Category: Cinema

  • TPB AFK: The Pirate Bay Away From Keyboard | Crítica

    TPB AFK: The Pirate Bay Away From Keyboard | Crítica

    TPB AFK: The Pirate Bay Away From Keyboard | CríticaO doc­u­men­tário TPB AFK: The Pirate Bay Away From Key­board (2013), dirigi­do pelo sue­co Simon Klose, acom­pan­ha o proces­so judi­cial por pirataria enfrenta­do pelos três cri­adores do site The Pirate Bay entre os anos 2008 a 2012. Talvez você este­ja se per­gun­tan­do “legal, mas o que eu ten­ho a ver com toda essa história?” e é aí que entra o pon­to prin­ci­pal do lon­ga. Ele não é a respeito da vida dos fun­dadores do site ou uma imer­são no mun­do do copy­right, mas sim um filme sobre a liber­dade de com­par­til­har e o futuro da própria internet.

    Para quem não con­hece, o The Pirate Bay é pos­sivel­mente o maior site de tor­rents da inter­net e, uma hora ou out­ra, aca­ba sendo um pon­to de para­da obri­gatória para quem cos­tu­ma faz­er down­loads. Mas se você pen­sou, ou só ouviu falar, que lá é ape­nas um paraí­so de arquiv­os ile­gais, onde você pode encon­trar prati­ca­mente tudo que quis­er para baixar, está com­ple­ta­mente engana­do. O seu propósi­to é sim­ples­mente pos­si­bil­i­tar o com­par­til­hamen­to de arquiv­os, mas o que os usuários vão faz­er com esse serviço, já é com­ple­ta­mente out­ra história.

    os fundadores do The Pirate Bay: Gottfrid, Peter e Fredrik
    os fun­dadores do The Pirate Bay: Got­tfrid (anaka­ta), Peter (brokep) e Fredrik (TiAMO)

    Ape­sar da ideia ini­cial de que assi­s­tir a um doc­u­men­tário sobre um proces­so judi­cial seja algo maçante e restri­to ape­nas para fãs da causa da inter­net livre, o óti­mo tra­bal­ho de edição de Per K. Kirkegaard, faz com que você prati­ca­mente não sin­ta o tem­po pas­san­do. Esta foi inclu­sive uma das maiores pre­ocu­pações do dire­tor, ele tin­ha fil­ma­do muito mate­r­i­al, mas não que­ria mostrar aqui­lo de uma maneira cha­ta, então criou um pro­je­to no Kick­Starter para con­seguir con­tratar um edi­tor profis­sion­al. Ele esti­mou o cus­to para isso de $25.000 e con­seguiu atin­gir essa meta em menos de três dias, con­seguin­do no total $51,424. Tam­bém vale a pena destacar a óti­ma tril­ha sono­ra cri­a­da por Ola Fløt­tum, que é sutil mas muito envol­vente. Para quem está pre­ocu­pa­do em não enten­der alguns ter­mos téc­ni­cos, há uma expli­cação deles durante o filme, então não pre­cisa se preocupar.

    O títu­lo do doc­u­men­tário veio da abre­vi­ação AFK (Away From Key­board — que seria algo como: Longe Do Tecla­do) que é uma oposição a ideia da sigla IRL (In Real Life — Na Vida Real), uti­liza­da por algu­mas pes­soas para des­ig­nar quan­do algo acon­tece no mun­do fora das telas dos com­puta­dores. O IRL sep­a­ra o on do offline, enquan­to o AFK vê o online ape­nas como uma exten­são do offline, ou seja, está inclu­so no que podemos perce­ber como real­i­dade e não como algo imag­inário ou fic­cional. Os três fun­dadores do site, como a maio­r­ia dos mem­bros do Par­tido Pira­ta, exibidos no doc­u­men­tário, se con­hece­r­am ini­cial­mente pela inter­net e o fato deles nun­ca terem se encon­tra­do pes­soal­mente, não foi um obstácu­lo para poderem cri­ar uma relação ver­dadeira de amizade e confiança.

    Monique Wadsted, a advogado que representa Hollywood no processo
    Monique Wad­st­ed, a advo­ga­do que rep­re­sen­ta Hol­ly­wood no processo

    Um dos motivos do dire­tor ter feito o filme, era que ele não con­seguia ver a relação que a indús­tria de mídia faz ale­gan­do que o com­par­til­hamen­to de arquiv­os é uma ameaça à cria­tivi­dade. Para ele, o aces­so irrestri­to à cul­tura era o cerne da rev­olução online, onde qual­quer expressão artís­ti­ca imag­ináv­el pudesse aflo­rar cria­ti­va­mente. De um lado, seus ami­gos artis­tas estavam sofren­do pela redução nas ven­das, mas por out­ro, as pos­si­bil­i­dades de pro­duzir, com­er­cializar e dis­tribuir a arte deles tin­ha muda­do fun­da­men­tal­mente para mel­hor. Ele ficou então pen­san­do que dev­e­ria haver for­mas de con­stru­ir uma próspera econo­mia dig­i­tal, que incor­po­rasse essas novas fer­ra­men­tas, em vez de crim­i­nal­izá-las. Com este doc­u­men­tário Simon espera lev­an­tar ques­tion­a­men­tos a respeito desse proces­so legal e tam­bém dos já real­iza­dos con­tra pes­soas que com­par­til­havam arquiv­os, para que este cenário mude.

    Simon Klose no vídeo da campanha do KickStarter
    Simon Klose no vídeo da cam­pan­ha do KickStarter

    Esse foi um dos motivos para que que o doc­u­men­tário fos­se dis­tribuí­do sob a licença BY-NC-SA da Cre­ative Com­mons, assim qual­quer um pode com­par­til­har e mod­i­ficar com atribuições, mas não pode faz­er uso com­er­cial da mes­ma. Simon até fez um post no blog do doc­u­men­tário expli­can­do detal­hada­mente porque ele escol­heu esta licença. O dire­tor incen­ti­va não só que as pes­soas façam o down­load, mas que tam­bém com­par­til­hem e remix­em o filme, crian­do out­ras obras. A mes­ma pro­pos­ta tam­bém foi fei­ta, e inclu­sive o remix foi parte da pro­dução, pelo doc­u­men­tário RIP!: Um Man­i­festo Remix, do canadense Brett Gay­lor, provavel­mente o primeiro doc­u­men­tário aber­to (open source) cri­a­do.

    Câmera pirata no Festival
    Câmera pira­ta no Festival

    TPB AFK: The Pirate Bay Away From Key­board foi lança­do dia 8 de fevereiro de 2013 no 63º Fes­ti­val Inter­na­cional de Filmes em Berlim e tam­bém simul­tane­a­mente na inter­net, uma ati­tude total­mente con­dizente com toda a filosofia do site. Inclu­sive uma pes­soa que foi ao fes­ti­val fez uma fil­magem pira­ta do mes­mo, gru­dan­do uma câmera na cadeira com sil­ver tape, cap­tan­do além do filme com­ple­to, o bate-papo com o dire­tor após a exibição. Veja o mes­mo no YouTube ou faça o down­load via tor­rent.

    Des­ta vez se você ficou inter­es­sa­do em assi­s­tir o filme, não vai ter somente a pos­si­bil­i­dade de assi­s­tir ao trail­er logo abaixo, como tam­bém vê-lo na ínte­gra leg­en­da­do pelo YouTube. Se quis­er tam­bém pode faz­er o down­load em difer­entes qual­i­dades (480p, 720p e 1080p) e baixar a leg­en­da separadamente.

    Trail­er:

    Filme Com­ple­to:
    httpv://www.youtube.com/watch?v=eTOKXCEwo_8

  • As Aventuras de Tadeo | Crítica

    As Aventuras de Tadeo | Crítica

    asaventurasdetadeo-posterHá algum tem­po que o mer­ca­do da ani­mação vem sain­do do eixo das grandes pro­du­toras amer­i­canas e a inter­net é uma poderosa fer­ra­men­ta para a divul­gação de tra­bal­hos que surgem no mun­do todo. Alguns deles acabam gan­han­do as telas e entran­do no cir­cuito com­er­cial, como é caso de As Aven­turas de Tadeo (Las aven­turas de Tadeo Jones, Espan­ha, 2012), do espan­hol Enrique Gato.

    Tadeo Jones cresceu son­han­do em ser um arqueól­o­go aven­tureiro, inteligente e desco­bri­dor de grandes tesouros. Como descen­dente de imi­grantes lati­nos em Chica­go, con­segue ser ape­nas um tra­bal­hador da con­strução civ­il, onde o máx­i­mo que se aprox­i­ma da arque­olo­gia é através dos vídeos que assiste de Max Mor­don, um arqueól­o­go garan­hão bem ao esti­lo de apre­sen­ta­dor da Nation­al Geo­graph­ic. Tadeo é ami­go do Pro­fes­sor Hum­bert, que o aju­da a ali­men­tar as histórias fan­tás­ti­cas de descober­tas. Um dia o pro­fes­sor é chama­do para uma escav­ação no Peru, mas por uma série de obstácu­los aca­ba não con­seguin­do ir e por iro­nia, Tadeo toma o seu lugar e vai para a Améri­ca do Sul.

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    O enre­do de As Aven­turas de Tadeo se desen­ro­la através da vel­ha pre­mis­sa de mocin­hos e ban­di­dos, com dire­ito a romances no meio dis­so. Lá no Peru, Tadeu con­hece Sara, a ver­são Lara Croft arqueólo­ga do lon­ga, e é ela que irá levar ele até o tesouro da cidade míti­ca de Paiti­ti. O títu­lo e car­taz já anun­ci­am muitas aven­turas a la Indi­ana Jones, fug­in­do das típi­cas bus­cas no Egi­to ou na sub­m­er­sa Atlân­ti­da. Aqui, os per­son­agens rumam ao Peru atrás de tesouros dos amerín­dios tor­nan­do o lon­ga bem mais inter­es­sante ape­sar dele não fugir do comum. É pos­sív­el recon­hecer facil­mente as refer­ên­cias dos per­son­agens, como as citadas aci­ma, e o dire­tor con­segue se sair bem nes­sa empre­ita­da, ape­sar de não ino­var muito.

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    O ani­mador espan­hol vem tra­bal­han­do des­de 2004 na figu­ra de Tadeo como um per­son­agem sim­ples e caris­máti­co, que fizesse hom­e­nagem e sáti­ra dos filmes de aven­tu­ra, sendo um anti-herói que se metendo em enras­cadas aca­ba desven­dan­do mis­térios e aju­dan­do pes­soas. Já a téc­ni­ca da ani­mação é pare­ci­da com os traços do Mick­ey mais anti­go com ros­tos e cor­pos bem esféri­cos com mem­bros lon­gos e cenários bem col­ori­dos. O dire­tor rece­beu duas pre­mi­ações do Goya — uma espé­cie de Oscar espan­hol — com Tadeo Jones (2005) e Tadeo Jones e o Porão da Des­graça (2007).

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    As Aven­turas de Tadeo é diver­tido e descom­pro­mis­sa­do, vai agradar bas­tante o públi­co infan­til, com per­son­agens caris­máti­cos e diver­tidos, apo­s­tan­do naque­les mas­cotes que arran­cam boas risadas, como o papa­gaio mudo. Ape­sar de que provavel­mente a ani­mação não vá per­manecer muito tem­po na memória dos fãs do gênero, ela é bem diver­ti­da e merece ser vista.

    Trail­er:

  • As Sessões | Crítica

    As Sessões | Crítica

    as-sessoes-posterAs Sessões (The Ses­sions, 2012), de Ben Lewin é, infe­liz­mente, o tipo de filme que pas­sa des­perce­bido pelo cir­cuito com­er­cial de cin­e­ma. O lon­ga traz o jor­nal­ista e poeta Mark O’Brien, que quan­do cri­ança con­traiu a poliomelite, per­den­do quase todos os movi­men­tos do cor­po. Por con­ta des­ta situ­ação, neces­si­ta ficar pelo menos qua­tro horas den­tro de uma maquina de res­pi­ração. Mas não se engane achan­do que a vida de O’Brien era sofri­da ou até mes­mo triste.

    O recorte que As Sessões faz é de um Mark O’Brien aos 38 anos, nar­ran­do a sua neces­si­dade de sexo – pois ain­da era virgem — de toque e a grande car­ga de sen­si­bil­i­dade e sen­ti­men­tos que isso traz ao cor­po. O fato dele pas­sar boa parte do dia den­tro de uma câmera chama­da “pul­mão de aço”, não inter­fere na sua sen­si­bil­i­dade tan­to de cri­ação poéti­ca como cor­po­ral, mes­mo sem com­preen­der total­mente o seu cor­po. Para essa nova descober­ta, a ter­apeu­ta sex­u­al Cheryl, inter­pre­ta­da por Helen Hunt, vai ser fun­da­men­tal. Ela tra­bal­ha para que ele des­cubra como sen­tir o próprio cor­po e o da out­ra pes­soa com quem vai se rela­cionar. A del­i­cadeza das cenas que retratam as sessões entre paciente e ter­apeu­ta é arrepi­ante e emo­ti­va. O que pode­ria ser em muitos momen­tos ape­nas sessões de ter­apia lev­adas de for­ma profis­sion­al, são car­regadas de emoção, prin­ci­pal­mente quan­do ela começa a se envolver com as emoções de Mark, que é como um ado­les­cente sentin­do cada cen­tímetro novo do seu corpo.

    O títu­lo do lon­ga se ref­ere às seis sessões ini­cial­mente pro­postas para que o paciente comece a perce­ber e enten­der o seu cor­po e os dese­jos dele. Cheryl Cohen-Greene é a chama­da “sub­sti­tu­ta sex­u­al”, alguém que tra­ta um paciente defi­ciente para a con­sci­en­ti­za­ção sex­u­al do mes­mo, de for­ma mais sen­sív­el e menos agres­si­va como nor­mal­mente pode acon­te­cer, além de ser uma pesquisado­ra do assunto.

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    É impos­sív­el ver As Sessões e não pen­sar sobre todo o proces­so de sen­si­bil­i­dade que o cor­po neces­si­ta e, como um defi­ciente físi­co é pri­va­do dis­so por padrões soci­ais que o car­ac­ter­i­zam como inca­paz ou sim­ples­mente como anor­mal. Ver Mark O’Brien pas­san­do por esse proces­so de descober­ta, é pen­sar o quão pouco somos inclu­sivos quan­do se tra­ta do difer­ente, por achar que sabe­mos o real sen­ti­do de normal.

    O lon­ga é reple­to dessas pecu­liari­dades geran­do um estran­hamen­to no espec­ta­dor em relação ao mun­do dessas pes­soas que fazem o pos­sív­el para ter uma vida comum do seu próprio jeito. As cenas de Mark sendo lev­a­do a vários lugares em sua maca, são tratadas com uma sim­pli­ci­dade arrebata­do­ra. Ele con­ver­sa com suas assis­tentes enquan­to elas o lev­am de um lugar para out­ro, vai à Igre­ja e inclu­sive sai para com­prar roupas, tudo isso acopla­do à sua maca e a um cano de ar para que pos­sa con­tin­uar respirando.

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    O’Brien tem muito a seu favor, cos­tu­ma agradar as mul­heres fazen­do poe­mas e dizen­do coisas que elas dese­jam ouvir, mes­mo na sua situ­ação é um ver­dadeiro galanteador. O lon­ga tam­bém mostra que ele já se rela­cio­nou emo­cional­mente com algu­mas mul­heres, mas que não con­seguiram se adap­tar ao seu esta­do. Há ain­da o fator da religião na vida dele, um dos seus mel­hores ami­gos é – um bem pouco orto­doxo – padre. Várias das cenas mais diver­tidas do filme se pas­sam com Mark se con­fes­san­do e con­tan­do sobre sua ter­apia para o ami­go católi­co, sendo tudo trata­do de uma for­ma incriv­el­mente nor­mal, boni­ta e divertida.

    É jus­ta­mente essa roti­na de Mark, alheia aos padrões humanos, que fazem o espec­ta­dor apre­ciar as sessões dele com a Dra. Cheryl. Uma relação que vai se con­stru­in­do na base da descober­ta de ambos, um que percebe que tem um cor­po que sente além do seu cére­bro e o out­ro que pas­sa a perce­ber o seu obje­to de estu­do como um ser humano com sentimentos.

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    Se tratan­do de elen­co, é impor­tante destacar John Hawkes, que inter­pre­ta O’Brien talvez num dos papéis mais fortes do gênero, jun­ta­mente com Helen Hunt, que está bem à von­tade no papel de “sub­sti­tu­ta”. Ape­sar do óti­mo tra­bal­hos dos atores coad­ju­vantes, todos trans­mitin­do uma lev­eza incrív­el, o destaque vai mes­mo para essa dupla que con­segue emo­cionar sem dramatizar.

    O dire­tor Ben Lewin, que tam­bém foi acometi­do pela poliomelite quan­do cri­ança, diz que em 2009 esta­va nave­gan­do pela inter­net procu­ran­do sobre o sexo no cotid­i­ano do defi­ciente físi­co e encon­trou o arti­go de Mark O’Brien inti­t­u­la­do de Sain­do com uma Sub­sti­tu­ta Sex­u­al . O lon­ga é basea­do nesse rela­to e em entre­vis­tas com a própria Cheryl e Susan Fern­bach, a últi­ma com­pan­heira de Mark. Lewin con­seguiu tratar de dois assun­tos tabus – sexo e defi­ciên­cia físi­ca – de uma for­ma que somente alguém que con­hece de per­to a situ­ação con­segue dar cores e for­mas tão leves e sim­ples para um enre­do emocionante.

