Nestes dias de superlua e pôr-de-sol alaranjado todos olham para o céu. Diante de fenômenos astronômicos e geofísicos extraordinários voltamos a ser mulheres e homens paleolíticos, embasbacados pelo poder das forças naturais, Passamos a girar em torno de satélites, astros e estrelas do zodíaco. Não como simples consulentes de horóscopos, mas como seres deslumbrados sob o cosmo desconcertante.
Não por acaso há uma correspondência entre os signos celestes e os signos linguísticos. “As estrelas no céu lembram as letras no papel”, cantou o poeta. Nos primórdios, a lua e as estrelas eram fonte de inspiração para os aedos. Cantava-se para uma noite romântica, que ocultava em seu manto negro galáxias a serem descobertas por cientistas e astrônomos, séculos adiante. Munidos de lunetas e telescópios potentes, os cientistas desmistificaram a abóbada celeste. Apesar de hoje sabermos que as estrelas que vemos no céu são corpos movendo-se a anos-luz da Terra, o encanto não se diluiu.
Falando em romantismo, embora para a maioria dos ocidentais esta face não seja a mais visível, o japonês tem sua porção sentimentalista bem acentuada. Evocando o mote “olhar para o céu”, lembro uma canção que fez sucesso nos anos 60: Ue wo muite arukou. Na voz de Kyu Sakamoto, a canção japonesa, cuja tradução do título é Ande olhando para o céu, cruzou os mares e ecoou nas Américas, rebatizada nos Estados Unidos como Sukiyaki.
A letra aparentemente aborda um fracasso amoroso e incita o amante rejeitado a seguir em frente, de cabeça erguida. A canção, que em 1963 atingiu o topo das paradas de sucesso americanas, tornou-se um hino para os japoneses. Não se trata de uma simples canção romântica. Seu autor, Rokusuke Ei, escreveu a letra enquanto ia para casa, voltando de protesto estudantes japoneses contra a presença militar dos americanos no Japão. Desde a derrota na 2a. Guerra Mundial, o Japão se tornou uma nação ocupada e até hoje a ilha de Okinawa mantém uma base militar americana, tornando-se um ponto estratégico dos EUA no mapa geopolítico da Ásia. Vários cantores do mundo todo gravaram a canção, inclusive brasileiros. Há uma versão da canção em que Daniela Mercury a canta, em japonês, com sotaque e ritmos brasileiros. Para levantar os ânimos dos japoneses desabrigados pelo tsunâmi de 2011, vários músicos japoneses gravaram a canção, com arranjos que vão do pop ao jazz.
Isto eu escrevi porque hoje faz 6 meses completos de luto pela morte de meu companheiro. Durante 6 meses a alegria muitas vezes bateu à minha porta e eu a ignorei. Hoje à noite, olhando para céu, percebi que não posso mais deixar a porta trancada. Não posso chorar pelo amado que se foi pelo restante da vida. Tenho amigos que se enlutaram e até hoje continuam chorando suas perdas. Mas não consigo mais resistir ao clamor do céu.
O céu que se alaranjou na última semana de outubro é a confirmação de uma nova primavera. Primavera que pergunta, em sussurro: “você perdeu seu companheiro e tem 51 anos. E agora?” Agora só posso continuar ouvindo Ue wo muite arukou e andar olhando para o céu.
Boas energias, luz, calor humano e esperança integram o composto do álbum Above the Buried Cry, da banda de alternative/atmospheric rock Aeon Spoke. Falando assim até pode parecer clichê, mas o trabalho capitaneado pelo talentosíssimo guitarrista, compositor e vocalista Paul Masvidal, ao lado do seu fiel companheiro, o baterista Sean Reinert, não poderia ser diferente.
Os dois músicos em questão foram membros da banda Death durante a execução e turnê do álbum Human (1991), considerado um divisor de águas na carreira de uma das maiores bandas de Heavy Metal que já existiram em todos os tempos. Conta-se que Chuck Schuldiner, líder do Death, tentou dissuadir Paul Masvidal a não deixar o grupo, pois considerava‑o um guitarrista excepcional. Mas o fato aconteceu, levando Masvidal e Reinert a retomarem suas atividades com o Cynic, trabalho perene dos músicos.
Paralelo ao Cynic, o ano de 2000 fez emergir a primeira demo do Aeon Spoke, composta por seis faixas, culminando depois em um EP lançado em 2002 e radio sessions em 2003. No ano seguinte, o primeiro álbum da banda vem à tona com sete faixas (o material foi regravado em 2007). Above the Buried Cry introduz mensagens positivas e reflexões acerca do comportamento humano, o que vem a calhar com as crenças do porto-riqueno Paul Masvidal.
Sean Reinert e Paul Masvidal
Nascido Pablo Alberto Masvidal, o músico cresceu em Miami, Flórida, e estudou música clássica e jazz desde os primeiros anos. Paul é envolvido com a filosofia Oriental e com tudo o que diz respeito à espiritualidade. Ele também é iniciado na prática do Kriya Yoga, expondo suas ideias/experiências nas letras de suas composições, que abarcam Cynic, Aeon Spoke, Portal e outros projetos paralelos.
Sean Reinert tem acompanhado Masvidal desde a década de 1980 e é considerado um proeminente baterista, escrevendo e apresentando performances em programas de televisão e filmes. Reinert parece ter a mesma filosofia de vida do seu amigo Paul, o que resultou em faixas como:
“No Answers”
A felicidade não está em respostas e deve ser procurada com otimismo.
“Grace”
Um pedido de fé bem ao estilo da doutrina oriental, onde paz e amor devem ser perseguidos constantemente.
“Silence”
Crença, desejo, amor, esperança e alusão, uma vez mais, ao sol como fonte de renovação/renascimento.
“Emmanuel”
Belíssima intro, é uma das faixas mais introspectivas do álbum. A música lança o ouvinte para uma irremediável conexão com uma natureza onírica, que se perde em cada nova nota. Minha faixa preferida!
