Category: Documentários

  • Nascidos em Bordéis (2004), de Zana Briski e Ross Kauffman

    Nascidos em Bordéis (2004), de Zana Briski e Ross Kauffman

    A diretora Zana Briski
    A fotó­grafa Zana Briski

    Zana Bris­ki, fotó­grafa e ativista, é auto­ra do tocante doc­u­men­tário “Nasci­dos em Bor­déis” (Born into Broth­els: Cal­cut­ta’s Red Light Kids, 2004), dirigi­do por ela e pelo pro­du­tor Ross Kauff­man, traduzin­do a panorâmi­ca vivi­da pelas cri­anças do bair­ro da Luz Ver­mel­ha, em Calcutá.

    Fru­tos de um arcabouço social tira­no (pro­movi­do pelo sis­tema de cas­tas), meni­nos e meni­nas são sub­meti­dos à condições sub-humanas de sobre­vivên­cia, con­viven­do diari­a­mente com a vio­lên­cia, ali­men­tação precária, fal­ta de sanea­men­to bási­co, ausên­cia edu­ca­cional e, prin­ci­pal­mente, a mor­tal­ha da deses­per­ança. A pros­ti­tu­ição e o uni­ver­so crim­i­noso pare­cem ser as úni­cas her­anças que os pais podem deixar aos filhos.

    Diante desse caos, Zana del­e­ga todas as forças que pos­sui na bus­ca de novas per­spec­ti­vas para essa situ­ação. Min­is­tra aulas de fotografia para as cri­anças, dan­do margem ao mar­avil­hoso mun­do da expressão. É emo­cio­nante obser­var o desen­volvi­men­to de cada uma delas e a feli­ci­dade em, ao menos, son­har com um futuro difer­ente. Acom­pan­han­do essas mudanças, a fotó­grafa — jun­ta­mente com seu par­ceiro Ross Kauff­man — luta frente às autori­dades locais para pro­por­cionar uma chance, uma opor­tu­nidade de vida mel­hor para os nasci­dos em bordéis.

    Crianças que Zana acompanhou
    Cri­anças que Zana acompanhou

    Após vencer a buro­c­ra­cia exac­er­ba­da e pre­con­ceitos diver­sos, os resul­ta­dos começaram a apare­cer tim­i­da­mente. Um dos meni­nos é escol­hi­do para – em out­ro país — ser o rep­re­sen­tante vivo do tra­bal­ho desen­volvi­do por Bris­ki. Algu­mas das meni­nas são aceitas para estu­dar em inter­natos. No fim do doc­u­men­tário, é apre­sen­ta­do o que ocor­reu a cada uma das cri­anças. Infe­liz­mente, ape­nas duas con­seguiram prosseguir lutan­do pelo alcance dos seus son­hos. Fatores soci­ais, famil­iares e força de von­tade assi­nalaram esse final.

    O tra­bal­ho de Zana Bris­ki foi muito mais do que inter­venção social. Foi (e con­tin­ua sendo) a práx­is do dita­do que pro­fe­ti­za: “A fotografia se faz com o peito, e não com uma câmera”.

    Você não pode usar sua câmera como um escu­do con­tra o sofri­men­to humano.

    Zana Bris­ki

  • Fotógrafo de Guerra (2001), de Christian Frei

    Fotógrafo de Guerra (2001), de Christian Frei

    James-Natchwey-Kosovo

    O olho do homem serve de fotografia ao invisív­el, como o ouvi­do serve de eco ao silêncio.

    Macha­do de Assis

    A fotografia con­quis­tou espaço como um dos maiores fenô­menos comu­ni­ca­cionais da humanidade. A téc­ni­ca da “cap­tação de ima­gens por meio de uma exposição lumi­nosa” vem sendo uti­liza­da de difer­entes for­mas no decor­rer do seu proces­so históri­co, começan­do por meio de méto­dos analógi­cos até alcançar as ino­vações da fotografia dig­i­tal, pro­por­cionadas pelo avanço tecnológico.

    Reg­is­trar um momen­to feliz, guardar uma fonte históri­ca, denun­ciar acon­tec­i­men­tos, ante­ci­par tragé­dias, cri­ar memórias, remod­e­lar son­hos e difundir ideias são algu­mas das inúmeras for­mas pelas quais a fotografia se faz pre­sente. Den­tro desse con­ceito, exis­tem aque­les que uti­lizam a fotografia como meio para trans­for­mar uma real­i­dade, recon­stru­ir vidas. É exata­mente o que faz o fotó­grafo James Nachtwey.