    Trail­er:

  • O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho

    O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho

    o_som_ao_redor-posterO Som Ao Redor (Brasil, 2012), de Kle­ber Men­donça Fil­ho, foi um dos lon­gas nacionais mais comen­ta­dos no ano de 2012, receben­do inclu­sive uma posição na famiger­a­da lista de A.O. Scott, o prin­ci­pal críti­co de cin­e­ma da jor­nal amer­i­cano New York Times. Trazen­do a assi­natu­ra de mais um promis­sor dire­tor e roteirista de Recife, o lon­ga tra­ta de for­ma sutil a vio­lên­cia e a sua relação com os prob­le­mas soci­ais da classe média.

    Um bair­ro de uma grande cidade, um lugar onde vive famílias típi­cas de classe média. Con­domínios e casas per­to da pra­ia mon­tam um con­tex­to. Ape­sar de haver con­domínios de luxo, há tam­bém casas mais sim­ples, do alto de um pré­dio se avista uma favela próx­i­ma. Essa região vem sofren­do um sur­to de assaltos e vio­lên­cia, e um grupo de segu­ranças inde­pen­dentes propõe faz­er uma espé­cie de ron­da diária para pro­te­ger os moradores do lugar. Com a chega­da dess­es ele­men­tos estran­hos aos padrões de vida do lugar, o lon­ga faz um recorte de um momen­to muito atu­al das cidades brasileiras.

    Uma viz­in­hança é um con­vívio cole­ti­vo mas que sem­pre haverão os que estão coor­de­nan­do no topo. Em Som ao Redor as hier­ar­quias são esta­b­ele­ci­das através da cor da pele, do poder aquis­i­ti­vo de com­pra de uma TV, de uma ameaça ou de tradi­cional­is­mos soci­ais. Kle­ber Men­donça reflete no lon­ga uma Recife que ain­da ecoa uma sociedade do sécu­lo XVIII, escrav­ocra­ta e feu­dal, mas que pode­ria ser em qual­quer lugar do Brasil. 

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    O som do lon­ga con­funde num primeiro momen­to o espec­ta­dor. As vozes saem baixas, em alguns momen­tos é inaudív­el o que os per­son­agens falam. O que parece ser um prob­le­ma de cap­tação de som fun­ciona mais como um recur­so bas­tante ousa­do de nar­ra­ti­va. O som exter­no é o que prevalece, o som ao redor que tor­na o cotid­i­ano dess­es moradores um só, inde­pen­dente do que acon­tece no inte­ri­or das residên­cias. São os lati­dos de cachor­ro, o viz­in­ho que liga o aspi­rador na janela para provo­car intri­gas ou mes­mo os ambu­lantes de CDs e DVDs que pas­sam com seus car­rin­hos de som que real­mente impor­tam no enredo.

    A for­ma e o con­teú­do do lon­ga andam muito bem jun­tos. Além do aspec­to de som, o lon­ga pas­seia pelos per­son­agens trazen­do sutilezas de cada um em peque­nas metá­foras de cenas cotid­i­anas. Muitos ângu­los trazem sen­ti­dos diver­sos e são ess­es pequenos cuida­dos com a câmera que uni­ver­sal­iza todo o enre­do do lon­ga em cenas car­regadas de sen­ti­do. As grades das casas com seus próprios cadea­d­os gan­ham um sen­ti­do difer­ente quan­do a câmera fil­ma de fora da por­ta um quadro católi­co de Jesus e Maria sep­a­ra­dos pela grade. São sutilezas poéti­cas facil­mente iden­ti­ficáveis no cotidiano.

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    Não que­ria diz­er nada, mas ten­ho rece­bido min­ha Veja fora do saco plás­ti­co” diz uma morado­ra de um con­domínio da região e a frase deixa clara uma vida mor­na, ente­di­ante e com­pet­i­ti­va de uma classe média que vive para provar que pode osten­tar um padrão de vida enquan­to muitos sub­or­di­na­dos – empre­ga­dos, porteiros e segu­ranças – são as ver­dadeiras bases para que essa classe con­si­ga se man­ter em pé. E enquan­to essa classe se pre­ocu­pa em osten­tar seu poder de din­heiro – gan­ho na for­ma de um regime de tra­bal­ho depri­mente – os que são nive­la­dos por baixo como sim­ples presta­dores de serviços dessa classe se orga­ni­zam para que eles pos­sam sobre­viv­er das para­noias dos que estão acima.

    O Som Ao Redor lem­bra de cer­ta for­ma o que o óti­mo Sér­gio Bianchi fez em Os Inquili­nos, além de out­ros lon­gas do dire­tor em que a real­i­dade é trata­da de for­ma cíni­ca quan­do vista do pon­to de vista fic­cional. Quan­do obser­va­mos como espec­ta­dores os pequenos detal­h­es de con­vivên­cia urbana e social, estes se tor­nam abom­ináveis. Por exem­p­lo, uma sim­ples chega­da de com­pra de uma TV causa a ira de um viz­in­ho que não pode tê-la ou um “não” dado ao cuidador de car­ros da rua pode levar ele riscar o car­ro num ato de vin­gança. Nes­sa pirâmide social os que estão aci­ma ou abaixo, até mes­mo os que vivem do out­ro lado da cer­ca acham seus meios de burlar os lim­ites impos­tos pelas regras ou per­pet­u­ar o seu espaço, sem­pre há os que se acham vitimiza­dos pelo meio e dis­pos­tos a se dar bem.

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    Um pon­to bas­tante inter­es­sante e próprio ao con­tex­to da cidade de Recife apre­sen­ta­do no lon­ga, é como a questão da escravidão negra no Brasil ain­da reflete de for­ma tão sutil na car­ac­ter­i­za­ção dessa classe média dos per­son­agens de O Som ao Redor . Des­de os empre­ga­dos até os segu­ranças da rua, a situ­ação social con­struí­da sobre os aspec­tos históri­cos do país é níti­da, forte e ao mes­mo tem­po sutil e metafóri­ca. Vive-se na som­bra de um prob­le­ma que foi con­struí­do ao lon­go de pelo menos cin­co séculos.

    O Som ao Redor é um exce­lente tra­bal­ho que surge no mar de pro­duções tão descar­ac­ter­i­zadas do cin­e­ma nacional atu­al exibidas no cir­cuito com­er­cial. Fler­tan­do com as críti­cas pro­postas no Cin­e­ma Novo, ele tam­bém apre­sen­ta os cenários urbanos atu­ais de um Cin­e­ma de Retoma­da. Vale a pena prestar atenção no tra­bal­ho de Kle­ber Men­donça Fil­ho, que além de cur­tas pre­mi­a­dos como O Vinil Verde, em seu primeiro lon­ga soube olhar criti­ca­mente ao seu próprio redor.

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  • O Lado Bom da Vida | Crítica

    O Lado Bom da Vida | Crítica

    ladobomdavida-posterApe­sar de car­regar o rótu­lo de comé­dia român­ti­ca e seguir um deter­mi­na­do roteiro padrão do gênero, O Lado Bom Da Vida (Sil­ver Lin­ings Play­book, USA, 2012), de David O. Rus­sel, basea­do no livro homôn­i­mo de Matthew Quick é um lon­ga que foge dos clichês nar­ra­tivos, fler­tan­do com algu­mas fac­etas sobre lim­ites dos rela­ciona­men­tos e tratan­do de for­ma leve e sen­sív­el as for­mas difer­entes que as pes­soas lidam com os fins e suas próprias insta­bil­i­dades men­tais e sentimentais.

    Pat Sola­tano Jr. é um homem que ficou cer­ca de oito meses inter­na­do em um hos­pi­tal psiquiátri­co diag­nos­ti­ca­do com bipo­lar­i­dade. Ele já demon­stra­va alguns sin­tomas do transtorno antes de ter uma crise de vio­lên­cia após encon­trar sua esposa com o amante no chu­veiro da sua casa. Durante ess­es meses, Pat assiste à trata­men­tos de pos­i­tivi­dade e auto-esti­ma, além dos medica­men­tos que não gos­ta de tomar. Recém-saí­do da inter­nação ele quer somente recon­quis­tar a esposa e ter uma vida comum.

    (L-R) JENNIFER LAWRENCE and BRADLEY COOPER star in SILVER LININGS PLAYBOOK

    Mas não é sim­ples se livrar dos fan­tas­mas que tan­to lhe causaram dor. Ago­ra moran­do com os pais, ele neces­si­ta se tornar obses­si­vo com out­ras coisas para se acal­mar. Corre muito para gas­tar ener­gia, lê inúmeros livros um atrás do out­ro e pas­sa o tem­po todo lem­bran­do das dicas ouvi­das dos espe­cial­is­tas do hos­pi­tal. Pat quer man­ter a todo cus­to sua sanidade e em um jan­tar na casa de um vel­ho ami­go, con­hece Tiffany. Ela é ao mes­mo tem­po idên­ti­ca e o opos­to de Pat. Perdeu o mari­do repenti­na­mente e tam­bém pas­sou por alguns sur­tos, mas tem uma per­son­al­i­dade mais deter­mi­na­da do que Pat. Ela acei­ta suas lou­curas, algu­mas obsessões, procu­ra suas próprias res­oluções e ten­ta enten­der que ninguém man­tém um nív­el de sanidade o tem­po todo.

    A relação de Pat e Tiffany é o que faz o enre­do de O Lado Bom da Vida ser um tan­to atraente e diver­tido. Os encon­tros dos dois são instáveis e ao mes­mo tem­po reden­tores. Pat pre­cisa de um sub­ter­fú­gio e um laço com a ex-mul­her. Tiffany pre­cisa de um par­ceiro para uma com­petição de dança. E ness­es momen­tos aparente­mente tolos, mas bem próx­i­mos da vida real, que Pat e Tiffany vão con­stru­ir uma relação diver­ti­da, com altos e baixos e muitas peculiaridades.

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    Uma das cenas mais diver­tidas e irôni­cas do longa

    Preste atenção nos sinais” é o que diz várias vezes Tiffany para Pat Sola­tano. Ao invés de rea­gir sobre qual­quer situ­ação ele dev­e­ria ape­nas obser­var ten­tan­do com­preen­der. É engraça­do ver vários ele­men­tos de auto-aju­da embu­ti­dos no roteiro de O Lado bom da Vida – incluin­do o títu­lo nas duas lín­guas, já que em inglês é uma expressão para “algo bom encon­tra­do numa situ­ação ruim” – mas que den­tro do enre­do são ape­nas cenas per­ti­nentes e diver­tidas para quem sofre de bipo­lar­i­dade, um diag­nós­ti­co nada inco­mum atual­mente. A pes­soa que sofre do transtorno de bipo­lar­i­dade pode ir de um extremo ao out­ro em questão de pouco tem­po. No lon­ga é mostra­do a importân­cia da pes­soa sem­pre man­ter em mente que tudo é pas­sageiro, inclu­sive a tris­teza e as lembranças.

    Mas esse uso exager­a­do da pos­i­tivi­dade tam­bém pode inco­modar o espec­ta­dor, prin­ci­pal­mente pela repetição no roteiro da crença de que acred­i­tan­do tudo pode acon­te­cer. Não que isso seja ruim, mas o filme chega pre­gar um tan­to de exagero no lema de “tudo fica bem no final se você quis­er assim”. Mas como dito ante­ri­or­mente, as cenas de auto-aju­da soam extrema­mente sar­cás­ti­cas e cíni­cas colo­cadas no con­tex­to dos personagens.

    JENNIFER LAWRENCE and BRADLEY COOPER star in SILVER LININGS PLAYBOOK

    São cenas como Pat ten­tan­do ler toda a lista de livros que sua mul­her ensi­na em lit­er­atu­ra em pouco tem­po e no meio da noite fican­do irri­ta­do com o pes­simis­mo de Ernest Hem­ing­way, acor­dan­do todos na viz­in­hança ou quan­do se encon­tra com Tiffany em uma lan­chonete onde ambos causam uma cena caóti­ca ten­tan­do provar um para o out­ro que não são malu­cos, que fazem o espec­ta­dor dar algu­mas risadas sobre a incon­stân­cia de ser humano.

    Tan­to Bradley Coop­er (Se beber não case e etc), acos­tu­ma­do a ser vis­to em papéis de galã e Jen­nifer Lawrence (Jogos Vorazes e o óti­mo Inver­no da Alma), a mais nova querid­in­ha do cin­e­ma amer­i­cano, estão bem difer­entes dos seus cos­tumeiros papéis no cin­e­ma. Ele está em um papel sim­ples e engraça­do e ela se sai muito bem como uma instáv­el jovem viú­va. O elen­co ain­da con­ta com um Robert De Niro, que já teve seus tem­pos áure­os, mas que sai bem como o pai de Pat, deixan­do claro que muito das lou­curas dos fil­hos são her­dadas dos pais.

    O Lado Bom da Vida é um filme agradáv­el que merece destaque por fugir dos cos­tumeiros casais per­feitos de comé­dias român­ti­cas. Ape­sar do lon­ga con­seguir segu­rar o públi­co pela incon­stân­cia diver­ti­da de seus per­son­agens, que bus­cam sua sanidade em peque­nas coisas em um mun­do tão incon­stante, é bas­tante exagero ele con­cor­rer a sete Oscares em 2013.

    Trail­er:

  • O Voo | Crítica

    O Voo | Crítica

    O Voo Poster | CríticaUm homem pode ser absolvi­do pelos seus vícios por con­ta de um grande ato de heroís­mo, que salvou muitas vidas em uma situ­ação onde provavel­mente todos iri­am mor­rer? Este é o grande ques­tion­a­men­to em torno de O Voo (Flight, EUA, 2013), dirigi­do por Robert Zemeck­is e com Den­zel Wash­ing­ton no papel principal.

    A história começa em uma man­hã que parece ser como qual­quer out­ra, depois de uma noita­da de álcool, dro­gas e sexo, Whip Whitak­er vai tra­bal­har como se nada tivesse acon­te­ci­do. Só tem um pequeno detal­he, ele é pilo­to de aviões domés­ti­cos em uma grande com­pan­hia aérea. Para pio­rar a situ­ação, o avião que esta­va pilotan­do sofre uma pane no meio do voo e começa a cair de pon­ta cabeça em direção ao chão. Esta era uma situ­ação que difi­cil­mente alguém pode­ria sair vivo, mas ele teve a genial ideia de virar o avião de cabeça para baixo e assim nivelá-lo nova­mente para poder pousar, sal­va­do prati­ca­mente quase todos a bor­do. Só que quan­do as inves­ti­gações a respeito do que pode­ria ter acon­te­ci­do com a aeron­ave começam a ser feitas, é descober­to que ele esta­va bêba­do durante o aci­dente e o mes­mo pode ser pre­so por con­ta disso.

    As atrizes Nadine Velazquez como Katerina Marquez e Tamara Tunie como Margaret Thomason
    Nadine Velazquez como Kate­ri­na Mar­quez e Tama­ra Tunie como Mar­garet Thomason

    Ape­sar do trail­er dar uma impressão de ser um filme de comé­dia, ele é na ver­dade um dra­ma bem inten­so. Com vários out­ros filmes de peso no cur­rícu­lo como a trilo­gia De Vol­ta para o Futuro, For­rest Gump, o Con­ta­dor de Histórias e Náufra­go, talvez este seja o lon­ga mais pesa­do, ou o mais adul­to, que o o dire­tor Robert Zemeck­is já fez. Não só falan­do da temáti­ca, mas tam­bém da escol­ha de fil­mar cenas de maneiras que nor­mal­mente são evi­tadas. É inesquecív­el, por exem­p­lo, o momen­to em que o avião está cain­do e toda a aeron­ave sim­ples­mente vira de cabeça para baixo e vemos detal­he por detal­he tudo que acon­tece den­tro do avião. Depois dessa você vai pen­sar duas vezes antes de não quer­er usar o cin­to de segu­rança na sua próx­i­ma viagem. Tam­bém não são poupadas as cenas de nudez, prin­ci­pal­mente da atriz Nadine Velazquez que faz o papel de aero­moça e amante de Whip, não fican­do naque­le esconde esconde hol­ly­wood­i­ano ridículo.

    Não é por menos que Den­zel Wash­ing­ton está con­cor­ren­do ao Oscar de 2013 como Mel­hor Ator por con­ta deste filme, que segun­do ele é um dos papéis mais com­plex­os que já fez. Dev­i­do as suas várias fac­etas, é con­stante a alternân­cia entre admi­ração e repul­sa em relação ao coman­dante Whip. Você não sabe se ado­ra ou se odeia aque­le per­son­agem. Bem difer­ente por exem­p­lo do seu papel em O Livro de Eli (2010), dirigi­do por Albert e Allen Hugh­es, onde ele é sim­ples­mente o herói bon­doso de coração puro.

