Author: Emanuela Siqueira

  • Copyfight, organizado por Adriano Belisário e Bruno Tarin | Livro

    Copyfight, organizado por Adriano Belisário e Bruno Tarin | Livro

    Copyfight-capaO suí­cidio do hack­er­a­tivista Aaron Swartz, em janeiro de 2013, e o lança­men­to do doc­u­men­tário TPB AFK, sobre o Pirate Bay esse mês em Berlim, rea­cen­deu — ou seria mel­hor diz­er que jog­a­ram mais com­bustív­el no fogo? — a polêmi­ca sobre a abrangên­cia do copy­right e as leis gerais de pro­priedade int­elec­tu­al. O livro Copy­fight: Pirataria & Cul­tura Livre (Azougue Edi­to­r­i­al, 2012), orga­ni­za­do por Adri­ano Belisário e Bruno Tarin, é mais um ele­men­to essen­cial, no âmbito nacional, de reunir arti­gos, tex­tos, poe­sia e arte em uma úni­ca obra que abrange esse assun­to tão anti­go em um momen­to tão opor­tuno de discussão.

    Para quem não con­hece a história de Aaron, ele respon­dia por um proces­so de vio­lação de dire­itos autorais por ter com­par­til­ha­do como domínio públi­co, arti­gos que eram dis­tríbui­dos sob cobrança, da revista cien­tí­fi­ca JSTOR, do MIT. Ele foi pre­so em 2011, acu­sa­do de crime de invasão de com­puta­dores poden­do pegar até 35 anos de cadeia e mul­ta de até 35 mil­hões de dólares. Aaron tin­ha um históri­co, des­de sua ado­lescên­cia, no envolvi­men­to com cul­tura livre, sendo co-cri­ador da especi­fi­cação RSS, um dos fun­dadores do Red­dit e ain­da colaborou ati­va­mente com Lawrence Less­ing da Cre­ative Com­mons.

    A morte do jovem criou uma comoção e uma neces­si­dade urgente em se colo­car em dis­cussão as leis de pro­priedade int­elec­tu­al. Para isso o primeiro pas­so é a con­sci­en­ti­za­ção do que são essas leis, o que as regem, o que pen­sam e fazem os ativis­tas da cul­tura livre e se a pirataria merece a cono­tação neg­a­ti­va que a cir­cun­da. Não há como falar e rea­gir sobre algo que não se con­hece e Copy­fight vem para lançar uma per­spec­ti­va críti­ca para tratar de assun­tos como as for­mas que o poder usa para detur­par os reais sen­ti­dos das práti­cas con­heci­das como pirataria, o hack­er­a­tivis­mo e inclu­sive, o tra­bal­ho dos camelôs.

    Os tex­tos do Copy­fight vem de todos os lados da sociedade brasileira. Não há dis­tinção entre estu­dos acadêmi­cos e man­i­festos, a liber­dade dada aos autores só com­pro­va como o assun­to pode, além de ser trata­do pelos mais diver­sos ângu­los, mostrar a abrangên­cia no cotid­i­ano de todas as camadas soci­ais. O livro é resul­ta­do de encon­tros entre os anos de 2010 e 2011 no Rio de Janeiro, reunin­do des­de funkeiros e camelôs até nomes como Richard Stall­mann, con­sid­er­a­do o pai do soft­ware livre.

    Há quem acred­ite na ilusão que a pirataria e as dis­cusões no entorno dos dire­itos autorais, patentes e afins cir­culem somente nos meios artís­ti­cos e que se restrin­jam ao ambi­ente online. Copy­fight aju­da a explicar que a econo­mia mundi­al está lig­a­da ness­es assun­tos, sem­pre obscure­ci­dos nas mãos de poucos, além de mostrar como o Hack­er­a­tivis­mo trouxe muitas infor­mações ocul­tas á tona, como acon­te­ceu com Julian Assange e seu pro­je­to Wikileaks.

    O livro, já no ini­cio, propõe três cam­in­hos para a leitu­ra do mes­mo. Com um esti­lo que faria o escritor Julio Cortázar mudar sua ousa­dia no livro O Jogo de Amare­lin­ha, Copy­fight dá os seg­men­tos Lin­ear, Temáti­co e Não-Lin­ear para você optar de que for­ma irá imer­gir nos tex­tos. Con­ta ain­da com dois tipos de sumários, sendo que um é temáti­co, caso você este­ja procu­ran­do por assun­tos especí­fi­cos, e out­ro não-lin­ear, para você sim­ples­mente ir exper­i­men­tan­do as várias faces da cul­tura livre.

    Um óti­mo pon­to de par­ti­da é o tex­to Sobre Guer­ril­has e Cópias, do orga­ni­zador Adri­ano Belisário. Ele traça um panora­ma sobre a crise da pro­priedade int­elec­tu­al no pre­sente e de como a ideia do copy­fight iria sub­vert­er os vel­hos monópo­lios sobre a cul­tura e o con­hec­i­men­to téc­ni­co. Quan­do fala de téc­ni­co, o autor se ref­ere a vas­ta gama que envolve des­de do cam­po cien­tí­fi­co e patentes de genes, até o cam­po artís­ti­co. O autor rela­ta vários momen­tos da História — vin­do des­de os gre­gos — que demon­stram a farsa cri­a­da sobre a pro­priedade intelectual.

    Para a con­sagração desse mito da orig­i­nal­i­dade pura, a noção de plá­gio foi mar­gin­al­iza­da na cul­tura oci­den­tal mod­er­na. Porém, a cópia e não citação das fontes já foram práti­cas comuns na pro­dução literária. ‘Um poeta inglês podia se apro­pri­ar de um sone­to de Petrar­ca, traduzi-lo e diz­er que era seu. De acor­do com a estéti­ca clás­si­ca da arte enquan­to imi­tação, esta era uma práti­ca per­feita­mente aceitáv­el. O ver­dadeiro val­or dessa ativi­dade esta­va mais na dis­sem­i­nação da obra para regiões onde out­ra for­ma ela provavel­mente não teria apare­ci­do, do que no for­t­alec­i­men­to da estéti­ca clás­si­ca. (p.85)

    Para quem pref­ere um pos­sív­el para­doxo que o assun­to pos­sa pro­por, deve ler O comum das Lutas — entre camelôs e Hack­ers, de Bruno Tarin e Pedro Mendes, que traça um para­le­lo entre a luta ide­ológ­i­ca e a profis­são de camelôs e hack­ers, divi­di­dos ape­nas pelos seus instru­men­tos de tra­bal­ho. Ambas as ativi­dades são tra­bal­hadas em gru­pos e têm a pro­pos­ta de traz­er aces­si­bil­i­dade e cir­cu­lação de bens a um públi­co maior.

    Ou seja, ser ou não ser camelô ou hack­er não está atre­la­do a iden­ti­dades e sim ao fato de se pro­duzir camelô e se pro­duzir hack­er, ser camelô ou hack­er nesse sen­ti­do não é uma condição per­ma­nente, mas uma pro­dução de sub­je­tivi­dade atre­ladas a uma série de práti­cas. Em comum, ambos tra­bal­ham para trans­for­mar diu­tur­na­mente a alta e os imped­i­men­tos em abundân­cia e liber­dade. (p.99)

    Há ain­da tex­tos mais analíti­cos e com um tra­bal­ho bas­tante sério de pesquisa, como Tra­bal­ho sem obra, obra sem autor: a con­sti­tu­ição do comum do reno­ma­do cien­tista políti­co Giuseppe Coc­co, que faz uma análise detal­ha­da dos mod­e­los de tra­bal­ho cap­i­tal­is­tas, dos mod­e­los colab­o­ra­tivos e como ficam os mod­e­los econômi­cos no meio dis­so. O leitor tam­bém pode com­preen­der mel­hor o que seri­am os chama­dos com­mons, o que é uma licença de arte livre e os man­i­festos à favor do com­par­til­hamen­to. Há ain­da algu­mas entre­vis­tas com defen­sores vee­mentes do copy­left e remix, como o polêmi­co Richard Stall­mann, fun­dador do free soft­ware e do pro­je­to GNU.

    Se você ler Copy­fight de pon­ta a pon­ta, vai ser toman­do por um grande número de ques­tion­a­men­tos, obser­vações e, prin­ci­pal­mente, excla­mações. São 29 tex­tos, poe­sias e artes de pes­soas enga­jadas no movi­men­to da cul­tura livre do mun­do inteiro. Indo muito além de ape­nas apre­sen­tar con­ceitos e man­i­festos, o livro mar­ca a local­iza­ção da nos­sa atu­al cul­tura e rev­ela um históri­co mar­ca­do por revi­ra­voltas, deci­di­das ape­nas por uma mino­ria deten­to­ra dos dire­itos de cria­tivi­dade de uma humanidade inteira.

    Toda essa dis­cussão não se resume ape­nas na dual­i­dade Copy­right ver­sus Copy­left, nas ten­ta­ti­vas da Cre­ative Com­mons em facil­i­tar o entendi­men­to das licenças autorais ou no ativis­mo puro. Depende prin­ci­pal­mente do leitor estar con­sciente de que maneiras ele vai expandir isso ao seu redor. Então, você está prepara­do para compartilhar?

    O livro está disponív­el para down­load ou você pode ler ele online aqui.

    No site do Copy­fight você encon­tra tam­bém uma série de infor­mações sobre o livro, além de out­ros arti­gos rela­ciona­dos ao assunto.

  • As Aventuras de Tadeo | Crítica

    As Aventuras de Tadeo | Crítica

    asaventurasdetadeo-posterHá algum tem­po que o mer­ca­do da ani­mação vem sain­do do eixo das grandes pro­du­toras amer­i­canas e a inter­net é uma poderosa fer­ra­men­ta para a divul­gação de tra­bal­hos que surgem no mun­do todo. Alguns deles acabam gan­han­do as telas e entran­do no cir­cuito com­er­cial, como é caso de As Aven­turas de Tadeo (Las aven­turas de Tadeo Jones, Espan­ha, 2012), do espan­hol Enrique Gato.

    Tadeo Jones cresceu son­han­do em ser um arqueól­o­go aven­tureiro, inteligente e desco­bri­dor de grandes tesouros. Como descen­dente de imi­grantes lati­nos em Chica­go, con­segue ser ape­nas um tra­bal­hador da con­strução civ­il, onde o máx­i­mo que se aprox­i­ma da arque­olo­gia é através dos vídeos que assiste de Max Mor­don, um arqueól­o­go garan­hão bem ao esti­lo de apre­sen­ta­dor da Nation­al Geo­graph­ic. Tadeo é ami­go do Pro­fes­sor Hum­bert, que o aju­da a ali­men­tar as histórias fan­tás­ti­cas de descober­tas. Um dia o pro­fes­sor é chama­do para uma escav­ação no Peru, mas por uma série de obstácu­los aca­ba não con­seguin­do ir e por iro­nia, Tadeo toma o seu lugar e vai para a Améri­ca do Sul.

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    O enre­do de As Aven­turas de Tadeo se desen­ro­la através da vel­ha pre­mis­sa de mocin­hos e ban­di­dos, com dire­ito a romances no meio dis­so. Lá no Peru, Tadeu con­hece Sara, a ver­são Lara Croft arqueólo­ga do lon­ga, e é ela que irá levar ele até o tesouro da cidade míti­ca de Paiti­ti. O títu­lo e car­taz já anun­ci­am muitas aven­turas a la Indi­ana Jones, fug­in­do das típi­cas bus­cas no Egi­to ou na sub­m­er­sa Atlân­ti­da. Aqui, os per­son­agens rumam ao Peru atrás de tesouros dos amerín­dios tor­nan­do o lon­ga bem mais inter­es­sante ape­sar dele não fugir do comum. É pos­sív­el recon­hecer facil­mente as refer­ên­cias dos per­son­agens, como as citadas aci­ma, e o dire­tor con­segue se sair bem nes­sa empre­ita­da, ape­sar de não ino­var muito.

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    O ani­mador espan­hol vem tra­bal­han­do des­de 2004 na figu­ra de Tadeo como um per­son­agem sim­ples e caris­máti­co, que fizesse hom­e­nagem e sáti­ra dos filmes de aven­tu­ra, sendo um anti-herói que se metendo em enras­cadas aca­ba desven­dan­do mis­térios e aju­dan­do pes­soas. Já a téc­ni­ca da ani­mação é pare­ci­da com os traços do Mick­ey mais anti­go com ros­tos e cor­pos bem esféri­cos com mem­bros lon­gos e cenários bem col­ori­dos. O dire­tor rece­beu duas pre­mi­ações do Goya — uma espé­cie de Oscar espan­hol — com Tadeo Jones (2005) e Tadeo Jones e o Porão da Des­graça (2007).

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    As Aven­turas de Tadeo é diver­tido e descom­pro­mis­sa­do, vai agradar bas­tante o públi­co infan­til, com per­son­agens caris­máti­cos e diver­tidos, apo­s­tan­do naque­les mas­cotes que arran­cam boas risadas, como o papa­gaio mudo. Ape­sar de que provavel­mente a ani­mação não vá per­manecer muito tem­po na memória dos fãs do gênero, ela é bem diver­ti­da e merece ser vista.

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  • As Sessões | Crítica

    As Sessões | Crítica

    as-sessoes-posterAs Sessões (The Ses­sions, 2012), de Ben Lewin é, infe­liz­mente, o tipo de filme que pas­sa des­perce­bido pelo cir­cuito com­er­cial de cin­e­ma. O lon­ga traz o jor­nal­ista e poeta Mark O’Brien, que quan­do cri­ança con­traiu a poliomelite, per­den­do quase todos os movi­men­tos do cor­po. Por con­ta des­ta situ­ação, neces­si­ta ficar pelo menos qua­tro horas den­tro de uma maquina de res­pi­ração. Mas não se engane achan­do que a vida de O’Brien era sofri­da ou até mes­mo triste.

    O recorte que As Sessões faz é de um Mark O’Brien aos 38 anos, nar­ran­do a sua neces­si­dade de sexo – pois ain­da era virgem — de toque e a grande car­ga de sen­si­bil­i­dade e sen­ti­men­tos que isso traz ao cor­po. O fato dele pas­sar boa parte do dia den­tro de uma câmera chama­da “pul­mão de aço”, não inter­fere na sua sen­si­bil­i­dade tan­to de cri­ação poéti­ca como cor­po­ral, mes­mo sem com­preen­der total­mente o seu cor­po. Para essa nova descober­ta, a ter­apeu­ta sex­u­al Cheryl, inter­pre­ta­da por Helen Hunt, vai ser fun­da­men­tal. Ela tra­bal­ha para que ele des­cubra como sen­tir o próprio cor­po e o da out­ra pes­soa com quem vai se rela­cionar. A del­i­cadeza das cenas que retratam as sessões entre paciente e ter­apeu­ta é arrepi­ante e emo­ti­va. O que pode­ria ser em muitos momen­tos ape­nas sessões de ter­apia lev­adas de for­ma profis­sion­al, são car­regadas de emoção, prin­ci­pal­mente quan­do ela começa a se envolver com as emoções de Mark, que é como um ado­les­cente sentin­do cada cen­tímetro novo do seu corpo.

    O títu­lo do lon­ga se ref­ere às seis sessões ini­cial­mente pro­postas para que o paciente comece a perce­ber e enten­der o seu cor­po e os dese­jos dele. Cheryl Cohen-Greene é a chama­da “sub­sti­tu­ta sex­u­al”, alguém que tra­ta um paciente defi­ciente para a con­sci­en­ti­za­ção sex­u­al do mes­mo, de for­ma mais sen­sív­el e menos agres­si­va como nor­mal­mente pode acon­te­cer, além de ser uma pesquisado­ra do assunto.

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    É impos­sív­el ver As Sessões e não pen­sar sobre todo o proces­so de sen­si­bil­i­dade que o cor­po neces­si­ta e, como um defi­ciente físi­co é pri­va­do dis­so por padrões soci­ais que o car­ac­ter­i­zam como inca­paz ou sim­ples­mente como anor­mal. Ver Mark O’Brien pas­san­do por esse proces­so de descober­ta, é pen­sar o quão pouco somos inclu­sivos quan­do se tra­ta do difer­ente, por achar que sabe­mos o real sen­ti­do de normal.

    O lon­ga é reple­to dessas pecu­liari­dades geran­do um estran­hamen­to no espec­ta­dor em relação ao mun­do dessas pes­soas que fazem o pos­sív­el para ter uma vida comum do seu próprio jeito. As cenas de Mark sendo lev­a­do a vários lugares em sua maca, são tratadas com uma sim­pli­ci­dade arrebata­do­ra. Ele con­ver­sa com suas assis­tentes enquan­to elas o lev­am de um lugar para out­ro, vai à Igre­ja e inclu­sive sai para com­prar roupas, tudo isso acopla­do à sua maca e a um cano de ar para que pos­sa con­tin­uar respirando.