Above the Buried Cry também traz “Pablo at the Park”, “Suicide Boy”, “Face the Wind”, “For Good”, “Nothing” e “Yellowman”, tudo dentro da linha “descubra-se e entregue-se”. De fato, pensamento pra lá de alternativo para um mundo cada vez mais egóico, manipulador e obcecado pela sede de poder. Mas a arte existe para isso: abrir, cativar e estimular consciências.
Catarse (do grego: katharsis) é o processo de depuração dos sentimentos, purificação ou purgação do espírito sensível. No teatro grego, o herói dramático precisa sofrer para purificar o espírito. Em psicanálise, é a libertação de um trauma. A gênese da mais famosa obra dos últimos 40 anos da poesia brasileira, o Poema sujo, é catártica, segundo seu autor, Ferreira Gullar.
Gullar estava no exílio, em Buenos Aires, em 1975, quando escreveu o poema. Depois de passar anos morando em diversas cidades do mundo (Moscou, Santiago do Chile e Lima), viu ditaduras militares se instalarem nos países sul-americanos. Com o fracasso da utopia comunista no Brasil, depois de um tempo na Rússia, emigrou para o Chile e assistiu à queda de Allende. Mudou para a Argentina em 1974 e reviveu o pesadelo de ver os amigos ao redor serem presos ou fugir. Sabendo que os agentes da repressão brasileiros fechavam o cerco no país vizinho, decidiu escrever um poema que fosse um testemunho final.
O Poema sujo, escrito em cinco meses, em estado de transe vertiginoso, foi acalentado por anos. Tem como fio condutor a ideia de resgatar memórias de sua cidade natal, São Luís do Maranhão. As condições de penúria no exílio e a eminência de calar-se para sempre o forçaram a ultrapassar o tom memorialístico. O Poema sujo dá voz ao desespero do poeta. Desespero que, paradoxalmente, engloba grande esperança, por situar-se na infância, como demonstra seu trecho mais conhecido, transformado na letra da canção O trenzinho caipira, a tocata da Bachiana no. 2, de Villa-Lobos:
Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo mar
Cantando pela serra o luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar…
A evocação da memória da infância em redemoinho é o ponto de partida para compor um poema em vários tons, com momentos de intensidade e de banalidade, como cita o poeta, construídos por fragmentos de lembranças “das pessoas às coisas, das plantas aos bichos, tudo, água, lama, noite estrelada, fome, esperma, sonho, humilhações, tudo era gora matéria poética”. Antítese entre o claro do presente e o turvo da infância, mais que resgate, é a recomposição do passado no presente.
A memória da infância é um registro infiel, sujo, recomposta por destroços: telhas encardidas, garfos e facas que se quebraram, e se perderam nas falhas do assoalho para conviver com baratas e ratos no quintal esquecidos entre os pés de erva cidreira. Desordem que é ordem “perfeitamente fora do rigor cronológico”, do labirinto do tempo interior. A casa perdida no tempo, com talheres enferrujados, facas cegas, cadeiras furadas, mesas gastas, armários obsoletos rastejam “pelos túneis das noites clandestinas” esperando “que o dia venha”. A infância é o único refúgio para quem perdeu tudo. O corpo, a única casa, o único território, a possibilidade de êxtase quando já não se pertence a lugar nenhum.
A identidade são-luisense se concretiza no corpo do poeta, o passado se esmiúça, como cita Alcides Villaça: o “sujo do poema refere-se tanto ao impuro quanto pela composição das diferenças, pelas águas revolvidas, pelo estilo que vai da mão solta no papel à cadência rigorosa de uma avaliação […] Mas sujo também porque participa de uma história não oficial, secreta, que soma a consciência abafada e o corpo prisioneiro de vontades caladas.” Sujo porque a vida é suja: toda matéria se perde, apodrece lentamente.
A canção de exílio dos anos de chumbo é Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim, composta em 1968 para um festival. A canção traz referências claras ao “dia que virá”, dia em que os exilados retornariam à pátria. Gullar antecipa a pátria destruída, memória devastada e iluminada apenas pelo facho das lembranças da cidade de infância. Os objetos da casa primordial gastaram-se no tempo e por isso sua lembrança é de sujeira, ou algo que foi sujo.
O testemunho do poeta é mais uma canção do exílio, que se desvia do nacionalismo insuflado por Gonçalves Dias. A canção de Gullar é tanto mais comovente quanto busca negar qualquer resquício romântico ou panfletário. Em nem um momento revela textualmente a dor pela perda dos amigos, o esfacelamento familiar e a melancolia da desterritorialização.
Depois de concluir o poema, Gullar o leu a Vinícius de Morais, que levou uma gravação da leitura para o Brasil. Grupos se formavam para ouvir a voz do poeta exilado. O editor Ênio Silveira pediu cópia para publicá-lo. Com a publicação, amigos, jornalistas e escritores clamaram ao governo militar o fim do exílio de Gullar. O governo não atendeu. O poeta, porém cansado, resolveu voltar por conta própria. Quando chegou, foi levado ao DOI-Codi e interrogado, acareado e ameaçado. Mas graças ao poema, pôde ficar no Brasil.
A catarse do agora contra o futuro marginal
A republicação do Poema sujo, em 2013, pela José Olympio, o celebra como marco na luta contra a repressão militar. Mas antes de se torna persona non grata no país, Gullar já guerreava, e muito, mas por razões estéticas, contra outros adversários. Contrapôs-se ao movimento de vanguarda da poesia concreta, composta pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, defendendo o nacionalismo da arte brasileira e criando a poesia neoconcreta. A principal crítica de Gullar aos concretos era de que comparavam a poesia à matemática e pretendiam atuar em todos os campos, jornais, publicidade, da música (canção popular), tevê, rádio, cinema.
Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, a Tríade Concretista.