    Bruce Greenwood e Don Cheadle como os protetores do personagem de Denzel Washington
    Bruce Green­wood e Don Chea­dle como os pro­te­tores do per­son­agem de Den­zel Washington

    O Voo desen­volve bem toda essa questão do dual­is­mo herói/vilão e do vício de Whitak­er, assim como os de out­ros per­son­agens secundários, sem entrar em todas aque­las cenas e argu­men­tos clichês que esta­mos acos­tu­ma­dos a ver em lon­gas do gênero. Além dis­so, ele tam­bém aprovei­ta para faz­er algu­mas piad­in­has e ques­tionar algu­mas insti­tu­ições, como as próprias com­pan­hias aéreas e o sis­tema legal, mas sem se perder nelas. Para a feli­ci­dade ou o des­gos­to de alguns, o filme aca­ba ten­den­do forte­mente para a religião, mas total­mente plausív­el con­sideran­do as cir­cun­stân­cias do acon­tec­i­men­to. Algu­mas pes­soas talvez achem o filme cansati­vo por ter um pouco mais de duas horas de duração, mas isso aca­ba sendo impor­tante para poder desen­volver sem pres­sa toda a sua trama.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=LdpzTsqRSPw

  • Os Miseráveis | Crítica

    Os Miseráveis | Crítica

    osmiseráveis-posterMusi­cais sem­pre divi­dem o públi­co de cin­e­ma, ain­da mais se tratan­do do cin­e­ma con­tem­porâ­neo que preza em man­ter o foco na ação e diál­o­gos. Os Mis­eráveis (Les Mis­érables, Reino Unido, 2012) de Tom Hoop­er, já chegou queren­do realizar duas grandes façan­has, primeiro a de adap­tar um cânone de cin­co vol­umes do roman­tismo francês e segun­do o de trans­por um musi­cal de teatro para a nar­ra­ti­va cinematográfica.

    Os Mis­eráveis se pas­sa em um perío­do del­i­ca­do na políti­ca e na sociedade france­sa do sécu­lo XIX. Em 1815 acon­tece a Batal­ha de Water­loo, con­heci­da pela que­da de Napoleão Bona­parte e do retorno da Monar­quia. É nesse cli­ma de descrença e retorno das repressões que o pro­tag­o­nista Jean Val­jean, um homem con­de­na­do à prisão por roubar um pão para ali­men­tar o sobrin­ho, é apre­sen­ta­do. Se hoje um homem pobre é con­de­na­do por esse mes­mo ato, imag­ine a situ­ação no sécu­lo XIX numa França eco­nomi­ca­mente arrasa­da e porém imer­sa nos moral­is­mos monarquistas.

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    A óti­ma car­ac­ter­i­za­ção dos motins de 1832

    Jean Val­jean é o homem feri­do pela injustiça, após 19 anos encar­cer­a­do em regime de escravidão é joga­do à liber­dade em uma sociedade que exclui qual­quer um que vá para a prisão. A tra­jetória do homem, que dura cer­ca de 17 anos indo até os momen­tos cru­ci­ais dos motins de jun­ho de 1832, é mar­ca­da por escol­has, nem sem­pre politi­ca­mente cor­re­tas mas car­regadas de redenção. Val­jean ten­ta sem­pre ser o opos­to do que cobram as leis da época, exager­adas e que priv­i­le­giam ape­nas os grandes. Ao pas­so que ten­ta ser o “bom cristão”, Val­jean enx­er­ga niti­da­mente as des­graças que o povo francês vivia por con­ta das leis monárquicas e ten­ta aci­ma de tudo ser um humanista.

    As adap­tações de livros para as telas sem­pre cor­rem o risco de não atin­girem toda a nar­ra­ti­va e con­stru­irem um enre­do alheio à for­ma que os escritores o fazem. E não é difer­ente com uma obra de mais de mil pági­nas que tra­ta rica­mente dos seus per­son­agens como é o caso de Os Mis­eráveis, de Vic­tor Hugo. No lon­ga, o espec­ta­dor é lev­a­do a já saber o mote da história e de com­preen­der os vários nuances das relações entre Val­jean, Cosette, Fan­tine e todos os out­ros per­son­agens que com­põem a obra, pois várias situ­ações ape­nas acon­te­cem sem as suas causas prévias.

    Como o lon­ga foi basea­do no musi­cal de teatro dos anos 80, de Claude-Michel Schön­berg, Alain Bou­blil e Her­bert Kret­zmer, ele con­ta ape­nas com dois grandes atos onde muitos even­tos do livro são livre­mente adap­ta­dos para dar maior veloci­dade à peça de quase três horas.

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    O filme abre com uma cena emocionante

    O lon­ga abre com uma cena extrema­mente bela e grandiosa de Jean Val­jean (Hugh Jack­man) e out­ros pre­sos puxan­do um navio. A cena é digna de espetácu­lo, uma obra de arte impecáv­el mostran­do jus­ta­mente a que veio. Aliás, Os Mis­eráveis é um tipo de filme para ser grandioso como espetácu­lo, a direção de arte chega exager­ar por exem­p­lo com os dentes dos per­son­agens — os clos­es nas bocas são bem exager­a­dos — visivel­mente estragados.

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    A comi­ti­va do impiedoso Javert

    Claro que há a neces­si­dade de se con­tex­tu­alizar a história que se pas­sa em um momen­to bas­tante críti­co da história da França. As pes­soas mor­rem de doenças, ven­dem seus dentes e cabe­los para poder com­prar pão e Vic­tor Hugo retra­ta essa dor até que o leitor sin­ta na sua pele. Mas aqui tudo fica explici­ta­mente artís­ti­co, inclu­sive a sujeira e a tris­teza. Mas claro que se deve levar em con­ta que o lon­ga é um musi­cal e car­rega todas as car­ac­terís­ti­cas do gênero. Muitos clos­es pro­lon­ga­dos nos ros­tos dos per­son­agens can­tan­do, cenários ora bas­tante escuros, ora con­trastantes com foco no tra­bal­ho de direção de arte, visivel­mente inspi­ra­da nos pin­tores do sécu­lo 19, e a con­strução do roteiro em for­ma­to musi­cal com muitas canções cati­vantes — preste atenção na músi­ca Do You Hear the Peo­ple Sing? que ini­cia a fase dos motins — são ele­men­tos muito bem executados.

    O elen­co é bas­tante inter­es­sante e con­segue dar con­ta de can­tar, ain­da mais levan­do em con­ta que o dire­tor exigiu que não hou­vessem play­backs, ou seja, todos can­tavam enquan­to atu­avam e ouvi­am um pianista através de um pon­to audi­ti­vo. Hugh Jack­man demon­stra uma cer­ta fal­ta de rit­mo em alguns momen­tos mas sua car­ac­ter­i­za­ção como Val­jean, prin­ci­pal­mente na primeira parte, é muito forte. Anne Hath­away se sai muito bem, é uma Fan­tine com cenas muito boni­tas. Já Aman­da Seyfried como Cosette e Rus­sel Crowe como Javert não segu­ram muito bem seus papéis, soan­do bas­tante fal­sos, a primeira que há vários filmes não me con­vence muito, sem­pre pare­cen­do uma ado­les­cente inse­gu­ra e Crowe, ape­sar de ser um óti­mo ator, não chega aos pés da mal­dade de Javert. Hele­na Bon­ham Carter e Sasha Baron Cohen são os malan­dros Thenardiers, com uma estéti­ca muito pare­ci­da com os seus papéis no tam­bém musi­cal Sweeney Todd, de Tim Bur­ton. Mas um dos grandes destaques do time de atores é o pequeno Daniel Hut­tle­stone como Gavroche, o pequeno meni­no de rua que tem uma enorme rep­re­sen­tação dramáti­ca nas cenas do motim.

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    Anne Hath­away como Fantine

    Os Mis­eráveis merece destaque pela ousa­dia de Tom Hop­per de adap­tar cin­e­matografi­ca­mente um musi­cal que por si só já tem suas com­plex­i­dades. É um lon­ga que tra­bal­ha com a emoção do espec­ta­dor e quan­do vis­to de uma tela como a do IMAX con­segue cumprir seu papel, já que musi­cais requerem uma dis­posição do públi­co e tam­bém da neces­si­dade dos enre­dos soarem mais próx­i­mos do públi­co. Mas por out­ro lado ain­da ten­ho min­has dúvi­das se esse é um filme que vai per­manecer no imag­inário como uma grande adap­tação. Res­ta acred­i­tar que o espec­ta­dor sin­ta-se toca­do a ler o livro que provavel­mente vai deixá-lo ain­da mais impres­sion­a­do com os per­son­agens e esse forte momen­to histórico.

    Trail­er:

  • O Grande Dragão Branco (1988), de Newt Arnold

    O Grande Dragão Branco (1988), de Newt Arnold

    O Grande Dragão Branco DVDEm 1987 o bel­ga espe­cial­ista em artes mar­ci­ais Jean Claude Van Damme saiu do anon­i­ma­to para estre­lar sua primeira grande pro­dução cin­e­matográ­fi­ca, O Grande Dragão Bran­co (Blood­sport, EUA, 1988), dirigi­do por Newt Arnold, e nos anos seguintes entrou no hall dos maiores bru­cu­tus do cin­e­ma, for­man­do no imag­inário pop­u­lar dos anos 80 e 90 uma espé­cie de “trio dos marombeiros” jun­to com Sil­vester Stal­lone e Arnold Schwarzeneg­ger, estando na ter­ceira posição deste top, é claro.

    Este seu primeiro grande suces­so foi aque­le que seria seu filme mais lem­bra­do e mais reprisa­do na TV brasileira, uma pro­dução dos estú­dios Can­non, dirigi­do pelo expe­ri­ente profis­sion­al do cin­e­ma Newt Arnold, que serviu como dire­tor de segun­da unidade e assis­tente de dire­tor em grandes pro­duções como O Poderoso Chefão II, Blade Run­ner, Os Goonies, entre out­ros grandes e menores suces­sos ao lon­go dos seus quase 40 anos de serviços à Hol­ly­wood. Curiosa­mente ele só dirigiu ape­nas três títu­los, sendo O Grande Dragão Bran­co o últi­mo, mel­hor e mais famoso deles.

    O filme teve o orça­men­to esti­ma­do em US$1.100.000, val­or bem medi­ano para uma pro­dução da Can­non films. Nas bil­hete­rias o filme super­ou seu val­or em 10 vezes e teve duas con­tin­u­ações hor­ríveis, que pouco ou nada tem a ver com o orig­i­nal, usan­do ape­nas seu tit­u­lo para chamar a atenção dos fãs desin­for­ma­dos na maior picare­tagem. O orig­i­nal fora lança­do em 1988, pas­san­do por alguns prob­le­mas de pro­dução e quase não chegan­do aos cin­e­mas. Reza a len­da que o próprio Van Damme teve que edi­tar algu­mas cenas por fal­ta de edi­tor, coisa que não é con­fir­ma­da nos crédi­tos do filme.

    Acho muito difí­cil escr­ev­er sobre O Grande Dragão Bran­co sem apelar para um lado muito pes­soal da coisa. Afi­nal, o filme foi e é até hoje reprisa­do aos baldes na sessão da tarde e nas madru­gadas da Rede Globo, um clás­si­co dos anos 90 da TV aber­ta e um dos meus filmes favoritos de todos os tempos.

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    Às vezes, só para irri­tar os ciné­fi­los mais tara­dos, cos­tu­mo exal­tar as qual­i­dades de O Grande Dragão Bran­co como se fos­se um mar­co do cin­e­ma mod­er­no, com­para­n­do com grandes filmes do sécu­lo como; Cidadão Kane, O Poderoso Chefão, Psi­cose, Os Sete Samu­rais, filmes do Truf­faut ou do Kubrick, etc. sem­pre dizen­do que nun­ca, jamais, nen­hum filme feito até hoje ou qual­quer filme que será feito futu­ra­mente, con­seguira ser mel­hor ou no mín­i­mo chegar aos pés de O Grande Dragão Bran­co! É claro que hoje digo isso como brin­cadeira, mas quan­do eu assis­tia lá pelos meus 8 ou 9 anos, pra mim era a mais pura verdade!

    O filme con­ta a história de Frank Dux (Van Damme), um mil­i­tar norte-amer­i­cano treina­do pelo mestre Sen­zo Tana­ka (Roy Chiao, ator chinês com quase 100 filmes no cur­rícu­lo), que aban­dona os serviços mil­itares nos states e parte para Hong Kong para se encon­trar com seu sen­sei. Des­de cri­ança Frank pas­sou por um doloroso treina­men­to que exi­gia muito de seu físi­co e de sua con­cen­tração. Numa das cenas mais clás­si­cas do filme vemos ele amar­ra­do pelos braços e per­nas sus­pen­so no ar entre dois tron­cos, enquan­to seu mestre puxa as cor­das tor­nan­do a cena mui­ta ten­sa e dolorosa, ain­da mais saben­do que não são efeitos visuais ou trucagem cinematográfica.

    O Grande Dragão Branco

    Já em Hong Kong, Frank con­segue uma vaga no “Kumite”, um torneio super-secre­to e ile­gal que reúne os mel­hores prat­i­cantes de artes mar­ci­ais de todo o mun­do. Não há regras e os luta­dores chegam real­mente ao lim­ite, pos­sivel­mente até a morte de um dos adversários.

    Logo que chega faz amizade com Ray Jack­son (Don­ald Gibb), que tam­bém irá lutar no torneio. Ray é um gigante de bom coração que ado­ra uma luta livre e os dois se con­hecem numa cena hilária onde Frank con­segue vencer Ray num game de flipera­ma (Karate Champ, jogo japonês de 1984, clás­si­co) e logo viram amigos.

    No momen­to em que Frank vai faz­er a inscrição para o torneio, os juízes não acred­i­tam que ele foi treina­do por Sen­zo Tana­ka e pra provar isso eles pedem que faça o golpe Dim Mak, um golpe secre­to que no reino dos filmes de artes mar­ci­ais seria mor­tal quan­do apli­ca­do, pois suposta­mente causaria danos inter­nos ao adver­sário, numa cena antológ­i­ca Frank Dux mostra pra todos os pre­sentes sua força e con­cen­tração ao que­brar um úni­co tijo­lo especí­fi­co numa pil­ha com cinco!

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    Dim Mak na ver­dade é ape­nas ficção, sendo um golpe que só existe nos filmes e nas histórias de kung-fu e Karatê, ele aparece em cen­te­nas de out­ros filmes con­heci­do quase sem­pre como “ o toque na morte”, poden­do ser vis­to em grandes pro­duções como O Tigre e o Dragão (Crouch­ing Tiger, Hid­den Drag­on, 2000) dirigi­do por Ang Lee e no filme Kill Bill (2003) de Quentin Taran­ti­no, a Noi­va aprende uma espé­cie de Dim Mak que se tor­na mui­ta útil caso um dia você seja enter­ra­do vivo.

    Mas não são ape­nas os luta­dores que têm inter­esse no torneio: uma deter­mi­na­da repórter faz de tudo para se infil­trar nos basti­dores da com­petição, assim como uma dupla de poli­ci­ais (um deles inter­pre­ta­do por um jovem For­est Whitak­er!) que está atrás de Frank Dux por aban­donar o serviço mil­i­tar e que tam­bém pre­ten­dem acabar com o even­to de uma vez por todas.

    O Grande Dragão Branco

    Mas os grandes desafios chegam ao nos­so herói quan­do ele encon­tra seu nême­sis, o luta­dor cru­el Chong Li, inter­pre­ta­do por Bolo Yeung, ator chinês com cur­rícu­lo gigan­tesco em filmes de artes mar­ci­ais e que depois des­ta pro­dução se tornou ami­go de Van Damme fora das câmeras. Uma curiosi­dade a mais sobre o per­son­agem Chong-li: as pou­cas falas que ele tem no filme são na maio­r­ia tiradas do filme Oper­ação Dragão de 73, filme estre­la­do por Bruce Lee onde Bolo Yeung tam­bém par­ticipou! Yeung, anos depois vol­ta para inter­pre­tar mais um vilão con­tra Van Damme no filme Dup­lo impacto (Dou­ble Impact, 1992 dir. Shel­don Leit­tich) e chegou apare­cer no Real­i­ty Show britâni­co “Jean Claude Van Damme: Behind Closed Doors” de 2011, onde podemos ver o astro na sua vida real fazen­do coisas nor­mais que pouco lem­bram suas façan­has cin­e­matográ­fi­cas. Mas no reino da ficção os dois sem­pre foram inimi­gos mortais!

    No filme durante uma luta, Chong Li desce a por­ra­da em Ray Jack­son, deixando‑o a beira da morte. O ami­go, Frank Dux, jura vin­gança e der­ro­ta todos os adver­sários até chegar na luta final con­tra Chong Li que, num exem­p­lo de vila­nia fil­hada­putís­ti­ca, joga sujo e tra­paceia, jogan­do poeira nos olhos de Frank deixando‑o cego!