    Retrato do fotógrafo James Nachtwey
    Retra­to do fotó­grafo James Nachtwey

    James Nachtwey tem ded­i­ca­do sua existên­cia aos reg­istros fotográ­fi­cos de guer­ras, con­fli­tos, mis­érias e desumanidades ao redor do plan­e­ta. Sua ativi­dade de luta e denún­cia con­tra a atu­al condição do homem pode ser apre­sen­ta­da através do doc­u­men­tário Fotó­grafo de Guer­ra (War Pho­tog­ra­ph­er, direção de Chris­t­ian Frei, 2001). Por meio da uti­liza­ção de micro-câmeras acopladas à câmera fotográ­fi­ca de Nachtwey, o dire­tor Chris­t­ian Frei tra­bal­hou em cima das ativi­dades real­izadas pelo fotojornalista.

    As fil­ma­gens ocor­reram nas zonas de con­fli­to do Koso­vo, Palesti­na e Indonésia, dan­do uma iden­ti­dade real à dor de cen­te­nas de pes­soas a par­tir do momen­to em que elas são retratadas em imagem, for­man­do um reg­istro silen­cioso. Era assim que o lúci­do doc­u­men­tarista exer­cia sua função social. Segun­do Nachtwey, é incon­ce­bív­el “per­mi­tir que a mis­éria humana con­tin­ue clan­des­ti­na”. Durante todo o doc­u­men­tário, o fotó­grafo dire­ciona sua ideia na exposição da real­i­dade, provan­do que existe uma grande respon­s­abil­i­dade por trás de cada movi­men­to do homem, seja intimista ou comunitário.

    James-Natchwey-2

    A per­son­al­i­dade silen­ciosa, tími­da e despren­di­da do fotó­grafo reforça a aut­en­ti­ci­dade de seu tra­bal­ho. Por estar próx­i­mo das víti­mas, parece com­par­til­har da mis­éria e do imen­so vazio que as dev­as­ta. James Nachtwey der­ru­ba o fal­so moral­is­mo que per­me­ia gov­er­nos e os mais altos pilares da sociedade ao retratar momen­tos chocantes, como a mãe que enter­ra o fil­ho viti­ma­do pela bar­bárie da guer­ra, ou quan­do um homem é bru­tal­mente assas­si­na­do por ter out­ra ide­olo­gia políti­ca. O fotó­grafo de guer­ra pres­en­cia comu­nidades inteiras assi­s­tirem com­ple­ta­mente impo­tentes ao estupro de suas mul­heres e ao esface­la­men­to de suas famílias, sim­ples­mente por per­tencerem à out­ra etnia. Toda essa dor é obser­va­da den­tro de um acor­do tác­i­to entre fotó­grafo e fotografa­do; um acor­do de coração e espíri­to. Fotó­grafo de Guer­ra é mais um daque­les doc­u­men­tários que jus­ti­fi­cam todo o sac­ri­fí­cio de um homem de ser maior do que sua própria dor.

    A cada min­u­to que eu esta­va lá, eu que­ria fugir.
    Eu não que­ria ver isso.
    Eu iria bater e cor­rer ou enfrentar
    a respon­s­abil­i­dade de estar lá com uma câmera?

    James Nachtwey

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=KQe2-nuDp‑E

  • Crítica: Catfish

    Crítica: Catfish

    crítica catfish

    Cada vez mais, nos­sas vidas estão mais conec­tadas — ou reg­istradas — na inter­net. Você pos­ta um pen­sa­men­to rápi­do no Twit­ter, se comu­ni­ca com seus ami­gos no Face­book, envia suas fotos para o Flickr, … Cat­fish (USA, 2010) é um doc­u­men­tário, dirigi­do por Hen­ry Joost e Ariel Schul­man, que explo­ra jus­ta­mente as relações, cada vez mais, virtuais.

    Nev Shul­man é um fotó­grafo de 24 anos de idade que ao ter uma foto pub­li­ca­da em um jor­nal, con­hece Abby Pierce, uma meni­na de 8 anos que gos­ta de pin­tar. Através do Face­book, ele aca­ba con­hecen­do a irmã mais vel­ha de Abby, Megan Fac­cio, a qual logo cria uma afinidade e a par­tir daí um rela­ciona­men­to vir­tu­al se inicia.

