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  • Entrevista: André Caliman

    Entrevista: André Caliman

    andre-caliman-0Ini­cian­do o nos­so ciclo de entre­vis­tas com autores nacionais de Histórias em Quadrin­hos, con­ver­samos dire­ta­mente de Curiti­ba com o André Cal­i­man, que recen­te­mente teve seu pro­je­to “Revol­ta!” finan­cia­do pela platafor­ma Catarse.

    André tam­bém é escritor, ilustrador, car­i­ca­tur­ista e pro­fes­sor. Ele foi um dos cri­adores da revista Quadrin­hó­pole e tam­bém da revista Aveni­da, pos­suin­do vários de seus tra­bal­hos pub­li­ca­dos tan­to nacional­mente quan­to inter­na­cional­mente, como as HQs: “Rua”, “Fire”, “Seque­stro em Três Bura­cos” e “E.L.F”.

    Como surgiu a ideia de cri­ar “Revol­ta” e qual foi o estopim para o pro­je­to sair ape­nas do mun­do das ideias?

    Escrevi e desen­hei o primeiro capí­tu­lo em Out­ubro de 2012. A situ­ação não era a mes­ma que vive­mos ago­ra. Na ver­dade era bem o con­trário. Paira­va no ar uma cal­maria descon­fortáv­el. Pare­cia que um joga­va no out­ro a cul­pa por ninguém faz­er nada com relação aos escân­da­los de cor­rupção. Quan­tas vezes, em algu­ma dis­cussão políti­ca, eu ouvia alguém falar, não nec­es­sari­a­mente pra mim: “Ah, é?! E você, o que está fazen­do sobre isso?

    Out­ro comen­tário recor­rente era: “Quero ver quan­do chegar algum malu­co e matar ess­es ladrões!

    Nes­sa época eu que­ria faz­er um pro­je­to meu, e algo que fos­se rel­e­vante, que falasse sobre o momen­to atu­al e sobre essas pes­soas que eu encon­tra­va em bares, fac­ul­dades, etc. Imag­inei o que acon­te­ceria se as pes­soas se revoltassem. Ou ao menos, se uma pes­soa se revoltasse.

    O resto da história veio naturalmente.

    Você já pen­sa­va des­de o iní­cio em uti­lizar o crowd­fund­ing para via­bi­lizar uma ver­são impres­sa da HQ?

    Não, a ideia era sim­ples­mente escr­ev­er e desen­har e esper­ar que as pes­soas lessem. Eu não sabia muito bem no que isso ia dar. O primeiro capí­tu­lo, que retra­ta o bar que eu sem­pre fre­quen­ta­va e os ami­gos com os quais eu sem­pre esta­va, foi umas das coisas mais diver­tidas que já fiz. Quan­do a história foi toman­do cor­po e vi que seria um grande livro e pre­cisa­va ser pub­li­ca­do o quan­to antes, pois a real­i­dade se mostrou coer­ente com a ficção, o Catarse pare­ceu a mel­hor opção, me val­en­do do públi­co que já acom­pan­ha­va a HQ na internet.

    Como foi o plane­ja­men­to para cri­ar a cam­pan­ha deste seu primeiro pro­je­to de crowd­fund­ing? Onde você sen­tiu, ou sente, mais dificuldade?

    Revol­ta!” é uma HQ mais mar­gin­al, vio­len­ta, trans­gres­so­ra. E quan­do colo­quei ela no Catarse, me deparei com uma supos­ta obri­gação de torná-la com­er­cial, um pro­du­to que pre­cisa­va ser com­pra­do. E o desafio foi faz­er isso sem descar­ac­teri­zar a obra e sua intenção provoca­ti­va. Acho que deu certo.

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    André tra­bal­han­do na HQ “Revol­ta!”

    Há vários pro­je­tos de HQs que con­seguiram ser via­bi­liza­dos graças a essa nova dinâmi­ca, para citar ape­nas alguns: “GNUT”, “RYOTIRAS OMNIBUS” e recen­te­mente o livro “Ícones dos Quadrin­hos”. Você acred­i­ta que o mod­e­lo de crowd­fund­ing pode ser, ou já está sendo, uma grande rev­olução no cenário nacional dos quadrinhos?

    Acho que sim, pois há muito tem­po são os próprios autores de quadrin­hos que fazem o mer­ca­do nacional. As edi­toras tem uma mis­te­riosa difi­cul­dade para apos­tar em coisas novas e autores novos. Então o Catarse vem como uma fer­ra­men­ta para tirar essa difi­cul­dade que os autores tem de atin­gir o seu públi­co e vender seu pro­du­to diretamente.

    Por que você decid­iu lançar a HQ gra­tuita­mente na inter­net? Você acred­i­ta que isto pode ter um impacto neg­a­ti­vo numa futu­ra ven­da da ver­são impres­sa de algum pro­je­to deste tipo?

    Acho que não. Pre­tendo man­ter o públi­co que começou a ler a HQ gra­tuita­mente no blog, fazen­do-os con­hecer mais do mate­r­i­al e eternizá-lo em suas prateleiras com o livro impres­so. Fora que essa incia­ti­va de pub­licar gra­tuita­mente tam­bém teve um intu­ito de atin­gir um públi­co mais amp­lo, que não está acos­tu­ma­do e com­prar quadrin­hos. Mes­mo porque, antes dis­so, pre­cisa saber que exis­tem bons quadrin­hos sendo feitos.

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    Você já tra­bal­hou rote­i­rizan­do e desen­han­do (“FIRE” e “Aveni­da”), somente desen­han­do (“E.L.F.” e “Seque­stro em Três Bura­cos”) e recen­te­mente par­ticipou em um pro­je­to que ape­nas rote­i­ri­zou.  Qual você mais gos­ta de faz­er? Como foi tra­bal­har só escrevendo?

    Eu gos­to cada vez mais de escr­ev­er. E a atu­al­i­dade está me dan­do muitas ideias que quero abor­dar. Não con­si­go mais me sat­is­faz­er desen­han­do roteiros de out­ras pes­soas que falam de per­son­agens que já não exis­tem há cem anos.