    Na ver­dade a tra­ma do filme é somente uma des­cul­pa bara­ta para ver­mos Frank Dux descen­do o sar­rafo em todo mun­do no torneio. As cenas de luta foram muito bem core­ografadas pelo próprio Frank Dux da vida real e as atu­ações são dig­nas de um filmes de ação dos anos oiten­ta, con­tan­do até com o já cita­do For­est Whitak­er, fazen­do um pequeno papel per­di­do ali no meio. Todos os clichês do cin­e­ma de kung-fu/karatê estão ali, o mestre insen­sív­el, o golpe secre­to, a vin­gança do herói, o vilão arro­gante e ine­scrupu­loso, e a luta final con­tra o arqui-inimi­go Chong-Li com o clí­max em slow-motion, com a clás­si­ca cena de Van Damme fazen­do essa care­ta hor­ro­rosa aqui:

    O Grande Dragão Branco

    Uma das coisas mais estra­nhas sobre a pro­dução do filme é o fato dela se diz­er basea­da em em uma história real, coisa que nun­ca foi con­fir­ma­da. A úni­ca fonte de infor­mação sobre o torneio Kumite e sobre os per­son­agens que apare­cem no filme é o próprio Frank Dux da vida real, que por si só é um figu­ra, alem de ter cri­a­do seu próprio esti­lo de luta chama­do Dux Nin­jut­su Ryu, ele diz ter ven­ci­do o torneio secre­to umas 53 vezes seguidas(!), detém o recorde de nocaute mais rápi­do, 12 seg(!!) e ele tam­bém diz ter rece­bido a medal­ha de hon­ra e bravu­ra do próprio pres­i­dente dos EUA (!!!). Porém, nun­ca nen­hum out­ro luta­dor do mun­do ouviu falar ou par­ticipou do tal torneio e nun­ca ninguém viu a tal medal­ha. Ou seja, ou esse cara é um bai­ta men­tiroso do caram­ba ou o torneio existe e é extrema­mente secre­to mes­mo. ( e a medal­ha é invisív­el, claro)

    Frank Dux verdadeiro e o ator Donald Gibb, intérprete de Ray Jackson
    Frank Dux ver­dadeiro e o ator Don­ald Gibb, intér­prete de Ray Jackson

    A ideia do filme, “torneio de artes mar­ci­ais com luta­dores do mun­do todo, cada um lutan­do com seu esti­lo” ante­ci­pa até os pop­u­lares games de luta como Street Fight­er e Mor­tal Kom­bat que fazi­am lotar os flipera­mas entre os anos de 90 a 96, quan­do ess­es esta­b­elec­i­men­tos eram bem mais pop­u­lares e muitas vezes as úni­cas opções para quem quisesse jog­ar um vídeo gamezinho.

     

    Sem con­tar que, para quem já jogou Mor­tal Kom­bat, talvez não ten­ha nota­do mas no game orig­i­nal de 1992, o per­son­agem John­ny Cage usa o MESMO calção que o per­son­agem de Van Damme usa no filme!

    Mudando apenas a cor da faixa. Será coincidência, homenagem ou plágio mesmo?
    Mudan­do ape­nas a cor da faixa. Será coin­cidên­cia, hom­e­nagem ou plá­gio mesmo?

     

    O jogo Street Fight­er é ante­ri­or ao filme em poucos meses de difer­ença, sendo um pouco difí­cil um ter se basea­do no out­ro. Mas coin­cidên­cias à parte, de fato, acho que se quisessem faz­er um filme decente adap­tan­do o game Street Fight­er dev­e­ri­am usar O Grande Dragão Bran­co como base para o roteiro. Emb­o­ra o plot do filme seja o fes­ti­val de clichês já cita­dos, nen­hu­ma cena é gra­tui­ta, tudo que aparece em tela é rel­e­vante para a tra­ma sim­ples e dire­ta, sem grandes aspi­rações cin­e­matográ­fi­cas, o filme é e se propõe a ser ape­nas um diver­são casu­al e logra êxi­to na ten­ta­ti­va. Mel­hor do que muitas pro­duções mega­lo­manía­cas e bil­ionárias que querem te mostrar o sen­ti­do da vida em três horas de duração com efeitos visuais absur­da­mente caros (e em 3D).

    Como eu já disse, assi­s­tir O Grande Dragão Bran­co é uma exper­iên­cia muito pes­soal pra mim, me faz lem­brar da infân­cia e de tem­pos onde tra­bal­ho, din­heiro e estu­dos não fica­va a frente da diver­são sim­ples de se sen­tar a frente da TV e assi­s­tir um bom filme, quan­do assis­to não estou reven­do um filme anti­go, mas sim reven­do um momen­to bom da min­ha vida.

    Então fica a recomen­dação, caso queira se aven­tu­rar a assi­s­tir uma pro­dução bara­ta e diver­ti­da com boas cenas de ação, O Grande Dragão Bran­co é uma óti­ma sugestão.

  • Caça aos Gângsteres | Crítica

    Caça aos Gângsteres | Crítica

    Cada ger­ação tem seu filme de gâng­ster icôni­co e esper­amos que este seja o próximo.

    É com esta frase que o dire­tor Ruben Fleis­ch­er apre­sen­ta o seu novo filme de ação Caça aos Gâng­steres (Gang­ster Squad, EUA, 2013), que estre­ou dia 1 de fevereiro nos cin­e­mas brasileiros, com par­tic­i­pação de nomes de peso como Sean Penn, Ryan Gosling, Josh Brolin e Emma Stone.

    O filme se pas­sa no ano de 1949 quan­do um grupo de poli­ci­ais é sec­re­ta­mente for­ma­do para der­rubar Mick­ey Cohen (Sean Penn), um gân­ster que prati­ca­mente coman­da toda a cidade de Los Ange­les. Ape­sar de Cohen real­mente ter exis­ti­do, as sim­i­lar­i­dades com o mun­do real prati­ca­mente acabam por aí, o resto da história foi inspi­ra­da em rumores e, para trans­for­má-lo em um grande lon­ga de ação, uma boa dose de ficção.

    O prin­ci­pal destaque é o tra­bal­ho feito para recri­ar a Los Ange­les pós-guer­ra, que ficou sim­ples­mente fan­tás­ti­ca, mas acabou sendo total­mente ofus­ca­da pela pés­si­ma qual­i­dade do lon­ga em ger­al. A reunião do elen­co de peso, que é o grande chama­riz ao lado das cenas de ação, foi lit­eral­mente joga­da fora por um roteiro muito fra­co e uma pés­si­ma edição. Os per­son­agens são muito força­dos e total­mente rasos, não há qual­quer moti­vação real para suas ati­tudes que não sejam um ou out­ro pequeno acon­tec­i­men­to, ou uma pseu­do reflexão a respeito de uma situ­ação. Isso aca­ba tor­nan­do o filme real­mente cansati­vo, pois quan­do parece que algum deles vai se apro­fun­dar em algu­ma questão, ela é sim­ples­mente joga­da fora com a mudança de assun­to ou um corte seco.

    Mick­ey Cohen (Sean Penn) em um de seus ataques de raiva

    Não que eles dev­e­ri­am entrar em uma reflexão filosó­fi­ca e exis­ten­cial para jus­ti­fi­carem suas ati­tudes, mas um pouco de embasa­men­to faz mui­ta fal­ta. Aqui vale a pena tam­bém chamar a atenção para o malé­fi­co vilão, sim é para ser exager­a­do e repet­i­ti­vo, pro­tag­on­i­za­do por um Sean Penn com ros­to trans­fig­u­ra­do para enal­te­cer seus traços som­brios, que mes­mo colo­can­do os pul­mões para fora com seus ataques de rai­va, não con­seguiria assus­tar uma joan­in­ha de tão vazio que ficou seu personagem.

    Já o esquadrão anti-gâng­ster, é suposta­mente for­ma­do por profis­sion­ais que são sele­ciona­dos por terem cada um uma qual­i­dade espe­cial, pre­mis­sa com­ple­ta­mente esque­ci­da durante o desen­volver do enre­do. Na ver­dade, a grande espe­cial­i­dade do grupo parece ser enfraque­cer total­mente a capaci­dade de mira dos seus adver­sários, porque é incrív­el como eles são os úni­cos que con­seguem acer­tar alguém no meio de um tiroteio. Tam­bém é curioso notar que a equipe foi clara­mente escol­hi­da para abranger os difer­entes tipos de etnia, idade, tem­pera­men­to e nív­el de testos­terona, for­man­do um grupo total­mente inclu­si­vo e politi­ca­mente cor­re­to, ape­sar de atu­arem por trás da lei.

    A diver­si­dade do esquadrão anti-gângster

    Assim cheg­amos ao pon­to prin­ci­pal de Caça aos Gâng­steres, o uso e abu­so de prati­ca­mente todos os clichês pos­síveis de um filme de gâng­sters. Em vez de ter feito um super remix, como faz por exem­p­lo o Taran­ti­no em Djan­go Livre com o west­ern, ele sim­ples­mente repete inte­gral­mente as fór­mu­las com um toque dos clichês de vet­er­a­nos de guer­ra, sem­pre em bus­ca de mais vio­lên­cia, e do bom e vel­ho amer­i­can way of life. Assim, é con­tínua a sen­sação de que você já sabe exata­mente o que vai suced­er, porque é claro que nada de ruim real­mente pode acon­te­cer. Afi­nal, esta­mos na ter­ra do Tio Sam.

    Além das atu­ações pra lá de car­i­catas, os efeitos espe­ci­ais acabam cain­do no mes­mo prob­le­ma: muito se quer mostrar, mas real­mente pouco se sente. Uti­lizar cenas no esti­lo bul­let-time para adi­cionar mais dra­mati­ci­dade nas cenas de ação não é nen­hu­ma novi­dade, mas ain­da não havia vis­to nada tão sem sal uti­lizan­do esta téc­ni­ca. Pode até ter fica­do legal no trail­er, mas quan­do uti­lizadas den­tro da nar­ra­ti­va do filme, pare­cem terem sido colo­cadas de for­ma total­mente aleatória pois pare­cem com­ple­ta­mente per­di­das e sem grande acrésci­mo na sen­sação de peri­go ou ação.

    Emma Stone e Ryan Gosling são a dupla român­ti­ca do filme

    Depois do Ruben Fleis­ch­er ter feito o óti­mo Zum­bilân­dia (2009), fica até difí­cil de acred­i­tar que foi ele quem dirigiu Caça aos Gâng­steres, de tão fra­co que é. Para um filme que pre­tendia mar­car uma ger­ação, como por exem­p­lo fez Scar­face (1983) de Bri­an De Pal­ma, este com certeza será icôni­co no abu­so e mau uso de clichês.

    Se você não gos­ta de spoil­ers ou de infor­mações demais antes de assi­s­tir um filme, recomen­do que não veja o trail­er ofi­cial, pois ele não só aca­ba entre­gan­do muitas das mel­hores cenas de ação, como tam­bém mostra algu­mas cenas cru­ci­ais que podem estra­gar as várias sur­pre­sas que o lon­ga ten­ta criar.

    Para os apre­ci­adores de design, vale a pena assi­s­tir aos crédi­tos do filme que foram mon­ta­dos no esti­lo dos cartões postais da época.

    Caça aos Gâng­steres — Com­er­cial de TV

    httpv://www.youtube.com/watch?v=m72cJm8DYUg

  • DOC de Amor (2010), de Jucélio Matos

    DOC de Amor (2010), de Jucélio Matos

    Esse amor sem razão.
    Sem val­or amanhã.
    Mes­mo assim arderá eternamente.

    Mari­na Lima

    O cin­e­ma brasileiro inde­pen­dente col­he seus fru­tos. Vive­mos uma fase mar­ca­da pelas novas pos­si­bil­i­dades de pro­dução audio­vi­su­al em vir­tude da democ­ra­ti­za­ção das mídias e suporte de expressão. Hoje é pos­sív­el colo­car em práti­ca ideias, até então amar­radas pela lim­i­tação dos recur­sos téc­ni­cos, que esta­va disponív­el nas mãos de poucos. Ago­ra podemos cri­ar e faz­er cin­e­ma no Brasil em per­spec­ti­va plur­al, exper­i­men­tan­do a lin­guagem den­tro de nos­sas via­bil­i­dades e dese­jos de cri­ação, com nos­sos celu­lares, máquinas fotográ­fi­cas e demais dis­pos­i­tivos móveis.

    Novos doc­u­men­taris­tas surgem nes­sa safra cria­ti­va, pro­duzin­do sen­ti­do à História – seja na políti­ca, nos debates soci­ais, religião, etc — no caso de Jucélio Matos, às histórias das sen­si­bil­i­dades con­tem­porâneas. Ao ini­ciar seus estu­dos sobre cin­e­ma em 2004, Jucélio se rev­el­ou para a cena audio­vi­su­al per­nam­bu­cana em pouco tem­po, com o filme Doc de Amor (2010).

    Real­iza­do para um tra­bal­ho de con­clusão de cur­so da Fac­ul­dade Mau­rí­cio de Nas­sau, o filme já des­bravou qua­tro fes­ti­vais (Fes­ti­val Brasileiro de Cin­e­ma Uni­ver­sitário (RJ), Cur­ta Cabo Frio (RJ), Fes­ti­val do Filme etno­grá­fi­co do Recife (PE) e Arra­ial Cine Fest (BA)) e vem gan­han­do espaço por onde pas­sa, ao explo­rar um tema descon­cer­tante e mis­te­rioso para muitos de nós: o Amor.

    O filme apre­sen­ta um mosaico de histórias: expon­do a vida de várias pes­soas comuns viven­do seu dia-dia, sejam nos pos­tos de gasoli­na, nos bares, nas coz­in­has, nas casas, nas aven­turas ou nos lanch­es habit­u­ais de fim de tarde. Em cada coração que tran­si­ta no filme, podemos encon­trar difer­entes reina­dos, que deci­dem as for­mas de viven­ciar suas noções de Amor.

    O filme prob­lema­ti­za o ato de amar, vis­to nos depoi­men­tos como rup­tura das con­venções, que antes pren­di­am nos­sos cor­pos numa estru­tu­ra rígi­da, sus­ten­ta­do pelo sen­so mas­culin­izante da sociedade, lim­i­tan­do as pos­si­bil­i­dades de exper­i­men­tação dos sentidos.

    Jucélio sabe cap­tar os aro­mas das per­spec­ti­vas, das vozes que pren­dem o espec­ta­dor nas nar­ra­ti­vas mais ínti­mas, na bus­ca de pro­duzir vários sabores que se aprox­i­mam do pal­adar de Rodol­fo, o coz­in­heiro real, espe­cial­ista em trans­for­mar o Amor num con­jun­to de porções regadas à sal­a­da verde (lev­eza), com um toque de arroz mar­ro­quino (con­sistên­cia), mescla­do com pro­teí­na — entre o salmão e o camarão (ener­gia e tran­qüil­i­dade), fechan­do com um café e choco­late, para não perder o ânimo.

    Nem sem­pre o Amor é vis­to como trân­si­to de liber­dade. Ele tam­bém é con­t­role e dis­ci­plina, como aque­le pote de jujubas que você não pode devorá-lo de ime­di­a­to, mas só pode com­er um, sob o monopólio de uma tuto­ra, que impede o dese­jo de se lam­buzar no açú­car. É o que podemos ver no reina­do de Paula, que percebe o Amor numa lóg­i­ca de jogo e con­t­role – muitas vezes de for­ma tirâni­ca – para ger­ar “fun­cional­i­dade” e medi­da na relação. Para ela, “amar é cas­ti­go. Nada sobre con­t­role, tudo em peri­go. Adoráv­el pen­itên­cia, chicote ami­go. Se chegar a falên­cia, mor­ro con­ti­go”.

    Entre comi­da e con­t­role, temos expec­ta­ti­va e morte, entre risos e timidez, temos a rep­re­sen­tação cêni­ca que faz do Amor um grande espetácu­lo, demar­can­do as fron­teiras entre o real e o dese­jo. Até que pon­to nos é per­mi­ti­do que­brar mais de um pote e saciar nos­sa fome?

    Cada vida aber­ta nos ensi­na que o Amor não é vis­to ape­nas por um ângu­lo, mas vivi­dos em múlti­p­los olhares não-con­tem­pla­tivos, que fazem do sen­ti­men­to um cam­po de exper­iên­cias e tro­ca de sen­si­bil­i­dades, mes­mo que o out­ro não fale sua lín­gua, ou que não con­si­ga viv­er no mes­mo teto. Os amores enquan­to proces­so, fluxo e instru­men­to de redefinição con­stante de cada indivíduo.

    O filme não expõe o Amor enquan­to efe­ti­vação, resul­ta­do final, pre­vis­i­bil­i­dade, o que Jucélio procu­ra é tran­si­tar pelas exper­iên­cias que se colo­cam diante de nós, para com­par­til­har um con­jun­to de visões em proces­so de con­strução, muitas vezes não-ditas no uni­ver­so sen­so-comum, que é vigia­da pela estu­pid­ez da vir­il­i­dade machista, restri­ta ao moral­is­mo tri­un­fante do homem sifil­izador e da mul­her recata­da, enri­je­ci­da pela tradição do cor­po que se fecha para os pos­síveis e impossíveis.

    Para­le­lo às nar­ra­ti­vas, Jucélio explo­ra no filme o uso de leg­en­das para con­tar out­ra história, exigin­do do espec­ta­dor atenção redo­bra­da no cruza­men­to entre o tex­to e as ima­gens. Era uma vez, um príncipe que “só gosta­va de príncipes”, com receio de perder todas as suas riquezas, o príncipe “decide escr­ev­er um dis­cur­so a todo seu reina­do”, um pro­nun­ci­a­men­to que fala do Amor.

