O suícidio do hackerativista Aaron Swartz, em janeiro de 2013, e o lançamento do documentário TPB AFK, sobre o Pirate Bay esse mês em Berlim, reacendeu — ou seria melhor dizer que jogaram mais combustível no fogo? — a polêmica sobre a abrangência do copyright e as leis gerais de propriedade intelectual. O livro Copyfight: Pirataria & Cultura Livre (Azougue Editorial, 2012), organizado por Adriano Belisário e Bruno Tarin, é mais um elemento essencial, no âmbito nacional, de reunir artigos, textos, poesia e arte em uma única obra que abrange esse assunto tão antigo em um momento tão oportuno de discussão.
Para quem não conhece a história de Aaron, ele respondia por um processo de violação de direitos autorais por ter compartilhado como domínio público, artigos que eram distríbuidos sob cobrança, da revista científica JSTOR, do MIT. Ele foi preso em 2011, acusado de crime de invasão de computadores podendo pegar até 35 anos de cadeia e multa de até 35 milhões de dólares. Aaron tinha um histórico, desde sua adolescência, no envolvimento com cultura livre, sendo co-criador da especificação RSS, um dos fundadores do Reddit e ainda colaborou ativamente com Lawrence Lessing da Creative Commons.
A morte do jovem criou uma comoção e uma necessidade urgente em se colocar em discussão as leis de propriedade intelectual. Para isso o primeiro passo é a conscientização do que são essas leis, o que as regem, o que pensam e fazem os ativistas da cultura livre e se a pirataria merece a conotação negativa que a circunda. Não há como falar e reagir sobre algo que não se conhece e Copyfight vem para lançar uma perspectiva crítica para tratar de assuntos como as formas que o poder usa para deturpar os reais sentidos das práticas conhecidas como pirataria, o hackerativismo e inclusive, o trabalho dos camelôs.
Os textos do Copyfight vem de todos os lados da sociedade brasileira. Não há distinção entre estudos acadêmicos e manifestos, a liberdade dada aos autores só comprova como o assunto pode, além de ser tratado pelos mais diversos ângulos, mostrar a abrangência no cotidiano de todas as camadas sociais. O livro é resultado de encontros entre os anos de 2010 e 2011 no Rio de Janeiro, reunindo desde funkeiros e camelôs até nomes como Richard Stallmann, considerado o pai do software livre.
Há quem acredite na ilusão que a pirataria e as discusões no entorno dos direitos autorais, patentes e afins circulem somente nos meios artísticos e que se restrinjam ao ambiente online. Copyfight ajuda a explicar que a economia mundial está ligada nesses assuntos, sempre obscurecidos nas mãos de poucos, além de mostrar como o Hackerativismo trouxe muitas informações ocultas á tona, como aconteceu com Julian Assange e seu projeto Wikileaks.
O livro, já no inicio, propõe três caminhos para a leitura do mesmo. Com um estilo que faria o escritor Julio Cortázar mudar sua ousadia no livro O Jogo de Amarelinha, Copyfight dá os segmentos Linear, Temático e Não-Linear para você optar de que forma irá imergir nos textos. Conta ainda com dois tipos de sumários, sendo que um é temático, caso você esteja procurando por assuntos específicos, e outro não-linear, para você simplesmente ir experimentando as várias faces da cultura livre.
Um ótimo ponto de partida é o texto Sobre Guerrilhas e Cópias, do organizador Adriano Belisário. Ele traça um panorama sobre a crise da propriedade intelectual no presente e de como a ideia do copyfight iria subverter os velhos monópolios sobre a cultura e o conhecimento técnico. Quando fala de técnico, o autor se refere a vasta gama que envolve desde do campo científico e patentes de genes, até o campo artístico. O autor relata vários momentos da História — vindo desde os gregos — que demonstram a farsa criada sobre a propriedade intelectual.
Para a consagração desse mito da originalidade pura, a noção de plágio foi marginalizada na cultura ocidental moderna. Porém, a cópia e não citação das fontes já foram práticas comuns na produção literária. ‘Um poeta inglês podia se apropriar de um soneto de Petrarca, traduzi-lo e dizer que era seu. De acordo com a estética clássica da arte enquanto imitação, esta era uma prática perfeitamente aceitável. O verdadeiro valor dessa atividade estava mais na disseminação da obra para regiões onde outra forma ela provavelmente não teria aparecido, do que no fortalecimento da estética clássica. (p.85)
Para quem prefere um possível paradoxo que o assunto possa propor, deve ler O comum das Lutas — entre camelôs e Hackers, de Bruno Tarin e Pedro Mendes, que traça um paralelo entre a luta ideológica e a profissão de camelôs e hackers, divididos apenas pelos seus instrumentos de trabalho. Ambas as atividades são trabalhadas em grupos e têm a proposta de trazer acessibilidade e circulação de bens a um público maior.
Ou seja, ser ou não ser camelô ou hacker não está atrelado a identidades e sim ao fato de se produzir camelô e se produzir hacker, ser camelô ou hacker nesse sentido não é uma condição permanente, mas uma produção de subjetividade atreladas a uma série de práticas. Em comum, ambos trabalham para transformar diuturnamente a alta e os impedimentos em abundância e liberdade. (p.99)
Há ainda textos mais analíticos e com um trabalho bastante sério de pesquisa, como Trabalho sem obra, obra sem autor: a constituição do comum do renomado cientista político Giuseppe Cocco, que faz uma análise detalhada dos modelos de trabalho capitalistas, dos modelos colaborativos e como ficam os modelos econômicos no meio disso. O leitor também pode compreender melhor o que seriam os chamados commons, o que é uma licença de arte livre e os manifestos à favor do compartilhamento. Há ainda algumas entrevistas com defensores veementes do copyleft e remix, como o polêmico Richard Stallmann, fundador do free software e do projeto GNU.
Se você ler Copyfight de ponta a ponta, vai ser tomando por um grande número de questionamentos, observações e, principalmente, exclamações. São 29 textos, poesias e artes de pessoas engajadas no movimento da cultura livre do mundo inteiro. Indo muito além de apenas apresentar conceitos e manifestos, o livro marca a localização da nossa atual cultura e revela um histórico marcado por reviravoltas, decididas apenas por uma minoria detentora dos direitos de criatividade de uma humanidade inteira.
Toda essa discussão não se resume apenas na dualidade Copyright versus Copyleft, nas tentativas da Creative Commons em facilitar o entendimento das licenças autorais ou no ativismo puro. Depende principalmente do leitor estar consciente de que maneiras ele vai expandir isso ao seu redor. Então, você está preparado para compartilhar?
O livro está disponível para download ou você pode ler ele online aqui.
No site do Copyfight você encontra também uma série de informações sobre o livro, além de outros artigos relacionados ao assunto.
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