    E, para mim, a úni­ca for­ma de ser um quadrin­ista com­ple­to é escr­ev­er e desen­har histórias próprias. Recen­te­mente eu escrevi um roteiro que foi desen­hado por uma quadrin­ista super tal­en­tosa daqui de Curiti­ba, a Mari­na Tye­mi, e gostei da experiência.

    Mas como disse, não é um tra­bal­ho autoral completo.

    Você tam­bém já pos­sui tra­bal­hos pub­li­ca­dos no exte­ri­or (“E.L.F.” e “Fire”), como foi essa experiência?

    Antes ain­da de me for­mar, come­cei a desen­har a série E.L.F. escri­ta pelo Jason Avery. Antes dis­so, eu havia feito ape­nas revis­tas inde­pen­dentes, então foi um momen­to de profis­sion­al­iza­ção do meu tra­bal­ho. Tin­ha mui­ta pre­ocu­pação com o resul­ta­do, e isso me fez crescer muito, pen­san­do novas for­mas de resolver meu desenho.

    Tam­bém foi muito bom ser bem remu­ner­a­do e pub­li­ca­do lá fora. É um mer­ca­do para o qual eu quero voltar, mas com pro­je­tos próprios.

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    Falan­do em pub­licar no exte­ri­or, há planos de no futuro sair uma ver­são em inglês de Revolta?

    Sim. Mas antes pre­ciso pub­licar aqui. A história per­tence a este país e esse é o momen­to de ser pub­li­ca­da aqui. Mas num pas­so seguinte, com certeza.

    Acho que o tema da Revol­ta é uni­ver­sal. E os con­fli­tos dos per­son­agens da HQ com certeza são recon­hecíveis em qual­quer parte do mun­do. E isso fica prova­do com algu­mas críti­cas que rece­bo no blog onde a HQ é pub­li­ca­da. As pes­soas sem­pre criti­cam aqui­lo que as aflige, que as provo­ca. E na min­ha opinião, é isso que uma boa história deve causar nas pessoas.

    Quais são os autores e artis­tas que exercem algum tipo de influên­cia no seu trabalho?

    Muitos, mas eu pode­ria citar alguns: Hugo Pratt, Flavio Col­in, Vic­tor de La Fuente, Dino Battaglia, Lourenço Mutarelli.

    Se você pen­sar na sua tra­jetória até ago­ra no mun­do dos quadrin­hos, hou­ve algo especí­fi­co que te deixou extrema­mente revoltado?

    Algo óbvio: As edi­toras nacionais se empen­harem tan­to em repub­licar mate­r­i­al estrangeiro e não faz­erem muito esforço para apos­tar em algo feito aqui, muitas vezes com uma qual­i­dade maior.

    Inclu­sive autores brasileiros que estão acos­tu­ma­dos a pub­licar por edi­toras estrangeiras, que pos­suem tra­bal­hos autorais supe­ri­ores ao que fazem lá fora, encon­tram difi­cul­dade em achar espaço com as edi­toras daqui.

    Acho que a ati­tude a ser toma­da pelas edi­toras é: Apos­tar em coisas novas e inter­es­santes. Os autores já estão fazen­do isso, e se elas não os acom­pan­harem, vão ser deix­adas cada vez mais de lado.

    Na maio­r­ia das vezes que te vi desen­han­do Revol­ta, você esta­va com fone de ouvi­do. Que tipo de músi­ca você cos­tu­ma escu­tar para desenhar?

    Na maio­r­ia das vezes ouço palestras filosó­fi­cas. Hahaha

    Ouço todo tipo de música.

    Anal­isan­do o cenário atu­al de HQs, tan­to nacional­mente quan­to inter­na­cional­mente, quais são os quadrin­istas que mais estão chaman­do a sua atenção?

    Gipi, Sean Mur­phy, Dani­lo Beyruth, Cyril Pedrosa, Guazzel­li, Craig Thompson.

    Muito se dis­cute sobre os novos jeitos de se cri­ar quadrin­hos na web, adi­cio­nan­do ani­mações, inter­a­tivi­dade e até real­i­dade aumen­ta­da. Como você vê isso? Acred­i­ta que ain­da pos­sam ser chama­dos de quadrin­hos ou é out­ra coisa? Tem algu­ma dessas novas pos­si­bil­i­dades que você gostaria de explorar?

    Quan­do você muda de for­ma­to, é nat­ur­al que per­ca alguns ele­men­tos e gan­he out­ros. Acho que essas pos­si­bil­i­dades tem que ser bem aproveitadas. E se chegarem ao pon­to de se tornarem out­ra coisa que não quadrin­hos, óti­mo. Os quadrin­hos vão con­tin­uar do jeito que são.

    Não pen­so em nada do tipo ago­ra, mas é uma possibilidade.

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    Na maio­r­ia de seus quadrin­hos você sem­pre aparece de algu­ma for­ma, as vezes você mes­mo é o per­son­agem prin­ci­pal das histórias e em out­ras as vezes aparece disc­re­ta­mente ape­nas em um desen­ho. Essa aparição é algo esti­lo Hitch­cock ou tem algum sig­nifi­ca­do específico?

    É inevitáv­el. Em todos os per­son­agens há um pouco de mim e quan­do eu retra­to a mim mes­mo, tem um pouco de out­ras pes­soas ali. E isso acon­tece porque gos­to de humanizar bas­tante meus per­son­agens, torná-los recon­hecíveis. A min­ha mel­hor ref­er­en­cia sou eu mes­mo e as pes­soas ao meu redor.

    No Revol­ta, além de você como refer­ên­cia para o “Ani­mal”, há tam­bém há seus ami­gos como inspi­ração para o visu­al dos per­son­agens. Até onde eles se mis­tu­ram com a realidade?

    No começo da HQ, eu que­ria que os per­son­agens fos­sem eles mes­mos, inteira­mente. Mas con­forme a história foi avançan­do, os per­son­agens foram se definin­do den­tro da tra­ma de for­mas difer­entes. E me dei a liber­dade de dar autono­mia aos per­son­agens, desvin­cu­lan­do-os em parte das pes­soas que os inspi­raram. Mes­mo assim, ain­da ago­ra quan­do vou desen­har os gestos dos per­son­agens ou colo­car uma fala nos balões, pen­so nos meus ami­gos que servi­ram de mod­e­lo. Isso enriquece e human­iza muito cada um dos personagens.