Provocador, polêmico, jamais pacífico, o poeta Paulo Leminski é herdeiro de uma tradição poética de vanguarda (ou tradição de ruptura, como quer Octávio Paz) que no Brasil rendeu movimentos como o Modernismo, a Poesia Concreta e o Tropicalismo. Por causa do tempo histórico de sua eclosão (anos 70 e 80), por vezes é erroneamente situado dentro da Poesia Marginal, movimento ao qual nunca se filiou (não gosto da poesia de Cacaso, um dos líderes da poesia marginal carioca dos 70/80, afirmou, em entrevista ao jornalista Aramis Millarch, em 1986) e contra o qual escreveu uma série de ensaios no livro “Anseios Crípticos” (1986).
Leminski herdou a briga com os neoconcretos. Apesar de propagar a teoria da arte como inutensílio, nunca fez apenas arte pela arte. É o que se comprova na canção Verdura, vetada pela censura em 1978.
De repente
me lembro do verde
da cor verde
a mais verde que existe
a cor mais alegre
a cor mais triste
o verde que vestes
o verde que vestiste
o dia em que te vi
o dia em que me viste
De repente
vendi meus filhos
a uma família americana
eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana
só assim eles podem voltar
e pegar um sol em Copacabana
O poeta Fabrício Marques associa o verso de repente me lembro do verde ao Tropicalismo, conectando o verde citado com uma das cores-símbolo do Brasil:
todas as suas nuances e contradições (a cor mais alegre/ a cor mais triste). Desse modo, o poema atinge um tom quase lisérgico, no qual ressaltam ecos do tropicalismo: superbacana, de Caetano Veloso, e ai de ti, Copacabana, de Torquato. Ocorre então uma inversão paródica do nacionalismo, principalmente na segunda estrofe, que funciona como uma espécie de crítica política avant la lettre à emigração de brasileiros em busca de melhores condições de vida, numa progressão desenfreada, principalmente para os Estados Unidos, nos anos que se seguiram à primeira publicação do texto em livro (1981).
A associação com o verde tropicalista não é a única possível. A cor verde e triste é a ”grana” que seduz a família a vender o filho para os americanos. O verde triste transforma tudo em mercadoria, até as relações afetivas. Triste ainda o verde do uniforme dos militares, cujos censores entenderam a ironia. A canção só passou pelo crivo em 1981, quando foi gravada por Caetano Veloso. Mas a referência aos poemas tropicalistas é inexata. Em vez de Superbacana e Ai de mim, Copacabana, a associação mais inebriante poderia ser Quando o santo guerreiro entrega as pontas, de Torquato Neto:
nada de mais:
o muro pintado de verde
e ninguém que precise dizer-me
que esse verde que não quero verde
lírico
mais planos e mais planos
se desfaz:
nada demais
aqui de dentro eu pego e furo a fogo
e luz
(é movimento)
vosso sistema protetor de incêndios
e pinto a tela o muro diferente
porque uso como quero minha lentes
e filmo o verde,
que eu não temo o verde,
de outra cor:
diariamente encaro bem de perto
e escarro sobre o muro:
nada demais
Leminski deglute antropofagicamente o Bispo Sardinha, como queria Oswald, cantando, com dó de peito o momento histórico do início da diáspora global. O sentimento de dor (por ver seu igual partir e se partir) não fratura o poeta, que finaliza: só assim eles podem voltar e pegar um sol em Copacabana, com a consciência de que a Alegria é a Prova dos Nove, como cantava Oswald, ou seja, a única forma de resistência a um regime desigual que estimulava o despatriamento só poderia ser a ironia, trazendo a capa de um falso conformismo. Desse modo, mesmo nunca tendo se desligado de sua terra natal, Lemisnki participa dass agonias da vida nacional em seu insilio1.
O crítico Silviano Santiago esclarece que o bordão antropofágico vincula-se com a catarse do agora: “o ressurgimento de um corpo que não estaria mais comprometido com a ética protestante do trabalho, um corpo que recusa, inclusive, […] a colonização do futuro. Esse corpo, então, estaria fincando mais e mais o pé no agora: nesse sentido, um corpo que é fruição.” Esta ideia estaria ligada à emergência das minorias sexuais nos anos 70: “De certa forma, na nossa sociedade ocidental, em particular, o prazer esteve muito vinculado a uma certa normalização de conduta sexual, e quando essa conduta não era normalizada as pessoas se sentiam enormemente infelizes.”
Paulo Leminski
O crítico fala de um corpo não reprimido, de pura alegria, em contraponto com a tradição crítica que coloca o presente como estado de martírio. O sofrimento cultuado pelos grupos políticos de esquerda no Brasil tinha como projeto de redenção a possibilidade de uma utopia social. Santiago se posiciona contra este estado de pobreza: “Invertendo os termos, dizendo que o presente pode ser vivido, pode ser vivido alegremente, sem as amarras da repressão, estaríamos descondicionando a possibilidade de um pensamento dito utópico.” Nos versos de Leminski:
prazer
da pura percepção
os sentidos
sejam a crítica
da razão
(Distraídos Venceremos, 1987)
Esta ideologia está em coalizão com a micropolítica do desejo de Felix Guattari e o comportamento aqui-agora do movimento hippie dos anos 70, que vulgariza conceitos de filosofias orientais, como o hinduísmo e o zen-budismo. Os hippies trazem a ideia do prazer na realidade do presente, em que a utopia não se adia, em que o estado paradisíaco é vivido todos os dias. A poesia de Leminski constrói a catarse do agora contra a repressão do presente – no contexto histórico, a saída da ditadura militar para a ditadura da economia global. Contra um sistema no qual a poesia é apenas o desejo, os artefatos de Leminski tornam-se instrumento crítico que corroem conceitos e fazeres mumificados, como na genial inversão distraídos venceremos do título de livro publicado em 1987, que carnavaliza o bordão Unidos, venceremos.
