Quando comecei a trabalhar em jornal, minha primeira incumbência como estagiária foi fazer a página de óbitos. Eu detestava aquilo. Queria escrever críticas de livros e de filmes e ser célebre. Mas nem um estagiário é contratado para escrever críticas de livros e filmes. Para não ter que apenas digitar a página com o nome dos mortos do dia, inventava nomes estapafúrdios como Epaminondas Pantagruel e metia no meio da lista. Se alguém percebeu a pequena traquinagem, nunca fiquei sabendo.
A primeira reportagem que fiz na vida foi sobre irregularidades de estacionamentos privados na cidade. Eu não lia jornais locais, só revistas semanais e as páginas de cultura, além de 4 ou 5 livros de ficção por semana. Não sabia como funcionava a administração pública, nem os negócios. Trabalhei durante muito tempo na editoria “Geral”, como se chamavam os cadernos que traziam notícias e reportagens sobre a cidade. Entrevistei muito buraco de rua. Hoje nem sei como escrevi essas matérias. Além de tímida (não sabia fazer perguntas), não sabia escrever matérias para a editoria de notícias locais. Algumas devem ter sido estapafúrdias, e posso ter metido um poema ou citação literária no meio.
Até hoje não sei como consegui ser aprovada em todos os cursos vestibulares para os quais prestei concurso. No curso de jornalismo da Universidade Estadual de Londrina, nos cursos de Letras da Pontífice Universidade Católica do Paraná e da Universidade Federal do Paraná e no curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná. Se tivesse juízo, teria morado 4 anos em Londrina. Um dos professores do curso dizia que o jornalismo era arte, como a arquitetura. E que teve uma aluna que não conseguia organizar as ideias para escrever uma notícia. Me identifiquei imediatamente. Nunca consegui organizar ideias para escrever uma notícia. Não sei como fiz entrevistas e escrevi reportagens durante 25 anos de profissão.
Revisores e editores sempre sofreram comigo. Na verdade, jamais publiquei poemas meus nos jornais em que trabalhei. Também não escrevia textos poéticos em reportagens jornalísticas, embora algumas notícias — pela minha falta de contato com a realidade concreta — fossem estapafúrdias.
Com o tempo, aprendi a não levar tudo tão a sério. Mas ainda é difícil ser simpática e agradável o tempo todo. Em grupo, gosto de ficar em silêncio, mais observando do que falando. Sozinha, gosto de curtir melancolia e ler sobre tipos esquisitos. Se um poema, crônica ou novela trata da vida de um tipo esquisito, me apaixono, como os bizarros de J.D. Salinger ou os solitários de Dostoievski.
Hoje em dia prefiro seguir o caminho contrário ao dos que se apressam para chegar a algum lugar. Ando em ruas solitárias e descubro que alguns consensos podem ser rompidos. Andando a pé, converso com moradores de rua e muitos parecem não ser perigosos. Pelo contrário, têm medo de receber um não. Não devia conversar com desconhecidos. Isso acontece por acidente. Alguém pede dinheiro e eu digo que não tenho, mas dou um sorriso. Daí o marginal perde o medo e começa a conversar.
Algumas pessoas me acham insuportável por esquecer tudo. Desde acontecimentos a nomes de pessoas. Esquecia o chuveiro ligado ou a chave na porta de casa. Cheguei a esquecer de pegar documentos para ir viajar, as passagens de avião ou as malas. Minha distração chega a tal ponto que acabo esquecendo muita gente. Nesse caso, corroboro o ditado “há males que vêm para bem”. Esquecer se torna uma dádiva quando é preciso apagar ofensas e ressentimentos da alma. Já dizia o inesquecível Mário Quintana; “tenta esquecer-me… Ser lembrado é como evocar/Um fantasma”. Assim é…
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