    Alguém já reclam­ou por ter se vis­to desen­hado em algum dos quadros da HQ?

    Não, todo mun­do gos­ta. (até agora)

    Você acha que é pos­sív­el a ideia prin­ci­pal do Revol­ta sair do papel e se trans­for­mar em realidade?

    Foi uma sen­sação estran­ha quan­do, em Jun­ho, eu vi na tele­visão as man­i­fes­tações no Brasil todo. Foi quase como se a HQ estivesse se tor­nan­do real­i­dade, pois esse era o cam­in­ho para o qual eu esta­va dire­cio­nan­do a trama.

    Quan­do eu par­ticipei das man­i­fes­tações, vi e sen­ti o que esta­va acon­te­cen­do, sabia que eu dev­e­ria aprox­i­mar ain­da mais a HQ da real­i­dade. Se antes eu havia inva­di­do as ruas, colan­do pági­nas nas pare­des, ago­ra as ruas pare­ci­am estar entran­do na HQ. As pes­soas que eu desen­ha­va gri­tan­do ago­ra gri­tavam de ver­dade. E eu deix­ei que elas entrassem de vol­ta nos quadrin­hos. E tudo fez muito mais sentido.

    Ain­da assim, é uma peça de ficção, e o que eu vi se tornar real­i­dade foi o cli­ma da HQ, a intenção de gri­tar, falar, se revoltar, recla­mar. E não se pre­ocu­par se tem um ban­do de gente dizen­do que tudo não pas­sa de uma ingenuidade, porque querem pare­cer cul­tas e con­tro­ladas, quan­do no fun­do o que querem é estar ali gri­tan­do jun­to, mes­mo na chu­va e depois de um dia de tra­bal­ho duro.

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    Tre­cho da HQ “Revol­ta!”

    Vários quadros do Revol­ta são bas­tante cin­e­matográ­fi­cos, as vezes é quase pos­sív­el escu­tar o que está acon­te­cen­do em cada um deles. Isso me fez ficar imag­i­nan­do que tipo de tril­ha sono­ra a HQ teria. Qual seria a sua indi­cação de track­list per­fei­ta para escu­tar enquan­to se lê Revolta?

    Acho que de tudo um pouco, não con­si­go pen­sar em uma tril­ha especí­fi­ca. Mas pos­so diz­er que eu colo­caria algu­mas coisas épi­cas para os capí­tu­los que ain­da estão por vir.

    Quais fer­ra­men­tas físi­cas e vir­tu­ais você uti­liza para desen­har este projeto?

    Eu desen­ho tudo com pena e nan­quim em papel A3. Depois faço um trata­men­to no pho­to­shop e colo­co as letras. Gos­to de man­ter a sim­pli­ci­dade que os quadrin­hos permitem.

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    Muito legal a sua ideia de colar algu­mas pági­nas pela cidade, como está sendo o retorno des­ta ini­cia­ti­va? Já pen­sou em colar eles em algum lugar bem inusi­ta­do mas ain­da não teve coragem?

    O retorno é muito bom. As pes­soas me man­dam e‑mails, comen­tam, mas a maior parte do retorno é silen­cioso. Eu gos­to de pen­sar que as pes­soas olham a pági­na cola­da em algum lugar, gostam ou des­gostam e voltam à sua vida normal.

    Eu sem­pre pen­so em colar onde as pes­soas pos­sam ler. Pon­tos de ônibus, pare­des de bares, fac­ul­dades. Eu faço isso ape­nas para as pes­soas lerem, e não para provo­car os donos de estabelecimentos.

    Mas eu gostaria de colar den­tro dos ônibus ou den­tro da prefeitura.

    Você já tem ideia no que quer tra­bal­har depois deste projeto?

    Primeiro eu vou tirar férias (cur­tas). Mas já tem alguns pro­je­tos quase acaba­dos que vão sair logo em segui­da do Revolta!

    Depois pre­tendo enveredar por quadrin­hos jor­nalís­ti­cos por um tempo.

    Mas tudo isso só depois de pub­licar o livro do Revol­ta!, que é a min­ha prioridade.

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    Para finalizar a entre­vista: o sen­ti­men­to de revol­ta pode ser um grande catal­isador, o que te move a desenhar?

    Quan­do eu come­cei a ler, quadrin­hos e livros (lá na ado­lescên­cia), me sur­preen­di com a pos­si­bil­i­dade de con­hecer novas ideias e prin­ci­pal­mente pen­sar sobre elas, seja con­cor­dan­do ou dis­cor­dan­do. É isso que eu bus­co ago­ra como autor, abor­dar ideias, de várias for­mas. E com isso, sacio a min­ha neces­si­dade de me expressar.

    E o que me man­têm escreven­do e desen­han­do é ver que as pes­soas estão lendo.

    Por isso, agradeço a todos que acom­pan­ham o blog e que con­tribuíram no Catarse. O livro da “Revol­ta!” vai exi­s­tir graças a vocês.

    Obri­ga­do.

  • Entrevista: Pryscila Vieira

    Entrevista: Pryscila Vieira

    Neste Dia Inter­na­cional da Mul­her, nada mel­hor do que uma entre­vista com a curitibana, ilustrado­ra, design­er e car­tunista, Pryscila Vieira. Apaixon­a­da por humor grá­fi­co, Pryscila é cri­ado­ra da per­son­agem Ame­ly, a cati­vante boneca infláv­el que aparece toda terça-feira no jor­nal Fol­ha de São Paulo.

    Pryscila começou cedo sua car­reira pouco comum entre as mul­heres. Aos 14 anos já era char­gista de um jor­nal de Curiti­ba. Em 1996 ingres­sou na fac­ul­dade de Design da PUC-PR, con­cluin­do o cur­so em 1999.

    Gan­hou o primeiro lugar no Salão de Humor Uni­ver­sitário de Piraci­ca­ba, bem como nos dois anos seguintes. Em 1998 coor­de­nou a Bien­al de Humor do Mer­co­sul, com os prin­ci­pais nomes do humor grá­fi­co. Esta exposição itin­er­ante pas­sou pelas prin­ci­pais cidades do Brasil, Paraguai e Argenti­na. Na sequên­cia, ilus­trou as pági­nas da Gaze­ta do Povo, onde per­maneceu durante qua­tro anos. Atual­mente, torce para que os leitores não façam con­tas com datas citadas a fim de desco­brir sua idade, não rev­e­la­da nem com tor­tu­osas cóce­gas nos pés.