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    O’Brien tem muito a seu favor, cos­tu­ma agradar as mul­heres fazen­do poe­mas e dizen­do coisas que elas dese­jam ouvir, mes­mo na sua situ­ação é um ver­dadeiro galanteador. O lon­ga tam­bém mostra que ele já se rela­cio­nou emo­cional­mente com algu­mas mul­heres, mas que não con­seguiram se adap­tar ao seu esta­do. Há ain­da o fator da religião na vida dele, um dos seus mel­hores ami­gos é – um bem pouco orto­doxo – padre. Várias das cenas mais diver­tidas do filme se pas­sam com Mark se con­fes­san­do e con­tan­do sobre sua ter­apia para o ami­go católi­co, sendo tudo trata­do de uma for­ma incriv­el­mente nor­mal, boni­ta e divertida.

    É jus­ta­mente essa roti­na de Mark, alheia aos padrões humanos, que fazem o espec­ta­dor apre­ciar as sessões dele com a Dra. Cheryl. Uma relação que vai se con­stru­in­do na base da descober­ta de ambos, um que percebe que tem um cor­po que sente além do seu cére­bro e o out­ro que pas­sa a perce­ber o seu obje­to de estu­do como um ser humano com sentimentos.

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    Se tratan­do de elen­co, é impor­tante destacar John Hawkes, que inter­pre­ta O’Brien talvez num dos papéis mais fortes do gênero, jun­ta­mente com Helen Hunt, que está bem à von­tade no papel de “sub­sti­tu­ta”. Ape­sar do óti­mo tra­bal­hos dos atores coad­ju­vantes, todos trans­mitin­do uma lev­eza incrív­el, o destaque vai mes­mo para essa dupla que con­segue emo­cionar sem dramatizar.

    O dire­tor Ben Lewin, que tam­bém foi acometi­do pela poliomelite quan­do cri­ança, diz que em 2009 esta­va nave­gan­do pela inter­net procu­ran­do sobre o sexo no cotid­i­ano do defi­ciente físi­co e encon­trou o arti­go de Mark O’Brien inti­t­u­la­do de Sain­do com uma Sub­sti­tu­ta Sex­u­al . O lon­ga é basea­do nesse rela­to e em entre­vis­tas com a própria Cheryl e Susan Fern­bach, a últi­ma com­pan­heira de Mark. Lewin con­seguiu tratar de dois assun­tos tabus – sexo e defi­ciên­cia físi­ca – de uma for­ma que somente alguém que con­hece de per­to a situ­ação con­segue dar cores e for­mas tão leves e sim­ples para um enre­do emocionante.

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  • O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho

    O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho

    o_som_ao_redor-posterO Som Ao Redor (Brasil, 2012), de Kle­ber Men­donça Fil­ho, foi um dos lon­gas nacionais mais comen­ta­dos no ano de 2012, receben­do inclu­sive uma posição na famiger­a­da lista de A.O. Scott, o prin­ci­pal críti­co de cin­e­ma da jor­nal amer­i­cano New York Times. Trazen­do a assi­natu­ra de mais um promis­sor dire­tor e roteirista de Recife, o lon­ga tra­ta de for­ma sutil a vio­lên­cia e a sua relação com os prob­le­mas soci­ais da classe média.

    Um bair­ro de uma grande cidade, um lugar onde vive famílias típi­cas de classe média. Con­domínios e casas per­to da pra­ia mon­tam um con­tex­to. Ape­sar de haver con­domínios de luxo, há tam­bém casas mais sim­ples, do alto de um pré­dio se avista uma favela próx­i­ma. Essa região vem sofren­do um sur­to de assaltos e vio­lên­cia, e um grupo de segu­ranças inde­pen­dentes propõe faz­er uma espé­cie de ron­da diária para pro­te­ger os moradores do lugar. Com a chega­da dess­es ele­men­tos estran­hos aos padrões de vida do lugar, o lon­ga faz um recorte de um momen­to muito atu­al das cidades brasileiras.

    Uma viz­in­hança é um con­vívio cole­ti­vo mas que sem­pre haverão os que estão coor­de­nan­do no topo. Em Som ao Redor as hier­ar­quias são esta­b­ele­ci­das através da cor da pele, do poder aquis­i­ti­vo de com­pra de uma TV, de uma ameaça ou de tradi­cional­is­mos soci­ais. Kle­ber Men­donça reflete no lon­ga uma Recife que ain­da ecoa uma sociedade do sécu­lo XVIII, escrav­ocra­ta e feu­dal, mas que pode­ria ser em qual­quer lugar do Brasil. 

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    O som do lon­ga con­funde num primeiro momen­to o espec­ta­dor. As vozes saem baixas, em alguns momen­tos é inaudív­el o que os per­son­agens falam. O que parece ser um prob­le­ma de cap­tação de som fun­ciona mais como um recur­so bas­tante ousa­do de nar­ra­ti­va. O som exter­no é o que prevalece, o som ao redor que tor­na o cotid­i­ano dess­es moradores um só, inde­pen­dente do que acon­tece no inte­ri­or das residên­cias. São os lati­dos de cachor­ro, o viz­in­ho que liga o aspi­rador na janela para provo­car intri­gas ou mes­mo os ambu­lantes de CDs e DVDs que pas­sam com seus car­rin­hos de som que real­mente impor­tam no enredo.

    A for­ma e o con­teú­do do lon­ga andam muito bem jun­tos. Além do aspec­to de som, o lon­ga pas­seia pelos per­son­agens trazen­do sutilezas de cada um em peque­nas metá­foras de cenas cotid­i­anas. Muitos ângu­los trazem sen­ti­dos diver­sos e são ess­es pequenos cuida­dos com a câmera que uni­ver­sal­iza todo o enre­do do lon­ga em cenas car­regadas de sen­ti­do. As grades das casas com seus próprios cadea­d­os gan­ham um sen­ti­do difer­ente quan­do a câmera fil­ma de fora da por­ta um quadro católi­co de Jesus e Maria sep­a­ra­dos pela grade. São sutilezas poéti­cas facil­mente iden­ti­ficáveis no cotidiano.

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    Não que­ria diz­er nada, mas ten­ho rece­bido min­ha Veja fora do saco plás­ti­co” diz uma morado­ra de um con­domínio da região e a frase deixa clara uma vida mor­na, ente­di­ante e com­pet­i­ti­va de uma classe média que vive para provar que pode osten­tar um padrão de vida enquan­to muitos sub­or­di­na­dos – empre­ga­dos, porteiros e segu­ranças – são as ver­dadeiras bases para que essa classe con­si­ga se man­ter em pé. E enquan­to essa classe se pre­ocu­pa em osten­tar seu poder de din­heiro – gan­ho na for­ma de um regime de tra­bal­ho depri­mente – os que são nive­la­dos por baixo como sim­ples presta­dores de serviços dessa classe se orga­ni­zam para que eles pos­sam sobre­viv­er das para­noias dos que estão acima.

    O Som Ao Redor lem­bra de cer­ta for­ma o que o óti­mo Sér­gio Bianchi fez em Os Inquili­nos, além de out­ros lon­gas do dire­tor em que a real­i­dade é trata­da de for­ma cíni­ca quan­do vista do pon­to de vista fic­cional. Quan­do obser­va­mos como espec­ta­dores os pequenos detal­h­es de con­vivên­cia urbana e social, estes se tor­nam abom­ináveis. Por exem­p­lo, uma sim­ples chega­da de com­pra de uma TV causa a ira de um viz­in­ho que não pode tê-la ou um “não” dado ao cuidador de car­ros da rua pode levar ele riscar o car­ro num ato de vin­gança. Nes­sa pirâmide social os que estão aci­ma ou abaixo, até mes­mo os que vivem do out­ro lado da cer­ca acham seus meios de burlar os lim­ites impos­tos pelas regras ou per­pet­u­ar o seu espaço, sem­pre há os que se acham vitimiza­dos pelo meio e dis­pos­tos a se dar bem.

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    Um pon­to bas­tante inter­es­sante e próprio ao con­tex­to da cidade de Recife apre­sen­ta­do no lon­ga, é como a questão da escravidão negra no Brasil ain­da reflete de for­ma tão sutil na car­ac­ter­i­za­ção dessa classe média dos per­son­agens de O Som ao Redor . Des­de os empre­ga­dos até os segu­ranças da rua, a situ­ação social con­struí­da sobre os aspec­tos históri­cos do país é níti­da, forte e ao mes­mo tem­po sutil e metafóri­ca. Vive-se na som­bra de um prob­le­ma que foi con­struí­do ao lon­go de pelo menos cin­co séculos.

    O Som ao Redor é um exce­lente tra­bal­ho que surge no mar de pro­duções tão descar­ac­ter­i­zadas do cin­e­ma nacional atu­al exibidas no cir­cuito com­er­cial. Fler­tan­do com as críti­cas pro­postas no Cin­e­ma Novo, ele tam­bém apre­sen­ta os cenários urbanos atu­ais de um Cin­e­ma de Retoma­da. Vale a pena prestar atenção no tra­bal­ho de Kle­ber Men­donça Fil­ho, que além de cur­tas pre­mi­a­dos como O Vinil Verde, em seu primeiro lon­ga soube olhar criti­ca­mente ao seu próprio redor.

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  • Bluebird

    Bluebird

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    Charles Bukows­ki não era ape­nas o vel­ho Buk, o vel­ho safa­do, con­sagra­do pela lit­er­atu­ra mar­gin­al amer­i­cana. O escritor era um grande poeta e essa seja talvez a sua fac­eta mais inter­es­sante, mais do que que suas épi­cas bebe­deiras, com mul­heres e cig­a­r­ros relatadas pelo seu alter ego Hen­ry Chi­nas­ki. O filó­so­fo Jean Paul-Sartre con­sid­er­a­va ele “o mel­hor poeta da Améri­ca” e, exagero ou não, os ver­sos abaixo de Pás­saro Azul mostram uma fac­eta sen­sív­el de Bukowski.

    Se você não con­hece a poe­sia do Vel­ho Buk, “O Passáro Azul” é um bom começo. A poe­sia do escritor retra­ta muitas das suas angús­tias exis­ten­ci­ais, sen­ti­men­tos sobre o amor e até críti­cas ao sis­tema literário.

    Já sur­gi­ram várias adap­tações nar­radas e ani­madas para esse poe­ma, mas uma das mais inter­es­santes é Blue­bird (2010), dos design­ers canadens­es Jen­nifer Griffthis e Cameron McK­ague, pro­duzi­do em con­jun­to com a Emi­ly Carr, uma Uni­ver­si­dade de Arte e Design do Canadá. O cur­ta é fil­ma­do em um úni­co plano sequên­cia, com vários ele­men­tos que uti­lizam a tipografia de maneira muito cria­ti­va para reme­ter à cul­tura cri­a­da em torno da figu­ra do escritor.

    há um pás­saro azul em meu peito que
    quer sair
    mas sou duro demais com ele,
    eu digo, fique aí, não deixarei
    que ninguém o veja.

    há um pás­saro azul em meu peito que
    quer sair
    mas eu despe­jo uísque sobre ele e inalo
    fumaça de cigarro
    e as putas e os aten­dentes dos bares
    e das mercearias
    nun­ca saberão que
    ele está
    lá dentro.

    há um pás­saro azul em meu peito que
    quer sair
    mas sou duro demais com ele,
    eu digo,
    fique aí, quer acabar
    comigo?
    quer foder com minha
    escrita?
    quer arru­inar a ven­da dos meus livros na
    Europa?

    há um pás­saro azul em meu peito que
    quer sair
    mas sou bas­tante esper­to, deixo que ele saia
    somente em algu­mas noites
    quan­do todos estão dormindo.
    eu digo, sei que você está aí,
    então não fique
    triste.

    depois o colo­co de vol­ta em seu lugar,
    mas ele ain­da can­ta um pouquinho
    lá den­tro, não deixo que morra
    completamente
    e nós dormi­mos juntos
    assim
    com nos­so pacto secreto
    e isto é bom o sufi­ciente para
    faz­er um homem
    chorar, mas eu não
    choro, e
    você?

    in Tex­tos auto­bi­ográ­fi­cos, de Charles Bukows­ki, pági­nas 478/9. Tradução de Pedro Gon­za­ga. Por­to Ale­gre, L&PM Edi­tores, 2009.

  • O Lado Bom da Vida | Crítica

    O Lado Bom da Vida | Crítica

    ladobomdavida-posterApe­sar de car­regar o rótu­lo de comé­dia român­ti­ca e seguir um deter­mi­na­do roteiro padrão do gênero, O Lado Bom Da Vida (Sil­ver Lin­ings Play­book, USA, 2012), de David O. Rus­sel, basea­do no livro homôn­i­mo de Matthew Quick é um lon­ga que foge dos clichês nar­ra­tivos, fler­tan­do com algu­mas fac­etas sobre lim­ites dos rela­ciona­men­tos e tratan­do de for­ma leve e sen­sív­el as for­mas difer­entes que as pes­soas lidam com os fins e suas próprias insta­bil­i­dades men­tais e sentimentais.

    Pat Sola­tano Jr. é um homem que ficou cer­ca de oito meses inter­na­do em um hos­pi­tal psiquiátri­co diag­nos­ti­ca­do com bipo­lar­i­dade. Ele já demon­stra­va alguns sin­tomas do transtorno antes de ter uma crise de vio­lên­cia após encon­trar sua esposa com o amante no chu­veiro da sua casa. Durante ess­es meses, Pat assiste à trata­men­tos de pos­i­tivi­dade e auto-esti­ma, além dos medica­men­tos que não gos­ta de tomar. Recém-saí­do da inter­nação ele quer somente recon­quis­tar a esposa e ter uma vida comum.

    (L-R) JENNIFER LAWRENCE and BRADLEY COOPER star in SILVER LININGS PLAYBOOK

    Mas não é sim­ples se livrar dos fan­tas­mas que tan­to lhe causaram dor. Ago­ra moran­do com os pais, ele neces­si­ta se tornar obses­si­vo com out­ras coisas para se acal­mar. Corre muito para gas­tar ener­gia, lê inúmeros livros um atrás do out­ro e pas­sa o tem­po todo lem­bran­do das dicas ouvi­das dos espe­cial­is­tas do hos­pi­tal. Pat quer man­ter a todo cus­to sua sanidade e em um jan­tar na casa de um vel­ho ami­go, con­hece Tiffany. Ela é ao mes­mo tem­po idên­ti­ca e o opos­to de Pat. Perdeu o mari­do repenti­na­mente e tam­bém pas­sou por alguns sur­tos, mas tem uma per­son­al­i­dade mais deter­mi­na­da do que Pat. Ela acei­ta suas lou­curas, algu­mas obsessões, procu­ra suas próprias res­oluções e ten­ta enten­der que ninguém man­tém um nív­el de sanidade o tem­po todo.

    A relação de Pat e Tiffany é o que faz o enre­do de O Lado Bom da Vida ser um tan­to atraente e diver­tido. Os encon­tros dos dois são instáveis e ao mes­mo tem­po reden­tores. Pat pre­cisa de um sub­ter­fú­gio e um laço com a ex-mul­her. Tiffany pre­cisa de um par­ceiro para uma com­petição de dança. E ness­es momen­tos aparente­mente tolos, mas bem próx­i­mos da vida real, que Pat e Tiffany vão con­stru­ir uma relação diver­ti­da, com altos e baixos e muitas peculiaridades.

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    Uma das cenas mais diver­tidas e irôni­cas do longa

    Preste atenção nos sinais” é o que diz várias vezes Tiffany para Pat Sola­tano. Ao invés de rea­gir sobre qual­quer situ­ação ele dev­e­ria ape­nas obser­var ten­tan­do com­preen­der. É engraça­do ver vários ele­men­tos de auto-aju­da embu­ti­dos no roteiro de O Lado bom da Vida – incluin­do o títu­lo nas duas lín­guas, já que em inglês é uma expressão para “algo bom encon­tra­do numa situ­ação ruim” – mas que den­tro do enre­do são ape­nas cenas per­ti­nentes e diver­tidas para quem sofre de bipo­lar­i­dade, um diag­nós­ti­co nada inco­mum atual­mente. A pes­soa que sofre do transtorno de bipo­lar­i­dade pode ir de um extremo ao out­ro em questão de pouco tem­po. No lon­ga é mostra­do a importân­cia da pes­soa sem­pre man­ter em mente que tudo é pas­sageiro, inclu­sive a tris­teza e as lembranças.

    Mas esse uso exager­a­do da pos­i­tivi­dade tam­bém pode inco­modar o espec­ta­dor, prin­ci­pal­mente pela repetição no roteiro da crença de que acred­i­tan­do tudo pode acon­te­cer. Não que isso seja ruim, mas o filme chega pre­gar um tan­to de exagero no lema de “tudo fica bem no final se você quis­er assim”. Mas como dito ante­ri­or­mente, as cenas de auto-aju­da soam extrema­mente sar­cás­ti­cas e cíni­cas colo­cadas no con­tex­to dos personagens.

