Uma das melhores sensações que eu tenho experimentado na partilha física e mental que acontece nas salas de cinema – basta observar como todos os espectadores parecem estar ligados minimamente pelos acontecimentos que transcorrem na tela – é perceber o exato momento em que um filme hipnotiza toda a plateia, alterando comportamentos e prendendo respirações. Esse é o pêndulo mesmerizador de Ida (2013), filme do diretor polonês Pawel Pawlikowski. O longa conquistou inúmeros prêmios, incluindo European Film Awards e Associação Americana dos Diretores de Fotografia, além de duas indicações ao Oscar 2015 nas categorias “Melhor filme em língua estrangeira” e “Melhor Fotografia”, vencendo na primeira.
Filmado em preto e branco, Ida revisita as máculas do Holocausto através da história de vida da noviça Anna (Agata Trzebuchowska) e sua recém-descoberta tia Wanda (Agata Kulesza). Antes de confirmar os votos no convento onde vive, Anna é enviada pela madre superiora à casa da tia, para que saiba mais sobre a própria vida e decida entrar para a comunidade religiosa de forma consciente. Para Anna, o mundo começa e termina nas paredes do convento e é com insatisfação resignada que ela vai ao encontro da tia.
Wanda é uma mulher dominada por fantasmas amargos, pelo vício do álcool, por amantes passageiros e um secreto histórico de tristezas. No passado, ela integrou a luta do movimento antinazista, tornando-se depois juíza e condenadora implacável dos torturadores/assassinos de judeus. Esse universo é extremamente oposto ao de Anna que, sem eufemismos, descobre que tudo o que conhecia sobre sua vida não passa de um rosário de mentiras. Na verdade, a noviça chama-se Ida Lebenstein e foi entregue na porta do convento quando ainda era bebê. Sem saber do paradeiro dos pais, Ida e a tia partem em busca de respostas; cada qual com suas angústias, medos e dores.
A história se passa em 1962, onde os resquícios da Segunda Guerra Mundial ainda despontavam como feridas abertas, fustigando os espíritos dos sobreviventes e de seus familiares. É nesse mundo novo que Ida mergulha com toda a sua inocência, experimentando a malícia e as chagas emocionais que fazem parte da história de sua família.
O longa-metragem faz uso de uma câmera quase estática, apostando em close-ups. Outro elemento interessante em Ida é a opção pelo formato 4:3 e em preto e branco, apesar da gravação com câmera digital, uma clara referência aos filmes em 16mm. Outra curiosidade é que o filme também foi convertido para película 35mm, sendo exibido nas poucas salas de cinema que ainda suportam esse tipo de película. Com fotografia de cair o queixo – assinada por Ryszard Lenczewski e Lukasz Zal -, o longa revela a atmosfera silenciosa do interior de seus personagens, enfatizada também pela ausência de trilha sonora e passagens só com sons do ambiente. Como o público brasileiro – do qual posso falar baseada em minha vivência — não está acostumado com a linguagem do silêncio, é difícil manter uma constante em salas de exibição. Por isso, foi emocionante presenciar a interrupção imediata do frisar de sacos de pipoca, papéis de bombom, latas de refrigerante e murmúrios eternos. Naquela sessão, a plateia estava hipnotizada: Ida não faz ruídos, comunica-se pela atenção do olhar. É com esse andar sem deixar rastros que a jovem noviça aprende como lidar com a inocência que vai morrendo aos poucos.
Mistura de reflexão e memória, o filme consegue alcançar a poesia que não grita, não gesticula e não balbucia: ela expressa com olhares e não-ditos. Destaque para a atuação das atrizes Agata Trzebuchowska e Agata Kulesza, intérpretes de Ida e Wanda, respectivamente. Como iniciante, Trzebuchowska comprova seu empenho – que vai além da semelhança física com a atriz Sissy Spacek (conhecida pela atuação em “Carrie, A Estranha” – 1976). Já Agata Kulesza recria as dores de inúmeras mulheres judias, guerrilheiras ou não, que viram suas famílias serem despedaçadas pelo horror nazista e tiveram que olhar para o abismo, evitando mirar em seus próprios reflexos.
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