    Con­fi­ra abaixo a entre­vista com a car­tunista que com­ple­ta esse ano, duas décadas de carreira.

    Como e quan­do começou o seu envolvi­men­to com o desenho?

    Ten­ho uma história comum entre vários car­tunistas: desen­ho des­de cri­anc­in­ha. E con­tin­uo com idade men­tal de 10 anos. Só que eu desen­ha­va mel­hor aos dez anos… Eu acho. Meus famil­iares ado­ravam que eu desen­has­se quan­do cri­ança, porque assim fica­va “qui­eta”. Min­ha mãe olha­va para meus desen­hos e acha­va tudo lin­do. Meu pai ao con­trário, sem­pre acha­va um defeito. Por causa da min­ha mãe me acha­va o máx­i­mo, mas ia logo cair na real com a críti­ca con­tun­dente de meu pai.
    A par­tir do momen­to que quis seguir car­reira profis­sion­al, ficaram pre­ocu­pa­dos com meu futuro. Não tin­ham sequer ideia das infini­tas pos­si­bil­i­dades que um desen­hista pode optar ao lon­go de sua car­reira. Na ver­dade, nem eu tin­ha. Segui instintos.

    Gostaria que falasse um pouco do seu cotid­i­ano como car­tunista. Como fun­ciona o ”proces­so de cri­ação” das tir­in­has, ideias novas, inspiração,etc.

    Gos­to de saber sobre o com­por­ta­men­to humano. Faço isso com análise críti­ca e muitas vezes impiedosa. É dev­er do car­tunista ter um pon­to de vista difer­en­ci­a­do de qual­quer out­ra pes­soa e expressá-lo de maneira con­tun­dente, mas sutil. Difí­cil é encon­trar a dose exa­ta de impiedade e delicadeza.
    Já o tra­bal­ho de exe­cução não tem glam­our nen­hum. É a entre­ga de um pro­du­to todos os dias. Se eu ten­ho que man­dar uma tir­in­ha diária para um jor­nal até as seis da tarde, bas­ta pen­sar, desen­har e enviar. Não tem aque­la luz div­ina, não tem momen­to de inspi­ração, não tem estre­lin­has tilin­tan­do ao redor de quem cria.
    Faz­er tir­in­ha baseia-se em ter a per­son­al­i­dade de um amigu­in­ho imag­inário no seu con­t­role. A par­tir daí é só deitar por cin­co min­u­tos, fechar o tex­to e ir para o com­puta­dor. Às vezes esbar­ro na preguiça e fecho os olhos por mais umas horas. Mas juro que é sem querer.

    Na sua opinião, quais os prob­le­mas enfrenta­dos para pub­li­cação de quadrin­hos em Curitiba?

    Curiti­ba é um celeiro de novos tal­en­tos nos quadrin­hos, prin­ci­pal­mente os de humor. Mas mes­mo assim, ain­da é val­i­da a pre­mis­sa de que ‘san­to de casa não faz mila­gre’ então, deve-se pub­licar fora de Curiti­ba, para ser val­oriza­do em Curitiba.
    Mas os órgãos vitais de pro­dução cul­tur­al ain­da estão basea­d­os em São Paulo e no Rio de Janeiro. Qual­quer autor que queira pub­licar e faz­er suces­so deve avaliar a pos­si­bil­i­dade de pub­li­cação nesse eixo.
    Em 2011 Curiti­ba pas­sou a inve­stir mais nos quadrin­hos, orga­ni­zan­do um dos mel­hores even­tos da área, que foi a Gibi­con. Um suces­so! E em 2012 tem mais. Isso acabou um pouco com aque­la sen­sação de que a cidade pega­va carona no suces­so avali­a­do e garan­ti­do por ‘men­tores cul­tur­ais’ de SP e RJ. Temos novos tal­en­tos e com a Gibi­con, podemos projetá-los.

    O que você acha do repertório nacional de quadrinhos?

    Pos­so avaliar ape­nas os quadrin­hos de humor. E gos­to da pro­dução nacional deles. Só acho que os car­tunistas têm que fugir da for­ma enlata­da de desen­har. Para isso, devem procu­rar meios mais cria­tivos de exe­cução do desen­ho, que não seja ape­nas usar os mod­os bási­cos do Pho­to­shop. Acho que deve haver uma redescober­ta do tra­bal­ho grá­fi­co do car­tunista. Todos os desen­hos têm me pare­ci­do iguais. Com os adven­tos da inter­net, muitos procu­ram inspi­ração fácil, o que tor­na a pro­dução visual­mente repet­i­ti­va e entediante.
    Já os roteiros estão cada vez mel­hores, mais ágeis, talvez por con­ta tam­bém da inter­net e da dis­sem­i­nação do humor por pro­gra­mas de TV e pop­u­lar­iza­ção de shows stand up comedy. 

    Para você, qual a mar­ca do seu tra­bal­ho que a difer­en­cia de out­ros (as) car­tunistas?

    Acho que vem da cri­ação de um per­son­agem que deve man­ter um dis­cur­so uni­forme. O per­son­agem é inigualáv­el, úni­co. Eu cor­ro o risco de ter um dis­cur­so coin­ci­dente com out­ro profis­sion­al de humor, se não estiv­er anco­ra­da num per­son­agem. Se tiv­er, a pia­da pas­sa a ser dele e não mais de uso comum. O per­son­agem é que faz o car­tunista, não o contrário. 

    Quais as influên­cias (car­tunistas, quadrin­istas, char­gis­tas, etc) no seu tra­bal­ho? Tem admi­ração por algum profis­sion­al em especial?

    Gos­to da obra de muitos car­tunistas. Mas se for para ir para uma ilha deser­ta com um car­tunista (a obra!) seria o Ziral­do, dono do esti­lo de comu­ni­cação mais flu­i­do que con­heço. Fala com cri­ança, com adul­to, com idoso, com todo mun­do com a mes­ma maes­tria. Seus desen­hos estu­pen­dos são a per­son­ifi­cação de suas ideias fina­mente arquite­tadas com equi­líbrio cal­cu­la­do entre razão e a mais doce inteligên­cia emo­cional. Diz­er que Ziral­do é um car­tunista, um escritor, um artista… isso tudo seria lim­i­tar um dos maiores cri­adores de nos­so tem­po a um sim­ples desígnio do que insu­fi­cientes palavras alcançam. Amém. 