    Para rece­ber inspi­ração, o príncipe vai à bus­ca de con­viv­er com pes­soas que com­par­til­havam das mes­mas emoções. As leg­en­das que nar­ram esta história não apare­cem numa ordem defini­da, mas durante todo o filme, dis­per­sas entre as vozes que rev­e­lam seus amores ao espec­ta­dor. As leg­en­das tam­bém são uti­lizadas em algu­mas cenas para acom­pan­har simul­tane­a­mente os depoimentos.

    Quan­do entre­vista Rodol­fo, Jucélio exper­i­men­ta tro­car a voz do depoente pelas leg­en­das, onde a entre­vista é tex­tu­al­iza­da, a par­tir de um corte na cena, para invert­er a relação que o espec­ta­dor man­tinha até então com o filme. Nesse momen­to, quem assiste é tam­bém leitor, ao acom­pan­har a con­ver­sa entre os dois, a par­tir do tex­to disponív­el, silen­cian­do as vozes, ao destacar ima­gens de Rodol­fo no tra­bal­ho, coz­in­han­do, despre­ocu­pa­do com a pre­sença da câmera, que fixa o olhar em seus movi­men­tos quase automáti­cos na cozinha.

    Jucélio Matos, dire­tor do documentário

    Já no final do filme, Jucélio retoma as leg­en­das para con­cluir que o príncipe, ao escr­ev­er seu dis­cur­so, “apron­tou-se ele­gan­te­mente… e desis­tiu. Não havia sen­ti­do em falatório algum. Porque ape­sar de amor rimar tan­to com dor, ele resolveu acred­i­tar no tem­po pre­sente. Inde­pen­dente em qual lado do espel­ho estivesse. E a real­i­dade e ficção viraram assim, um só amor”.

    Seria o príncipe do Doc de Amor uma exten­são de Jucélio? Ou nos­sas exten­sões mais ínti­mas, postas em questão? Para aden­trar neste uni­ver­so que se des­faz com uma névoa bran­ca, que se perde entre as fol­has e o céu, é pre­ciso se per­mi­tir, ati­var todos os poros que ain­da nos restam para con­sumir e ser con­sum­i­do pelos amores que com­par­til­hamos num espaço aber­to-fecha­do-aber­to, num exer­cí­cio con­stante de rein­venção dos con­ceitos que cer­cam o Amor, a fim de torná-lo livre, para degus­tações afe­ti­vas, em quem sabe, efetivas…

    O sol rea­parece, os cor­pos são obri­ga­dos a se sep­a­rar… é hora de ir emb­o­ra para casa… mas, como diz Jorge Maut­ner*, “min­has lágri­mas se acabaram, mas não a von­tade de chorar… só o amor pode matar o medo”.

    Esse é o Doc de Amor, meu Doc de Amor, que Jucélio Matos fez para o mun­do. Por uma história das sensibilidades.

    * Jorge Maut­ner em Ressureições do álbum Revirão (Warn­er Music), de 2007

  • O Mestre | Crítica

    O Mestre | Crítica

    O Mestre (The Mas­ter, E.U.A., 2012), o aguarda­do novo lon­ga de Paul Thomas Ander­son, já nasceu com bas­tante expec­ta­ti­va. Em 2008 o dire­tor foi um dos mais indi­ca­dos ao Oscar — mas lev­ou ape­nas duas estat­ue­tas — trazen­do Daniel Day-Lewis em Sangue Negro, um papel arrebata­dor como um homem do petróleo no iní­cio do sécu­lo XX, mostran­do o novo ros­to da mod­ernidade mar­ca­da pela solidão e indi­vid­u­al­is­mo. Nesse novo lon­ga, o dire­tor segue um cam­in­ho pare­ci­do trazen­do uma tra­ma fic­cional, ape­sar de ser bem real­ista, do surg­i­men­to da Cien­tolo­gia, uma religião que tem agre­ga­do muitos amer­i­canos e vive na som­bra do mistério.

    Ninguém per­maneceu igual depois da Segun­da Guer­ra Mundi­al, eram vísiveis as mar­cas do com­bate nos cor­pos e mentes dos home­ns que voltavam de lá. E para quem ficou desse lado do oceano havia uma comoção em bus­ca de uma fé, de expli­cações que aju­dassem a com­preen­são e o sen­ti­do da vida. O momen­to era propí­cio para o encon­tro de dois home­ns, Fred­die Quell, um vet­er­a­no da mar­in­ha per­tur­ba­do pelo pas­sa­do e alcoóla­tra, e Lan­cast­er Dodd, um homem inteligente, caris­máti­co e ambi­cioso que começa a con­seguir fiéis com as suas ideias de “A Causa”.

    A primeira parte de O Mestre é ded­i­ca­da à intro­dução de Fred­die (Joaquin Phoenix), um homem de pou­cas palavras e tre­jeitos bru­tos, apre­sen­ta­do sobre uma tril­ha sono­ra bem ao esti­lo do dire­tor, alta e apoteóti­ca. O espec­ta­dor se apro­pria da imagem de Fred­die voltan­do da Guer­ra, se embria­gan­do — ele faz sua própria bebi­da — e levan­do seus dias de uma for­ma sem maiores per­spec­ti­vas até con­hecer Dodd (Philip Sey­mour Hoff­mann) em um momen­to de decadên­cia. Ape­sar da relação dos dois per­son­agens ser o motor do enre­do, o foco sem­pre per­manece em cima de Fred­die e suas reações desmedidas.

    Ele “deve deixar de ser um ani­mal estúpi­do” é o que diz Dodd, e Fred­die é car­ac­ter­i­za­do exata­mente dessa for­ma, seus tre­jeitos físi­cos mostram que seu cor­po foi defor­man­do com o tem­po, assim como suas feições faci­ais e grun­hi­dos que ele emite em alguns momen­tos. Já o homem, o mestre da Causa é cal­mo, per­se­ver­ante e além de médi­co, cien­tista, filó­so­fo e como ele mes­mo diz “aci­ma de tudo, sou um homem”.

    O lon­ga tem um rit­mo bas­tante pare­ci­do com o ante­ri­or Sangue Negro, com uma nar­ra­ti­va arras­ta­da, foca­da nos per­son­agens que em seus con­tex­tos históri­cos, por mais chama­tivos que sejam, são ape­nas plano de fun­do. Em ambos os filmes os pro­tag­o­nistas e coad­ju­vantes são uma excelên­cia à parte. Tan­to Joaquin Phoenix e Daniel Day-Lewis se sus­b­metarem a exce­lentes tra­bal­hos de atu­ação e vivên­cia dos per­son­agens. E vale ressaltar que em O Mestre, os coad­ju­vantes tam­bém são defen­sores de uma fé extrema, não há como não rela­cionar os ataques defen­sivos de Lan­cast­er Dodd com o cul­to ence­na­do do pas­tor Elie Sun­day de Sangue Negro.

    A Cien­tolo­gia surgiu em 1952 e logo depois virou igre­ja. Segue os pre­ceitos de L. Ron Hub­bard, que mor­reu em 1986, suposta­mente inter­pre­ta­do aqui por Philip Sey­mour. Hub­bard criou a Dianéti­ca, práti­ca foca­da no poder da mente sobre o cor­po, onde muitos de seus exer­cí­cios são exibidos no filme. Ape­sar das espec­u­lações do lon­ga se basear na his­to­ria da crença, ele não se com­pro­m­ete muito com o assun­to e aca­ba cain­do na mist­i­fi­cação da Causa e que tipo de grupo mis­te­rioso eles seriam.

    Paul Thomas Ander­son fil­mou em 65 mm, fazen­do com que o lon­ga ten­ha um aspec­to muito próx­i­mo da estéti­ca da época. A tril­ha sono­ra foi fei­ta por Jon­ny Green­wood, gui­tar­rista do Radio­head, que causa obri­ga­to­ri­a­mente um momen­to dramáti­co em cenas apáti­cas, o que de fato não é ruim, dan­do um tom de espetácu­lo para várias cenas, con­tribuin­do assim com o esti­lo exager­a­do do diretor.

    O lon­ga con­corre a três Oscares nesse ano e de fato é bas­tante com­pe­tente nos três atores apon­ta­dos. Joaquin Phoenix, Philip Sey­mour Hoff­man e Amy Adams — sendo a mais fra­ca do trio — são a base do filme. O Mestre é mis­te­rioso e tem isso a seu favor, mas com um roteiro tão arras­ta­do não pos­sui as mes­mas seduções de Sangue Negro e tam­bém pas­sa longe do esti­lo Mag­nólia de um Paul Thomas no fim dos anos 90.

    Trail­er:

  • Lincoln | Crítica

    Lincoln | Crítica

    Abra­ham Lin­coln é com certeza uma das fig­uras públi­cas mais con­heci­da e ama­da nos Esta­dos Unidos, e ninguém mel­hor do que o dire­tor Steven Spiel­berg, para enal­te­cer ain­da mais essa figu­ra em Lin­coln (EUA, 2012), seu mais novo filme. Basea­do em uma das partes do livro “Team of Rivals — The Polit­i­cal Genius of Abra­ham Lin­coln” escrito por Doris Kearns Good­win e lança­do aqui no Brasil pela Edi­to­ra Record sob o títu­lo “Lin­coln”, o lon­ga abrange os últi­mos 4 meses de vida do pres­i­dente, que foi assas­si­na­do em 15 de abril de 1865.

    Este foi jus­ta­mente o perío­do em que o Lin­coln batal­ha­va para con­seguir que a 13º emen­da da con­sti­tu­ição, a qual proib­ia a escravidão nos Esta­dos Unidos, fos­se aprova­da, bem como para ter­mi­nar a Guer­ra Civ­il Amer­i­cana, provavel­mente a maior crise inter­na vivi­da pelo país. Saben­do que a guer­ra era uma opor­tu­nidade úni­ca para con­seguir a abolição da escra­vatu­ra,  ten­tou de todas as maneiras pos­síveis que ela fos­se legal­iza­da. Uti­lizan­do difer­entes tipos de arti­man­has e sub­or­nos, lem­bran­do em alguns momen­tos a história do Papa Rodri­go Bor­gia, que pos­sui uma série em quadrin­hos incrív­el ilustra­da por Milo Man­ara e escri­ta por Ale­jan­dro Jodor­owsky, tiran­do todo o sexo, é claro. Esse tipo de manobra traz um ques­tion­a­men­to bem inter­es­sante não só a respeito das vul­ner­a­bil­i­dades de uma repúbli­ca, assim como da val­i­dade do aspec­to, de cer­ta for­ma maquiavéli­co (o fim deter­mi­na os meios), de uma ambição cujo propósi­to é um bem maior para a humanidade. Questões que cer­ta­mente dão muito o que pen­sar e discutir.

    Acom­pan­hamos tam­bém vários momen­tos ínti­mos de Lin­coln em situ­ações que geral­mente não imag­i­namos um pres­i­dente fazen­do, como ele engraxan­do suas próprias botas ou de joel­ho no chão colo­can­do lenha na sua lareira. O foco do filme é mostrar como era o dia a dia des­ta pes­soa que teve um papel tão impor­tante em mod­e­lar o país como ele é hoje, rev­e­lando mais o homem e menos o mito. A facil­i­dade, em relação a hoje em dia, de pes­soas comuns falarem com o pres­i­dente a respeito de prob­le­mas que estavam ten­do, tam­bém causa cer­to estran­hamen­to. Assim como toda a men­tal­i­dade racista e cheia de pre­con­ceitos de uma época em que falar sobre mul­heres terem o dire­ito ao voto causa­va uma grande con­fusão. Este é um momen­to ante­ri­or ao ambi­en­ta­do no filme “Djan­go Livre” (2012), onde a escravidão pre­domi­na­va e a Guer­ra Civ­il Amer­i­cana esta­va prestes a estourar.

    O grande destaque do lon­ga são as óti­mas atu­ações, prin­ci­pal­mente o Daniel Day-Lewis como Lin­coln, cujo últi­mo tra­bal­ho foi o fraquís­si­mo “NINE” (2009) dirigi­do por Rob Mar­shall, e Tom­my Lee Jones (“Home­ns de Pre­to 3″). Há tam­bém um pequeno papel do exce­lente Joseph Gor­don-Levitt (“Loop­er: Assas­si­nos do Futuro” e “Bat­man — O Cav­aleiro das Trevas Ressurge”) como fil­ho do pres­i­dente, o qual foi indi­ca­do ao Spiel­berg pelo próprio Day-Lewis, mas acabou fican­do ofus­ca­do pelas out­ras atu­ações. Ape­sar de já terem sido escritos muitos livros sobre o Lin­coln, há vários pon­tos de vis­tas em relação a sua per­son­al­i­dade, o que aca­ba geran­do cer­ta dis­crepân­cia entre os his­to­ri­adores e tor­nan­do a definição do per­son­agem mais difí­cil. Dev­i­do à inex­istên­cia de mate­r­i­al audio­vi­su­al sobre o pres­i­dente, um dos prob­le­mas por exem­p­lo foi achar a “voz” do mes­mo. O próprio Day-Lewis foi respon­sáv­el por grande parte da con­strução de seu per­son­agem. As cenas que provavel­mente ficarão gravadas na memória, são os momen­tos em que Lin­coln inter­rompe o tra­bal­ho de todos e con­ta uma história, para o deleite ou o despraz­er de quem está a sua volta.

    “Witch­ing Hour” por Andrew Wyeth

    Visual­mente o filme chama bas­tante atenção por ser bem escuro e uti­lizar somente a ilu­mi­nação nat­ur­al, seja por velas, lareiras ou janelas com a corti­na aber­ta. O dire­tor con­ta que se inspirou bas­tante nos quadros dos pin­tores impres­sion­istas do sécu­lo 19, onde eles começaram a usar o efeito da luz nat­ur­al para ilu­mi­nar o con­teú­do de suas pin­turas. A prin­ci­pal refer­ên­cia foram as obras do pin­tor Andrew Wyeth, que pos­sui um con­traste bem forte em seus quadros, car­ac­terís­ti­ca que é bem mar­cante no lon­ga. Inter­es­sante tam­bém, foi a escol­ha de deixar de fora cer­tas cenas que mostravam o grande resul­ta­do de um acon­tec­i­men­to, como o final da votação da 13º emen­da ou o seu assas­i­na­to, para focar em lugares e acon­tec­i­men­tos mais per­iféri­cos. É claro que este não deixa de ser um filme do Spiel­berg, ape­sar de ter uma ou out­ra cena de batal­ha com sangue, a enal­tação da beleza e da bon­dade das pes­soas trans­bor­da pela tela. Tam­bém temos algu­mas tomadas bem estratég­i­cas não só para enfa­ti­zar o quão alto o pres­i­dente era, mas tam­bém toda a grandiosi­dade que o mes­mo trans­mi­tia, tan­to em pre­sença quan­to em espírito.

    Lin­coln pode não faz­er muito sen­ti­do em ter­ritório nacional como um “cin­e­ma pipoca”, não só pelo pouco — ou inex­is­tente — ape­lo emo­cional des­ta figu­ra públi­ca por aqui, mas prin­ci­pal­mente pela sua lon­ga duração, prati­ca­mente duas horas e meia de filme. Sendo o mes­mo assis­ti­do mais como uma exper­iên­cia pela curiosi­dade históri­ca, o lon­ga aca­ba sendo muito inter­es­sante, mas real­mente é pre­ciso estar nesse movi­men­to. E com o Oscar aí, não há dúvi­da que este seja o querid­in­ho dos amer­i­canos, res­ta ago­ra torcer para que o nacional­is­mo não fale mais alto do que a qual­i­dade dos can­didatos entre si. Se não ocor­rer nova­mente toda a tram­bicagem na hora da votação, é claro.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=b6WkKvgn2G4

  • Looper: Assassinos do Futuro (2012), de Rian Johnson

    Looper: Assassinos do Futuro (2012), de Rian Johnson

    Para muitos talvez o ano de 2012 ten­ha fica­do mar­ca­do, no que­si­to de ficção cien­tí­fi­ca no cin­e­ma, pela grande decepção em relação a expec­ta­ti­va — que era maior ain­da — em cima do filme “Prometheus”, pre­quel de Alien dirigi­do nova­mente pelo Rid­ley Scott. Mas o ano tam­bém trouxe uma grande sur­pre­sa no gênero, com “Loop­er: Assas­si­nos do Futuro” (Loop­er, EUA/China, 2012), escrito e dirigi­do por Rian John­son, que reto­mou o tema da viagem no tem­po de uma maneira muito diver­ti­da e acessív­el para qual­quer público.

    O lon­ga já começa apre­sen­tan­do ao expec­ta­dor uma ideia sim­ples e ao mes­mo tem­po insti­gante: em 30 anos, a par­tir do pre­sente do per­son­agem prin­ci­pal, a viagem no tem­po vai ser pos­sív­el. Mas ela irá cair rap­i­da­mente nas mãos de orga­ni­za­ções crim­i­nosas que, por con­ta do imen­so avanço nas téc­ni­cas de inves­ti­gações da polí­cia, a usarão para enviar pes­soas para serem elim­i­nadas no pas­sa­do por assas­i­nos chama­dos de Loop­ers, para que o crime não seja descober­to. Genial, não é?!?