Um dos recursos usados pelos poetas para combater o regime repressor foi o humor. Santiago diferencia dois processos usados nos movimentos de poesia de protesto. O primeiro, a paródia, é um recurso valorizado como instrumento potencial de irrisão contra o poder instituído, uma ruptura. O segundo, o pastiche, é uma derrisão que enfraquece o poder da crítica: A paródia significa uma ruptura, um escárnio com relação àquela estética que é dada como negativa. O pastiche não rechaça o passado, num gesto de escárnio, de desprezo, de ironia, escreve Santiago.
A paródia tem o mesmo grau de irrisão do instituído pelo mote Tupy or Not Tupy, inscrito no Manifesto Antropofágico de Oswald, em 1922. A lição modernista foi incorporada por Leminski, que desde sua aparição pública nos jornais em Curitiba, achincalha o culto ao conto e a figura monumentalizada de Dalton Trevisan, nos anos 70 e 80. Neste momento, seu embate não é contra as inovações de Dalton (a linguagem sintética, a opção pela “cor local”, adotadas por Leminski) e sim contra a institucionalização de Dalton.
Ferreira Gullar
A dor tão elevada que é capaz de fazer rir, evocada por Alice Ruiz no prefácio do livro La Vie en Close foi a tática de uma guerrilha que tem no riso, no chiste, no witz, na desconstrução de clichês e no aproveitamento de palavras de ordem seu núcleo. Este tipo de guerrilha cultural seria herança do Tropicalismo. Para Ana Cristina César, a Tropicália é a expressão de uma crise, uma opção estética que inclui um projeto de vida, em que o comportamento passa a ser elemento crítico, subvertendo a ordem mesma do cotidiano. A ideia de enfrentar o sufoco político com as armas do cotidiano foi legitimada em Leminski.
Dois adversários no campo da estética da poesia lutam contra um inimigo comum. E filiam-se à tradição literária brasileira inserindo mais uma paródia da Canção do Exílio, desconstruindo o nacionalismo original. Enquanto a nação desaparece, a infância torna-se território mítico e o corpo, o único sacramento, para Gullar. Já Leminski percebe que até a infância será vendida, restando, para a poesia, sua única arma de luta: o prazer de provocar sentidos.
Insílio: De acordo com Paul Ilie, inner exilie são os que vivem o exílio em seu próprio país. O conceito nasce baseado em sociedades autoritárias. Os insilados ficam presos no país sofrendo os desmandos do regime. Ilie discute o inner exilie da sociedade espanhola sob o regime franquista, não exiladas de acordo com o modelo clássico, mas tiveram a liberdade restrita, sofrendo com a negação, dominação, anulação, intolerância.
BIBLIOGRAFIA
Livros
GULLAR, Ferreira
Indagações de hoje. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1989.
Poema sujo. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2013.
LEMINSKI, Paulo
Caprichos e Relaxos. São Paulo: Brasiliense, 1983.
Distraídos Venceremos. São Paulo: Brasiliense, 1987. (5ª edição 1995).
Ser imortal, ou pelo menos algo próximo a isso, é um desejo que inspira muitas histórias e pesquisas, passando desde abordagens mais místicas às mais tecnológicas. Essa condição, além de oferecer várias possibilidades, também levanta várias questões que são muitas vezes difíceis de se imaginar dada a brevidade de nosso tempo de vida. Como será que uma criatura perpétua se sentiria em relação ao caminhar da história da humanidade? E uma relação amorosa que durasse séculos? Estes são os dois fios condutores da trama de “Amantes Eternos” (“Only Lovers Left Alive”, Inglaterra/Alemanha/Grécia, 2013), dirigido e escrito por Jim Jarmusch.
Passando longe da ficção científica para criar tal condição, Jarmusch traz um novo olhar a criatura imortalizada (nos dois sentidos) por Bram Stoker: o vampiro. Antes que alguns torçam o nariz, não se trata de mais uma adaptação pueril ou uma desculpa para colocar pessoas em colantes pretos lutando entre si ou com monstros em câmera lenta. “Amantes Eternos” traz novamente os vampiros para o seu auge nas telonas, assim como fez “Entrevista com o Vampiro” (1994), de Neil Jordan, baseado na obra da escritora Anne Rice. Só que desta vez, o conflito principal não é uma crise existencial consigo mesmo, mas sim com a espécie humana em geral, aqui apelidada carinhosamente de zumbis.
Tal crise tem seus motivos mais que óbvios. Afinal, deve ser deprimente ver, e as vezes também conviver, com várias mentes brilhantes que são ignoradas e até mortas por conta de suas ideias revolucionárias, para somente depois de décadas, serem finalmente escutadas, mesmo que apenas parcialmente. Juntando isso a todo o conhecimento que esta pessoa iria acumular durante séculos, cria-se uma situação no mínimo desanimadora. Os dois personagens principais de “Amantes Eternos” são extremamente cultos, sempre lembrando de seus amigos do passado (Schubert, Gustave Flaubert, Shakespeare…) como se ontem houvessem conversado. Por conta disso, se tornam até meios esnobes, mas nunca sendo pedantes e sempre com um ótimo senso de humor nas suas referências e brincadeiras.
Para sobreviver todo esse tempo, além da constante mudança de local, há algo ainda mais importante a ser prezado: o anonimato. Afinal, seria difícil, para não dizer impossível, esconder a “imortalidade” sob qualquer tipo de holofote. Ou seja, nada de virar astros de rock ou vigilantes noturnos. Fazer isso seria como se intitular “agente secreto” quando todos sabem que seu nome é James Bond e que você é o 007. Mas voltando ao assunto do longa em questão… Adam vive em Detroit, uma cidade nos Estados Unidos que atualmente está praticamente abandonada, tendo declarado concordata no ano passado. Com certeza um dos melhores lugares para alguém se esconder atualmente no EUA.
Em “Amantes Eternos”, acompanhamos o casal Adam (Tom Hiddleston, o ótimo Loki de “Thor”), um músico ávido e genial, e Eve (Tilda Swinton, a imortal “Orlando”), uma amante da literatura, tentando sobreviver no mundo atual. Mas a composição de músicas já não consegue mais mascarar a insatisfação de Adam em relação a vida e a humanidade e Eve vai visitá-lo para ajudá-lo nesta crise. Falando em música, a trilha sonora é um dos grandes destaques do longa, sendo bastante sombria mas ao mesmo tempo sedutora, um verdadeiro post-rock vampiresco.