    Quan­do e como você começou a perce­ber a sua predileção pelo humor gráfico?

    É tão intrínseco ao meu ser, que sequer con­si­go pon­tu­ar o iní­cio. Talvez meu líqui­do amnióti­co ten­ha sido nanquim.

    Como surgiu a ideia de cri­ar a tir­in­ha Ame­ly? Fale um pouco da personagem.

    Ame­ly é uma boneca infláv­el que foi bati­za­da sob esta graça por con­ta do sam­ba de Mário Lago inti­t­u­la­do “Ai que saudades da Amélia”. A tal Amélia deix­a­va saudades por ser uma mul­her de ver­dade, ou seja, um exem­p­lo de res­ig­nação fem­i­ni­na. Só que Ame­ly destrói o mito de que a “mul­her de ver­dade” deve se anu­lar em prol do seu par­ceiro. Ame­ly chega por encomen­da à casa de seu com­prador com dois grandes e irre­ver­síveis “defeitos de fab­ri­cação” segun­do o pub­li­co mas­culi­no: o primeiro é que ela pen­sa. O segun­do defeito é que ela fala… e muito!Isto a transpõe do pata­mar de “mul­her infláv­el” para o de “mul­her infalível”.

    Ame­ly tor­na-se “a mul­her de ver­dade”. Adquire von­tade, ini­cia­ti­va e inde­pendên­cia ape­sar de seus “pro­pri­etários” não esper­arem nada dela além do que um obje­to sex­u­al pro­por­ciona. Os quadrin­hos da Ame­ly tratam dos sen­ti­men­tos e pen­sa­men­tos de alguém que não esper­amos que os ten­ha, muito menos que os expresse tão vee­mente­mente. Infe­liz­mente no mun­do machista que vive­mos, algu­mas mul­heres ain­da se deparam com situ­ações semel­hantes na sociedade e no mer­ca­do de trabalho.

    Além de Ame­ly, ain­da há out­ro per­son­agem nas tir­in­has, que inter­pre­ta o com­prador da boneca. Ele resolve adquirir uma mul­her infláv­el exata­mente porque desis­tiu de ten­tar com­preen­der as mul­heres de ver­dade. O com­prador tem a esper­ança de que Ame­ly será uma mul­her per­fei­ta, vis­to que não tem von­tade própria, logo não ten­tará jul­gá-lo. E tudo isso por um preço módi­co! Mas a solução per­fei­ta para sua crise dura pouco. Para seu deses­pero, Ame­ly recusa-se a ser um mero obje­to sex­u­al. Ela quer ser seduzi­da, quer pre­lim­inares, atenção, amor e car­in­ho como toda mul­her, afi­nal ela é uma mul­her de verdade.

    Ame­ly foi cri­a­da despre­ten­siosa­mente no natal de 2005, para ser pub­li­ca­da ape­nas no site de sua cri­ado­ra, a Pryscila. Mas a tal boneca agradou tan­to que começou a rece­ber con­vites, foi sele­ciona­da em con­cur­sos de humor grá­fi­co (Salão Car­i­o­ca, con­cur­so da Fol­ha de São Paulo) e hoje tam­bém é pub­li­ca­da diari­a­mente na maior rede de jor­nais do plan­e­ta, o grupo Metro Inter­na­cional. Tam­bém foi con­vi­da­da para várias exposições de quadrin­hos no mun­do todo (Peru, Espan­ha, Gré­cia, Colôm­bia) que tratam do uni­ver­so fem­i­ni­no e da luta pelos dire­itos iguais da mul­her, emb­o­ra Ame­ly defen­da exata­mente o con­trário: os dire­itos desiguais da mulher.

    Para quem está começan­do ago­ra a se envolver com o desen­ho, qual a dica que você daria?

    O primeiro con­sel­ho é: não dar con­sel­hos. Mas se for para sug­erir algo gener­i­ca­mente útil, acon­sel­ho que tra­bal­hem a estru­tu­ra bási­ca. Que leiam MUITO, que incansavel­mente aper­feiçoem-se na redação, no tex­to, no con­tex­to e que se esmerem na arte do desen­ho. Isso tudo nun­ca é demais. E quan­do sen­tir que o tra­bal­ho está com ess­es que­si­tos em equi­líbrio, exis­tem infini­tas pos­si­bil­i­dades de pro­jetá-lo. A inter­net é uma delas. Con­cur­sos de humor grá­fi­co, out­ra. Mas aí, o des­ti­no é uma fol­ha em bran­co que vai ser rabis­ca­da ou desen­ha­da com litros de nan­quim e suor.

  • Entrevista: Rafael Sica

    Entrevista: Rafael Sica

    No dia 23 de fevereiro, uma das típi­cas noites chu­vosas Curitibanas, Rafael Sica esteve na Itiban Com­ic Shop lançan­do e con­ver­san­do sobre seu livro Ordinário (Com­pan­hia das Letras, 2011). Antes do bate-papo — que você acom­pan­ha aqui — a equipe inter­ro­gAção con­ver­sou com o Sica sobre quadrin­hos, refer­ên­cias, situ­ação do livro no Brasil e até mes­mo o assun­to de licenças autorais apare­ceu na conversa.

    Entre­vis­tar um quadrin­ista como Rafael Sica não é uma tare­fa muito fácil. O gaú­cho tem um esti­lo de quadrin­ho que ao mes­mo tem­po que soa her­méti­co à primeira olha­da é tam­bém aber­to, pos­sív­el das mais diver­sas inter­pre­tações. O blog dele recebe, em cada nova postagem, uma enx­ur­ra­da de críti­cas, teo­rias, elo­gios vir­tu­ais e de tudo mais um pouco. Deci­di­dos que não iríamos levar muitas per­gun­tas ano­tadas, opta­mos por ter um bate-papo for­ja­do nas idéias, lig­ações, teo­rias e curiosi­dades que tín­hamos em relação ao quadrinista/ilustrador. Lig­amos o gravador e o resul­ta­do você acom­pan­ha logo abaixo, e bem, recomen­do: leia/observe/teorize Ordinário, de Rafael Sica (ou acesse o blog), vale a pena!