    JENNIFER LAWRENCE and BRADLEY COOPER star in SILVER LININGS PLAYBOOK

    São cenas como Pat ten­tan­do ler toda a lista de livros que sua mul­her ensi­na em lit­er­atu­ra em pouco tem­po e no meio da noite fican­do irri­ta­do com o pes­simis­mo de Ernest Hem­ing­way, acor­dan­do todos na viz­in­hança ou quan­do se encon­tra com Tiffany em uma lan­chonete onde ambos causam uma cena caóti­ca ten­tan­do provar um para o out­ro que não são malu­cos, que fazem o espec­ta­dor dar algu­mas risadas sobre a incon­stân­cia de ser humano.

    Tan­to Bradley Coop­er (Se beber não case e etc), acos­tu­ma­do a ser vis­to em papéis de galã e Jen­nifer Lawrence (Jogos Vorazes e o óti­mo Inver­no da Alma), a mais nova querid­in­ha do cin­e­ma amer­i­cano, estão bem difer­entes dos seus cos­tumeiros papéis no cin­e­ma. Ele está em um papel sim­ples e engraça­do e ela se sai muito bem como uma instáv­el jovem viú­va. O elen­co ain­da con­ta com um Robert De Niro, que já teve seus tem­pos áure­os, mas que sai bem como o pai de Pat, deixan­do claro que muito das lou­curas dos fil­hos são her­dadas dos pais.

    O Lado Bom da Vida é um filme agradáv­el que merece destaque por fugir dos cos­tumeiros casais per­feitos de comé­dias român­ti­cas. Ape­sar do lon­ga con­seguir segu­rar o públi­co pela incon­stân­cia diver­ti­da de seus per­son­agens, que bus­cam sua sanidade em peque­nas coisas em um mun­do tão incon­stante, é bas­tante exagero ele con­cor­rer a sete Oscares em 2013.

    Trail­er:

  • Os Miseráveis | Crítica

    Os Miseráveis | Crítica

    osmiseráveis-posterMusi­cais sem­pre divi­dem o públi­co de cin­e­ma, ain­da mais se tratan­do do cin­e­ma con­tem­porâ­neo que preza em man­ter o foco na ação e diál­o­gos. Os Mis­eráveis (Les Mis­érables, Reino Unido, 2012) de Tom Hoop­er, já chegou queren­do realizar duas grandes façan­has, primeiro a de adap­tar um cânone de cin­co vol­umes do roman­tismo francês e segun­do o de trans­por um musi­cal de teatro para a nar­ra­ti­va cinematográfica.

    Os Mis­eráveis se pas­sa em um perío­do del­i­ca­do na políti­ca e na sociedade france­sa do sécu­lo XIX. Em 1815 acon­tece a Batal­ha de Water­loo, con­heci­da pela que­da de Napoleão Bona­parte e do retorno da Monar­quia. É nesse cli­ma de descrença e retorno das repressões que o pro­tag­o­nista Jean Val­jean, um homem con­de­na­do à prisão por roubar um pão para ali­men­tar o sobrin­ho, é apre­sen­ta­do. Se hoje um homem pobre é con­de­na­do por esse mes­mo ato, imag­ine a situ­ação no sécu­lo XIX numa França eco­nomi­ca­mente arrasa­da e porém imer­sa nos moral­is­mos monarquistas.

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    A óti­ma car­ac­ter­i­za­ção dos motins de 1832

    Jean Val­jean é o homem feri­do pela injustiça, após 19 anos encar­cer­a­do em regime de escravidão é joga­do à liber­dade em uma sociedade que exclui qual­quer um que vá para a prisão. A tra­jetória do homem, que dura cer­ca de 17 anos indo até os momen­tos cru­ci­ais dos motins de jun­ho de 1832, é mar­ca­da por escol­has, nem sem­pre politi­ca­mente cor­re­tas mas car­regadas de redenção. Val­jean ten­ta sem­pre ser o opos­to do que cobram as leis da época, exager­adas e que priv­i­le­giam ape­nas os grandes. Ao pas­so que ten­ta ser o “bom cristão”, Val­jean enx­er­ga niti­da­mente as des­graças que o povo francês vivia por con­ta das leis monárquicas e ten­ta aci­ma de tudo ser um humanista.

    As adap­tações de livros para as telas sem­pre cor­rem o risco de não atin­girem toda a nar­ra­ti­va e con­stru­irem um enre­do alheio à for­ma que os escritores o fazem. E não é difer­ente com uma obra de mais de mil pági­nas que tra­ta rica­mente dos seus per­son­agens como é o caso de Os Mis­eráveis, de Vic­tor Hugo. No lon­ga, o espec­ta­dor é lev­a­do a já saber o mote da história e de com­preen­der os vários nuances das relações entre Val­jean, Cosette, Fan­tine e todos os out­ros per­son­agens que com­põem a obra, pois várias situ­ações ape­nas acon­te­cem sem as suas causas prévias.

    Como o lon­ga foi basea­do no musi­cal de teatro dos anos 80, de Claude-Michel Schön­berg, Alain Bou­blil e Her­bert Kret­zmer, ele con­ta ape­nas com dois grandes atos onde muitos even­tos do livro são livre­mente adap­ta­dos para dar maior veloci­dade à peça de quase três horas.

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    O filme abre com uma cena emocionante

    O lon­ga abre com uma cena extrema­mente bela e grandiosa de Jean Val­jean (Hugh Jack­man) e out­ros pre­sos puxan­do um navio. A cena é digna de espetácu­lo, uma obra de arte impecáv­el mostran­do jus­ta­mente a que veio. Aliás, Os Mis­eráveis é um tipo de filme para ser grandioso como espetácu­lo, a direção de arte chega exager­ar por exem­p­lo com os dentes dos per­son­agens — os clos­es nas bocas são bem exager­a­dos — visivel­mente estragados.

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    A comi­ti­va do impiedoso Javert

    Claro que há a neces­si­dade de se con­tex­tu­alizar a história que se pas­sa em um momen­to bas­tante críti­co da história da França. As pes­soas mor­rem de doenças, ven­dem seus dentes e cabe­los para poder com­prar pão e Vic­tor Hugo retra­ta essa dor até que o leitor sin­ta na sua pele. Mas aqui tudo fica explici­ta­mente artís­ti­co, inclu­sive a sujeira e a tris­teza. Mas claro que se deve levar em con­ta que o lon­ga é um musi­cal e car­rega todas as car­ac­terís­ti­cas do gênero. Muitos clos­es pro­lon­ga­dos nos ros­tos dos per­son­agens can­tan­do, cenários ora bas­tante escuros, ora con­trastantes com foco no tra­bal­ho de direção de arte, visivel­mente inspi­ra­da nos pin­tores do sécu­lo 19, e a con­strução do roteiro em for­ma­to musi­cal com muitas canções cati­vantes — preste atenção na músi­ca Do You Hear the Peo­ple Sing? que ini­cia a fase dos motins — são ele­men­tos muito bem executados.

    O elen­co é bas­tante inter­es­sante e con­segue dar con­ta de can­tar, ain­da mais levan­do em con­ta que o dire­tor exigiu que não hou­vessem play­backs, ou seja, todos can­tavam enquan­to atu­avam e ouvi­am um pianista através de um pon­to audi­ti­vo. Hugh Jack­man demon­stra uma cer­ta fal­ta de rit­mo em alguns momen­tos mas sua car­ac­ter­i­za­ção como Val­jean, prin­ci­pal­mente na primeira parte, é muito forte. Anne Hath­away se sai muito bem, é uma Fan­tine com cenas muito boni­tas. Já Aman­da Seyfried como Cosette e Rus­sel Crowe como Javert não segu­ram muito bem seus papéis, soan­do bas­tante fal­sos, a primeira que há vários filmes não me con­vence muito, sem­pre pare­cen­do uma ado­les­cente inse­gu­ra e Crowe, ape­sar de ser um óti­mo ator, não chega aos pés da mal­dade de Javert. Hele­na Bon­ham Carter e Sasha Baron Cohen são os malan­dros Thenardiers, com uma estéti­ca muito pare­ci­da com os seus papéis no tam­bém musi­cal Sweeney Todd, de Tim Bur­ton. Mas um dos grandes destaques do time de atores é o pequeno Daniel Hut­tle­stone como Gavroche, o pequeno meni­no de rua que tem uma enorme rep­re­sen­tação dramáti­ca nas cenas do motim.

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    Anne Hath­away como Fantine

    Os Mis­eráveis merece destaque pela ousa­dia de Tom Hop­per de adap­tar cin­e­matografi­ca­mente um musi­cal que por si só já tem suas com­plex­i­dades. É um lon­ga que tra­bal­ha com a emoção do espec­ta­dor e quan­do vis­to de uma tela como a do IMAX con­segue cumprir seu papel, já que musi­cais requerem uma dis­posição do públi­co e tam­bém da neces­si­dade dos enre­dos soarem mais próx­i­mos do públi­co. Mas por out­ro lado ain­da ten­ho min­has dúvi­das se esse é um filme que vai per­manecer no imag­inário como uma grande adap­tação. Res­ta acred­i­tar que o espec­ta­dor sin­ta-se toca­do a ler o livro que provavel­mente vai deixá-lo ain­da mais impres­sion­a­do com os per­son­agens e esse forte momen­to histórico.

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  • Cidade Aberta, de Teju Cole | Livros

    Cidade Aberta, de Teju Cole | Livros

    Eu gos­to de explo­rar essa imper­feição, porque é assim que as pes­soas são de ver­dade, boas e más, não ape­nas boas ou ape­nas más”, diz o escritor amer­i­cano Teju Cole (1975) em uma entre­vista durante a sua pas­sagem pela FLIP de 2012. Cole con­segue explo­rar a imper­feição humana de for­ma muito rica e analíti­ca em seu romance de estreia Cidade Aber­ta (Com­pan­hia das Letras, 2012, tradução de Rubens Figueire­do), vence­dor do Prêmio Pen/Hemingway 2012 e elo­gia­do pela críti­ca americana.

    Nova York é con­heci­da como uma das cap­i­tais mais cos­mopoli­tas do mun­do, assim como São Paulo, à primeira vista parece reinar a plu­ral­i­dade que con­strói o meio urbano. Mas muito tem se lido na lit­er­atu­ra de lín­gua ingle­sa a voz dos estrangeiros — por exem­p­lo, Junot Diaz em “A Fan­tás­ti­ca Vida Breve de Oscar Wao” — que hoje fig­u­ram grande por­cent­agem da pop­u­lação, fazen­do uma grande difer­ença numa eleição e out­ras decisões políti­cas, por exem­p­lo. Mas ain­da demon­stram que a plu­ral­i­dade não é esse son­ho todo e que ain­da nes­sas grandes cidades se vive em guetos.

    O títu­lo do livro pode se rela­cionar ao ter­mo open city — cidade aber­ta traduzi­do ao pé da letra — que foi usa­do pela primeira vez em 1914 para des­ig­nar uma cidade que durante uma guer­ra está despro­te­gi­da mil­i­tar­mente e segun­do as leis inter­na­cionais não pode sofr­er ataques. Numa primeira análise, ten­do con­sciên­cia desse sig­nifi­ca­do, a primeira refer­ên­cia é o 11 de setem­bro amer­i­cano. Mas o ter­mo tam­bém pode ser pen­san­do com o seu sen­ti­do mais comum, uma cidade aber­ta que recebe diari­a­mente mil­hões pes­soas do mun­do inteiro que a constituem.

    Mas a atro­ci­dade não tem nada de novo, não para seres humanos, não para ani­mais. A difer­ença é que em nos­so tem­po ela é extra­or­di­nar­i­a­mente bem orga­ni­za­da, prat­i­ca­da com cur­rais, trens de car­ga, livros de con­tabil­i­dade, cer­cas de arame farpa­do, cam­pos de tra­bal­ho, gás. E esta últi­ma con­tribuição, a ausên­cia de cor­pos. (p.74)

    Teju Cole
    Cidade Aber­ta tra­ta da visão de um estrangeiro num fre­quente ciclo de descober­ta e adap­tação ao efêmero da cidade. São os olhos de Julius, um nar­rador-per­son­agem que flana pela cidade de Nova York mul­ti­fac­eta­da, que anda lado a lado com o leitor. Des­de as suas enormes lojas de depar­ta­men­tos, os pon­tos turís­ti­cos mar­ca­dos pela História, o metrô e seus per­son­agens até as tragé­dias maquiadas pelo rit­mo da cidade. Julius, esmi­uça cada vér­te­bra da metró­pole, nada escapa do seu olhar não só plás­ti­co, mas pro­fun­da­mente int­elec­tu­al. Vin­do da Nigéria aos 17 anos, o per­son­agem é um psiquia­tra recém-for­ma­do e bas­tante atare­fa­do, que faz do seu tem­po livre uma boa des­cul­pa para andar pela cidade con­heci­da pela sua var­iedade de faces.

    Assim como Baude­laire criou a ideia de flâneur — o homem mod­er­no que flana invisív­el pelo meio urbano pre­stando atenção às movi­men­tações, a efe­meri­dade do movi­men­to citadi­no — em Cidade Aber­ta o leitor é tam­bém um flâneur, jun­to do imi­grante que se con­strói con­forme se rela­ciona com esse meio, a ter­ra natal deix­a­da no pas­sa­do e o sen­ti­men­to de difer­ença. O leitor só é apre­sen­ta­do for­mal­mente a Julius, ao nome que o iden­ti­fi­ca, quan­do pas­sa a se apro­fun­dar nas suas memórias e sua vida na Nigéria deix­a­da para trás.

    O livro é divi­di­do em duas partes e ambas são recur­sos poéti­cos para a nar­ra­ti­va pes­soal do per­son­agem. A primeira inti­t­u­la­da de A morte é uma per­feição do olho e a segun­da Eu procu­ra­va a mim mes­mo demon­stram que mes­mo que Julius se dis­farce de ape­nas um pas­sante, um sim­ples obser­vador, enga­ja­do, inteligente, procu­ran­do localizar cada célu­la for­mado­ra da cidade de Nova Iorque, ele está pro­fun­da­mente lig­a­do na bus­ca de encon­trar a si mes­mo, bus­car suas próprias respostas e definir a sua identidade.

    Fran­cis O. Watts With Bird, de John Brew­ster Jr.
    Aliás, a iden­ti­dade é um pon­to inter­es­sante do livro, a história de Julius e Teju Cole são estre­ita­mente próx­i­mas, sal­vo alguns detal­h­es. Julius não é ape­nas um pas­sante que nar­ra a cidade em um uni­ver­so fic­cional. Ele é um grande con­hece­dor de estru­turas históri­c­as e as obser­va fazen­do anális­es plás­ti­cas, como faria Teju que é his­to­ri­ador de arte. Em deter­mi­na­do pas­seio por um museu, ele encon­tra o quadro “Fran­cis O. Watts With Bird” do pin­tor amer­i­cano John Brew­ster Jr. e além de rela­cionar e con­tex­tu­alizar a pin­tu­ra, ele rela­ta uma lig­ação muito ínti­ma entre obser­vador e obra, não deixan­do dúvi­das que está con­duzin­do o leitor pelo passeio.

    O pas­sar­in­ho rep­re­sen­ta­va a alma da cri­ança, como tam­bém acon­te­cia no retra­to feito por Goya do mal­fada­do Manuel Oso­rio Man­rique de Zúñi­ga, de três anos de idade. A cri­ança na pin­tu­ra de Brew­ster mira­va aten­ta, com uma expressão ser­e­na e etérea, do ano de 1805. Ao con­trário de muitas out­ras cri­anças pin­tadas por Brew­ster, o meni­no tin­ha sua audição per­fei­ta. Seria aque­le retra­to um amule­to con­tra a morte? Uma em cada três pes­soas, naque­la época mor­ria antes dos vinte anos de idade. Seria aqui­lo a expressão de um dese­jo mági­co de que a cri­ança resis­tisse e se agar­rase à vida, assim como se agar­ra­va ao cordão?” (p.52)

    A iden­ti­dade de imi­grante, tão penosa de se con­quis­tar mes­mo estando em um lugar por uma decisão própria, é clara em Cidade Aber­ta. Por exem­p­lo, o com­por­ta­men­to dos pás­saros é usa­do em dois momen­tos pelo per­son­agem, ambos retratam a neces­si­dade de migração, quase que nat­ur­al mas mes­mo assim com seus per­calços. O livro tra­ta bas­tante dis­so, da tran­si­to­riedade das pes­soas e espaços a fim de bus­car algo, aparente­mente tão nor­mal em tem­pos de efemeridade. 