    O tem­po pre­sente do enre­do já se pas­sa num futuro, ape­sar de não saber­mos exata­mente qual o ano. É um tem­po não muito difer­ente do atu­al, com uma visão bem degen­er­a­da do mes­mo — mas não tan­to quan­to um “Mad­Max” — onde há uma lacu­na muito grande entre as class­es soci­ais e boa parte do mun­do está cain­do aos pedaços. O máx­i­mo de algo que voa são motos que vivem dan­do prob­le­mas e os car­ros não mudam muito, ape­nas tem de difer­ente algu­mas gam­biar­ras para serem ali­men­ta­dos com ener­gia solar ou algo do tipo. Tam­bém somos apre­sen­ta­dos a um novo tipo de celu­lar, que é ape­nas um pedaço de “vidro” trans­par­ente e quadra­do. Essa visão de um futuro não muito difer­ente, que talvez seja bem mais real­ista do que as muitas out­ras imag­i­nadas, onde tudo é total­mente tec­nológi­co, lem­brou bas­tante o óti­mo filme espan­hol “Eva — Um Novo Recomeço”, dirigi­do por Kike Maíl­lo, onde uma das pou­cas áreas que real­mente teve um avanço sig­ni­fica­ti­vo foi a robótica.

    Acred­i­to que uma das primeiras coisas que mais chama atenção no filme é o ros­to alter­ado do ator Joseph Gor­don-Levitt, que faz o papel prin­ci­pal de Joe, para ficar mais pare­ci­do com o Bruce Willis, sua ver­são 30 anos mais vel­ha. Mas o que aca­ba tor­nan­do os dois per­son­agens mais pare­ci­dos não é a maquiagem, mas sim todos os maneiris­mos dos dois, pois Gor­don-Levitt pas­sou por um estu­do pro­fun­do do jeitão do Willis. Uma curiosi­dade inter­es­sante é que todos do filme são grande fãs do Bruce e eles ficaram extrema­mente con­tentes que ele aceitou par­tic­i­par de um filme mais alter­na­ti­vo e com baixo orça­men­to, prin­ci­pal­mente o dire­tor que só depois foi se tocar que fisi­ca­mente eles eram total­mente difer­entes, que acabou tor­nan­do a vida do maquiador um inferno.

    Um dos grandes trun­fos do lon­ga é que ele omite proposi­tal­mente muitas das infor­mações, entre­gan­do só o sufi­ciente para se enten­der o que está acon­tendo, fazen­do com que a exper­iên­cia vá além do cin­e­ma, deixan­do um espaço para sua imag­i­nação com­ple­tar e ques­tionar, como acon­tece muitas vezes na leitu­ra de um bom livro. Após a sessão, você quer enten­der mel­hor toda a esquemáti­ca das via­gens no tem­po real­izadas, não por picuin­ha para encon­trar algum erro ou algo do tipo, mas sim como um adi­cional para acres­cen­tar mais ain­da a exper­iên­cia. O filme deixa aber­to várias pos­si­bil­i­dades do que pode­ria ter acon­te­ci­do, brin­can­do tam­bém com a própria memória dos per­son­agens, que vai mudan­do con­forme cer­tas coisas vão acon­te­cen­do, então pode ser que nem sem­pre elas sejam con­fiáveis. Ele inclu­sive deixa claro em cer­to momen­to que não vale a pena ficar desen­han­do esquem­inhas com canud­in­hos para ten­tar com­preen­der todas as pos­si­bil­i­dades, porque tudo que irá acon­te­cer é você ficar louco com aqui­lo e que o mais impor­tante é se con­cen­trar no que está acon­te­cen­do na tela. Segun­do o próprio dire­tor, “Loop­er: Assas­si­nos do Futuro” não é um filme como “Primer¨ (2004) ou ”De Vol­ta para o Futuro” (1985), onde parte do praz­er é desven­dar o que­bra cabeças da viagem no tem­po, mas sim muito mais como “O Exter­mi­nador do Futuro” (1984), onde a viagem no tem­po ape­nas cria uma situ­ação e o lon­ga con­tin­ua a par­tir dela. Ele até comen­ta que mon­tou todo um esque­ma para ter uma lóg­i­ca, mas deixou o mín­i­mo pos­sív­el visív­el no filme pois não que­ria que isso fos­se o foco.

    Para quem gos­ta de histórias envol­ven­do viagem no tem­po, recomen­do o cur­ta “Loop”, que você pode assi­s­tir por com­ple­to aqui no inter­ro­gAção. E se você quer se diver­tir um pouco após ter vis­to o “Loop­er: Assas­si­nos do Futuro”, veja esta “ver­são da Dis­ney” do mes­mo, que os edi­tores do site Screen­Junkies fiz­er­am mis­tu­ran­do cenas dos filmes “Duas Vidas” (2000) e “Os anjos Entram em Cam­po” (1994), mas que infe­liz­mente não tem legendas.

  • Django Livre | Crítica

    Django Livre | Crítica

    Qual o taman­ho da difi­cul­dade de escr­ev­er sobre um filme de Quentin Taran­ti­no? Talvez uma das tare­fas mais inter­es­santes nos filmes do dire­tor é encon­trar todas as refer­ên­cias cin­e­matográ­fi­cas, de quadrin­hos, lit­er­atu­ra e a imen­sid­ão de influên­cias que ele con­segue mon­tar nos seus filmes e Djan­go Livre (Djan­go Unchained, E.U.A., 2012) não é nen­hu­ma exceção. Três anos depois de matar Hitler no cin­e­ma em Bas­tar­dos Inglórios (2009), o dire­tor man­tém o esti­lo do que eu chamaria de “vin­gança cole­ti­va” no seu novo lon­ga onde Djan­go, um escra­vo lib­er­to por um alemão, parte ao rumo de uma jor­na­da para sal­var sua ama­da Brunhilde.

    Taran­ti­no talvez seja o pai e o maior real­izador do que se con­hece como remix no cin­e­ma — a bela arte de usar algo pre­ex­is­tente dan­do um novo con­tex­to para aqui­lo — e faz isso com maes­tria. As refer­ên­cias são muitas e depende é claro do seu repertório, onde cada plano de câmera pode faz­er um sen­ti­do e gan­har mais sig­nifi­ca­do de acor­do com a lig­ação imag­i­na­da. Mas não se sin­ta desan­i­ma­do se você não é nen­hum mestre em cin­e­ma west­ern e seus deriva­dos, ou das out­ras áreas citadas, porque mes­mo assim você vai apre­ciar cada lance de Djan­go Livre. O que Taran­ti­no con­segue faz­er com a arte do remix é recri­ação de alto nív­el, colan­do todas as suas obsessões e dan­do vida a algo total­mente próprio, tor­nan­do o seu cin­e­ma adje­ti­vo dele mesmo.

    Djan­go Livre segue a mes­ma lin­ha de poder reden­tor dado ao espec­ta­dor. Por quase três horas você pode sen­tir cada gos­to da vin­gança de fatos que his­tori­ca­mente foram injus­tos, mas que na ficção fun­cionam de for­ma per­fei­ta e cal­mante. Jamie Foxx é Djan­go Free­man — mais um óti­mo tro­cadil­ho — um escra­vo lib­er­to que faz uma bela parce­ria com King Schultz (Christo­pher Waltz), um den­tista que tro­cou a bro­ca por alguns gatil­hos velozes e notas de rec­om­pen­sa. A Guer­ra Civ­il amer­i­cana está prestes a estourar e o sul dos E.U.A. man­tém firme sua econo­mia escrav­ocra­ta. Djan­go é um negro lutan­do por sua liber­dade, per­son­ifi­ca­da na sua esposa que tem nome de len­da alemã, e para chegar até ela não se pre­ocu­pa onde ten­ha que pis­ar e atirar.

    Nem sem­pre o espec­ta­dor nota todos os detal­h­es — e no caso dos filmes do Taran­ti­no é até perigoso diz­er que algo “ficou com a pon­ta sol­ta” — pois prati­ca­mente tudo em cena, cada resp­in­go de sangue, vem de algum can­to da memória ciné­fi­la do cara. Você provavel­mente notará a pre­sença de inúmeros west­erns clás­si­cos com câmeras focadas em ros­tos expres­sivos, due­los de armas, um anti-herói que age mais do que fala e claro, a vin­gança que nun­ca é tar­dia e sem­pre rec­om­pen­sado­ra. Claro que ess­es são os pon­tos de hom­e­nagem do dire­tor, ago­ra junte tudo isso a muito sangue, nen­hum perdão e um pouco de filosofia samu­rai e você terá um Taran­ti­no feliz.

    A refer­ên­cia mais clara para Djan­go Livre — que pode ser con­sid­er­a­do mais como uma bela hom­e­nagem — é o per­son­agem clás­si­co de Ser­gio Cor­buc­ci, no filme de 1966 estre­la­do por Fran­co Nero, que inclu­sive faz uma pon­tin­ha em Djan­go Livre. Neste o anti-herói tam­bém está em bus­ca de uma boa vin­gança e não deixa de faz­er isso sem uma tril­ha sono­ra agi­ta­da e bas­tante incon­stante, como tam­bém faz Taran­ti­no, man­ten­do a classe de optar por uma sonori­dade diver­sa e oscilante, hom­e­nage­an­do várias fig­uras e que vão des­de tril­has de west­erns clás­si­cos, pas­san­do por John­ny Cash e indo até um óti­mo mashup de James Brown com “The Pay­back” com a “Untouch­ables” do rap­per 2Pac.

    O encon­tro de “Djan­gos”

    Um dos trun­fos mais geni­ais nas nar­ra­ti­vas cri­adas por Taran­ti­no são os para­dox­os de humor negro que ele cria com seus per­son­agens, acom­pan­hado dos diál­o­gos ver­bor­rági­cos — no caso de Djan­go, um pouco exager­a­dos em alguns momen­tos — entre eles. Imag­ine você um negro escra­vo, de um sul extrema­mente racista e per­ver­so, sal­vo por um alemão que leva a vida como caçador de rec­om­pen­sas. Afi­nal, nada é tão pior quan­to os Amer­i­canos e nada mel­hor que um deles para falar dis­so. Observe a cena que sinal­iza uma primeira for­mação de uma pos­siv­el Ku Klux Klan, hilário no mín­i­mo. Um west­ern com o col­o­niza­do, no caso escrav­iza­do, metendo bala atrás da sua liber­dade. Sim, é isso que gosta­mos de ver.

    Quan­to ao elen­co de Djan­go Livre, o alemão Christo­pher Waltz é um dos caras da vez do Taran­ti­no. Des­de a sua aparição em Bas­tar­dos Inglórios ele vem sendo usa­do por vários out­ros como um “grande alemão mal­va­do”, mas em Djan­go Livre ele vol­ta com o mes­mo sen­so de humor negro do seu per­son­agem nazista, mas dessa vez corre com os lobos, ou mel­hor, corre com Djan­go. Aliás, ele e Jamie Foxx for­mam uma dupla e tan­to assim como sem­pre nos filmes do dire­tor, mocin­hos e ban­di­dos con­seguem ter uma mes­ma qual­i­fi­cação e não há como não men­cionar Leonar­do Di Caprio como Calvie Can­die, um ver­dadeiro sen­hor do Mis­sis­sípi e Samuel L. Jack­son como um negro com uma espé­cie de sín­drome de estocolmo.

    Esse tex­to que você leu não é uma críti­ca e espero que, se você tin­ha algu­ma dúvi­da, defin­i­ti­va­mente ten­ha se moti­va­do a ver Djan­go Livre. Provavel­mente terei que ver muitas vezes, além de retomar aos gos­tos taran­ti­nescos, para con­seguir arran­car boa parte das refer­ên­cias que cor­rem pela tela. Abaixo deixo a tril­ha sono­ra com­ple­ta do filme no Sound­cloud. Dê o play e vá prepara­do para expur­gar seus próprios demônios afi­nal, sem­pre sabe­mos que Taran­ti­no é um belo place­bo para boa parte dos nos­sos males.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=tivv135aGbc

  • Jack Reacher: O Último Tiro | Crítica

    Jack Reacher: O Último Tiro | Crítica

    É difí­cil imag­i­nar o ator Tom Cruise fazen­do um per­son­agem que não seja o mocin­ho bonit­in­ho e galanteador que, quan­do é pos­sív­el, der­ro­ta um monte de caras maus usan­do sua incrív­el habil­i­dade de manuse­ar armas e lutar. No seu novo filme, Jack Reach­er: O Últi­mo Tiro (Jack Reach­er, EUA, 2012), dirigi­do por Christo­pher McQuar­rie, o sr. Cruise é nada mais nada menos do que tudo isso jun­to e mais um pouco, mas nada “impos­sív­el” é claro, pois Jack não é um Ethan Hunt.

    Um ex-mil­i­tar é acu­sa­do de ter mata­do cin­co pes­soas em ple­na luz do dia com um rifle e, ao ser ques­tion­a­do, suas úni­cas palavras são: ache Jack Reach­er. Logo após somos instruí­dos a respeito da mag­ni­tude — para não usar out­ras palavras — desse tal de Reach­er, que ninguém sabe dire­ito da sua história e muito menos como encon­trá-lo, pois é ele que encon­tra você, além dis­so, ele é um cara que segue suas próprias leis, onde a úni­ca coisa que impor­ta para ele é faz­er o que é certo.

    O filme já começa deixan­do claro quem é o ver­dadeiro assas­si­no, por­tan­to a grande questão é: quem são as pes­soas que aju­daram a orga­ni­zar esse assas­i­na­to? E o lon­ga até que con­segue cri­ar um bom sus­pense em cima des­ta questão, mes­mo muitas vezes deixan­do ela em segun­do plano por causa das várias brigas e perseguições. Aliás, há uma cena lon­ga de perseguição de car­ro que acabou sendo tudo menos ten­sa, pas­san­do a impressão como se os atores estivessem diringo aque­les car­rin­hos bate-bate, dos par­ques de diver­são, onde um fica perseguin­do e baten­do no car­ro do out­ro, mas são inca­pazes de faz­er qual­quer coisa — como sair do car­ro, ati­rar, … — além dis­so. Para os fãs de jogos, pare­ceu até aque­les momen­tos no GTA onde você sim­ples­mente quer tirar uma onda e sai com o car­ro baten­do nos veícu­los da polí­cia e foge sem muito rumo ape­nas para ver até onde con­segue ir. Ou seja: com­ple­ta­mente sem mui­ta emoção e desnecessário.

    É claro que não pode­ria fal­tar um climin­ha entre os dois pes­on­agens prin­ci­pais, mas em nen­hum momen­to chega a virar um romancez­in­ho bobo, como por exem­p­lo em Encon­tro Explo­si­vo, só fal­tou mes­mo quími­ca entre eles, que é inex­is­tente. Já a per­son­agem fem­i­ni­na, inter­pre­ta­da por Rosamund Pike, infe­liz­mente chama mais atenção pelos seus dotes físi­cos salti­tan­do enquan­to anda ou corre, do que pela atu­ação em si.

    Lee Child

    Jack Reach­er: O Últi­mo Tiro é basea­do no livro Um Tiro (Edi­to­ra Bertrand Brasil) da série poli­cial cri­a­da pelo escritor britâni­co Lee Child, que tam­bém tra­bal­hou jun­to com a pro­dução do filme. Segun­do o autor, seu per­son­agem, Jack Reach­er, difer­ente dos out­ros dete­tives de out­ras histórias, não tem emprego e residên­cia fixa, o que o tor­na úni­co no gênero. Ou seja, temos prati­ca­mente um Lobo Solitário cuja mis­são prin­ci­pal não é a vin­gança, mas sim sim­ples­mente faz­er o bem, fato que aca­ba trans­for­man­do o per­son­agem, pelo menos no lon­ga, prati­ca­mente em um san­to. Para com­ple­men­tar, o mes­mo faz questão de ques­tionar o modo como a sociedade em ger­al vive sua “liber­dade”, pre­sos em suas lutas diárias para pagar as con­tas. Se ele não fos­se tão bonz­in­ho, talvez até teria uma vaga no Clube da Luta para ele. Aliás, não há prati­ca­mente uma gota de sangue no filme, ape­nas hematomas, seguin­do o padrão de “pureza” do cin­e­ma amer­i­cano, só não deixan­do de ser tão ridícu­lo quan­to as mortes em Bat­man — O Cav­aleiro das Trevas Ressurge.

    Tiran­do de lado a super memória do Jack, o mes­mo é bas­tante crív­el nos out­ros aspec­tos, onde não abusam demais — excluin­do uma ou out­ra cena é claro — da sua capaci­dade de con­seguir faz­er tudo que quer, se difer­en­ci­a­do assim de muitos filmes do gênero, prin­ci­pal­mente do seu mais famoso per­son­agem em Mis­são Impos­sív­el. Um dos aspec­tos bem inter­es­sante do lon­ga, é que fica bem explíc­i­to que ele depende bas­tante da sorte para ser bem suce­di­do em sua jor­na­da, haven­do uma cena mem­o­ráv­el onde se não fos­se por isso, o mes­mo seria facil­mente mor­to por dois capan­gas armados.