    Obser­van­do seu blog, nota-se algo inter­es­sante: Você não responde os comen­tários, né? Você nun­ca respon­deu. Existe até pseudôn­i­mos de ¨Eu¨ nos comen­tários, é você ou alguém que comenta?
    Não, não respon­do e esse “eu”, não sou eu. Até porque o legal dos comen­tários é uma inter­pre­tação dos tra­bal­hos, né. Muitas vezes tem cara xin­gan­do ou via­jan­do a respeito do tra­bal­ho, sem­pre achei que se eu inter­ferir ali, ou explicar algu­ma coisa não funcionaria.

    O que você acha das pes­soas ten­tan­do explicar, teorizar … Dá para notar mui­ta gente ali ten­tan­do explicar o trabalho.
    Eu acho que essa é a pro­pos­ta do tra­bal­ho, né. É um tra­bal­ho aber­to, que só sug­ere, é silen­cioso, não tem tex­to e nem é dis­cur­si­vo. Então, é a aber­tu­ra que o tra­bal­ho se dá pra o leitor, a idéia aca­ba sendo que o leitor tam­bém tra­bal­he, com­ple­tan­do o desen­ho. Então acho óti­mo, quan­do não tiv­er ninguém comen­tan­do ou ten­tan­do adi­v­in­har é porque o tra­bal­ho já falou tudo, fez tudo soz­in­ho. Pre­firo essa inter­fer­ên­cia, acho que é sem­pre bem vinda.

    Como é lidar com as críticas?
    É tran­qui­lo, me divir­to com aque­le espaço. Até que, quan­do vem críti­cas, geral­mente são comen­tários anôn­i­mos, com apeli­dos e tudo assim, então não tem como levar muito em con­sid­er­ação. Mas tudo bem, acho óti­mo. Se exis­tisse mais críti­ca de quadrin­hos no Brasil… Mas as críti­cas geral­mente vem como ofen­sa, ou algu­ma coisa recal­ca­da. Mas leio sem­pre, acompanho.

    Os quadrin­hos sem nar­ra­ti­va exigem mais do leitor…
    Existe uma nar­ra­ti­va, mas é grá­fi­ca, visu­al. Sim, exige que o leitor com­plete o tra­bal­ho. E é essa real­mente a pro­pos­ta dele, fui tiran­do o tex­to das tiras — no começo do blog eu usa­va um cer­to número de palavras — dimin­uin­do o número de palavras e fui me dan­do con­ta de como isso poten­cial­iza­va as interpretações.

    Acho que isso dire­ciona de cer­ta for­ma, né?
    É, existe um tema ali cen­tral, existe uma coisa que a pes­soa se iden­ti­fique. Mas não está dizen­do nada, não está sendo dis­cur­si­vo, botan­do um pon­to. Não há uma só expli­cação ou teo­ria sobre qual­quer coisa, é mais para lev­an­tar questões mes­mo. E lev­an­tan­do elas, os comen­tários são muito bem vindos.

    Por que você faz tiras? Você já pen­sou em faz­er histórias? Mui­ta gente comen­ta no seu blog que fal­ta começo, meio e fim, que as tiras não têm uma lóg­i­ca. Até está­va­mos con­ver­san­do que a lit­er­atu­ra con­tem­porânea hoje — por exem­p­lo Daniel Galera, Bonas­si, Ruffa­to — não tem isso, e tam­bém não pre­cisa ter para haver lógica.
    De fato não. Tem essa cul­tura do humor grá­fi­co nar­ra­ti­vo, da pia­da que ter­mi­na em história. Acho que se eu fizesse uma história maior, iria pelo mes­mo cam­in­ho, deixaria uma história mais aber­ta sem começo, meio e fim, uma coisa que fizesse cer­ta lóg­i­ca, mas pen­so que a aber­tu­ra que o tra­bal­ho pode dar sem­pre é mais impor­tante. A não ser que vá faz­er um quadrin­ho-jor­nal­is­mo, ilus­tra­ti­vo ou auto­bi­ográ­fi­co, aí tudo bem, faz sen­ti­do. Mas nesse caso não, numa obra de ficção não faz sen­ti­do pre­cis­ar ter essa essa estrutura.

    Uma per­gun­ta meio clichê, mas qual são as tuas influên­cias, em qual­quer área?
    Nos­sa, tem tan­ta coisa! É difi­ci­fil achar todos os nomes para con­seguir faz­er que fique algu­ma coisa que defi­na o tra­bal­ho. Na ver­dade é uma coisa muito pes­soal de obser­vação mes­mo da real­i­dade. Somos influ­en­ci­a­dos toda hora, esta­mos sem­pre desco­brindo alguém novo, ou um tra­bal­ho que eu gos­to muito. As vezes se desco­bre o tra­bal­ho de alguém que tem muito haver com o teu tra­bal­ho e parece até que você já leu ele e está fazen­do algu­ma coisa como se ele tivesse sido influên­cia, mas você nem sabia que ele exis­tia. Um autor que con­heci chama­do Gonça­lo Tavares, só fui con­hecer depois, e real­mente, tu vai ler as coisas e tem a ver. Tem um desen­hista amer­i­cano chama­do Edward Gorey, as coisas do Mutarel­li, o Kaf­ka… não sei, tem mui­ta coisa de tudo no meu trabalho.

    Há muito do humor negro né? 
    É a esco­la do meu desen­ho, vem daí do humor grá­fi­co. É a esco­la do quadrin­ho brasileiro, o Chi­clete com Banana, o Ani­mal, que já não era tan­to humor. Mas vem daí de faz­er charges, cartoon…

    E a escol­ha do pre­to e bran­co? Tem alguns quadrin­hos teus que tem cores… 
    É uma opção mes­mo. Se eu fos­se pin­tar, eu pin­taria ou no com­puta­dor, que fica um coisa meio mecâni­ca que eu não gos­to muito, ou uma aquarela, que acho que iria ficar muito fofo e muito bonit­in­ho. Eu fico con­tente com o pre­to e bran­co, acho que atinge um resul­ta­do que me interessa. 