    Nova York sem­pre está se mutan­do, se adap­tan­do às crises, ataques e mes­mo assim ain­da guar­da de for­ma orgul­hosa suas mar­cas que con­tam a história da Améri­ca como um lugar do futuro. O nar­rador con­duz muitos dos seus pas­seios afim de em var­ios momen­tos tirar a maquiagem da cidade, por mais que ele diga que não tro­caria esse lugar, ele tam­bém não con­segue se desven­cil­har da sua primeira iden­ti­dade, da sua cor e origens.

    Cer­ca de duzen­tos anos depois, quan­do um jovem da região do Forte Orange desceu pelo rio Hud­son e se esta­b­ele­ceu em Man­hat­tan, decid­iu escr­ev­er seu opus mag­num sobre um Levi­atã albi­no. O autor, que no pas­sa­do tiha sido paro­quiano da Igre­ja da Trindade, inti­t­u­lou seu livro A baleia; o sub­tí­tu­lo, Moby Dick, só foi acres­cen­ta­do depois da primeira edição. Essa mes­ma Igre­ja da Trindade ago­ra não me rece­beu, deixou-me do lado de fora, expos­to ao cor­tante ar mar­in­ho sem me ofer­e­cer nen­hum lugar para rezar. (p.66)

    Mas há tam­bém alguns pon­tos neg­a­tivos em Cidade Aber­ta. Em alguns momen­tos a nar­ra­ti­va des­per­ta um cer­to cansaço por con­ta das descrições detal­hadas e tam­bém das posições políti­cas e críti­cas, lev­adas bas­tante a sério por Julius, que sem­pre aca­ba encon­tran­do motivos para criticar o domínio amer­i­cano. Essas mes­mas opiniões acabam por deixar algu­mas opções do enre­do repet­i­ti­vas e desnecessárias.

    Mas por ser tam­bém uma uma nar­ra­ti­va em primeira pes­soa, mescla­da pela intim­i­dade do jovem psiquia­tra com sua visão do urbano, Cidade Aber­ta é bas­tante atraente ao leitor curioso. Julius con­segue ques­tionar a solidão e a vida mes­mo quan­do anal­isa as pes­soas e fatos através do seu olhar clíni­co, medin­do a quími­ca e con­ceitos das situações.

    A visão de grandes mas­sa humanas descen­do afobadas para câmaras sub­ter­râneas era per­pet­u­a­mente estran­ha para mim, e eu tin­ha a sen­sação de que a raça humana inteira se pre­cip­i­ta­va, empurra­da por um impul­so de morte anti­nat­ur­al, rumo a cat­acum­bas móveis. Na super­fí­cie da ter­ra, eu esta­va com mil­hares de out­ros em sua solidão, mas den­tro do metrô, de pé entre descon­heci­dos, empurran­do e sendo empurra­do em bus­ca de espaço e de uma brecha para res­pi­rar, todos nós recon­stí­tuíamos trau­mas não admi­ti­dos, a solidão inten­si­fi­ca­da. (p.14
    (…) o pro­fes­sor Saito disse cer­ta vez: Adoro mon­stros imag­inários, mas fico apa­vo­ra­do com os mon­stros reais. (p.19)

    A prin­ci­pio pode-se pen­sar que é ape­nas um estrangeiro vitimiza­do pela cul­tura amer­i­cana, mas ele é bem além dis­so, é um ser humano e seu fluxo de con­sciên­cia com­pro­va que Cidade aber­ta é um livro tam­bém sobre solidão. 

  • O Mestre | Crítica

    O Mestre | Crítica

    O Mestre (The Mas­ter, E.U.A., 2012), o aguarda­do novo lon­ga de Paul Thomas Ander­son, já nasceu com bas­tante expec­ta­ti­va. Em 2008 o dire­tor foi um dos mais indi­ca­dos ao Oscar — mas lev­ou ape­nas duas estat­ue­tas — trazen­do Daniel Day-Lewis em Sangue Negro, um papel arrebata­dor como um homem do petróleo no iní­cio do sécu­lo XX, mostran­do o novo ros­to da mod­ernidade mar­ca­da pela solidão e indi­vid­u­al­is­mo. Nesse novo lon­ga, o dire­tor segue um cam­in­ho pare­ci­do trazen­do uma tra­ma fic­cional, ape­sar de ser bem real­ista, do surg­i­men­to da Cien­tolo­gia, uma religião que tem agre­ga­do muitos amer­i­canos e vive na som­bra do mistério.

    Ninguém per­maneceu igual depois da Segun­da Guer­ra Mundi­al, eram vísiveis as mar­cas do com­bate nos cor­pos e mentes dos home­ns que voltavam de lá. E para quem ficou desse lado do oceano havia uma comoção em bus­ca de uma fé, de expli­cações que aju­dassem a com­preen­são e o sen­ti­do da vida. O momen­to era propí­cio para o encon­tro de dois home­ns, Fred­die Quell, um vet­er­a­no da mar­in­ha per­tur­ba­do pelo pas­sa­do e alcoóla­tra, e Lan­cast­er Dodd, um homem inteligente, caris­máti­co e ambi­cioso que começa a con­seguir fiéis com as suas ideias de “A Causa”.

    A primeira parte de O Mestre é ded­i­ca­da à intro­dução de Fred­die (Joaquin Phoenix), um homem de pou­cas palavras e tre­jeitos bru­tos, apre­sen­ta­do sobre uma tril­ha sono­ra bem ao esti­lo do dire­tor, alta e apoteóti­ca. O espec­ta­dor se apro­pria da imagem de Fred­die voltan­do da Guer­ra, se embria­gan­do — ele faz sua própria bebi­da — e levan­do seus dias de uma for­ma sem maiores per­spec­ti­vas até con­hecer Dodd (Philip Sey­mour Hoff­mann) em um momen­to de decadên­cia. Ape­sar da relação dos dois per­son­agens ser o motor do enre­do, o foco sem­pre per­manece em cima de Fred­die e suas reações desmedidas.

    Ele “deve deixar de ser um ani­mal estúpi­do” é o que diz Dodd, e Fred­die é car­ac­ter­i­za­do exata­mente dessa for­ma, seus tre­jeitos físi­cos mostram que seu cor­po foi defor­man­do com o tem­po, assim como suas feições faci­ais e grun­hi­dos que ele emite em alguns momen­tos. Já o homem, o mestre da Causa é cal­mo, per­se­ver­ante e além de médi­co, cien­tista, filó­so­fo e como ele mes­mo diz “aci­ma de tudo, sou um homem”.

    O lon­ga tem um rit­mo bas­tante pare­ci­do com o ante­ri­or Sangue Negro, com uma nar­ra­ti­va arras­ta­da, foca­da nos per­son­agens que em seus con­tex­tos históri­cos, por mais chama­tivos que sejam, são ape­nas plano de fun­do. Em ambos os filmes os pro­tag­o­nistas e coad­ju­vantes são uma excelên­cia à parte. Tan­to Joaquin Phoenix e Daniel Day-Lewis se sus­b­metarem a exce­lentes tra­bal­hos de atu­ação e vivên­cia dos per­son­agens. E vale ressaltar que em O Mestre, os coad­ju­vantes tam­bém são defen­sores de uma fé extrema, não há como não rela­cionar os ataques defen­sivos de Lan­cast­er Dodd com o cul­to ence­na­do do pas­tor Elie Sun­day de Sangue Negro.

    A Cien­tolo­gia surgiu em 1952 e logo depois virou igre­ja. Segue os pre­ceitos de L. Ron Hub­bard, que mor­reu em 1986, suposta­mente inter­pre­ta­do aqui por Philip Sey­mour. Hub­bard criou a Dianéti­ca, práti­ca foca­da no poder da mente sobre o cor­po, onde muitos de seus exer­cí­cios são exibidos no filme. Ape­sar das espec­u­lações do lon­ga se basear na his­to­ria da crença, ele não se com­pro­m­ete muito com o assun­to e aca­ba cain­do na mist­i­fi­cação da Causa e que tipo de grupo mis­te­rioso eles seriam.

    Paul Thomas Ander­son fil­mou em 65 mm, fazen­do com que o lon­ga ten­ha um aspec­to muito próx­i­mo da estéti­ca da época. A tril­ha sono­ra foi fei­ta por Jon­ny Green­wood, gui­tar­rista do Radio­head, que causa obri­ga­to­ri­a­mente um momen­to dramáti­co em cenas apáti­cas, o que de fato não é ruim, dan­do um tom de espetácu­lo para várias cenas, con­tribuin­do assim com o esti­lo exager­a­do do diretor.

    O lon­ga con­corre a três Oscares nesse ano e de fato é bas­tante com­pe­tente nos três atores apon­ta­dos. Joaquin Phoenix, Philip Sey­mour Hoff­man e Amy Adams — sendo a mais fra­ca do trio — são a base do filme. O Mestre é mis­te­rioso e tem isso a seu favor, mas com um roteiro tão arras­ta­do não pos­sui as mes­mas seduções de Sangue Negro e tam­bém pas­sa longe do esti­lo Mag­nólia de um Paul Thomas no fim dos anos 90.

    Trail­er:

  • Le Miroir

    Le Miroir

    Como você sabe que o tem­po pas­sa, que está envel­he­cen­do? Os seus olhos não se deix­am enga­nar e o espel­ho é uma das fer­ra­men­tas de apoio nes­sa jor­na­da chama­da Vida. Aque­les momen­tos sim­ples, e muitas vezes efêmeros, de se olhar na frente do espel­ho, esco­var os dentes, se pen­tear, maquiar ou faz­er a bar­ba, se fos­sem fil­ma­dos, cola­dos dia após dia, dari­am uma sequên­cia de uma vida toda e foi com essa ideia que os irmãos sue­cos Ramon e Pedro cri­aram Le Miroir (2010), “O espel­ho” em francês.

    Fil­ma­do num fan­ta­sioso plano sequên­cia Le Miroir mostra des­de uma esco­v­a­da de dentes de um garo­to de seis anos até o últi­mo desli­gar de luzes do ban­heiro do mes­mo, só que idoso. Todas as fas­es da vida, a bar­ba, as espin­has, o amor, a fil­ha, o cansaço e afins são trata­dos num úni­co ambi­ente como se o tem­po cor­resse somente no cor­po do protagonista.

    Para ficar ain­da mais impres­sio­n­ante, os dire­tores con­vi­daram o ator Pier­rick Destraz, seu pai e fil­ho reais para pro­tag­oni­zar o homem que vê sua vida através do espel­ho. A câmera sem­pre na posição dos olhos dá a ideia de lem­brança, pas­san­do uma del­i­ca­da intim­i­dade ao espec­ta­dor numa sin­to­nia bas­tante poéti­ca. Provavel­mente você não irá encar­ar o espel­ho toda man­hã da mes­ma forma.

    Você pode ver o mak­ing of do cur­ta aqui.

  • Django Livre | Crítica

    Django Livre | Crítica

    Qual o taman­ho da difi­cul­dade de escr­ev­er sobre um filme de Quentin Taran­ti­no? Talvez uma das tare­fas mais inter­es­santes nos filmes do dire­tor é encon­trar todas as refer­ên­cias cin­e­matográ­fi­cas, de quadrin­hos, lit­er­atu­ra e a imen­sid­ão de influên­cias que ele con­segue mon­tar nos seus filmes e Djan­go Livre (Djan­go Unchained, E.U.A., 2012) não é nen­hu­ma exceção. Três anos depois de matar Hitler no cin­e­ma em Bas­tar­dos Inglórios (2009), o dire­tor man­tém o esti­lo do que eu chamaria de “vin­gança cole­ti­va” no seu novo lon­ga onde Djan­go, um escra­vo lib­er­to por um alemão, parte ao rumo de uma jor­na­da para sal­var sua ama­da Brunhilde.

    Taran­ti­no talvez seja o pai e o maior real­izador do que se con­hece como remix no cin­e­ma — a bela arte de usar algo pre­ex­is­tente dan­do um novo con­tex­to para aqui­lo — e faz isso com maes­tria. As refer­ên­cias são muitas e depende é claro do seu repertório, onde cada plano de câmera pode faz­er um sen­ti­do e gan­har mais sig­nifi­ca­do de acor­do com a lig­ação imag­i­na­da. Mas não se sin­ta desan­i­ma­do se você não é nen­hum mestre em cin­e­ma west­ern e seus deriva­dos, ou das out­ras áreas citadas, porque mes­mo assim você vai apre­ciar cada lance de Djan­go Livre. O que Taran­ti­no con­segue faz­er com a arte do remix é recri­ação de alto nív­el, colan­do todas as suas obsessões e dan­do vida a algo total­mente próprio, tor­nan­do o seu cin­e­ma adje­ti­vo dele mesmo.

    Djan­go Livre segue a mes­ma lin­ha de poder reden­tor dado ao espec­ta­dor. Por quase três horas você pode sen­tir cada gos­to da vin­gança de fatos que his­tori­ca­mente foram injus­tos, mas que na ficção fun­cionam de for­ma per­fei­ta e cal­mante. Jamie Foxx é Djan­go Free­man — mais um óti­mo tro­cadil­ho — um escra­vo lib­er­to que faz uma bela parce­ria com King Schultz (Christo­pher Waltz), um den­tista que tro­cou a bro­ca por alguns gatil­hos velozes e notas de rec­om­pen­sa. A Guer­ra Civ­il amer­i­cana está prestes a estourar e o sul dos E.U.A. man­tém firme sua econo­mia escrav­ocra­ta. Djan­go é um negro lutan­do por sua liber­dade, per­son­ifi­ca­da na sua esposa que tem nome de len­da alemã, e para chegar até ela não se pre­ocu­pa onde ten­ha que pis­ar e atirar.

    Nem sem­pre o espec­ta­dor nota todos os detal­h­es — e no caso dos filmes do Taran­ti­no é até perigoso diz­er que algo “ficou com a pon­ta sol­ta” — pois prati­ca­mente tudo em cena, cada resp­in­go de sangue, vem de algum can­to da memória ciné­fi­la do cara. Você provavel­mente notará a pre­sença de inúmeros west­erns clás­si­cos com câmeras focadas em ros­tos expres­sivos, due­los de armas, um anti-herói que age mais do que fala e claro, a vin­gança que nun­ca é tar­dia e sem­pre rec­om­pen­sado­ra. Claro que ess­es são os pon­tos de hom­e­nagem do dire­tor, ago­ra junte tudo isso a muito sangue, nen­hum perdão e um pouco de filosofia samu­rai e você terá um Taran­ti­no feliz.

    A refer­ên­cia mais clara para Djan­go Livre — que pode ser con­sid­er­a­do mais como uma bela hom­e­nagem — é o per­son­agem clás­si­co de Ser­gio Cor­buc­ci, no filme de 1966 estre­la­do por Fran­co Nero, que inclu­sive faz uma pon­tin­ha em Djan­go Livre. Neste o anti-herói tam­bém está em bus­ca de uma boa vin­gança e não deixa de faz­er isso sem uma tril­ha sono­ra agi­ta­da e bas­tante incon­stante, como tam­bém faz Taran­ti­no, man­ten­do a classe de optar por uma sonori­dade diver­sa e oscilante, hom­e­nage­an­do várias fig­uras e que vão des­de tril­has de west­erns clás­si­cos, pas­san­do por John­ny Cash e indo até um óti­mo mashup de James Brown com “The Pay­back” com a “Untouch­ables” do rap­per 2Pac.

    O encon­tro de “Djan­gos”

    Um dos trun­fos mais geni­ais nas nar­ra­ti­vas cri­adas por Taran­ti­no são os para­dox­os de humor negro que ele cria com seus per­son­agens, acom­pan­hado dos diál­o­gos ver­bor­rági­cos — no caso de Djan­go, um pouco exager­a­dos em alguns momen­tos — entre eles. Imag­ine você um negro escra­vo, de um sul extrema­mente racista e per­ver­so, sal­vo por um alemão que leva a vida como caçador de rec­om­pen­sas. Afi­nal, nada é tão pior quan­to os Amer­i­canos e nada mel­hor que um deles para falar dis­so. Observe a cena que sinal­iza uma primeira for­mação de uma pos­siv­el Ku Klux Klan, hilário no mín­i­mo. Um west­ern com o col­o­niza­do, no caso escrav­iza­do, metendo bala atrás da sua liber­dade. Sim, é isso que gosta­mos de ver.

    Quan­to ao elen­co de Djan­go Livre, o alemão Christo­pher Waltz é um dos caras da vez do Taran­ti­no. Des­de a sua aparição em Bas­tar­dos Inglórios ele vem sendo usa­do por vários out­ros como um “grande alemão mal­va­do”, mas em Djan­go Livre ele vol­ta com o mes­mo sen­so de humor negro do seu per­son­agem nazista, mas dessa vez corre com os lobos, ou mel­hor, corre com Djan­go. Aliás, ele e Jamie Foxx for­mam uma dupla e tan­to assim como sem­pre nos filmes do dire­tor, mocin­hos e ban­di­dos con­seguem ter uma mes­ma qual­i­fi­cação e não há como não men­cionar Leonar­do Di Caprio como Calvie Can­die, um ver­dadeiro sen­hor do Mis­sis­sípi e Samuel L. Jack­son como um negro com uma espé­cie de sín­drome de estocolmo.