    Não vou falar muito pois Cat­fish é aque­le tipo de filme que o quan­to menos você sabe a respeito do decor­rer da tra­ma, mel­hor. Assim você con­segue expe­ri­en­ciar ao máx­i­mo sem ficar aguardan­do algum acon­tec­i­men­to já pre­vis­to, com as grandes sur­pre­sas já con­heci­das. Tive a mes­ma sen­sação quan­do vi Ricky, out­ro lon­ga muito inter­es­sante, sobre um bebê bem difer­ente do nor­mal, onde qual­quer infor­mação a mais sobre ele estra­ga a surpresa.

    Em A Rede Social, foi pos­sív­el acom­pan­har o surg­i­men­to do Face­book e várias mudanças que esta fer­ra­men­ta pro­por­cio­nou. Já Cat­fish, sim­ples­mente leva você muito mais além do uso dela e da comu­ni­cação á dis­tân­cia em ger­al. Para quem usa redes soci­ais na inter­net é muito difí­cil não haver qual­quer tipo de iden­ti­fi­cação com o filme, pois ele lida com situ­ações que acon­te­cem todos os dias nelas. As várias questões entre o real e o vir­tu­al vivi­das por Nev, reper­cutem dire­ta­mente sobre todos os usuários mais ativos da inter­net. Uma das fras­es dita por ele que real­mente traz o que pen­sar a respeito deste assun­to é: “ela deve ser bem mas­sa, pelo menos no Face­book…”.

    Além dis­so nos faz refle­tir sobre a maneira que lidamos com relações no mun­do vir­tu­al, com as novas pos­si­bil­i­dades e lim­i­tações que exis­tem den­tro delas, sem ser de maneira algu­ma uma lição de moral ou algo educa­ti­vo, mas sim um rela­to muito pes­soal. Aliás, acred­i­to que Cat­fish tam­bém pode­ria ser um óti­mo estí­mu­lo para ini­ciar dis­cussões sobre este assun­to entre jovens, den­tro ou fora das salas de aula.

    Uma das grandes per­gun­tas que fica durante e após ver Cat­fish é se aqui­lo real­mente acon­te­ceu da for­ma que foi exibido. Assim como o ques­tion­a­men­to a respeito da inter­net lev­an­ta­do aci­ma, temos o mes­mo em relação ao próprio filme. Seria ele ficção, real­i­dade, ou até uma mis­tu­ra entre os dois? Dev­i­do ao seu esti­lo bem caseiro, descon­traí­do e pes­soal, é muito fácil esque­cer de que há alguém segu­ran­do uma câmera em algum lugar, pois a sen­sação é de que esta­mos real­mente lá com ele acom­pan­han­do aque­las situações.

    Para quem ficou curioso do porque do títu­lo Cat­fish, no final dele um per­son­agem fala uma curiosi­dade bem inter­es­sante sobre o bagre (cat­fish) que aca­ba expli­can­do o moti­vo da escol­ha. Out­ra coisa inter­es­sante foi a apre­sen­tação, no iní­cio do filme, do logo da Uni­ver­sal, que ficou muito bem fei­ta para poder com­bi­nar com o lon­ga. Ideia pare­ci­da tam­bém foi fei­ta para o lon­ga Scott Pil­grim Con­tra o Mun­do.

    Con­forme a tra­ma de Cat­fish vai se desen­vol­ven­do, uma cer­ta ten­são vai aumen­tan­do, a pon­to de em cer­tos momen­tos ficar tão grande que faz você se retorcer inteira­mente numa mis­tu­ra de curiosi­dade, medo e incon­formi­dade. Con­fes­so que poucos filmes me deixaram tão ten­sos quan­to este. Infe­liz­mente o mes­mo ain­da não foi lança­do ofi­cial­mente aqui no Brasil, mas se por algum meio — há algu­mas ver­sões leg­en­dadas pela inter­net — você tiv­er a opor­tu­nidade assistí-lo, não pense duas vezes.

    Para quem quis­er pesquis­ar mais depois de ter assis­ti­do, o site ofi­cial do doc­u­men­tário Cat­fish é excep­cional. Ele sim­u­la o aces­so ao com­puta­dor de Nev, onde você pode além de aces­sar alguns mate­ri­ais sobre o lon­ga, ver fotos, reg­istro de con­ver­sas via chat e emails dele. Além dis­so há tam­bém uma pas­ta pro­te­gi­da, alguém por aca­so con­seguiu desco­brir qual é a senha?