Com uma fotografia bem sombria, o filme se passa quase todo em ambientes fechados e mal iluminados, sempre a noite é claro. Este foi o primeiro longa filmado digitalmente por Jarmusch, que tem sérias restrições a respeito desse formato por não possuir, segundo ele, uma qualidade boa para áreas abertas e com muita iluminação. Mas como neste longa não há nada disso, acabou se adaptando perfeitamente a estas limitações. Outra curiosidade interessante é que dentro do set de filmagens, não era tocada nenhuma música, foi apenas distribuído um mixtape entre a equipe.
Para condizer com todo o discurso da anonimidade e conhecimento secular dos personagens, esses vampiros não possuem visualmente nada de extravante, tendo apenas como diferencial um cabelo bem animalesco (que foi criado misturando a partir da mistura de cabelo humano com pêlo de cabra e iaque). O longa também brinca com várias das concepções a respeito desses seres da noite, principalmente com a maneira que eles se alimentam, que é sensacional. Outro detalhe interessante está relacionado com a introdução de um novo, concebido pelo próprio diretor, para caracterizá-los. Vamos ver se você percebe ou percebeu qual é ele.
Resumindo em poucas palavras: se você gosta de filmes inteligentes e fica intrigado com as possibilidades de perpétuos sugadores de sangue, é bem provável que fique completamente seduzido por “Amantes Eternos”.
A música ganha destaque nas salas da UCI a partir desta quinta-feira (20). É que a rede exibe nesse dia e também na sexta (21) e no sábado (22), às 20h30, “Elton John – O Piano de Um Milhão de Dólares”, registro de um show no qual o cantor interpreta seus maiores sucessos. Em Curitiba (PR), os fãs do astro podem acompanhar a exibição na sala 4 do cinema UCI Estação.
“Elton John – O Piano de Um Milhão de Dólares” é a gravação do show de mesmo nome realizado em Las Vegas (EUA). Em um piano futurista com mais de 68 telas de LED, o cantor interpreta alguns de seus maiores sucessos, como “Rocket Man”, “Tiny Dancer”, “Saturday Night’s Alright for Fighting”, “I’m Still Standing”, “Goodbye Yellow Brick Road”, “Crocodile Rock” e “Your Song”.
As entradas já estão à venda e custam R$ 40 (inteira). Para mais informações sobre os filmes, os cinemas UCI e a programação completa, acesse o site da UCI e/ou as redes sociais da UCI. Os ingressos poderão ser adquiridos nas bilheterias, nos terminais de autoatendimento ou também pelo site da rede.
Será que temos de ser loucos para sermos heróis? Será que todos não usamos máscaras?
Não, aqui você não encontra ninguém vestido com roupas super-coloridas, poderes daqueles que soltam fogo pela boca, raios pelos olhos, muito menos lutas coreografadas. O trabalho do quadrinista e articulador cultural — isso, articulador: produtor de ambientes culturais na área das HQs em Teresina, o que falta a muitos criadores hoje em dia — Bernardo Aurélio passa longe das explosões gratuitas dos nossos amados heróis imperialistas, mas com uma influência fundamental no seu processo criativo.
Antes de falar de “Por Dentro do Máscara de Ferro”, vale a pena situar a importância do autor na cena das HQs na cidade. Autor de “Foices e Facões – A Batalha do Jenipapo” (junto com Caio Oliveira, seu irmão e artista dos bons, que participa do livro como desenhista convidado), Bernardo faz parte do Núcleo de Quadrinhos do Piauí, onde organiza (ao lado de uma equipe muito coerente) feiras temáticas em Teresina desde 2001 até então, movimentando o circuito dos quadrinhos independentes por aqui com muita responsabilidade.
O culpo diariamente por me tornar um apaixonado pelos quadrinhos há quase um ano. Depois da indicação de “Batman: Ano Um” não consigo parar de ler HQs. Enfim, vamos voltar ao que interessa!
“Por Dentro do Máscara de Ferro” é um livro que te atrai fisicamente. Grande, vermelho, com uma capa impossível de resistir à leitura, gostoso de segurar e carregar por aí. Um diferencial que gostei foi o cruzamento com outras linguagens, marcados pela inserção do texto em prosa no início da história, seguindo com seus traços em p&b, bem como a preocupação com a paisagem sonora nos momentos mais importantes da saga. Música e HQ transitam no mesmo espaço.
Já no índice, Bernardo lança para o leitor uma trilha indicada, prescrição sonora que desobedeci — quando comecei a ler, veio outro barulho na minha cabeça, já que na minha construção sonora do personagem couberam outros sons, como Ten Years After e alguns momentos de Neil Young — para experimentar outras possibilidades de leitura e exercícios particulares de imaginação.
A cada situação valiosa na trama, Bernardo faz as indicações sonoras aparecerem ao leitor, como podemos visualizar em Acelerando em marcha ré, com a trilha “Foi tudo culpa do amor”, de Odair José ou “As rosas não falam”, de Cartola, e outras sequências musicais articuladas ao enredo. Assim, Bernardo abre espaço para ampliar as sensações do público, tornando seu trabalho mais sonoro-visual-pop-experimental. Um jogo de mixagem que deve ser feito tanto com as músicas sugeridas e as que compõem o universo do leitor, sacudindo as experiências do personagem.
Numa oficina de carros, o jovem mecânico tenta recuperar o motor de um Maverick (entra o som de Alvin Lee e Ten Years After… viu? Não pude evitar). Neste cenário é que a história do Máscara inicia em texto-prosa. Sua mente está dividida entre o fim de um relacionamento e o trabalho que o consome, a rotina, a repetição, a vontade de mudar o percurso: “tenho pensado em tentar coisa nova (…). O problema é esse: não sei o que quero. Só sei que preciso sair dessa oficina vez ou outra (…)”.