    O filme em ger­al é bem lon­go, muitas vezes meio arras­ta­do, mas jus­ta­mente por deixar várias situ­ações se desen­volverem mais do que o nor­mal, o resul­ta­do final aca­ba sendo um pouco mais inter­es­sante. Para quem ado­ra ver os filmes do Tom Cruise, com certeza não deve perder mais este lança­men­to. Já para os que não são fãs mas tam­bém não o odeiam, o lon­ga pode acabar agradan­do, ape­sar de todos os clichês, prin­ci­pal­mente por man­ter a inte­gri­dade com que o per­son­agem se propõe: andar livre­mente em bus­ca de faz­er o que ele acred­i­ta ser o certo.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=oRWnDX8qJKo

  • Pietá (2012), de Kim Ki-Duk | Cinema Alternativo

    Pietá (2012), de Kim Ki-Duk | Cinema Alternativo

    O que é Dinheiro?
    Dinheiro?
    O começo e o fim das coisas.…
    Amor, hon­ra, vio­lên­cia, fúria…ódio, inveja…morte.

    Din­heiro é provavel­mente a figu­ra mais pre­sente em Pietá (Pieta, Coréia do Sul, 2012) o aguarda­do e pre­mi­a­do lon­ga do dire­tor core­ano Kim Ki-Duk. Con­heci­do por tratar a natureza humana e os cam­in­hos que o próprio ser humano per­corre para se per­pet­u­ar como tal, com uma bru­tal­i­dade que beira ao sen­sív­el, o dire­tor retor­na a um esti­lo que foi mar­ca nos seus primeiros filmes, a vin­gança como meio de redenção.

    Pietá, a escul­tura do sécu­lo XV de Michelân­ge­lo é a refer­ên­cia óbvia e expres­sa no car­taz ofi­cial da “Piedade”, recri­a­da pelo dire­tor Kim Ki-Duk. Assim como a virgem Maria, ide­al­iza­da jovem pelo artista ital­iano, segu­ran­do o Cristo com o seu olhar sofri­do e melancóli­co, a mãe sul-core­ana segu­ra o fil­ho tam­bém mor­to, uma releitu­ra ain­da mais real do clás­si­co. Mas o que está por trás dessa dor da mãe que perdeu seu fil­ho? Ousan­do mostrar até onde uma mãe iria, ele rene­ga que uma mul­her nes­sa posição sim­ples­mente dê “a out­ra face” para alguém que ten­ha prej­u­di­ca­do um fil­ho seu.

    A Pietá de Michelangelo
    O enre­do do lon­ga traz Kang-do, um jovem cobrador de dívi­das, con­trata­do por agio­tas para lit­eral­mente colo­car o ter­ror nos deve­dores. Ele é per­feito para a profis­são, sem nen­hu­ma espé­cie de laço famil­iar ou de rela­ciona­men­to, não demon­stra sen­ti­men­tos e vive sem lim­ites até que começa a ser persegui­do por uma sen­ho­ra que diz ser a sua mãe que o aban­do­nou há 30 anos. A princí­pio o jovem não sabe lidar com a pre­sença e a insistên­cia da mul­her na sua vida, exper­i­men­tan­do sen­ti­men­tos fortes que vão des­de o ódio pro­fun­do e repul­sa até a descober­ta de amor reprimido.

    Pietá se con­strói sobre essas novas exper­iên­cias do jovem Kang-do que já não sabe como agir diante da sua própria cru­el­dade. Reprim­i­do durante toda a sua vida e cri­a­do em um mun­do cru­el, que não tem nada para ofer­e­cer além das leis de sobre­vivên­cia baseadas no din­heiro, a relação instân­tanea entre mãe e fil­ho — e a neces­si­dade que o jovem tem dela — se dá de for­ma prati­ca­mente edip­i­ana. O lon­ga se encam­in­ha para uma espi­ral de impul­sos e relações de ação e reação, onde perdão não é de fato um sen­ti­men­to sim­ples de se obter, seja nas relações pes­soais ou nas envol­ven­do dinheiro.

    Quan­do ques­tion­a­do sobre o que se trata­va de fato Pietá após polêmi­cas depois da sessão de exibição do filme no Fes­ti­val de Veneza de 2012 — onde acabou levan­do o Leão de Ouro — Kim Ki-duk disse que seu filme é sobre o cap­i­tal­is­mo e a for­ma que ele afe­ta as vidas das pes­soas. Mostran­do uma Coréia do Sul urbana, mas extrema­mente dete­ri­o­ra­da com comér­cio infor­mal e amon­toa­d­os de mora­dias, o filme vai além do que sim­ples­mente tratar de uma sociedade de con­sumo desen­f­rea­do e tipi­ca­mente car­i­ca­ta na ficção. O lon­ga é tam­bém um retra­to de um país emer­gente, com seus fan­toches do cap­i­tal­is­mo, humanos e suas relações com esse din­heiro, que pode dar tudo que eles neces­sitem, despre­ocu­pa­dos com o preço a pagar para obtê-lo.

    Exis­tem dois lados do sul-core­ano que ao mes­mo tem­po que dialogam entre si, tam­bém são bas­tante dis­tin­tos. Ini­cial­mente, na déca­da de 90, Kim Ki-Duk ficou con­heci­do pelos filmes vio­len­tos que abor­davam a vin­gança — que aliás os ori­en­tais são óti­mos na ficção do gênero — partin­do para um esti­lo mais intimista, tratan­do ain­da da natureza humana, mas tra­bal­han­do de for­ma mais min­i­mal­ista. Ficou mais con­heci­do no oci­dente com o seu Pri­mav­era, Verão, Out­ono, Inverno…e Pri­mav­era (2003), Casa Vazia (2004) e O Arco (2005).

    É de uma beleza para­dox­al a for­ma com que Kim Ki-Duk con­segue tratar a natureza humana de for­ma ínti­ma e poéti­ca. Cru­el, como em boa parte de seus lon­gas, ele não colo­ca lim­ites na com­plexa con­strução de seus per­son­agens ao pas­so que fil­ma de modo sim­ples, deixan­do a câmera muitas vezes vac­ilar, tremen­do ou até mostran­do um zoom automáti­co que vem e vol­ta. Ape­sar de ser uma ficção, faz lem­brança ao espec­ta­dor que está mer­gul­ha­do no real­is­mo ínti­mo daque­las pes­soas em um cenário que se aprox­i­ma muito do real, sendo quase pos­sív­el sen­tir a dor delas.

    Não há como sair impune de um lon­ga de Kim ki-duk e Pietá não foge da regra de uma obra aparente­mente cru­el e fria, con­struí­da sobre a base das relações humanas nada sim­plórias, mas que vis­tas pelo olhar do espec­ta­dor, gan­ham con­tornos de fábula.

    Trail­er:

  • Detona Ralph | Crítica

    Detona Ralph | Crítica

    Falar que ani­mações de cin­e­ma não são só coisa para cri­ança já é tão bati­do quan­to falar o mes­mo para os quadrin­hos. Mas no caso de Det­ona Ralph (Wreck-It Ralph, EUA, 2012), dirigi­do por Rich Moore, a nova ani­mação da Dis­ney, serão provavel­mente os adul­tos que cresce­r­am jogan­do video games, usan­do a des­cul­pa de ter que acom­pan­har as cri­anças jus­ta­mente para assistí-lo.

    A história do lon­ga em si não é das mais atraentes: Ralph, é o vilão do jogo de flipera­ma Con­ser­ta Félix Jr., que após 30 anos fazen­do sem­pre a mes­ma coisa, decide que quer mudar algu­mas coisas em sua vida. Para isso ele quer con­quis­tar uma medal­ha, como a que o mocin­ho do jogo Felix Jr. sem­pre gan­ha após der­rotá-lo, e assim sai em uma jor­na­da por out­ros jogos, arru­man­do mui­ta confusão.

    Provavel­mente o públi­co da ani­mação irá acabar se dividin­do em dois, os adul­tos que jog­a­ram os anti­gos jogos de flipera­ma (como Son­ic, Mor­tal Kom­bat e Pac Man) e os que não jog­a­ram — as cri­anças — ou que não tiver­am nen­hum con­ta­to com esse uni­ver­so, hoje con­sid­er­a­do retrô. Para os já famil­iar­iza­dos com ess­es jogos, o maior atra­ti­vo acabará sendo ten­tar desco­brir todas as refer­ên­cias feitas a ess­es anti­gos per­son­agens, acom­pan­hado de um deli­cioso sen­ti­men­to de saudo­sis­mo, que estão espal­hadas por todo o lon­ga, prin­ci­pal­mente na Estação Cen­tral do flipera­ma, o local onde todos eles se encon­tram após o fim do expe­di­ente. Isso sem falar nos três prin­ci­pais jogos do filme: Con­ser­ta Félix Jr. (o Don­key Kong para Atari), Mis­são de Herói (Call of Duty) e Cor­ri­da Doce (Mario Kart). Já para os que descon­hecem esse uni­ver­so, poderão se diver­tir com esse mun­do bem pecu­liar, com grá­fi­cos de alta definição e cheios de efeitos especiais.

    Parc Güell em Barcelona, por Antoni Gaudí

    Aliás, a arte da ani­mação merece um destaque espe­cial, pois ficou real­mente sen­sa­cional. Uma curiosi­dade bem bacana é que o cenário do jogo Cor­ri­da Doce foi inspi­ra­do na arquite­tu­ra de Antoni Gaudí, que segun­do o artista respon­sáv­el Lore­lay Bove, sem­pre pare­ci­am ser feitas de doces. E é impos­sív­el não ficar com água na boca ven­do todo aque­le ambi­ente feito inteira­mente de gulo­seimas, com per­son­agens fofin­hos que lem­bram um pouco o cur­ta Cloudy.

    Uma cena mem­o­ráv­el do filme é a reunião do grupo de auto-aju­da de vilões como Bows­er (Mário), Clyde (Pac-Man) e Dr. Robot­nik (Son­ic), que lem­bra bas­tante a cena em que Buzz Lightyear par­tic­i­pa de uma sessão do grupo de auto-aju­da para brin­que­dos obso­le­tos em Toy Sto­ry 3. Para falar a ver­dade, Det­ona Ralph tem muito o esti­lo de toda a ideia prin­ci­pal do Toy Sto­ry, onde brin­que­dos tem vida própria quan­do ninguém está olhan­do. Dev­i­do a isto, mui­ta gente tem brin­ca­do que a Dis­ney tro­cou o papel com a Pixar no últi­mo lança­men­to de cada uma onde a Pixar resolveu falar de prince­sas no óti­mo Valente, e a Dis­ney da vida sec­re­ta dos per­son­agens de videogames. E o resul­ta­do acabou sendo duas óti­mas ani­mações! Mas ape­sar de ter tra­bal­ha­do em cima des­ta óti­ma ideia, Det­ona Ralph acabou pecan­do no desen­volvi­men­to e no apro­fun­da­men­to da história em si, puxan­do todas aque­las men­sagens de moral e ensi­na­men­tos, muitas vezes infan­tilizan­do demais, já car­ac­terís­ti­co dos out­ros filmes do mun­do do rat­in­ho de orel­has redondas.

    Tre­cho de Det­ona Ralph: Vilões-Anônimos

    httpv://www.youtube.com/watch?v=X2nABYRagwc

    É claro que a Dis­ney não iria perder a chance de lançar os 3 prin­ci­pais jogos exibidos no filme e os disponi­bi­li­zou para serem joga­dos on-line no site ofi­cial do filme, mas infe­liz­mente só em inglês. No site tam­bém tem vários mate­rias legais para down­load, prin­ci­pal­mente os Motions Graphs, que são peque­nas cenas do filme ani­madas em GIF, que nor­mal­mente são cri­adas por fãs, muito legal essa iniciativa.

    A grande diver­são de Det­ona Ralph não está no seu enre­do em si, que é bem fra­co, mas sim em todas as refer­ên­cias e piadas que o mes­mo faz aos anti­gos jogos de flipera­ma, sendo diver­são garan­ti­da para os fãs dess­es jogos e tam­bém para aque­les que sim­ples­mente querem se diver­tir em um filme que jun­ta o uni­ver­so da Pixar com o da Disney.

    Para quem ficou com von­tade de ver mais, o dire­tor Rich Moore comen­tou em uma entre­vista recente que ele e a Dis­ney tem ideias para uma sequên­cia que trouxesse os per­son­agens para jogos mais atu­ais explo­ran­do os jogos de con­sole e on-line.

    Se você gos­ta de jogos, então vai ado­rar o doc­u­men­tário Indie Game: O Filme (2011) que fala jus­ta­mente sobre os jogos inde­pen­dentes que muitas vezes seguem o esti­lo, tan­to de joga­bil­i­ade quan­to visu­al, dos anti­gos jogos de flipera­ma. Sim­ples­mente imperdível!

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=9Hc1DwfnnR0

  • Melhores Filmes de 2012 | Lista

    Melhores Filmes de 2012 | Lista

    FILMES

    Block­busters que amamos

    Ah! O que seria de nos­sas vidas ciné­fi­las sem todas as pro­pa­gan­das exager­adas, trail­ers, teasers que cir­cu­lam pela inter­net meses antes e as pro­pa­gan­das mas­si­vas de lon­gas que de tan­to que se falam neles só nos res­ta ir até o cin­e­ma con­ferir? O ano de 2012 foi mar­ca­do pelas altas bil­hete­rias de super heróis que retornaram ou finalizaram sua saga, assim como as ten­ta­ti­vas — algu­mas que fun­cionaram bem — do uso do 3D.

    O Hob­bit: Uma Jor­na­da Ines­per­a­da (The Hob­bit: An Unex­pect­ed Jour­ney)- Foi só Peter Jack­son anun­ciar que retornar­ia ao uni­ver­so da Ter­ra Média e os fãs Tolkieni­anos vesti­ram seus pés pelu­dos e eriçaram suas orel­has elfas, final­mente can­taríamos e ouvíri­amos as histórias do queri­do Bil­bo Bol­seiro. O livro foi fil­ma­do em três partes que nos acom­pan­ham até 2014 e não deixa mes­mo a dese­jar. Visual­mente boni­to e muito mais ani­ma­do — óti­mas piadas anãs — do que a trilo­gia do Sen­hor dos Anéis, o lon­ga merece todas as bil­hete­ria. No mais “Far Over the Misty Moun­tains Cold”.

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    Bat­man: O Cav­aleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Ris­es) — E quem não vai sen­tir saudades do Chris­t­ian Bat­man Bale? Christo­pher Nolan fechou com chave de ouro a sua trilo­gia remix do Bat­man. Talvez o vilão Bane — que não é lá bem um vilão — não seja tão assus­ta­dor quan­to o incrív­el Coringa de Heath Ledger mas, mes­mo assim, man­dou bem! Ten­so, com aque­la tril­ha sono­ra pesa­da e som­bria, que só o Nolan con­segue diri­gir, Bat­man foi sim um dos mel­hores de 2012. Mas fique com as palavras do Liber Paz que sabe do que fala quan­do viu o filme.

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    MIB³: Home­ns de Pre­to III (Men in Black 3) — Não pos­so afir­mar quan­to a vocês, mas sem­pre fomos fãs das bizarrices envol­ven­do Will Smith e a ver­são mais mal humora­da do Tom­my Lee Jones. Quem nun­ca imag­i­nou que cer­tas pes­soas não seri­am desse plan­e­ta? MIB³ veio para finalizar a trilo­gia — con­fes­so que o segun­do é o mais fra­co de todos — e esclare­cer algu­mas situ­ações. Nada demais, mas o lon­ga arran­cou boas risadas por aqui, prin­ci­pal­mente quan­do desco­b­ri­mos que cer­tas fig­uras pop não eram mes­mo desse planeta.

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    A invenção de Hugo Cabret (Hugo) — Quan­do Mar­tin Scors­ese afir­mou que faria um filme em 3D porque ele acred­i­ta­va na téc­ni­ca, mui­ta gente ficou indig­na­da e impres­sion­a­da com o grande dire­tor e o fato é que ele não errou a mão. O lon­ga é visual­mente belís­si­mo, com detal­h­es fan­tás­ti­cos que con­seguem ao mes­mo tem­po entreter e ain­da hom­e­nagear o pai do cin­e­ma fan­tás­ti­co, inven­ti­vo e cria­ti­vo Georges Mélies. Aliás, algu­mas cenas mais belas do filme se resumem em recri­ar o estú­dio e a pro­dução de lon­gas, como clás­si­co “Viagem à Lua”.

    TED — Filme polêmi­co leva mais gente para o cin­e­ma, não é? Então que o dep­uta­do Pro­tó­genes Queiroz lev­ou seu fil­ho de 11 anos para assi­s­tir TED, que é um filme para adul­tos — inclu­sive sua indi­cação era para 14 anos — e que­ria vetá-lo no país. Ver­dade que o filme não tem nada de politi­ca­mente cor­re­to (ufa, ás vezes é bom, né?) mas que tam­bém não é nen­hu­ma blas­fêmia con­tra a humanidade. Para quem viveu a infân­cia nos anos 90 e 80 e ain­da tem um moleque (ou mol­e­ca) den­tro de si e que não liga para palavrões, o lon­ga é um anal­gési­co para rir muito. 