    Esse tex­to que você leu não é uma críti­ca e espero que, se você tin­ha algu­ma dúvi­da, defin­i­ti­va­mente ten­ha se moti­va­do a ver Djan­go Livre. Provavel­mente terei que ver muitas vezes, além de retomar aos gos­tos taran­ti­nescos, para con­seguir arran­car boa parte das refer­ên­cias que cor­rem pela tela. Abaixo deixo a tril­ha sono­ra com­ple­ta do filme no Sound­cloud. Dê o play e vá prepara­do para expur­gar seus próprios demônios afi­nal, sem­pre sabe­mos que Taran­ti­no é um belo place­bo para boa parte dos nos­sos males.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=tivv135aGbc

  • Pietá (2012), de Kim Ki-Duk | Cinema Alternativo

    Pietá (2012), de Kim Ki-Duk | Cinema Alternativo

    O que é Dinheiro?
    Dinheiro?
    O começo e o fim das coisas.…
    Amor, hon­ra, vio­lên­cia, fúria…ódio, inveja…morte.

    Din­heiro é provavel­mente a figu­ra mais pre­sente em Pietá (Pieta, Coréia do Sul, 2012) o aguarda­do e pre­mi­a­do lon­ga do dire­tor core­ano Kim Ki-Duk. Con­heci­do por tratar a natureza humana e os cam­in­hos que o próprio ser humano per­corre para se per­pet­u­ar como tal, com uma bru­tal­i­dade que beira ao sen­sív­el, o dire­tor retor­na a um esti­lo que foi mar­ca nos seus primeiros filmes, a vin­gança como meio de redenção.

    Pietá, a escul­tura do sécu­lo XV de Michelân­ge­lo é a refer­ên­cia óbvia e expres­sa no car­taz ofi­cial da “Piedade”, recri­a­da pelo dire­tor Kim Ki-Duk. Assim como a virgem Maria, ide­al­iza­da jovem pelo artista ital­iano, segu­ran­do o Cristo com o seu olhar sofri­do e melancóli­co, a mãe sul-core­ana segu­ra o fil­ho tam­bém mor­to, uma releitu­ra ain­da mais real do clás­si­co. Mas o que está por trás dessa dor da mãe que perdeu seu fil­ho? Ousan­do mostrar até onde uma mãe iria, ele rene­ga que uma mul­her nes­sa posição sim­ples­mente dê “a out­ra face” para alguém que ten­ha prej­u­di­ca­do um fil­ho seu.

    A Pietá de Michelangelo
    O enre­do do lon­ga traz Kang-do, um jovem cobrador de dívi­das, con­trata­do por agio­tas para lit­eral­mente colo­car o ter­ror nos deve­dores. Ele é per­feito para a profis­são, sem nen­hu­ma espé­cie de laço famil­iar ou de rela­ciona­men­to, não demon­stra sen­ti­men­tos e vive sem lim­ites até que começa a ser persegui­do por uma sen­ho­ra que diz ser a sua mãe que o aban­do­nou há 30 anos. A princí­pio o jovem não sabe lidar com a pre­sença e a insistên­cia da mul­her na sua vida, exper­i­men­tan­do sen­ti­men­tos fortes que vão des­de o ódio pro­fun­do e repul­sa até a descober­ta de amor reprimido.

    Pietá se con­strói sobre essas novas exper­iên­cias do jovem Kang-do que já não sabe como agir diante da sua própria cru­el­dade. Reprim­i­do durante toda a sua vida e cri­a­do em um mun­do cru­el, que não tem nada para ofer­e­cer além das leis de sobre­vivên­cia baseadas no din­heiro, a relação instân­tanea entre mãe e fil­ho — e a neces­si­dade que o jovem tem dela — se dá de for­ma prati­ca­mente edip­i­ana. O lon­ga se encam­in­ha para uma espi­ral de impul­sos e relações de ação e reação, onde perdão não é de fato um sen­ti­men­to sim­ples de se obter, seja nas relações pes­soais ou nas envol­ven­do dinheiro.

    Quan­do ques­tion­a­do sobre o que se trata­va de fato Pietá após polêmi­cas depois da sessão de exibição do filme no Fes­ti­val de Veneza de 2012 — onde acabou levan­do o Leão de Ouro — Kim Ki-duk disse que seu filme é sobre o cap­i­tal­is­mo e a for­ma que ele afe­ta as vidas das pes­soas. Mostran­do uma Coréia do Sul urbana, mas extrema­mente dete­ri­o­ra­da com comér­cio infor­mal e amon­toa­d­os de mora­dias, o filme vai além do que sim­ples­mente tratar de uma sociedade de con­sumo desen­f­rea­do e tipi­ca­mente car­i­ca­ta na ficção. O lon­ga é tam­bém um retra­to de um país emer­gente, com seus fan­toches do cap­i­tal­is­mo, humanos e suas relações com esse din­heiro, que pode dar tudo que eles neces­sitem, despre­ocu­pa­dos com o preço a pagar para obtê-lo.

    Exis­tem dois lados do sul-core­ano que ao mes­mo tem­po que dialogam entre si, tam­bém são bas­tante dis­tin­tos. Ini­cial­mente, na déca­da de 90, Kim Ki-Duk ficou con­heci­do pelos filmes vio­len­tos que abor­davam a vin­gança — que aliás os ori­en­tais são óti­mos na ficção do gênero — partin­do para um esti­lo mais intimista, tratan­do ain­da da natureza humana, mas tra­bal­han­do de for­ma mais min­i­mal­ista. Ficou mais con­heci­do no oci­dente com o seu Pri­mav­era, Verão, Out­ono, Inverno…e Pri­mav­era (2003), Casa Vazia (2004) e O Arco (2005).

    É de uma beleza para­dox­al a for­ma com que Kim Ki-Duk con­segue tratar a natureza humana de for­ma ínti­ma e poéti­ca. Cru­el, como em boa parte de seus lon­gas, ele não colo­ca lim­ites na com­plexa con­strução de seus per­son­agens ao pas­so que fil­ma de modo sim­ples, deixan­do a câmera muitas vezes vac­ilar, tremen­do ou até mostran­do um zoom automáti­co que vem e vol­ta. Ape­sar de ser uma ficção, faz lem­brança ao espec­ta­dor que está mer­gul­ha­do no real­is­mo ínti­mo daque­las pes­soas em um cenário que se aprox­i­ma muito do real, sendo quase pos­sív­el sen­tir a dor delas.

    Não há como sair impune de um lon­ga de Kim ki-duk e Pietá não foge da regra de uma obra aparente­mente cru­el e fria, con­struí­da sobre a base das relações humanas nada sim­plórias, mas que vis­tas pelo olhar do espec­ta­dor, gan­ham con­tornos de fábula.

    Trail­er:

  • A Mulher Desiludia, de Simone de Beauvoir | Livros

    A Mulher Desiludia, de Simone de Beauvoir | Livros

    Sin­to-me solidária com as mul­heres que assumi­ram suas vidas e que lutam para ter suces­so, o que não me impede, porém, de inter­es­sar-me pelas que não con­seguiram alcançá-lo.

    O bas­tante lúci­do tre­cho aci­ma – reti­ra­do do livro Bal­anço Final de 1972 — define a sinopse de A Mul­her Desilu­di­da (tradução de Hele­na Sil­veira e Maryan A. Bon Bar­bosa, Nova Fron­teira, 2010), da escrito­ra e uma das per­sonas mais con­heci­das do movi­men­to fem­i­nista no cam­po int­elec­tu­al, a france­sa Simone de Beauvoir.

    É basi­ca­mente impre­scindív­el con­hecer ao menos um pouco da tra­jetória de Beau­voir para se com­preen­der a força dos três con­tos de A Mul­her Desilu­di­da e não se ver lendo ape­nas tex­tos sim­plórios da vida de três mul­heres. Con­heci­da por várias situ­ações que vão des­de seu rela­ciona­men­to con­sid­er­a­do bas­tante inco­mum, movi­da pelo int­elec­tu­al de ambos, que atrav­es­sou décadas com o filó­so­fo Jean Paul-Sartre, a relação pas­sion­al e à dis­tân­cia – pas­saram muitos anos se comu­ni­can­do ape­nas por car­tas — com o escritor amer­i­cano Nel­son Algren (con­heci­do por O Homem do braço de Ouro) ou a ousa­da escrit­u­ra dos dois vol­umes de O Segun­do Sexo, Beau­voir viveu con­forme suas próprias regras bus­can­do sem­pre o sen­ti­do de liber­dade. Com a cru­el con­sciên­cia de que ser livre não é uma questão tão sim­ples quan­do se depende das con­vivên­cias soci­ais e o desprendi­men­to dos papéis pré-esta­b­ele­ci­dos, a escrito­ra deu voz e uni­ver­sos fic­cionais ínti­mos da real­i­dade à mul­heres que matavam seus próprios demônios femininos.

    Em a Mul­her Desilu­di­da, Simone de Beau­voir apre­sen­ta três mul­heres, em momen­tos cru­ci­ais de suas vidas, onde a questão do papel fem­i­ni­no – o pré-esta­b­ele­ci­do ver­sus as escol­has próprias das per­son­agens – entra em con­fli­to com a questão da idade e todo o apara­to psi­cológi­co que acom­pan­ha o para­doxo que pode ser agir ora através dos sen­ti­men­tos, ora respei­tan­do suas próprias ide­olo­gias e escol­has. As mul­heres descritas por Beau­voir refletem muito do momen­to, o ini­cio da déca­da de 70, as rev­oluções fem­i­nistas e as novas situ­ações encar­adas por essas mulheres.

    Des­de quan­do o ter­reno bal­dio do bule­var Edgar-Quinet se tornou esta­ciona­men­to? A mod­ernidade da pais­agem me salta aos olhos, todavia não me lem­bro de tê-la vis­to de out­ra for­ma. Gostaria de con­tem­plar lado a lado os dois cenários: antes e depois, e me espan­tar com a difer­ença. Mas não. O mun­do se con­strói sob meus olhos num eter­no pre­sente. Habituo-me tão depres­sa aos seus aspec­tos que ele não parece mudar. (p.11)

    Simone de Beauvoir
    O livro abre com o con­to A idade da dis­crição que tra­ta de uma acadêmi­ca e escrito­ra entran­do na ter­ceira idade, sentin­do-se dis­tante do momen­to que vive, acred­i­tan­do que não con­segue mais ter ale­grias para viv­er. Sua per­son­al­i­dade de mul­her inde­pen­dente, com um casa­men­to de décadas, aparente­mente bem suce­di­do, e car­reira de pro­fes­so­ra uni­ver­sitária, bate de frente com o papel cru­cial e dom­i­nador de mãe. Com um fil­ho adul­to, cri­a­do con­forme seus próprios ideais, ela se depara com um homem dono de sua própria vida e dis­pos­to a tro­car o foco fem­i­ni­no mater­no e apon­tá-lo para sua esposa.

    É clara a difi­cul­dade da per­son­agem em aceitar que não exis­tem eternidades quan­do se tra­ta de quase todas as relações, sejam elas físi­cas ou mate­ri­ais. A par­tir do momen­to que ela se dá con­ta que tudo ao seu redor está em con­stante proces­so de desen­volvi­men­to e que há um ciclo fun­cio­nan­do por trás dis­so, ela sim­ples­mente encara a força da idade e em vários momen­tos se vê melancóli­ca e descrente.

    Tam­bém é isso envel­he­cer. Tan­tos mor­tos atrás de si, lamen­ta­dos, esque­ci­dos. De repente, quan­do leio o jor­nal, des­cubro uma nova morte: um escritor queri­do, uma cole­ga, um anti­go colab­o­rador de André, um de nos­sos cama­radas políti­cos, um ami­go com quem perdemos o con­ta­to (p.75 e 76)

    Monól­o­go, assim como apon­ta o títu­lo, é nar­ra­do por fluxo de con­sciên­cia de uma mul­her per­tur­ba­da pelo divór­cio e aban­dono. Oscilante entre dormir e acor­dar durante uma madru­ga­da de fes­ta na casa viz­in­ha ela reflete, de for­ma bas­tante pas­sion­al entre amor e ódio, sobre como pode­ria ter sido uma esposa e mãe mel­hor já que seus fil­hos aparente­mente estão com o pai. É uma nar­ra­ti­va assus­ta­da e descon­tro­la­da de uma mul­her que perdeu sua úni­ca refer­ên­cia de posição fem­i­ni­na como esposa e mãe, uma situ­ação nada pecu­liar para uma sociedade que durante tan­to tem­po ale­gou ser esse o úni­co papel da mulher.

    O con­to que car­rega o nome do livro é o mais lon­go e tam­bém dá con­tinuidade, de for­ma mais detal­ha­da e próx­i­ma, a questão do pseu­do pro­tag­o­nis­mo da mul­her no casa­men­to. Nar­ra através da intim­i­dade de um diário, escrito em pouco mais de 3 meses, a vida con­ju­gal de Monique, uma mul­her de 44 anos que ten­ta viven­ciar uma relação aber­ta com o mari­do, mas se vê em ple­na decadên­cia psi­cológ­i­ca quan­do este arru­ma uma amante mais jovem e tor­na-se divi­di­do entre a “segu­rança” da com­pan­heira de anos e a juven­tude sen­su­al da amante independente.

    Quan­do se viveu de tal maneira para os out­ros, é um pouco difí­cil começar a viv­er para si. Não cair nas armadil­has da ded­i­cação: sei muito bem que as palavras dar e rece­ber são inter­cam­biáveis e como eu tin­ha neces­si­dade da neces­si­dade que min­has fil­has tin­ham de mim. Nesse sen­ti­do nun­ca ble­fei. (p.145)

    Monique é a per­son­agem mais conc­re­ta das três apre­sen­tadas no livro pois a con­strução de sua per­son­al­i­dade e con­ceitos próprios se dá através da sua descon­strução como mul­her e mãe nar­ra­da por si própria no seu diário. O con­fli­to com o seu cor­po, o sen­ti­do do sexo longe da juven­tude e a difi­cul­dade de se enten­der os lim­ites de um rela­ciona­men­to aber­to são cru­ci­ais para a deses­ta­bi­liza­ção da auto­con­fi­ança da per­son­agem até porque muitas das regras desse jogo – a relação e o sexo entre o casal – foram delim­i­tadas pelo mari­do que decide a hora que entra ou sai da situação.

    Simone e Sartre cli­ca­dos pelo litu­ano Antanas Sutkus
    Percebe-se nas vozes das três mul­heres de A Mul­her Desilu­di­da um tan­to da Simone e seus dile­mas no entorno do fem­i­nis­mo, prin­ci­pal­mente obser­van­do o con­fli­to pes­soal destas que se encon­tram no fato de encar­ar toda uma sociedade de época, basea­da em padrões morais de família e repro­dução. A divisão clara entre a opção de uma vida profis­sion­al ou de man­tene­do­ra do lar é de uma força cru­cial den­tro dos con­tos. Mas tam­bém traz muito do que se con­hece através de out­ras obras da auto­ra e biografias da sua relação com Sartre.

    Simone de Beau­voir con­segue faz­er com que A Mul­her Desilu­di­da seja tan­to suas exper­iên­cias e relatos que ouviu e viu inti­ma­mente das mul­heres de sua época. São histórias ador­nadas pela beleza da lit­er­atu­ra. Ou como uma própria per­son­agem define: Eis o priv­ilé­gio da lit­er­atu­ra – disse eu – As fig­uras se defor­mam, empalide­cem. As palavras, nós as lev­a­mos conosco. (p.83)

  • The Maker

    The Maker

    A ampul­heta do tem­po escoan­do e a neces­si­dade de cri­ar a obra per­fei­ta para que a vida ten­ha vali­do a pena, que algu­ma coisa per­maneça e con­tin­ue o que já foi feito. The Mak­er (2011), é um pre­mi­a­do cur­ta do estú­dio amer­i­cano Zeal­ous, tra­ta do tem­po como ele é, uma sucessão de even­tos e cri­ações que são con­tínuas, o eter­no retorno de for­ma positiva.

    O pequeno enre­do é pro­tag­on­i­za­do por uma criatu­ra bem ao esti­lo Tim Bur­ton, som­bria e ao mes­mo tem­po sim­páti­ca, um músi­co com o sím­bo­lo do Stradi­var­ius (famosa mar­ca de instru­men­tos de cor­da) na tes­ta. Ele corre con­tra o tem­po para dar vida a uma criatu­ra per­fei­ta, pelo menos aos seu olhos, alguém que con­tin­ue a músi­ca e a sua linhagem.