Uma inquietação move aquele mecânico, algo estava fora do lugar. A operação de reviver o Maverick foi um fracasso. Fecham-se as portas da oficina. A paisagem fica cada vez mais noturna e úmida. Um leve chuvisco, daqueles leves e demorados, com relâmpagos e trovões ao fundo. Nosso olho está do lado de fora da garagem aparentemente vazia e triste, esperando algo acontecer, pois dá pra ver lá dentro que a luz está acesa.
“A garagem abre. Dois faróis acendem (…). A Kombi ganha a rua. Dentro dele, pela primeira vez, a alma de um aventureiro encontra aquele botão de adrenalina escondido, que injeta batidas fortes no peito”. Eis que explode o Máscara de Ferro.
Caracterizado por uma máscara típica dos soldadores, carregando no seu “cinto de utilidades” um maçarico, umas chaves de boca e roda, martelo, pregos, porcas, um cano e o “antigo 38 do meu velho pai”, o Máscara de Ferro sai em busca de aventuras nas noites de Teresina.
Entre ações frustradas como “super-herói” da noite e explorações das suas habilidades, o Máscara abre para nós uma reflexão que move sua caminhada: “Será que temos de ser loucos para sermos heróis? Será que todos não usamos máscaras?”
E assim, vamos acompanhando o processo de autodescoberta do Máscara. Após a cômica “carga dramática” que movimenta a performance do nosso herói, ele salta pelo ar e vivencia um conjunto de experiências fundamentais para reorganizar seus sentimentos, mesmo em conflito com seu melhor amigo: “Alguma vez, da altura desses teus vinte e poucos anos, tu já sentiu uma maldita certeza de que queria fazer alguma coisa na vida e que só o que te impedia era tu mesmo?”
Caminhando por Teresina (já escura), ele vai em direção aos seus fantasmas, pois a sua máscara é o instrumento que potencializa todas as suas vontades mais secretas, agora compartilhadas entre nós. É aí que fui imaginando os traços autobiográficos em convergência entre Máscara e seu autor, que o toma como elemento para explorar paisagens talvez inabitadas, se não houvesse a armadura construída para tal.
A busca por justiça, ameaçada por um desejo mal compreendido? A angústia e a vontade de invadir os olhos da antiga amada? Uma curiosidade insistente pela felicidade dela? Por que tomar os olhos dos outros? “Você ainda não conseguiu colocar uma pedra por cima disso”? Estaria o Máscara, (como todos nós) buscando uma armadura para resolver seus conflitos mais íntimos? Quantas Kássias precisamos (diariamente) para exorcizar nossos demônios, a fim de reinventar a noção de desejo e todo aquele pó que cobre nossas taras? Aqui entra Marina Lima (na minha trilha sonora), situando o amor dos dois: “Os dois cansados, de tanto amar, empapuçados, pra poder fugir, os dois cansados, de viajar, maravilhados, pra poder fugir, enquanto você se afasta me desenterro…”.
Nada como a água para purificar os conflitos internos, mesmo com Deus cuspindo verdades que a gente não quer ouvir. Às vezes a gente toma o aprendizado como algo doloroso e é dessa forma que vejo o Máscara, um personagem que carrega a vontade de desbravar todos os seus limites e de conhecer esferas que fogem das convenções estabelecidas. Como invadir sem proteção? Como não sentir dor se algumas explorações podem nos custar um preço alto?
Todos os desbravadores da vida, seja por meio lícito ou não, guardam nas mochilas suas máscaras de ferro, pois o corpo não suporta todas as pressões: “somos tão falíveis”!
Sentado na calçada, conversando com uma garota perto da Ponte Metálica, talvez o Máscara tenha encontrado algum estilhaço que possa ser útil para aliviar seus conflitos. “Sabe o que acontece quando se pede algo a Deus? Ele te dá a oportunidade de provar para si mesmo se você merece o que quer… depende mais de você e das suas escolhas do que da vontade dele”.
Os demônios que o cercam são expulsos para que um Amor possa entrar. O Máscara enfrenta todos os seus inimigos interiores, amplia todos os seus horizontes de experiência, para finalmente completar seu objetivo mais importante: se reencontrar a partir do outro.
Bernardo é o Máscara de Ferro? E você? Aonde você esconde a sua? Já explodiu em si mesmo para arrancar as armaduras que o impedem de viver um grande amor? Não seria a nossa máscara um artefato moralista-conservador diante da maravilhosa possibilidade de transitar pelo Inferno e por vários corpos oferecidos por Dino Buzzati? A diferença entre Máscara e Orfi é que aquele não usa violão para lutar contra seus maus espíritos, mas convergem no mesmo “inventário de ‘baixezas’ e de ‘nobrezas’, aquelas que se abrigam no coração de todos” (TOSCANI, Cláudio).
Orfi sofre o luto de não capturar Eura e o Máscara vive feliz, jogando fora sua armadura para poder (finalmente) olhar sem medo para a mulher que ama, encerrando uma saga interior, pois “poucas coisas no mundo devem ser como estar no fundo da rede com quem você quer”. A vida segue.
Neste mês, nas telas da UCI, será possível rever o evento da banda Def Leppard, “Viva! Hysteria”, filmado durante nove noites de show dos ingleses, em março deste ano. O grupo de rock formado em 1977 tocou as músicas de um dos seus discos mais vendidos, o “Hysteria”, além de outros sucessos como “Rock Of Ages” e “Photograph”, no Hard Rock Hotel, em Las Vegas. Com 100 milhões de discos vendidos, a banda se hospedou bem perto de seus fãs durante todo o evento, proporcionando-lhes uma experiência única, que será revivida nas telas da rede UCI nesta quinta-feira, dia 10.
As exibições acontecem sempre às 20h30, em 14 cinemas da Rede, e os ingressos custam R$ 20 (meia) e R$ 40 (inteira). Em Curitiba (PR), a exibição será no cinema UCI Estação, do Shopping Estação.
