i­dade que se desvela diante de si, sim­ples­mente para faz­er o que for mel­hor para sua família. Há pas­sagens em que é muito fácil se iden­ti­ficar com ele e com suas decisões, aprox­i­man­do o leitor da história e per­mitin­do o envolvi­men­to que vez ou out­ra escapa durante a leitura.

- Já vimos isso acon­te­cer, em escala menor, claro. Con­fli­tos trib­ais têm muito dis­so. E vemos ess­es efeitos em nos­sos treina­men­tos de sobre­vivên­cia. Até cer­to nív­el de estresse, os sol­da­dos se unem; dali para a frente, o instin­to fala mais alto e qual­quer razão para ter algu­ma van­tagem táti­ca ou fisi­ológ­i­ca será usa­da para o bene­fí­cio daque­le indi­ví­duo – con­tin­u­a­va o argu­men­to. A lóg­i­ca pare­cia impecáv­el e o dis­cur­so era sin­cero, chegan­do a ser influ­en­ci­a­do por momen­to de pen­sar pro­fun­do, pre­sentes, mes­mo que de for­ma con­ti­da. Assim como o Repórter, o Major preferiria descon­sid­er­ar tudo aqui­lo, entre­tan­to a ver­dade não podia ser omi­ti­da. E ambos sabi­am. (p. 193)

O fim da obra, ain­da que não seja o que leitor pos­sa esper­ar, sur­preende e emo­ciona. Com alguns tre­chos revisa­dos (prin­ci­pal­mente na descrição das cenas de ação) o livro fluiria mel­hor, mas não há dúvi­das de que a obra de Bar­reto (que ain­da par­tic­i­pa do pod­cast Rapadu­ra­cast), ain­da que não seja o grande livro nacional do gênero em 2013, é um bom livro – o que não deixa de ter seu mérito.

Veja abaixo um cur­ta-metragem inspi­ra­do no pról­o­go de Fil­hos do Fim do Mun­do, cri­a­do pela SOS Hol­ly­wood Films:


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