    A ani­mação é em stop-motion e cada detal­he de câmera colab­o­ra na con­strução do dra­ma que se dá através dos pequenos gestos do boneco e sua del­i­cadeza em manip­u­lar os obje­tos que darão vida à sua cri­ação além do vio­li­no, que é o instru­men­to mági­co da vida e é muito bem exe­cu­ta­do no cur­ta com a músi­ca “The Win­ter” de Paul Hal­ley. Neste vídeo você pode acom­pan­har um pouco do proces­so dos cri­adores na manip­u­lação da câmera e a magia que é fil­mar um stop-motion.

  • Melhores Filmes de 2012 | Lista

    Melhores Filmes de 2012 | Lista

    FILMES

    Block­busters que amamos

    Ah! O que seria de nos­sas vidas ciné­fi­las sem todas as pro­pa­gan­das exager­adas, trail­ers, teasers que cir­cu­lam pela inter­net meses antes e as pro­pa­gan­das mas­si­vas de lon­gas que de tan­to que se falam neles só nos res­ta ir até o cin­e­ma con­ferir? O ano de 2012 foi mar­ca­do pelas altas bil­hete­rias de super heróis que retornaram ou finalizaram sua saga, assim como as ten­ta­ti­vas — algu­mas que fun­cionaram bem — do uso do 3D.

    O Hob­bit: Uma Jor­na­da Ines­per­a­da (The Hob­bit: An Unex­pect­ed Jour­ney)- Foi só Peter Jack­son anun­ciar que retornar­ia ao uni­ver­so da Ter­ra Média e os fãs Tolkieni­anos vesti­ram seus pés pelu­dos e eriçaram suas orel­has elfas, final­mente can­taríamos e ouvíri­amos as histórias do queri­do Bil­bo Bol­seiro. O livro foi fil­ma­do em três partes que nos acom­pan­ham até 2014 e não deixa mes­mo a dese­jar. Visual­mente boni­to e muito mais ani­ma­do — óti­mas piadas anãs — do que a trilo­gia do Sen­hor dos Anéis, o lon­ga merece todas as bil­hete­ria. No mais “Far Over the Misty Moun­tains Cold”.

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    Bat­man: O Cav­aleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Ris­es) — E quem não vai sen­tir saudades do Chris­t­ian Bat­man Bale? Christo­pher Nolan fechou com chave de ouro a sua trilo­gia remix do Bat­man. Talvez o vilão Bane — que não é lá bem um vilão — não seja tão assus­ta­dor quan­to o incrív­el Coringa de Heath Ledger mas, mes­mo assim, man­dou bem! Ten­so, com aque­la tril­ha sono­ra pesa­da e som­bria, que só o Nolan con­segue diri­gir, Bat­man foi sim um dos mel­hores de 2012. Mas fique com as palavras do Liber Paz que sabe do que fala quan­do viu o filme.

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    MIB³: Home­ns de Pre­to III (Men in Black 3) — Não pos­so afir­mar quan­to a vocês, mas sem­pre fomos fãs das bizarrices envol­ven­do Will Smith e a ver­são mais mal humora­da do Tom­my Lee Jones. Quem nun­ca imag­i­nou que cer­tas pes­soas não seri­am desse plan­e­ta? MIB³ veio para finalizar a trilo­gia — con­fes­so que o segun­do é o mais fra­co de todos — e esclare­cer algu­mas situ­ações. Nada demais, mas o lon­ga arran­cou boas risadas por aqui, prin­ci­pal­mente quan­do desco­b­ri­mos que cer­tas fig­uras pop não eram mes­mo desse planeta.

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    A invenção de Hugo Cabret (Hugo) — Quan­do Mar­tin Scors­ese afir­mou que faria um filme em 3D porque ele acred­i­ta­va na téc­ni­ca, mui­ta gente ficou indig­na­da e impres­sion­a­da com o grande dire­tor e o fato é que ele não errou a mão. O lon­ga é visual­mente belís­si­mo, com detal­h­es fan­tás­ti­cos que con­seguem ao mes­mo tem­po entreter e ain­da hom­e­nagear o pai do cin­e­ma fan­tás­ti­co, inven­ti­vo e cria­ti­vo Georges Mélies. Aliás, algu­mas cenas mais belas do filme se resumem em recri­ar o estú­dio e a pro­dução de lon­gas, como clás­si­co “Viagem à Lua”.

    TED — Filme polêmi­co leva mais gente para o cin­e­ma, não é? Então que o dep­uta­do Pro­tó­genes Queiroz lev­ou seu fil­ho de 11 anos para assi­s­tir TED, que é um filme para adul­tos — inclu­sive sua indi­cação era para 14 anos — e que­ria vetá-lo no país. Ver­dade que o filme não tem nada de politi­ca­mente cor­re­to (ufa, ás vezes é bom, né?) mas que tam­bém não é nen­hu­ma blas­fêmia con­tra a humanidade. Para quem viveu a infân­cia nos anos 90 e 80 e ain­da tem um moleque (ou mol­e­ca) den­tro de si e que não liga para palavrões, o lon­ga é um anal­gési­co para rir muito. 

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    Mui­ta gente odi­ou mas nós gostamos

    Observe que quan­do se tra­ta de filmes muito anun­ci­a­dos, prin­ci­pal­mente as ficções cien­tí­fi­cas e adap­tações de livros e quadrin­hos, o número dos chama­dos haters aumen­ta bas­tante, afi­nal, nada pior do que cri­ar uma expec­ta­ti­va não correspondida.

    Prometheus — Esta­va anun­ci­a­da a vol­ta de Rid­ley Scott ao uni­ver­so Alien, onde o lon­ga seria um pre­quel do primeiro filme de 1979. Prometheus tra­ta do uni­ver­so mais míti­co de Alien, ten­tan­do dar sen­ti­dos mais exis­ten­ci­ais para a raça humana e aos seres que ata­cam a Nos­tro­mo do primeiro filme. Os fãs xiitas não gostaram da história con­ta­da por Rid­ley, mas nós achamos ela sen­sa­cional. Reple­to de ele­men­tos mitológi­cos, a primeira parte do filme dá um show de efeitos visuais e apre­sen­ta algu­mas questões para que a segun­da parte se desen­vol­va no vel­ho esti­lo do Scott. A edição que saiu em dvd e blu-ray traz uma série de extras, ten­tan­do acal­mar os fãs mais fer­vorosos para os filmes que ain­da seguem a saga.

    Filmes que não rece­ber­am tan­ta atenção

    No cir­cuito com­er­cial de cin­e­ma sem­pre há um out­ro filme em car­taz que aca­ba pas­san­do des­perce­bido pelo públi­co, nor­mal­mente porque eles não ficam tan­to na mídia ou acabam estre­an­do na mes­ma época de grandes block­busters. Desta­camos alguns.

    Loop­er: Assas­si­nos do Futuro (Loop­er) — O Jospeh Gor­don-Levitt tem se tor­na­do um dos querid­in­hos de Hol­ly­wood e em Loop­ers ele sofreu vários truques de maquiagem para ficar pare­ci­do com o Bruce Willis mais jovem. Há quem torceu o nar­iz para isso, mas a ver­dade é que o lon­ga tem uma pre­mis­sa de viagem no tem­po bem inter­es­sante onde assas­si­nos profis­sion­ais estão con­de­na­dos por seu próprio des­ti­no. Achamos o lon­ga bem redond­in­ho e inter­es­sante, recomendamos.

    Poder sem lim­ites (Chron­i­cle) — Um dos maiores trun­fos do lon­ga é jus­ta­mente não pare­cer um filme e ter efeitos espe­ci­ais. A ideia cen­tral é tratar de for­ma coer­ente o fato de “e se você tivesse super poderes, o que faria?”. Três jovens ami­gos fazem uma descober­ta que não parece em nada com as histórias con­tadas nos quadrin­hos e out­ros filmes. Um lon­ga bem bacana em épocas de filmes muito barul­hen­tos e cheios de efeitos.

    Dri­ve — Uma bela e gra­ta sur­pre­sa ir ao cin­e­ma sem muitas expec­ta­ti­vas e assi­s­tir esse belo filme. Não sabe­mos te diz­er se o livro é tão bom quan­to o filme que tem uma estru­tu­ra inter­es­sante, com ele­men­tos dos anos 80, tais como as cores da fotografia e o fig­uri­no do per­son­agem prin­ci­pal (Ryan Gosling) que inter­pre­ta um dublê — out­ra coisa bem anos 80 e 90. O silên­cio é muito bem usa­do no enre­do porque quan­do há barul­ho, meu caro, é bom você estar prepara­do. Merece ser vis­to e revisto!

    Medi­an­eras: Buenos Aires na era do Amor Vir­tu­al (Medi­an­eras) — Aqui há fãs con­vic­tos do cin­e­ma argenti­no e Medi­an­eras é um filme boni­to que colo­ca os her­manos no mapa de um cin­e­ma alter­na­ti­vo, poden­do agradar muitas platéias. Em tem­pos de cidades lotadas, aparta­men­tos pequenos e relações vir­tu­ais, dois jovens se encon­tram pela inter­net e se (des)encontram nas situ­ações da vida real. Onde está Wal­ly, afinal?

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    Pina — Wim Wen­ders fez uma das coisas que mais sabe faz­er bem: colo­car poe­sia na imagem. Fez isso ain­da hom­e­nage­an­do umas das grandiosas e inven­ti­vas dançari­nas, a alemã Pina Bausch. O doc­u­men­tário é belís­si­mo e inspi­rador, uma junção entre ima­gens e o lega­do do movi­men­to que Pina deixou, incluin­do sua com­pan­hia de dança ain­da car­rega seus passos.

    Indie Game: O Filme (Indie Game: The Movie) — Mais uma péro­la do cin­e­ma de doc­u­men­tário inde­pen­dente, o Indie Game — como o próprio nome já diz — acom­pan­ha o proces­so de alguns desen­volve­dores de jogos inde­pen­dentes. O doc­u­men­tário é muito bem edi­ta­do e tra­ta de emo­cionar todos aque­les que cresce­r­am nos anos 80 e 90 ao som de Ataris e Super Nin­ten­dos. O lon­ga existe graças ao Kick­starter e as pes­soas que colab­o­raram com o pro­je­to, é trans­mi­ti­do em sessões inde­pen­dentes ou pode ser com­pra­do no site ofi­cial por um preço bem acessível.

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    Moon­rise King­dom — Wes Ander­son é o querid­in­ho dos indies, seus filmes sem­pre são excên­tri­cos, com cores vari­antes do sépia e podem te dar um mun­do de pos­si­bil­i­dades sem muitos exageros, sem comen­tar a óti­ma escol­ha das tril­has sono­ras. Moon­rise King­dom pas­sou um tan­to des­perce­bido pelos cin­e­mas com­er­ci­ais mas pela inter­net mui­ta gente vibrou com o amor do casal infan­til que resolve fugir de casa nos anos 60, mobi­lizan­do toda uma cidade com­pos­ta por grande elen­co tais como Bruce Willis, Til­da Swin­ton, Edward Nor­ton e etc.

    As van­ta­gens de ser inví­siv­el (The Perks of Being a Wall­flower) — Mais um lon­ga que gan­hou mais destaque nas redes soci­ais e inter­net do que no cir­cuito de cin­e­ma com­er­cial. Stephen Chbosky, o próprio autor do livro, se arrisca na direção e se dá bem mes­mo que alguns leitores achem que ele não deu a dev­i­da pro­fun­di­dade a alguns per­son­agens do lon­ga. O garo­to Char­lie vive a mazela de ser difer­ente dos out­ros ado­les­centes e aca­ba encon­tran­do um grupo onde cada um tam­bém não faz parte da maio­r­ia. As van­ta­gens de não faz­er parte de um todo é trata­do de for­ma muito bacana, sem soar como os muitos filmes do gênero. E ah, ouvir “Heroes” do Bowie sem­pre é muito emocionante!

    Argo — Nada como um óti­mo ator que con­segue se sair bem como dire­tor, Ben Affleck arreben­ta dirigin­do Argo, uma espé­cie de drama­ti­za­ção da bem suce­di­da — e bas­tante ten­sa — oper­ação que a CIA fez nos anos 80 em parce­ria com o serviço secre­to do Canadá para recu­per­ar fun­cionários da Embaix­a­da em meio às primeiras grandes revoltas Ira­ni­anas. O lon­ga con­segue causar ten­são com a real­i­dade do con­tex­to políti­co e diver­tir com o proces­so de cri­ação de um filme fal­so, mostran­do uma Hol­ly­wood à todo vapor.

    ANIMAÇÃO

    Por aqui sem­pre arru­mamos tem­po para ver uma boa ani­mação, somos fãs mes­mo e esse ano hou­ver­am algu­mas que vale a pena comentar.

    Para­nor­man — Dis­para­da a mel­hor ani­mação do ano. O estú­dio Lai­ka (Cora­line) é sen­sa­cional e fez um tra­bal­ho lin­do tam­bém na divul­gação do Para­nor­man. A téc­ni­ca de stop-motion foi apri­mora­da aqui con­tan­do com cenas de ação, clos­es nos movi­men­tos dos bonecos e cenários dig­nos de super­pro­duções. O lon­ga traz Nor­man, um garo­to afi­ciona­do por zumbis, que con­ver­sa com os mor­tos e é claro que é incom­preen­di­do. Amizade é só um dos temas bacanas apon­ta­dos no lon­ga. Não per­ca a opor­tu­nidade de ver.

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    Origem dos Guardiões (Rise of the Guardians) — No final do ano sem­pre aparece uma ou out­ra ani­mação com o Papai Noel se aven­tu­ran­do nas entre­gas dos pre­sentes, mas des­ta vez a Dream­works decid­iu inve­stir em uma visão um pouco difer­ente não só do vel­ho bar­bu­do, mas tam­bém de out­ros per­son­agens lendários como a Fada do Dentes, o Coel­ho da Pás­coa, Sand­man, Jack Frost e o Bicho-Papão. Diver­são garan­ti­da para todas as idades.

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    Piratas Pira­dos — Com estú­dios de ani­mação dig­i­tal pipocan­do cada vez mais, um ain­da lev­an­ta cora­josa­mente a ban­deira do stop-motion tradi­cional, o Aard­man Ani­ma­tions que tam­bém respon­sáv­el por out­ros filmes como Fuga das Gal­in­has e a lendária série Wal­lace & Gromit. Este lon­ga é uma ver­dadeira jor­na­da no mun­do dos piratas mar­in­hos através de uma óti­ca muito diver­ti­da de todos os cos­tumes, muitas vezes meio absur­dos mes­mos, destes temi­dos per­son­agens, onde todas as piadas pos­síveis são feitas.

    Mada­gas­car III — Nor­mal­mente quan­do um filme chega na sua ter­ceira sequên­cia, muito do con­teú­do já está mais do que bati­do, sem falar nas piadas e no roteiro pobre, ape­nas para se ten­tar con­seguir mais algum lucro em cima do suces­so ante­ri­or. Este não é nem de longe o caso de Mada­gas­car, que con­tin­ua com todo vig­or não só nas piadas e enre­do, mas tam­bém no apro­fun­da­men­to ain­da maior das car­ac­terís­ti­cas de cada um dos hilários personagens.

    Valente (Brave) — Essa coisa de prince­sa esperan­do o príncipe encan­ta­do já era! A prince­sa Meri­da merece destaque porque ela quer mes­mo é andar de cav­a­lo e ati­rar fle­chas por aí. A Pixar resolveu dar uma que­bra­da na lin­ha “viver­am felizes para sem­pre” e deu cer­to. Valente é uma ani­mação diver­ti­da — quem não adorou a bruxa com um alargador de orel­ha e oper­ado­ra de tele­mar­ket­ing? — visual­mente com a impecáv­el qual­i­dade da Pixar e que provavel­mente anun­cia novo rumos para os enre­dos envol­ven­do princesas.

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    Franke­wee­nie — Há quem diga que Tim Bur­ton perdeu o charme e a mão para filmes e ani­mações. Sin­to muito mas dis­cor­damos. Na época em que ele fez o cur­ta Franke­wee­nie, a Dis­ney achou o cara doente e man­dou ele tra­bal­har em out­ros cam­pos e bem, ele não desis­tiu. Vinte e tan­tos anos depois ele faz o que sabe mel­hor: ani­mação em stop-motion. O novo Franke­wee­nie é a cara do Tim Bur­ton, com cri­anças som­brias, pre­to e bran­co e com enre­do for­ma­do por hom­e­na­gens a clas­si­cos do ter­ror. Des­de Franken­stein, Godzil­la, A noi­va de Frankenstein…nem Psi­cose e Vin­cent Price são esque­ci­dos. Ain­da con­ta com uma tril­ha sono­ra com gente bacana, quer­e­mos ver mais desse Tim Burton!