    Como é que chegou a decisão de pub­licá-los na inter­net? Começou com eles no blog?
    O blog começou em 2004, na eṕo­ca que eu fui morar em São Paulo e pre­cisa­va de um espaço para faz­er um port­fólio, para tra­bal­har com ilus­tração. Aí eu fiz ele para postar min­has coisas, era uma coisa muito dis­per­sa, tin­ha um pouco de tudo. Tin­ha quadrin­hos, muitas ilus­trações, fun­ciona­va mais como um port­fólio mes­mo, até que foi toman­do um cam­in­ho de pub­li­cação do tra­bal­ho de quadrin­hos mes­mo. Come­cei a encar­ar como se fos­se um fanzine, pub­licar com uma cer­ta reg­u­lar­i­dade, pas­sou a ter mais leitores. Foi um cam­in­ho muito nat­ur­al, não foi nada plane­ja­do. Chegou um pon­to em que eu começei a pub­licar tiras em jor­nal, todo dia, e pub­licar tam­bém no blog.

    Aqui ou no Sul?
    São Paulo e Rio Grande do Sul. Tra­bal­hei em redação de jor­nal, pub­li­ca­va as tiras lá, isso acho que em 2006 mais ou menos. Fui pub­li­can­do no site sem­pre, e ele tem esse liber­dade de você poder faz­er o que quis­er num tra­bal­ho. No jor­nal tin­ha mui­ta respos­ta do leitor e cobrança do edi­tor: “isso não faz sen­ti­do”, “tem que faz­er que nem eu gos­to”, “por que você não ten­ta faz­er isso e não aqui­lo?”, coisa que o blog não tem né, tu bota o que tiv­er afim.

    O taman­ho da imagem do blog, peque­na, é de propósito?
    É de propósi­to sim, eu gos­to dela peque­na assim. Que é para parar e prestar atenção, chegar mais perto…

    Você usa algu­ma fer­ra­men­ta para tra­bal­har as tiras no computador?
    Faço tudo dire­to na mão mes­mo. As vezes ajeito depois uma cois­in­ha ou out­ra, mas coisa mín­i­ma, não chego a com­ple­tar desen­hos nem repe­tir quadros. Acho meio relax­ado repe­tir cenários. Muitas tiras vão sem nen­hu­ma mod­i­fi­cação, até porque muitas vezes a sujeir­in­ha fica legal.

    Dá para notar mes­mo que você não repete cenário e etc.
    Sim, estou fazen­do uma história grande ago­ra que tin­ha umas 20 vezes o mes­mo cenário…dá muito tra­bal­ho mesmo.

    As suas tiras tem muito do cotid­i­ano, aqui­lo que comentei do con­tem­porâ­neo, do efeito da real­i­dade extremo, mas é ao mes­mo tem­po sur­re­al. Você sur­re­al­iza em muitos momen­tos a real­i­dade, um choque das duas coisas. Acho que algu­mas das críti­cas mais recor­rentes é dis­so, que você ¨via­ja¨.
    É uma maneira de sub­vert­er a palavra, mas eu sub­ver­to a real­i­dade mes­mo. As vezes é a mel­hor maneira de você se faz­er enten­der, trans­por essa real­i­dade para um out­ro con­ceito. Eu uso segui­do tam­bém o truque do fan­tás­ti­co, do per­son­agem que é estran­ho ou tem cara de bicho, um per­son­agem que voa ou monstros.

    Os pal­haços, os comediantes.…
    Sim, tem mui­ta coisa meio mími­ca, cinema.

    Tem o quadrin­ho do mími­co que veste a luva… São iro­nias que ao invés de serem irôni­cas e hilárias são total­mente sem reação.
    Sim, tem umas coisas pesadas, né. Então essa iro­nia vem a favor.

    Isso tudo você tira do dia a dia, da observação?
    Do dia a dia, ou de algu­ma coisa que estou lendo. Eu nun­ca ten­ho um lugar certo.

    O que você tá lendo hoje?
    Eu tô lendo Michel Fou­cault, tava lendo no avião (risos). Eu ando inter­es­sa­do sobre a história dos hos­pí­cios, sobre saúde men­tal. Eu tô cansa­do de ler romance, aí to lendo ensaios que é uma coisa que pode te dar idéia. Romance tu pen­sa ¨Putz, eu pode­ria ter feito isso¨ e ago­ra já tá pron­to. Então, ler ensaio e arti­go é uma coisa que eu ten­ho gosta­do de fazer.

    Hoje, você vive de quadrinhos? 
    Não. Eu ten­ho feito cada vez mais coisas de quadrin­hos, mas vivo de ilus­tração, de edi­to­r­i­al, uma cois­in­ha ou out­ra de pro­je­to grá­fi­co. Mas, quadrin­hos não é tão fácil.

    Você acha que hoje o mer­ca­do está mel­hor para os quadrin­istas? No Brasil pelo menos?
    Sim, tá mais maduro. Tem cada vez mais edi­toras investin­do nos quadrin­hos. Tem selos de quadrin­hos. Tem a lei de incen­ti­vo à leitu­ra. Eu espero que não seja pas­sageiro como foi nos anos 80, que tin­ha revis­tas com mil­hares de autores. Tem essa coisa de estar mais eli­ti­za­do, de ser ven­di­do em livraria e já não é todo mun­do que tem acesso.

    Você começou pub­li­can­do seus quadrin­hos no blog e hoje tá lançan­do os quadrin­hos pela Cia das Letras. Hoje, as pes­soas vêem a inter­net como o apoc­alipse dos livros e ness­es mes­mos aspec­tos de divul­gação, como você vê a inter­net? Ela é impor­tante, te aju­da como quadrinista?
    Eu ten­ho um bom retorno, todas as tiras do livro foram pub­li­cadas antes na inter­net, então me aju­dou. Eu acred­i­to que aju­da muito na divul­gação do tra­bal­ho e no boca a boca mes­mo. Eu não sou muito de redes soci­ais, mas os ami­gos e pes­soas próx­i­mas a mim ficam twit­tan­do ou colo­can­do coisas no face­book e eu acabo ten­do o retorno dis­so. Eu acho que se tivesse como viablizar a ven­da de quadrin­hos pela inter­net — e eu ain­da não desco­bri como faz­er isso — acho que seria muito inter­es­sante, seria legal. Enfim, por enquan­to é mera­mente para divul­gação e uma base de exper­i­men­tação de publicação.