Quem quiser conferir as marcantes apresentações já pode adquirir os bilhetes no site da rede UCI, nas bilheterias e nos terminais de autoatendimento dos cinemas.
Roger Cruz trabalhou muito tempo como desenhista de gibis de super-heróis. X‑men, Hulk, Motoqueiro Fantasma. Mas em 2009, entre um trabalho e outro, Cruz arranjou tempo pra fazer uma série de histórias com um estilo de desenho, enredo e espírito completamente diferentes do modelo do super-herói.
O álbum Xampu reúne essas histórias que falam sobre pessoas comuns, jovens e adolescentes, em São Paulo no final da década de 1980. Pra quem viveu essa época, o álbum tem um sabor de nostalgia delicioso. São detalhes nos desenhos: cartazes, capas de LP, livros…
Mas o mérito maior do livro não está na nostalgia e sim na maneira envolvente como são narradas as desventuras de seus protagonistas. Difícil não se identificar com as incertezas e paixões que movem essa turma. Cruz consegue criar personagens que cativam o leitor, que se tornam importantes e que permanecem na memória.
As histórias são relativamente independentes umas das outras, embora possuam cronologia e um elenco principal estável, todos jovens, de uma periferia. Tudo gira em torno do apartamento do edifício número 78, onde o Sombra, Max, Nicole, Pedrão e mais uma galera se “mocosavam” pra curtir um som, drogas e amassos.
O estilo rock&roll, cabelo comprido, calças jeans, jaqueta de couro, tatuagens, bebidas, sexo… A vida dos personagens vai se construindo em torno disso e acompanhamos trajetórias que nem sempre terminam em finais felizes.
A capa do álbum mostra um disco de vinil e brinca com a ideia de que não apresenta histórias, mas sim “faixas”, “canções” que recebem nomes como “Xampu Generation”, “O Sombra”, “Raquel”, “Max & Nicole” e outras. Há também uma “faixa bônus: UnPlugged”: uma sessão cheia de esboços e testes de estilos de desenho.
É um trabalho excelente, com uma narrativa cativante, ótimos desenhos e histórias.
Lançado em 2010, o álbum ainda pode ser encontrado nas livrarias e comic shops. O autor fez um post em seu blog com várias fotos de originais e também criou um blog oficial da HQ.
Desenhos originais e ferramentas de trabalho do autor
Xampu
Autor: Roger Cruz
Editora: Devir
Preço estimado: R$ 29,50
Mãe dá a Filha uma caixa cheia de velhos disquinhos coloridos com músicas infantis. Filha poderia ouvir os disquinhos, mas nunca, o disco verde.
É com essa narração peculiar e sinistra que começa o curta Vinil Verde (2004), dirigido por Kleber Mendonça Filho, um suspense brasileiro bem fora do comum.
A história toda se desenvolve em volta desta proibição e como já era de se esperar, Filha não consegue resistir por muito tempo à tentação de escutar o Vinil Verde (apesar de todos os dias Mãe lembrar de que não poderia). Cada vez que toca o disquinho, algo ruim acontece. Mesmo assim, continua fazendo isso todos os dias até as consequências chegarem ao seu ápice.
O fato dos personagens serem chamados de “Mãe” e “Filha”, já cria um tom meio sinistro no curta, que fica ainda mais macabro por conta da narração com sotaque alemão carregado. A história é uma livre adaptação da fábula russa “Luvas Verdes”. Seu estilo lembra bastante o livro infantil “Juca e Chico — História de Dois Meninos em Sete Travessuras”, do autor alemão Wilhelm Busch, traduzido por Olavo Bilac, onde as travessuras são tão cruéis quanto suas consequências.
O diretor Kleber Mendonça Filho
Este é o segundo trabalho de Kleber Mendonça Filho, que está chamando muita atenção na mídia nacional e internacional, por conta do seu último longa O Som ao Redor. O curta foi todo feito com fotografias (totalizando 500 fotogramas) e junto com a narração, faz com que ganhe um ar fantasioso e assustador.
Para quem ficou curioso, a música do tão perigoso Vinil Verde, foi feita por Silvério Pessoa e Tonca. Ela foi tocada por uma banda de Ribeirão Preto que fazia basicamente só cover dos Los Hermanos, sendo este um de seus experimentos mais autorais.
Se você ficou interessado em assistir outros trabalhos do diretor, alguns deles podem ser assistidos na sua conta oficial do Vimeo.
As nuvens são um grande poço de imaginação para as crianças. Quem não lembra quando era pequeno e ficava se questionando como eram feitas as nuvens, se elas tinham alguma textura, como seria tocá-las e o que será que faziam elas terem aquelas formas no mínimo curiosas?
O curta Cloudy, criado pelos artistas Samuel Borkson e Arturo Sandoval III, é uma exploração dentro do universo das nuvens onde elas, de um jeito muito fofinho e com musicas alegres, fazem as suas tarefas diárias para manter o céu funcionando. A ideia principal foi mostrar de uma maneira divertida que tudo em nosso mundo tem um papel e um propósito.
Este é o primeiro curta da FriendsWithYou, um coletivo artístico que cria principalmente designer toys e tem seu estilo baseado fortemente em artistas como Murakami, Arturo Herrera e Yayoi Kusama. Já a animação foi feita pelo argentino Matías Fernández, que possui um portfólio que vale a pena ser conhecido pelo seu site oficial. Seus trabalhos vão desde vinhetas para canais como FOX e MTV, como outras animações fofinhas.
Cloudy é um vídeo para você sentar e relaxar enquanto ouve uma musiquinha feliz e se diverte com os personagens bonitinhos e engraçados. O único perigo aqui é a música ficar grudada na sua cabeça.
A crítica em cima dos mashups, remixes e colagens em geral dos canais de vídeo como Youtube e Vimeo é ferrenha. O questionamento em torno dos direitos autorais sobre as produções de imagens é até superior à produção musical, como é visto em Tudo é Remix — Parte 1.