    Out­ras críti­cas interessantes:

    • Alexan­dre Maki, no seu blog

    Con­segui achar um trail­er leg­en­da­do, mas mes­mo haven­do vários erros de tradução na leg­en­da, para quem não entende inglês con­tin­ua sendo váli­do. Mais abaixo colo­quei o trail­er orig­i­nal sem legendas.

    Trail­er Legendado:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=TOQmDxOV4‑0

    Out­ro Trail­er — Sem Legendas:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=1xp4M0IjzcQ

  • Crítica: Senna

    Crítica: Senna

    Filmes e doc­u­men­tários sobre cele­bri­dades cos­tu­mam miti­ficar e/ou dis­torcer muito do que real­mente acon­te­ceu, é difí­cil encon­trar um que não seja muito ten­den­cioso. Sen­na (Inglater­ra, 2010), dirigi­do pelo inglês Asif Kapa­dia, é um doc­u­men­tário que uti­liza ape­nas ima­gens de arqui­vo sobre Ayr­ton Sen­na, um dos maiores pilo­tos da história do auto­mo­bil­is­mo, retratan­do de for­ma extra­ordinária um tre­cho de sua vida.

    Sen­na abrange os anos de Ayr­ton como pilo­to de Fór­mu­la 1, des­de sua tem­po­ra­da de estréia, em 1984, até a sua morte pre­coce uma déca­da depois. Difer­ente do que talvez se pode­ria imag­i­nar, o foco não é, em momen­to algum, o con­tro­ver­so tema da sua morte, mas sim na tra­jetória deste homem den­tro e fora das pis­tas de corrida.

    Ayr­ton era bas­tante con­heci­do, prin­ci­pal­mente no Brasil, pelo seu forte lado espir­i­tu­al. Durante Sen­na, ele rela­ta a seguinte exper­iên­cia: “De repente, perce­bi que não esta­va mais dirigin­do o car­ro con­scien­te­mente. Eu esta­va em uma dimen­são difer­ente. Era como se estivesse em um túnel… Eu esta­va muito além do lim­ite, mas con­seguia ir além.”. Uma das primeiras coisas que veio á mente neste momen­to foi o episó­dio “O recorde mundi­al”, dirigi­do por Takeshi Koike, do lon­ga Ani­ma­trix (2003), que mostra um corre­dor que dev­i­do sua excep­cional força de von­tade e esforço para romper com seus próprios lim­ites, tan­tos psíquicos quan­to físi­cos, aca­ba por se desconec­tar soz­in­ho da Matrix e ter um deslum­bre do “mun­do real”.

    Uma car­ac­terís­ti­ca de Sen­na que chama bas­tante atenção é que, difer­ente­mente do que se faz nor­mal­mente em doc­u­men­tários, ele não pos­sui entre­vis­tas em primeiro plano. Os relatos con­ce­bidos pelos famil­iares, ami­gos e pes­soas que acom­pan­haram a vida do pilo­to, são todos feitos em off, enquan­to as ima­gens de arqui­vo são exibidas. Asif Kapa­dia acer­tou em cheio resistin­do à uti­liza­ção deste recur­so, o resul­ta­do ficou muito mais dinâmi­co e rico, pois as ima­gens, muitas delas inédi­tas, valer­am muito mais do que ape­nas as palavras ditas. A tril­ha sono­ra do lon­ga é com­pos­ta basi­ca­mente de músi­ca clás­si­ca instru­men­tal, o que inten­si­fi­ca bas­tante o cli­ma do filme, mas não chega a ser pretenciosa.

    Sen­na não é um doc­u­men­tário somente para fãs da F1, mes­mo uma pes­soa que não con­hece muito a história do pilo­to nem tem qual­quer afinidade com o esporte, como eu, con­segue não só acom­pan­har e enten­der o seu fun­ciona­men­to (e talvez até se inter­es­sar por ele), mas tam­bém se encan­tará com a per­son­al­i­dade forte e deter­mi­na­da de Ayr­ton. Vale a pena assistir!

    Out­ras críti­cas interessantes:

    • Marce­lo For­lani, no Omelete
    • Rubens Ewald Fil­ho, no seu Blog

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=Y9GnfTJApGY