    Como é que você lida com out­ros sites pegarem seus quadrin­hos e usarem sem pedir per­mis­são, não falarem nada?
    Tran­qui­lo, é uma das regras do jogo, né. Não tem como faz­er difer­ente na inter­net, eu gos­to que fique aber­to é bem a min­ha ideia mesmo.

    Você con­hece a licença Cre­ative Com­mons? Uma licença que você colo­ca e per­mite que as pes­soas podem divul­gar e faz­er coisas a von­tade mas não pode vender, gan­har din­heiro com isso, por exemplo?
    Ah, aí já é out­ra coisa, né. Se eu desco­brir algo vai ter que ter uma asses­so­ria para isso, com advo­ga­dos. Aí Se a coisa é com­pli­ca­da ou vira uma estam­pa de camise­ta, por exem­p­lo, como já acon­te­ceu com uns desen­his­tas que eu con­heço, vira um jogo de chá ou sei lá o quê, aí inco­mo­da né. Mas essa coisa de repub­licar em blog, site, con­tan­to que não seja um site dirigi­do por algu­ma cor­po­ração, por mim é tran­qui­lo. É para usar de uma maneira livre tam­bém, não é para gan­har din­heiro assim, porque tem um tra­bal­ho meu aí, né.

    Há sem­pre o escritor/quadrinista que só se sente um profis­sion­al com um livro lança­do, na estante. Como é isso para você?
    Eu gos­to de ter mate­r­i­al pub­li­ca­do. Acho que é um amadurec­i­men­to do tra­bal­ho mes­mo, a pon­to de eu ter con­segui­do pub­licar em uma edi­to­ra, poder dis­tribuir o mate­r­i­al, o livro tá ali impres­so, tem uma vida lon­ga maior. Eu publiquei em várias revis­tas inde­pen­dentes e tal e você sabe que isso a par­tir de um momen­to se esgo­ta e você tem que cor­rer atrás. O livro tá ali edi­ta­do, o mate­r­i­al tá reg­istra­do e tal, isso me agra­da bas­tante, ter as coisas pub­li­cadas e aca­ba chegan­do um pouco difer­ente do que pub­licar na inter­net. O que eu sin­to, que é uma pena, que as vezes você tra­bal­ha algum tem­po e só ago­ra, depois de pub­li­ca­do, que o tra­bal­ho é vis­to com um cer­to recon­hec­i­men­to. Talvez nem recon­hec­i­men­to, mas atenção mes­mo e cer­to respeito pelo tra­bal­ho. Só acho um pouco cha­to que seja assim, que a impren­sa e as pes­soas que for­mam opinião este­jam lig­adas a essa história de que o mate­r­i­al tem que estar pub­li­ca­do, que tem que ter uma edi­to­ra por trás para o tra­bal­ho ter um cer­to val­or. Infe­liz­mente ain­da tem resquí­cios disso.

    Mas tam­bém é legal isso…
    Nem é tan­to assim sabia, a por­cent­agem é muito cur­ta. O Laerte falou uma coisa que é legal: O Brasil é um país de três mil leitores, nen­hum livro sai com mais de 3 mil exemplares.

    Só o Crepús­cu­lo e olha lá…
    Só o Crepús­cu­lo e olha lá mes­mo. Esse aí já sai com tudo, ban­de­jin­ha, mochi­la, agen­da, caneca…

    Uma coisa inter­es­sante é que mes­mo os teus quadrin­hos ten­do um con­teú­do mais pesa­do e de humor negro, a Cia das Letras se inter­es­sou pelo teu tra­bal­ho e isso vai entrar para um públi­co maior, queren­do ou não, e isso rep­re­sen­ta uma reflexão das pes­soas. Nem que seja para xin­gar no teu blog, algu­ma coisa vai causar…
    É, a edi­to­ra arriscou. Um autor descon­heci­do, pub­li­ca­va na inter­net, jovem. É um risco que eles estão cor­ren­do. Mas o livro tem tido uma respos­ta boa também.

    Quais out­ros car­tunistas, estrangeiros, você se inspi­ra também?
    Além do Edward Gorey, tem o Charles Addams tam­bém, que fez a Família Addams, os car­tuns dele são incríveis. Sei lá, o próprio Crumb quan­do eu desco­bri, alguns ilustradores argentinos…

    Há algo meio oníri­co em seus desen­hos? Do tipo, você son­hou algo e desenha.
    Não, não muito. Eu son­ho algu­mas coisas estra­nhas, mas difi­cil­mente isso vira desen­ho. Mas as vezes tem a intenção de pare­cer um pesade­lo, um lugar sem saí­da, tu sabe onde está mas não sabe, pes­soas que você acha que con­hece mas não con­hece. Tem a coisa do silên­cio também.

    Como é que você com­pi­lou as ideias para aque­le quadrin­ho com os comen­tários dos leitores?
    Ah, eu pas­sei uns bons dias lendo bas­tante os comen­tários e sele­cio­nan­do os mais inter­es­santes. Aí eu peguei e ten­tei vestir com o inver­so mes­mo, pegan­do um per­son­agem nada haver com o que foi falado.

    Existe um cam­in­ho para começar a ser desen­hista, ilustrador, e ter um esti­lo próprio? Você teve esse caminho?
    Eu começei a desen­har des­de a infân­cia. Mas é aque­la coisa das primeiras coisas que tu vai lendo enquan­to tu tá for­man­do a tua cabeça, tu começa a copi­ar mes­mo, o que tu gos­ta. E aí até que o desen­ho mes­mo vai te dan­do o cam­in­ho. É um exer­cí­cio desen­har, ter o teu traço particular.

    Você dev­e­ria pub­licar umas coisas mais velhas.
    Não, não. Essas a gente esconde. [risos]

    O que você usa para desenhar?
    Hoje em dia uso mais cane­ta, ou pena para dar aque­le efeito mais fluí­do. As vezes um pin­cel seco… tem coisa em lápis também.