  • O Hobbit — Uma Jornada Inesperada (2012)

    O Hobbit — Uma Jornada Inesperada (2012)

    Num bura­co no chão vivia um hobbit”

    Não sei quan­to a vocês mas eu real­mente acred­i­to no Peter Jack­son quan­do se tra­ta do uni­ver­so Tolkien. Des­de que na déca­da de 90 ele topou a empre­ita­da de se aven­tu­rar pela Ter­ra Média, os resul­ta­dos tem sido muito bons, basi­ca­mente pri­morosos aos fãs dos livros que J.R.R. Tolkien começou a escr­ev­er no fim dos anos 30. Des­de o seu anún­cio, O Hob­bit: Uma Jor­na­da Ines­per­a­da (The Hob­bit: An Unex­pect­ed Jour­ney, E.U.A. e Nova Zelân­dia), primeira parte de uma trilo­gia, vem cau­san­do eufo­ria após uma déca­da da estreia de a Sociedade do Anel (2001), a primeira parte da bem suce­di­da trilo­gia do Sen­hor dos Anéis.

    O Hob­bit, basea­do no primeiro livro de Tolkien e pub­li­ca­do em 1937, tra­ta basi­ca­mente das aven­turas de Bil­bo Bol­seiro 60 anos antes de Fro­do, seu sobrin­ho pro­tag­o­nista de O Sen­hor dos Anéis, para aju­dar que a ter­ra dos anões, a Mon­tan­ha Solitária toma­da por um dragão, seja devolvi­da a quem de fato per­tence. Assim como seria mais tarde, uma sociedade — dessa vez con­tan­do ape­nas com anões — é for­ma­da para mar­char rumo a mon­tan­ha, orga­ni­za­dos pelo mago Gan­dalf, que guar­da um grande apreço — e uma fé deter­mi­nante — pelo povo hobbit.

    A jor­na­da ines­per­a­da pro­pos­ta para o pequeno Bil­bo é trata­da de for­ma diver­ti­da, os roteiris­tas con­seguiram extrair todo o humor típi­co da supos­ta seriedade dos anões e do próprio hob­bit. As primeiras cenas da reunião entre eles e Gan­dalf é hilária, nos fazen­do retornar ao agradáv­el humor da Ter­ra Média. Claro que o méri­to da óti­ma car­ac­ter­i­za­ção não é só do dire­tor e/ou roteiris­tas. O time de atores é sen­sa­cional, des­de Ian Mck­ellen (Gan­dalf) e Christo­pher Lee (Saru­man) até Mar­tin Free­man (Bil­bo) e os atores que inter­pre­tam os anões com nomes prati­ca­mente impos­síveis de falar de uma vez só.

    Um dos aspec­tos que mais me impres­siona no enre­do, é a for­ma como Gan­dalf con­duz o grupo. O grande mago cin­za tem várias armas que pode­ri­am facil­i­tar a jor­na­da do grupo, mas eles não seri­am os mes­mos no final se tivessem tan­tas facil­i­dades. É jus­ta­mente a jor­na­da que con­duz os per­son­agens a se tornarem cada qual o que real­mente são. Ver a aven­tu­ra de O Hob­bit se desen­volver vai muito além de ape­nas assi­s­tir um uni­ver­so oníri­co cri­a­do, é tra­bal­har com a imag­i­nação e enten­der as nuances que Tolkien criou em cada per­son­agem e ação. Os con­sel­ho de Gan­dalf, obstácu­los no cam­in­ho, erros e acer­tos são peças chaves para o desen­volvi­men­to dos per­son­agens. Como diz o mago cin­za para Bil­bo: “E se você retornar, não será mais o mes­mo”.

    Além de encher os olhos dos fãs ardorosos de J.R.R. Tolkien — pode-se afir­mar que ele é o cara que ali­men­tou a imag­i­nação dos sem números de escritores e roteiris­tas cri­adores de séries envol­ven­do ter­ras, dragões e seres míti­cos — o lon­ga é de uma beleza sem taman­ho, ali­a­do ao que há de mel­hor na tec­nolo­gia atu­al. O Hob­bit já veio com avi­sos do óti­mo uso de 3D, da taxa de 48 fps para alguns cin­e­mas — você pode enten­der um pouco mel­hor aqui — e de nova tec­nolo­gia de som, o Dol­by Atmos, que con­ven­hamos, faz muito sen­ti­do quan­do se tra­ta de Howard Shore com a tril­ha sono­ra. Assis­ti­mos numa sala comum, sem 3D, e vale a pena diz­er que O Hob­bit é uma exper­iên­cia extra-tela que dá con­ta do recado.

    As tec­nolo­gias vem para mel­ho­rar a experên­cia de cin­e­ma do espec­ta­dor e a trilo­gia do Sen­hor dos Anéis fez isso muito bem na déca­da pas­sa­da, mes­mo sem o 3D. E não tem como falar de tec­nolo­gia e não men­cionar Andy Serkis, que ficou con­sagra­do por emprestar suas expressões faci­ais ao hob­bit cor­rompi­do, crian­do um novo gênero de ator. Depois dis­so vier­am King Kong, TinTin e o sen­sa­cional Cae­sar do Plan­e­ta dos Maca­cos: A origem. É de arrepi­ar os pêlos dos pés pelu­dos o primeiro encon­tro entre Smeagol/Gollum, Bil­bo e a aparição do anel, que além da car­ga dramáti­ca da cena — as charadas nun­ca mais serão as mes­mas depois que você assi­s­tir essa cena — o pequeno Smeagol/Gollum gan­ha movi­men­tos mais reais e as expressões faci­ais são de causar espanto.

    Peter Jack­son tam­bém soube olhar muito bem para a sua ter­ra natal, a Nova Zelân­dia, que inclu­sive nos últi­mos dez anos elevou o seu tur­is­mo ao sta­tus de “Ter­ra Média” e é claro que O Hob­bit vai movi­men­tar muito mais esse mer­ca­do. Muitos planos aber­tos de vas­tos cam­pos, as plan­tações do Bol­são e uma flo­res­ta encan­ta­da, mostram que mes­mo que ten­ha sido uti­liza­do com­putação grá­fi­ca, as locações foram feitas em lugares próx­i­mos do con­ceito de paraíso.

    Se na trilo­gia do Sen­hor dos Anéis, três livros bem rec­hea­d­os, Peter Jack­son foi cuida­doso de resu­mi-los em três filmes lon­gos, em O Hob­bit ele preferiu aproveitar toda a tec­nolo­gia e din­heiro para trans­for­mar um livro de aprox­i­mada­mente 328 pági­nas em uma trilo­gia cin­e­matográ­fi­ca. Ao menos em Uma Jor­na­da Ines­per­a­da, o tem­po ficou a seu favor, as descrições dos lugares da Ter­ra Média são min­u­ciosos e cada peque­na ação trans­pare­ceu todo um cuida­do de câmera — e que tra­bal­ho de planos com as câmeras! — onde o espec­ta­dor aca­ba nem sentin­do as quase 3 horas de filme.

    O Hob­bit: Uma Jor­na­da Ines­per­a­da com certeza vai deixar os fãs de Tolkien bas­tante ani­ma­dos para os próx­i­mos capí­tu­los, e para quem ain­da não é ambi­en­ta­do na Ter­ra Média, é uma bela pedi­da antes mes­mo de assi­s­tir a famosa trilo­gia do Sen­hor dos Anéis. No mais, vista o seu pé pelu­do, lev­ante seu copo e saia can­tan­do Far Over the Misty Moun­tains Cold, porque a Ter­ra Média vai faz­er parte do no nos­so imag­inário por mais algum tempo.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=uVDYKBEKfjI

  • Crítica: Circular

    Crítica: Circular

    Os roteiros com múlti­plas nar­ra­ti­vas (mais con­heci­dos como mul­ti­plots) há algum tem­po tem espaço garan­ti­do no cin­e­ma con­tem­porâ­neo. Cineas­tas — ali­a­dos à grandes roteiris­tas — como Ale­jan­dro Gon­za­lez Iñár­ritu, Woody Allen e recen­te­mente Fer­nan­do Meirelles, mostraram inter­ess­es fortes em con­stru­ir essa car­ac­terís­ti­ca de conexão bem típi­cas dess­es tem­pos ditos pós-mod­er­nos. Vive­mos aglom­er­a­dos em cidades e mes­mo que não pense­mos muito sobre a nos­sa lig­ação com o out­ro, sem­pre haverão os momen­tos onde várias histórias se encon­tram em um úni­co lugar e um ônibus cole­ti­vo pode ser um inter­es­sante pon­to de con­vergên­cia para que essas vidas se relacionem.

    O lon­ga curitibano Cir­cu­lar (2012), dirigi­do a cin­co mãos pela Proces­so Mul­ti­artes de Curiti­ba, ten­ta usar como pro­pos­ta jus­ta­mente esse pon­to de con­vergên­cia de um ônibus que cir­cu­la na cap­i­tal. Cin­co pes­soas são as peças que podem cul­mi­nar em algum momen­to um cli­max onde as vidas, por mais dis­pares que sejam, invari­avel­mente irão se encontrar. 

    Cir­cu­lar ten­ta faz­er uma car­i­catu­ra das inúmeras iden­ti­dades que se encon­tram den­tro de um ônibus cole­ti­vo durante um dia comum, em um deter­mi­na­do itin­erário. O filme usa a cidade de Curiti­ba sem car­ac­ter­izá-la com os míti­cos slo­gans turís­ti­cos e reside aí um pon­to pos­i­ti­vo. Mas os cin­co roteiros jun­tos não trazem nen­hum tipo de nar­ra­ti­va sól­i­da, nen­hu­ma potên­cia no enre­do que pos­sa sus­ten­tar a história con­ta­da. Os roteiros se des­fazem através de vários sen­sos comuns expos­tos nos per­son­agens. As cin­co histórias ten­tam man­ter o rit­mo de vidas sobre o lim­ite do dia a dia. Um evangéli­co, uma artista plás­ti­ca, um grupo punk, um pai deses­per­a­do e um cobrador de ônibus com uma vida dual, ten­tam car­regar o roteiro de Cir­cu­lar, mas mal con­seguem sus­ten­tar as suas próprias iden­ti­dades paralelas.

    O filme con­ta com um elen­co de atores e artis­tas con­heci­dos do meio artís­ti­co na cidade, o que não quer diz­er que as atu­ações pos­sam repas­sar a solidez que os atores cos­tu­mam ter no pal­co. Levan­do muito do teatral para as cenas, as inter­pre­tações soam em boa parte dos momen­tos extrema­mente arti­fi­ci­ais, cheias de exageros na lin­guagem, fig­uri­no e fal­ta de entrosa­men­to entre si e com os próprios roteiros. O grupo punk Gen­gi­vas Podres por exem­p­lo, parece ter saí­do de um pas­tiche de algum filme dos anos 80 e já que Cir­cu­lar ten­ta ser um filme que foca um cer­to real­is­mo, o grupo nem se aprox­i­ma dos ban­dos que encon­tramos per­am­bu­lan­do pela rua XV de novem­bro, em Curiti­ba. Assim como os out­ros per­son­agens que pas­sam uma impressão de super­fi­cial­i­dade, inclu­sive a vetarana Letí­cia Sabatel­la ficou bas­tante mal aproveita­da, gan­han­do cer­to destaque ape­nas num dado momen­to em que ela é pro­tag­o­nista de um monól­o­go sobre arte con­tem­porânea e o sen­ti­do des­ta, que tam­bém cai num dis­cur­so exis­ten­cial e cla­ma em favor do artista Vik Muniz.

    Aliás, é durante esse monól­o­go pro­tag­on­i­za­do por Sabatel­la que nota-se alguns bons acer­tos na mon­tagem do filme tra­bal­han­do com algu­mas edições fast cut­ting, dan­do um rit­mo inter­es­sante para esse tre­cho. Alguns momen­tos entre as nar­ra­ti­vas são colo­ca­dos sobre ângu­los inter­es­santes, explo­ran­do a frag­ili­dade dos per­son­agens quan­to às suas iden­ti­dades, mas infe­liz­mente, o lon­ga em ger­al não con­segue solid­i­ficar um pon­to de encon­tro entre as histórias dos per­son­agens que pudesse ger­ar um argu­men­to mais sus­ten­táv­el que jus­ti­fi­cas­se o mul­ti­plot den­tro desse con­tex­to urbano.

    O cin­e­ma nacional tem vivi­do bons momen­tos, ape­sar dos reforços em cin­e­ma de entreten­i­men­to, e tem poten­cial para ousar e tra­bal­har em esti­los mais próprios e con­stru­ir uma iden­ti­dade forte. Fal­tou em Cir­cu­lar uma pega­da mais autoral, mais con­sistên­cia nos roteiros para que as pon­tas soltas entre as nar­ra­ti­vas pudessem se somar ao con­tex­to ger­al. E ain­da, vale lem­brar que mes­mo que cin­e­ma pos­sa dialog­ar com o teatro, quais­quer exageros em fig­uri­no e inter­pre­tação podem levar por ter­ra um roteiro com boas intenções. 

    Trail­er:

  • VIII Semana Venezia Cinema, em Curitiba

    VIII Semana Venezia Cinema, em Curitiba

    A Mostra Venezia Cin­e­ma já está em sua oita­va edição no Brasil. A parce­ria entre a Embaix­a­da da Itália e a Bien­al de Veneza lev­am em 2012 às cidades de São Paulo, Curiti­ba, Brasília, Belo Hor­i­zonte e Rio de Janeiro uma bela seleção de filmes ital­ianos apre­sen­ta­dos durante a 69a Mostra Inter­nazionale d’Arte Cin­e­matográ­fi­ca de Veneza, mais con­heci­do como o Fes­ti­val de Veneza.

    São seis filmes apre­sen­ta­dos em seis dias e com entra­da fran­ca. Cin­co dos filmes trazem um panora­ma do cin­e­ma con­tem­porâ­neo ital­iano e que con­cor­reram no últi­mo Fes­ti­val, todos suces­so de públi­co e críti­ca. Já a sex­ta pro­dução traz o clás­si­co Roma Ore 11, de 1952, do cineas­ta Giuseppe de San­tis, con­sid­er­a­do um clás­si­co do neo-real­is­mo ital­iano e que esse ano com­ple­tou 60 anos da sua primeira projeção. 

    Filmes e datas em Curiti­ba:
    Todos os filmes terão leg­en­da em português

    Sex­ta — 30/11 — 20h
    Bel­la Addormentata
    Mar­co Bellochio
    Itália/França — 2012, 115’

    Sába­do — 01/12 — 20hs
    Roma, Ore 11
    Giuseppe de Santis
    Itália — 1952, pb, 105’

    Domin­go — 02/12 — 20hs
    Un Giorno Speciale
    Francesca Comencini
    Itália — 2012, 90’

    Segun­da — 03/12 — 20hs
    È Sta­to il Figlio
    Daniele Cipri
    Itália/França — 2012, 100’

    Terça — 04/12 — 20hs
    Gli Equi­lib­risti
    Ivano de Matteo
    Itália/França — 2012, 100’

    Quar­ta — 05/12 — 20hs
    L’Intervallo
    Leonar­do Di Constanzo
    Itália/ Alemanha/Suíça — 2012, 86’

    Curiti­ba
    30 de novem­bro a 05 de dezembro
    Cine­plex — Shop­ping Novo Batel
    Entra­da Franca

  • Livro: Jack Kerouac — King of the beats, de Barry Miles

    Livro: Jack Kerouac — King of the beats, de Barry Miles

    Assim, ele bebeu até mor­rer. Que é ape­nas mais um jeito de viv­er, ou de lidar com a dor e a inutil­i­dade de saber que tudo não pas­sa de son­ho e de um grande, descon­cer­tante e bobo vazio (Allen Gins­berg sobre a morte de Jack Kerouac)

    Se o livro Jack Ker­ouac: King of the Beats (José Olym­pio, 2012), de Bar­ry Miles tivesse uma tril­ha sono­ra seria algo ao som de Char­lie Park­er, em alguns momen­tos alter­nan­do para a rapi­dez de Dizzy Gille­spie. De fato, Miles, jor­nal­ista e figu­ra con­heci­da dos anos 60, não deixa pas­sar sem tril­ha sono­ra a saga do escritor que é até hoje uma refer­ên­cia quan­do se tra­ta de con­tra­cul­tura e prosa espon­tânea, embal­a­do ao som do jazz ou bebop. Ker­ouac des­de sem­pre ambi­cio­nou ser grandioso, mas pas­sou mais tem­po imer­so no efeito do álcool, dro­gas e prob­le­mas com o ego que acabou como uma boa len­da: sem muito pres­ti­gio, mes­mo com fama inter­na­cional, mor­to sen­ta­do em um sofá, ven­do TV e beben­do cerveja.

