A Segunda Guerra Mundial dava seus últimos suspiros em 1945, um dos últimos momentos dela foi o fim do conflito no Pacífico, entre os Estados Unidos e Japão, com o primeiro bombardeando as cidades de Hiroshima e Nagasaki, fazendo com que os japoneses se rendessem. No Brasil, se formava a maior colônia de japoneses fora do Japão e a notícia não foi bem recebida por boa parte dos imigrantes que viviam segregados, não falavam o português e eram proibidos de ler jornais e revistas japoneses.
O longa Corações Sujos (Brasil, 2011), dirigido por Vicente Amorim, baseado no livro-reportagem homônimo (Companhia das Letras) de Fernando Morais, faz um recorte do momento que viviam as colônias japonesas, já em expansão, no estado de São Paulo. O enredo é contado por Miyuki, esposa do fotógrafo Takahashi, se focando em personagens de um lugar comandado por um homem tradicional, ex-militar do exército japonês e dotado de um sentimento de honra para com imperador do Japão. Ao receberem as notícias (em português) do fim da guerra, os mais tradicionais se recusam a acreditar, afinal, o Japão era invicto em sua história bélica. Aos que compreendiam o português era quase impossível não acreditar, mesmo que de forma dolorosa.
E foi com essa descrença que surge a seita terrorista Shindo Renmei. Divididos entre kachigumis — radicalistas e com boa parte do apoio — e os makegumis — conformistas e intitulados de forma pejorativa como corações sujos — as pequenas colônias passaram a enfrentar atos de terrorismo e perseguição que deixou mortos, feridos e muitos japoneses presos pelo DOPS, a polícia da época. Era uma guerra fratricida baseada em um amor desmedido pela nação deixada para trás e claro, pela figura do imperador, considerado imortal pelos japoneses.
Corações Sujos traz uma história desconhecida, tão silenciosa quanto a própria cultura japonesa. Assim como outros massacres no interior do país, envolvendo outras culturas, ficaram caladas durante muito tempo. Trabalhando com uma comunidade em foco, o longa mostra o drama do amor pela honra visto por todas as faces. Seja pelos olhos de Miyuki, que logo no ínicio conta que perdeu tudo nessa guerra, seja pelos olhos dos que decidiram empunhar armas e matar seus conterrâneos, ou ainda das atitudes brasileiras em relação ao apego dos imigrantes com sua cultura. Não há mocinhos ou bandidos em Corações Sujos, há apenas pessoas machucadas por uma guerra, acreditando cegamente no que consideravam certo.
Mesmo com produção totalmente brasileira, Corações Sujos conta um elenco japonês — atores de 13 Assassimos (2010), de Takashi Miike ‚do belo A Partida (2008), entre outros — e quase todo com diálogos japoneses, dando força no sentido de que realmente só se falava essa língua nas colônias. Houveram reclamações quanto aos papeis apagados dos brasileiros no enredo do filme, mas não vejo esse fato como problema já que o conflito se baseia entre os próprios imigrantes e as autoridades locais que entraram com a repressão da época e com pouco entendimento de causa. Creio que o maior problema do longa seja a pouca exploração da questão política explicada no contexto e do enfoque na romantização do roteiro, mas esses são artíficios de mercado, nada exagerados nesse caso.
Rodado no interior de São Paulo — muito próximo dos lugares reais do conflito — o filme conta com uma ótima produção, direção de arte e também com os famosos silêncios do cinema e cultura japoneses. E bem na verdade, não há muito o que se dizer, havia uma espécie de torre de babel onde todos estavam, imigrantes entre si e brasileiros não se entendiam e não queriam se fazer entender, cada um com sua verdade, passando isso muito bem no longa.
Acredito que o valor de um filme como Corações Sujos esteja no conhecimento de causa, contra a total ignorância que temos sobre histórias que formaram nosso país tão multifacetado. Apesar da produção nacional correr bem em circuitos alternativos, a produção mais comercial beira ao folhetim televisivo e Corações Sujos desempenha bem o papel de trazer um outro olhar para esse tipo de produção.
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