A sensação mais recorrente ao sair de uma sala de cinema nos últimos tempos é de que aquilo já foi visto antes, que há muitas referências presentes e as vezes, elas se apresentam em demasia. Não por acaso, Tudo é Remix — Parte 2 inicia com o foco no enorme número atual de sequências, remakes, adaptações e etc., mostrando que mesmo sem querer a indústria cinematográfica é o segmento que mais alimenta o conceito de remix.
O ponto mais bacana abordado em Tudo é Remix — Parte 2 é justamente os argumentos utilizados em favor do uso de referências na qualidade das produções. Quentin Tarantino talvez seja hoje o diretor que mais abusa da técnica de juntar suas próprias preferências e organiza-las em um argumento. Exemplo disso são os trabalhos com Robert Rodriguez, sempre fazendo referência ao cinema exploitation dos anos 70, e o duo Kill Bill com características que vão desde as artes marciais e Bruce Lee até os filmes westerns americanos.
O idealizador do projeto Tudo é Remix, o canadense Kirby Ferguson, disponibiliza todas as referências utilizadas — vídeos, imagens, sons e etc — no site do projeto. Ele está no processo de criação de uma terceira parte que irá se focar de como um trabalho original depende da combinação de referências. O projeto é alimentado de doações e mesmo não sendo nenhuma grande revolução é mais um documentário que reforça a velha premissa de que nada se cria, tudo se copia.
A qualidade das animações feitas por computador atualmente estão cada vez mais perfeitas, fazendo com que a busca por enredos mais elaborados e inteligentes seja, cada vez mais, um grande diferencial neste tipo de produção. Rango (EUA, 2011), dirigido por Gore Verbinski e produzido pela Industrial Light & Magic (ILM), é um longa animado que por possuir estas caracteristicas, deverá agradar principalmente o público adulto.
Rango (Johnny Depp) é um camaleão solitário que vive em um aquário e sonha ser o protagonista de uma grande história. Após um acidente, ele fica perdido no meio do deserto e a procura de água, acaba entrando em uma verdadeira jornada para descobrir sua real identidade e propósito de vida.
Apesar da saga do herói — elaborada por Joseph Campbell em O poder do mito — já ter sido amplamente utilizado em vários filmes, Rango vai por um viés mais místico, englobando elementos mais oníricos e espirituais, que lembram muitas vezes o longa El Topo, de Alejandro Jodorowsky. O surreal é um elemento tão presente na animação, que acaba virando algo muito natural durante o longa.
Diferente das técnicas de captura de movimento, onde normalmente se usam sensores no corpo dos atores, na produção de Rango, os atores foram primeiramente filmados interagindo entre si, para depois este material ser usado como referência para a criação da animação. Esta técnica em si não é nenhuma novidade, até então, ela nunca havia sido usada tão intensamente. Logo abaixo do trailer, há um vídeo muito legal com um breve making off (também conhecido como featurette) do longa, onde é mostrado algumas destas cenas.
Animações com muita música nunca foi algo que me agradou, quando começava a parte cantada, normalmente já ia me contorcendo na cadeira querendo que ela terminasse logo. Mas em Rango, a musicalidade não me incomodou em nenhum momento, aliás foi uma das coisas que me agradou muito, sendo um dos pontos altos do filme. A trilha sonora da animação, produzida por Hans Zimmer, também é fantástica, lembrando em certos momentos a belíssima trilha do filme Diários de Motocicleta, composta por Gustavo Santaolalla. Além disso, os dubladores brasileiros de Rango definitivamente fizeram um ótimo trabalho. É a diferença entre escolher profissionais em vez de “famosos” para tentar alavancar a audiência — vide Enrolados- e aumentar assim o lucro.
Rango possui uma duração maior do que as animações normalmente lançadas, podendo ser um pouco cansativo em certos momentos — principalmente para o público infanto-juvenil — mas logo depois consegue retomar ao ritmo. Com um roteiro e personagens muito bem elaborados, com certeza é um prato cheio para o público mais adulto, principalmente aos fãs de animação.
A originalidade no meio artístico — seja em literatura, música, cinema e artes plásticas — está em discussão há muito tempo, talvez desde que o homem tenha se iniciado nessas atividades. É inegável que sempre há uma influência, um estilo pré-estabelecido, ou qualquer simples detalhe que já tenha sido feito anteriormente por outros. Tudo é Remix(Everything is a Remix, 2010), do americano Kirby Ferguson, é um documentário dividido em quatro partes, que se propõe em evidenciar a cultura pop como um grande remix das fórmulas que funcionaram anteriormente em várias modalidades culturais.
Nessa primeira parte Tudo é Remix se foca no processo musical, que é um dos mais evidentes quando se trata da reutilização de sequências. Ferguson usa exemplos que vão desde o hip-hop — o estilo que praticamente trouxe o remix a tona — até os riffs mais famosos da banda Led Zeppelin. Ao se tratar de direitos autorais — assunto delicado nos últimos tempos — o meio musical é o mais polêmico, pois há uma indústria milionária por trás de artistas reivindicando os seus direitos.
O maior problema do uso da palavra Remix vem justamente da conotação social criada em torno da suposta falta de originalidade que o processo cria. Remixar algo significa dar uma nova roupagem ao processo original, deixando algumas bases, mas mudando inclusive o resultado final. É um processo extremamente criativo, inclusive um dos mais polêmicos artistas da atualidade é o Girl Talk que remixa faixas inteiras de músicas conhecidas e samplers criando novas e divertidas músicas.
Tudo é Remix pode não ser nenhuma grande novidade em se tratando de meio de divulgação do copyleft, remixes, mashups e todo o questionamento em torno de direiros autorais, mas vem para fundamentar mais a polêmica. Um dos documentários que mais vale a pena em torno do assunto é o Rip! A Remix Manifesto, do canadense Brett Gaylor que inclusive esteve no Brasil ano passado, noFISL.