    Mes­mo que aparente­mente decep­cio­nante o fim do pai dos beats, a vida de Jack daria um belo romance que Miles con­ta de for­ma dire­ta e sem fôlego, assim como as nar­ra­ti­vas do escritor. Vale lem­brar que Bar­ry escreveu a biografia dos out­ros dois nomes que fig­u­raram ao lado de Jack Ker­ouac: Allen Gins­berg e William Bor­roughs, entre out­ros nomes da con­tra­cul­tura das décadas seguintes. Mes­mo que o autor ten­ha sido ape­nas um ado­les­cente quan­do ouviu falar de Ker­ouac pela primeira vez, ele rela­ta tudo como se estivesse vivi­do cada segun­do com o grupo amer­i­cano, e ain­da, se dá ao dire­ito de repreen­der o biografa­do sem­pre que pos­sív­el. A figu­ra de Jack Ker­ouac é dessacral­iza­da e trans­for­ma­da na imagem de um eter­no garo­to per­di­do com um dom enorme de con­tar histórias.

    Em King of the Beats, Miles faz todo o per­cur­so de Jean-Louis Lebris Ker­ouac, des­de a chega­da da família Ker­ouac — fran­co-canadens­es — para os EUA, na cidade de Low­ell (Mass­a­chus­sets) onde Jack dá seus primeiros pas­sos no dom de reunir pes­soas, dis­cu­tir histórias e mais tarde isso envolve­ria tam­bém mul­heres, dro­gas e bebi­da. Nesse movi­men­to cronológi­co o autor con­strói uma biografia rec­hea­da de detal­h­es, dan­do enfâse para deter­mi­na­dos momen­tos da vida do pai dos beats . Por exem­p­lo, a for­mação do grupo que ele ded­i­ca um capí­tu­lo inteiro, chama­do de A Comu­na da 115th Street, ou ain­da em Cidade do Méx­i­co em que tra­ta a importân­cia desse momen­to em que Ker­ouac tran­si­ta entre várias fas­es, escreven­do sobre jazz, con­viven­do com Bor­roughs e viven­do longe da mãe.

    O bió­grafo con­ta que ouviu falar de Jack no fim dos anos 50, época em que final­mente o escritor gan­hou o mun­do com o lança­men­to de On The Road. Miles con­ta que era impos­sív­el para um ado­les­cente não sen­tir o ven­to no ros­to e a liber­dade ao ler as pági­nas da chama­da bíblia beat. Depois dis­so, con­ta que jamais seria o mes­mo, como de fato nun­ca foi, inclu­sive rela­tan­do os anos 60 que viveu no livro In the Six­ties.

    Jack Ker­ouac começou a escr­ev­er ain­da cri­ança, bas­tante cedo já escrevia para um jor­nal local que seu pai tra­bal­ha­va. Mas o jovem Ker­ouac que­ria mais, era cada vez mais atraí­do pela lit­er­atu­ra e teima­va em trans­for­mar tudo na sua vida em ficção, ninguém escapa­va da visão min­un­ciosa de Jack. Ele não pre­cisa­va de muito esforço para romancear a real­i­dade de for­ma a con­tar óti­mas histórias que sem­pre pare­ci­am bas­tante reais. Seu primeiro livro a ser edi­ta­do, The Town and The City foi o úni­co que man­teve o esti­lo de prosa tradi­cional, mas alta­mente influ­en­ci­a­do pelo amer­i­cano Thomas Wolfe,Jack que­ria mais. Ambi­ciona­va a prosa espon­tânea como veícu­lo das suas histórias, o dese­jo de faz­er uma lit­er­atu­ra foca­da na lin­guagem colo­quial, nar­ra­da con­forme o rit­mo do rela­to, foi lev­a­da até o fim por ele. Ker­ouac se con­sid­er­a­va um mestre nes­sa téc­ni­ca e inclu­sive, escreveu uma espé­cie de man­i­festo sobre o assunto.

    The Sub­ter­raneans foi escrito numa prosa espon­tânea, com fras­es lon­gas a pon­to de se esten­derem por pági­nas inteiras, sem obe­de­cer a regras estri­tas de gramáti­ca, mas con­ser­van­do um fio da mea­da em ter­mos de sen­ti­do. Esse é o esti­lo espon­tâ­neo de Ker­ouac sob seu aspec­to mais pos­i­ti­vo. Tan­to Allen Gins­berg como William Bor­roughs ficaram impres­sion­a­dos como que ele havia real­iza­do e que­ri­am saber mais sobre seu méto­do. Pedi­ram-lhe que escrevesse um pequeno fol­heto com instruções sobre como escr­ev­er daque­la maneira. O resul­ta­do foi o ensaio “Essen­tials of Spon­ta­neous Prose”, escrito ini­cial­mente para seus ami­gos, porém, mais tarde, divul­ga­do ampla­mente em antolo­gias na condição de man­u­al de seu con­teú­do (p.271)

    Mapa desen­hado pelo próprio Kerouac.

    Assim como Thomas Wolfe influ­en­ciou forte­mente Ker­ouac na questão espon­tânea de escr­ev­er, ele deu tam­bém a neces­si­dade de desco­brir a Améri­ca que Jack sen­tia pul­sante. Quan­to mais loucos ambu­lantes ele con­hecia, mais que­ria ter histórias para con­tar. Ape­sar dele já ter via­ja­do muito, incluin­do como aju­dante de coz­in­ha na Mar­in­ha, nun­ca tin­ha aden­tra­do os Esta­dos Unidos e vis­to de per­to seus per­son­agens. Depois da primeira ida para além dos lim­ites de Nova Iorque, Jack jamais parou, levan­do con­si­go sem­pre papel e lápis para ano­tar cada impro­vi­so feito por onde fosse.

    É muito inter­es­sante perce­ber a importân­cia das fig­uras de Allen Gins­berg e William Bor­roughs, o segun­do como o grande guru do restante do grupo Beat. Bas­ta obser­var em On The Road — inclu­sive no filme a figu­ra de Old Bull Lee — a for­ma como todos achavam a lou­cu­ra dele extrema­mente lou­váv­el. Foi Bill — como era chama­do — que apre­sen­tou grandes nomes da lit­er­atu­ra, fala­va sobre liber­dade, William Reich, Freud e dava con­sel­hos para os garo­tos que vivi­am cir­cu­lan­do por todos os lados em bus­ca de algo.

    Bill emprestou-lhes uma pil­ha de livros: Cocteau, Blake, Kaf­ka, Joyce e Céline. Dis­cu­tiu a teo­ria cir­cu­lar da história, de Vico, e mostrou-lhes um vol­ume de ilus­trações dos códices maias. (…) (p.109)

    Um dos pon­tos mais rel­e­vantes de King Of The Beats é a for­ma como a figu­ra de Jack Ker­ouac vai se desmi­ti­f­i­can­do ao lon­go do cam­in­ho. Se você leu ape­nas o clás­si­co On The Road e/ou viu a recente adap­tação do brasileiro Wal­ter Salles no cin­e­ma, pode ir se desar­man­do sobre a figu­ra do escritor. Ape­sar dessa obra con­heci­da ser total­mente basea­da nos primeiros impul­sos de Jack via­jar pelo país, ele lev­ou um bom tem­po para ser escrito, pois Ker­ouac nun­ca acha­va sufi­ciente tudo que vivia. Pas­sa­va muito tem­po dese­qui­li­bra­do com mul­heres, dro­gas, a mãe e questões metafísi­cas que seus livros, por serem espon­tâ­neos, car­regam toda essa força onde somente a coin­cidên­cia com a real­i­dade lig­a­va um livro ao outro.

    Out­ro pon­to inter­es­sante é como Ker­ouac — e claro, toda a impren­sa da época — se pre­ocu­pa­va em definir o ter­mo Beat Gen­er­a­tion. Bar­ry Miles vai con­stru­in­do como cada sig­nifi­ca­do dado foi se agre­gan­do ao grupo, não deixan­do que nen­hum omi­tisse os adje­tivos que defini­am aque­les jovens. O bió­grafo vai bem além de faz­er um grande rela­to da vida de Jack Ker­ouac, ele aca­ba traçan­do um panora­ma com­ple­to da Ger­ação Beat, amar­ran­do as situ­ações e as pes­soas que eram seduzi­das pela vida boêmia, altas dos­es de lit­er­atu­ra e mui­ta filosofia de boteco.

    Em 1948, eu disse a John Clelon Holmes “Essa é mes­mo uma ger­ação beat”. Ele con­cor­dou e, em 1952, pub­li­cou um arti­go no New York Times inti­t­u­la­do “Esta é uma ger­ação beat”, e atribuiu a mim a ver­são orig­i­nal. Desse modo, já dera a ela o nome de Ger­ação Beat nos orig­i­nais de On The Road, escrito em maio de 1951 (Jack Ker­ouac, pre­ocu­pa­do com a reivin­di­cação da pater­nidade do ter­mo, p.208)

    Diria que a Times Square era o cen­tro em torno do qual ficamos vagan­do — Bor­roughs, Ker­ouac e eu — em 1945 e 1948, provavel­mente o perío­do mais for­ma­ti­vo da mente Spen­g­le­ri­ana, em que a lin­guagem que incluía expressões como “Zap”, “Hip”, “Square”, “Beat” nos era ofer­e­ci­da por Huncke às mesas do café Bick­ford. Basi­ca­mente eu diria que Her­bert Hucke foi quem deu origem à noção de beat (…) (p.271)

    Muito se fala sobre o movi­men­to hip­pie, o adven­to do rock e os ques­tion­a­men­tos que vier­am com eles na déca­da de 60 como ele­men­tos car­ac­ter­i­zantes de con­tra­cul­tura. Mas a ver­dade é que os jovens beats, nas décadas de 40 e 50 — descen­dentes da Ger­ação Per­di­da — eram embriões muito poderosos para que depois exis­tisse esse cenário infla­ma­do. Estes jovens vin­ham de um perío­do caóti­co de depressão econômi­ca e uma Segun­da Guer­ra trauma­ti­zante. Que­ri­am mes­mo era se desven­cil­har dos códi­gos soci­ais e o modo de vida amer­i­cano que mostra­va sérios prob­le­mas em se man­ter em pé. Os relatos de Bar­ry Miles sobre as noites de fes­tas em aparta­men­tos, regadas à alcool, ben­zad­ri­na e bebop não deix­am nada a dev­er para as lou­curas que viri­am a ser feitas nas próx­i­mas décadas ao som das gui­tar­ras elétricas.

    Jack Ker­ouac, Allen Gins­berg, Peter Orlovsky e Gre­go­ry Cor­so, em 1956

    Para muito além do sen­so comum de que Jack Ker­ouac e seus pares eram vagabun­dos ambu­lantes que son­havam em ser escritores, King of The Beats rela­ta as aven­turas, per­spec­ti­vas e ten­ta­ti­vas vari­adas de um grupo de jovens encon­trar a sua voz e se perder tan­tas vezes no meio do cam­in­ho, deixan­do para além de obras que recon­stroem em poe­sia, relatos e lou­curas, um sen­ti­men­to de liber­dade que é práti­ca­mente inevitáv­el de não se sen­tir ao ler On The Road, Uivo, Almoço Nu e etc. Um pas­seio há uma época dis­tante que ain­da trans­mite e faz parte do sen­ti­men­to de não acomodação.
     

    Algu­mas Curiosi­dades:

    Ker­ouac demor­ou mais de 10 anos para con­seguir pub­licar o On The Road e ain­da assim com mui­ta edição e mudanças, pois os edi­tores con­sid­er­avam o tex­to pornográ­fi­co, homos­sex­u­al e incen­ti­vador do uso de dro­gas. O romance que seria a bíblia dos Beats saiu só no fim da déca­da de 50 e no ini­cio acha­va-se que ela per­ten­cia aque­la época. Jack, ape­sar de ser muito lido nesse momen­to, era incom­preen­di­do pois não con­cor­da­va com o novo modo de viv­er dos jovens e acha­va cha­to explicar como as coisas fun­cionavam na déca­da anterior.

    Quan­do man­dou os orig­i­nais the On The Road para o edi­tor, ele man­dou tam­bém o esboço de uma capa que seria, na opinião dele, per­fei­ta para o livro, incluin­do uma foto própria do seu agra­do. Na ver­dade ele tin­ha acha­do hor­rív­el a capa de Town and The City e resolveu sug­erir uma mel­hor para esse livro. Jack Ker­ouac era bas­tante per­fec­cionista (para não diz­er cha­to) em relação à sua obra, man­ten­do uma relação dífi­cil com os editores.

    Jack Ker­ouac não per­doa e con­tin­ua resmungão até na sua últi­ma entre­vista, traduzi­da aqui, pela Revista Bula.

    O man­u­scrito orig­i­nal de On The Road, tem 36 met­ros de com­pri­men­to e foi escrito num rit­mo frenéti­co, rega­do a ben­zad­ri­na e cig­a­r­ros e em ape­nas três sem­anas. São rolos de papel, cola­dos com fita ade­si­va que estarão expos­tos a par­tir desse mês até o fim de 2012 na Bib­liote­ca Britâni­ca, em Londres.

     

    Leia mais sobre a Ger­ação Beat aqui e aqui.

  • Le Meilleur du Cinéma Français Avec Marden Machado, no Cine Omar, em Curitiba

    Le Meilleur du Cinéma Français Avec Marden Machado, no Cine Omar, em Curitiba

    Os estu­diosos e apaixon­a­dos pela cin­e­matografia france­sa terão aces­so a obras mar­cantes dos movi­men­tos Real­is­mo Poéti­co, Nou­velle Vague e do Mod­er­no Cin­e­ma Francês, o que tor­na este pro­je­to Le Meilleur Du Ciné­ma Français um even­to úni­co e por isso mes­mo, imperdív­el (Mar­dem Macha­do, curador)

    A Aliança France­sa pro­move uma vez por mês o fes­ti­val de cin­e­ma “Le Meilleur du Ciné­ma Français Avec Mar­den Macha­do”. As sessões começam no dia 26 de setem­bro, às 20h, no Cine Omar, em Curiti­ba. A curado­ria é do críti­co Mar­den Macha­do que escol­heu para a aber­tu­ra uma das obras pri­mas do cin­e­ma francês, o filme “As Damas do Bosque de Boulogne”, de Robert Bres­son, fil­ma­do em 1945. O even­to é uma real­iza­ção da AF Curiti­ba, Cine Omar e Shop­ping Omar, com apoio da Cin­e­mate­ca da Embaix­a­da da França no Brasil, Embaix­a­da da França no Brasil e o Insti­tut Français.

    O pro­je­to Le Meilleur Du Ciné­ma Français tem por obje­ti­vo traçar um painel vari­a­do com grandes e impor­tantes obras do cin­e­ma feito na França, país que é o berço da Séti­ma Arte, onde em 28 de dezem­bro de 1895, os irmãos Auguste e Louis Lumière realizaram a primeira exibição públi­ca de um filme.

    A mostra ini­cial apre­sen­ta tra­bal­hos de grande relevân­cia na car­reira de cineas­tas influ­entes da história do Cin­e­ma. Robert Bres­son, Jacques Tati, Alain Resnais, Jacques Demy, Leos Carax e Claude Chabrol fazem parte deste primeiro ciclo que res­ga­ta filmes de difer­entes épocas, temas e esti­los narrativos.

    Bres­son (1901 – 1999) é con­sid­er­a­do o pai da Nou­velle Vague france­sa. O dire­tor é um dos ícones do cin­e­ma francês ao lado de Jean Renoir, Jean-Luc Godard, Jacques Tati, Alain Resnais e Jean Cocteau. A importân­cia do cineas­ta para a séti­ma arte é tão grande, que Godard o definiu assim: “Robert Bres­son é o cin­e­ma francês, como Dos­toiévs­ki é o romance rus­so e Mozart é a músi­ca alemã.” 

    Les Dames du Bois de Boulogne (As Damas do Bosque de Boulogne) é uma adap­tação do romance Jacques le Fatal­iste et son Maître (Jacques fatal­ista e seu romance mestre) escrito entre 1771 – 1778 con­tan­do a história de um homem que é lev­a­do a se casar com uma ex-pros­ti­tu­ta. O roteiro do filme é assi­na­do pelo cineas­ta Jean Cocteau (A Bela e a Fera). A mis­tu­ra do diál­o­go com a imagem fez do filme um dos clás­si­cos do cin­e­ma europeu. Seco e dire­to, uti­lizan­do detal­h­es para a con­strução de um amor fatal e impossível.

    Serviço

    LE MEILLEUR DU CINÉMA FRANÇAIS AVEC MARDEM MACHADO

    26 de setem­bro – As Damas do Bosque de Boulogne, 1945
    24 de out­ubro – As Férias do Sen­hor Hulot, de Jacques Tati, 1953
    28 de novem­bro – Hiroshi­ma, Meu Amor, de Alain Resnais, 1959
    12 de dezem­bro – Pele de Asno, de Jacques Demy, 1970
    23 de janeiro – Sangue Ruim, de Leos Carax, 1986
    27 de fevereiro – A Flor do Mal, de Claude Chabrol, 2003

    Horário – 20h
    Local: Cine Omar
    Rua Comen­dador Araújo,
    Infor­mações: www.afcuritiba.com.br ou 32234457