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    Mui­ta gente odi­ou mas nós gostamos

    Observe que quan­do se tra­ta de filmes muito anun­ci­a­dos, prin­ci­pal­mente as ficções cien­tí­fi­cas e adap­tações de livros e quadrin­hos, o número dos chama­dos haters aumen­ta bas­tante, afi­nal, nada pior do que cri­ar uma expec­ta­ti­va não correspondida.

    Prometheus — Esta­va anun­ci­a­da a vol­ta de Rid­ley Scott ao uni­ver­so Alien, onde o lon­ga seria um pre­quel do primeiro filme de 1979. Prometheus tra­ta do uni­ver­so mais míti­co de Alien, ten­tan­do dar sen­ti­dos mais exis­ten­ci­ais para a raça humana e aos seres que ata­cam a Nos­tro­mo do primeiro filme. Os fãs xiitas não gostaram da história con­ta­da por Rid­ley, mas nós achamos ela sen­sa­cional. Reple­to de ele­men­tos mitológi­cos, a primeira parte do filme dá um show de efeitos visuais e apre­sen­ta algu­mas questões para que a segun­da parte se desen­vol­va no vel­ho esti­lo do Scott. A edição que saiu em dvd e blu-ray traz uma série de extras, ten­tan­do acal­mar os fãs mais fer­vorosos para os filmes que ain­da seguem a saga.

    Filmes que não rece­ber­am tan­ta atenção

    No cir­cuito com­er­cial de cin­e­ma sem­pre há um out­ro filme em car­taz que aca­ba pas­san­do des­perce­bido pelo públi­co, nor­mal­mente porque eles não ficam tan­to na mídia ou acabam estre­an­do na mes­ma época de grandes block­busters. Desta­camos alguns.

    Loop­er: Assas­si­nos do Futuro (Loop­er) — O Jospeh Gor­don-Levitt tem se tor­na­do um dos querid­in­hos de Hol­ly­wood e em Loop­ers ele sofreu vários truques de maquiagem para ficar pare­ci­do com o Bruce Willis mais jovem. Há quem torceu o nar­iz para isso, mas a ver­dade é que o lon­ga tem uma pre­mis­sa de viagem no tem­po bem inter­es­sante onde assas­si­nos profis­sion­ais estão con­de­na­dos por seu próprio des­ti­no. Achamos o lon­ga bem redond­in­ho e inter­es­sante, recomendamos.

    Poder sem lim­ites (Chron­i­cle) — Um dos maiores trun­fos do lon­ga é jus­ta­mente não pare­cer um filme e ter efeitos espe­ci­ais. A ideia cen­tral é tratar de for­ma coer­ente o fato de “e se você tivesse super poderes, o que faria?”. Três jovens ami­gos fazem uma descober­ta que não parece em nada com as histórias con­tadas nos quadrin­hos e out­ros filmes. Um lon­ga bem bacana em épocas de filmes muito barul­hen­tos e cheios de efeitos.

    Dri­ve — Uma bela e gra­ta sur­pre­sa ir ao cin­e­ma sem muitas expec­ta­ti­vas e assi­s­tir esse belo filme. Não sabe­mos te diz­er se o livro é tão bom quan­to o filme que tem uma estru­tu­ra inter­es­sante, com ele­men­tos dos anos 80, tais como as cores da fotografia e o fig­uri­no do per­son­agem prin­ci­pal (Ryan Gosling) que inter­pre­ta um dublê — out­ra coisa bem anos 80 e 90. O silên­cio é muito bem usa­do no enre­do porque quan­do há barul­ho, meu caro, é bom você estar prepara­do. Merece ser vis­to e revisto!

    Medi­an­eras: Buenos Aires na era do Amor Vir­tu­al (Medi­an­eras) — Aqui há fãs con­vic­tos do cin­e­ma argenti­no e Medi­an­eras é um filme boni­to que colo­ca os her­manos no mapa de um cin­e­ma alter­na­ti­vo, poden­do agradar muitas platéias. Em tem­pos de cidades lotadas, aparta­men­tos pequenos e relações vir­tu­ais, dois jovens se encon­tram pela inter­net e se (des)encontram nas situ­ações da vida real. Onde está Wal­ly, afinal?

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    Pina — Wim Wen­ders fez uma das coisas que mais sabe faz­er bem: colo­car poe­sia na imagem. Fez isso ain­da hom­e­nage­an­do umas das grandiosas e inven­ti­vas dançari­nas, a alemã Pina Bausch. O doc­u­men­tário é belís­si­mo e inspi­rador, uma junção entre ima­gens e o lega­do do movi­men­to que Pina deixou, incluin­do sua com­pan­hia de dança ain­da car­rega seus passos.

    Indie Game: O Filme (Indie Game: The Movie) — Mais uma péro­la do cin­e­ma de doc­u­men­tário inde­pen­dente, o Indie Game — como o próprio nome já diz — acom­pan­ha o proces­so de alguns desen­volve­dores de jogos inde­pen­dentes. O doc­u­men­tário é muito bem edi­ta­do e tra­ta de emo­cionar todos aque­les que cresce­r­am nos anos 80 e 90 ao som de Ataris e Super Nin­ten­dos. O lon­ga existe graças ao Kick­starter e as pes­soas que colab­o­raram com o pro­je­to, é trans­mi­ti­do em sessões inde­pen­dentes ou pode ser com­pra­do no site ofi­cial por um preço bem acessível.

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    Moon­rise King­dom — Wes Ander­son é o querid­in­ho dos indies, seus filmes sem­pre são excên­tri­cos, com cores vari­antes do sépia e podem te dar um mun­do de pos­si­bil­i­dades sem muitos exageros, sem comen­tar a óti­ma escol­ha das tril­has sono­ras. Moon­rise King­dom pas­sou um tan­to des­perce­bido pelos cin­e­mas com­er­ci­ais mas pela inter­net mui­ta gente vibrou com o amor do casal infan­til que resolve fugir de casa nos anos 60, mobi­lizan­do toda uma cidade com­pos­ta por grande elen­co tais como Bruce Willis, Til­da Swin­ton, Edward Nor­ton e etc.

    As van­ta­gens de ser inví­siv­el (The Perks of Being a Wall­flower) — Mais um lon­ga que gan­hou mais destaque nas redes soci­ais e inter­net do que no cir­cuito de cin­e­ma com­er­cial. Stephen Chbosky, o próprio autor do livro, se arrisca na direção e se dá bem mes­mo que alguns leitores achem que ele não deu a dev­i­da pro­fun­di­dade a alguns per­son­agens do lon­ga. O garo­to Char­lie vive a mazela de ser difer­ente dos out­ros ado­les­centes e aca­ba encon­tran­do um grupo onde cada um tam­bém não faz parte da maio­r­ia. As van­ta­gens de não faz­er parte de um todo é trata­do de for­ma muito bacana, sem soar como os muitos filmes do gênero. E ah, ouvir “Heroes” do Bowie sem­pre é muito emocionante!

    Argo — Nada como um óti­mo ator que con­segue se sair bem como dire­tor, Ben Affleck arreben­ta dirigin­do Argo, uma espé­cie de drama­ti­za­ção da bem suce­di­da — e bas­tante ten­sa — oper­ação que a CIA fez nos anos 80 em parce­ria com o serviço secre­to do Canadá para recu­per­ar fun­cionários da Embaix­a­da em meio às primeiras grandes revoltas Ira­ni­anas. O lon­ga con­segue causar ten­são com a real­i­dade do con­tex­to políti­co e diver­tir com o proces­so de cri­ação de um filme fal­so, mostran­do uma Hol­ly­wood à todo vapor.

    ANIMAÇÃO

    Por aqui sem­pre arru­mamos tem­po para ver uma boa ani­mação, somos fãs mes­mo e esse ano hou­ver­am algu­mas que vale a pena comentar.

    Para­nor­man — Dis­para­da a mel­hor ani­mação do ano. O estú­dio Lai­ka (Cora­line) é sen­sa­cional e fez um tra­bal­ho lin­do tam­bém na divul­gação do Para­nor­man. A téc­ni­ca de stop-motion foi apri­mora­da aqui con­tan­do com cenas de ação, clos­es nos movi­men­tos dos bonecos e cenários dig­nos de super­pro­duções. O lon­ga traz Nor­man, um garo­to afi­ciona­do por zumbis, que con­ver­sa com os mor­tos e é claro que é incom­preen­di­do. Amizade é só um dos temas bacanas apon­ta­dos no lon­ga. Não per­ca a opor­tu­nidade de ver.

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    Origem dos Guardiões (Rise of the Guardians) — No final do ano sem­pre aparece uma ou out­ra ani­mação com o Papai Noel se aven­tu­ran­do nas entre­gas dos pre­sentes, mas des­ta vez a Dream­works decid­iu inve­stir em uma visão um pouco difer­ente não só do vel­ho bar­bu­do, mas tam­bém de out­ros per­son­agens lendários como a Fada do Dentes, o Coel­ho da Pás­coa, Sand­man, Jack Frost e o Bicho-Papão. Diver­são garan­ti­da para todas as idades.

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    Piratas Pira­dos — Com estú­dios de ani­mação dig­i­tal pipocan­do cada vez mais, um ain­da lev­an­ta cora­josa­mente a ban­deira do stop-motion tradi­cional, o Aard­man Ani­ma­tions que tam­bém respon­sáv­el por out­ros filmes como Fuga das Gal­in­has e a lendária série Wal­lace & Gromit. Este lon­ga é uma ver­dadeira jor­na­da no mun­do dos piratas mar­in­hos através de uma óti­ca muito diver­ti­da de todos os cos­tumes, muitas vezes meio absur­dos mes­mos, destes temi­dos per­son­agens, onde todas as piadas pos­síveis são feitas.

    Mada­gas­car III — Nor­mal­mente quan­do um filme chega na sua ter­ceira sequên­cia, muito do con­teú­do já está mais do que bati­do, sem falar nas piadas e no roteiro pobre, ape­nas para se ten­tar con­seguir mais algum lucro em cima do suces­so ante­ri­or. Este não é nem de longe o caso de Mada­gas­car, que con­tin­ua com todo vig­or não só nas piadas e enre­do, mas tam­bém no apro­fun­da­men­to ain­da maior das car­ac­terís­ti­cas de cada um dos hilários personagens.

    Valente (Brave) — Essa coisa de prince­sa esperan­do o príncipe encan­ta­do já era! A prince­sa Meri­da merece destaque porque ela quer mes­mo é andar de cav­a­lo e ati­rar fle­chas por aí. A Pixar resolveu dar uma que­bra­da na lin­ha “viver­am felizes para sem­pre” e deu cer­to. Valente é uma ani­mação diver­ti­da — quem não adorou a bruxa com um alargador de orel­ha e oper­ado­ra de tele­mar­ket­ing? — visual­mente com a impecáv­el qual­i­dade da Pixar e que provavel­mente anun­cia novo rumos para os enre­dos envol­ven­do princesas.

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    Franke­wee­nie — Há quem diga que Tim Bur­ton perdeu o charme e a mão para filmes e ani­mações. Sin­to muito mas dis­cor­damos. Na época em que ele fez o cur­ta Franke­wee­nie, a Dis­ney achou o cara doente e man­dou ele tra­bal­har em out­ros cam­pos e bem, ele não desis­tiu. Vinte e tan­tos anos depois ele faz o que sabe mel­hor: ani­mação em stop-motion. O novo Franke­wee­nie é a cara do Tim Bur­ton, com cri­anças som­brias, pre­to e bran­co e com enre­do for­ma­do por hom­e­na­gens a clas­si­cos do ter­ror. Des­de Franken­stein, Godzil­la, A noi­va de Frankenstein…nem Psi­cose e Vin­cent Price são esque­ci­dos. Ain­da con­ta com uma tril­ha sono­ra com gente bacana, quer­e­mos ver mais desse Tim Burton!

  • A Origem dos Guardiões | Crítica

    A Origem dos Guardiões | Crítica

    Na época de fim de ano sem­pre começam a pipocar no cin­e­ma filmes infan­tis com temas natal­i­nos, focan­do-se prin­ci­pal­mente na figu­ra do Papai Noel e suas aven­turas para entre­gar os pre­sentes e traz­er ale­gria para as cri­anças. No últi­mo Natal, a Dream­Works decid­iu faz­er algo um pouco difer­ente do usu­al e lançou a ani­mação A Origem dos Guardiões (Rise of the Guardians, EUA, 2012), dirigi­do pelo estre­ante Peter Ram­sey, onde não só temos o bom vel­hin­ho todo tat­u­a­do e com um sotaque rus­so, mas tam­bém todo um grupo de out­ros per­son­agens lendários como a Fada do Dentes, o Coel­ho da Pás­coa, Sand­man, Jack Frost e o Bicho-Papão.

    Aqui no Brasil algu­mas pes­soas já devem ter ouvi­do falar de Sand­man através do seu nome pop­u­lar de João Pes­tana ou, para quem curte quadrin­hos, da série homôn­i­ma do autor Neil Gaiman. Mas o grande descon­heci­do, que aliás é o per­son­agem prin­ci­pal do filme, é Jack Frost, a per­son­ifi­cação e o espíri­to do frio e do inver­no, respon­sáv­el pela neve e por aque­les cristais de gelo em vidros. Bem, acho que não pre­cisa explicar o porque dele não ser con­heci­do por aqui. Todos ess­es per­son­agens foram basea­d­os na ver­são amer­i­cana das lendas, haven­do uma peque­na hom­e­nagem à len­da espan­ho­la do Ratonci­to Pérez (ou Tooth Mouse), onde um dos guardiões atra­pal­ha sem quer­er o tra­bal­ho do pequeno rat­in­ho, que é muito pare­ci­do com a Fada do Dentes.

    A história da ani­mação gira em torno dos qua­tro Guardiões (Papai Noel, Fada do Dentes, Coel­ho da Pás­coa e Sand­man) que pre­cisam com­bat­er um vel­ho inimi­go, o Bicho-Papão, que dese­ja nova­mente ‘con­tro­lar o mun­do’ através do medo, e para isso irão pre­cis­ar se reunir e pedir a aju­da do Jack, um per­son­agem que só se inter­es­sa em brin­car e se diver­tir. Adi­cione ago­ra algu­mas armas, como espadas, bumerangues e ovos explo­sivos, óti­mas cenas de ação com lutas espetac­u­lares cheias de poderes mági­cos. O esti­lo lem­brou algum filme lança­do recen­te­mente? Pode­ria brin­car-se que A Origem dos Guardiões é prati­ca­mente um Os Vin­gadores Júnior ou até, porque não, um X‑Men Kids, onde ess­es per­son­agens seri­am os primeiros super-heróis que uma cri­ança tem contato.

    Deixan­do de lado toda essa visão inusi­ta­da de guer­reiros cuja mis­são é pro­te­ger as cri­anças, o filme pos­sui uma qual­i­dade téni­ca incrív­el, a Dream­Works já havia mostra­do isso no óti­mo Como Treinar o Seu Dragão, e tam­bém traz algu­mas respostas inter­es­santes a per­gun­tas como: quem (real­mente) pro­duz os pre­sentes do Papai Noel? Por que a fada dos dentes cole­ta os dentes? Como os ovos de pás­coa são feitos?

    A Origem dos Guardiões é uma óti­ma sur­pre­sa não só pela ren­o­vação dos já tão bati­dos per­son­agens infan­tis, mas como tam­bém um lem­brete para que a chama da imag­i­nação das cri­anças não seja apa­ga­da, prin­ci­pal­mente nos adul­tos. O filme foi basea­do na série de livros The Guardians of Child­hood do autor amer­i­cano William Joyce, e foi pro­duzi­da por Guiller­mo del Toro (Hell­boy, O Labir­in­to do Fauno, …), que deu uma entre­vista bem inter­es­sante sobre o filme no site do G1.

    Ah, não con­fun­da o filme com A Len­da dos Guardiões, out­ra óti­ma ani­mação dirigi­da por Zack Sny­der (Watch­men e 300), sobre a história da jovem coru­ja Sorem que é fasci­na­da pelas histórias sobre os Guardiões de Ga’Hoole e aca­ba embar­can­do em uma aven­tu­ra para sal­var o seu povo, em um enre­do bas­tante adul­to com épi­cas batalhas.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=8yY2It-Oh0U

  • O Hobbit — Uma Jornada Inesperada (2012)

    O Hobbit — Uma Jornada Inesperada (2012)

    Num bura­co no chão vivia um hobbit”

    Não sei quan­to a vocês mas eu real­mente acred­i­to no Peter Jack­son quan­do se tra­ta do uni­ver­so Tolkien. Des­de que na déca­da de 90 ele topou a empre­ita­da de se aven­tu­rar pela Ter­ra Média, os resul­ta­dos tem sido muito bons, basi­ca­mente pri­morosos aos fãs dos livros que J.R.R. Tolkien começou a escr­ev­er no fim dos anos 30. Des­de o seu anún­cio, O Hob­bit: Uma Jor­na­da Ines­per­a­da (The Hob­bit: An Unex­pect­ed Jour­ney, E.U.A. e Nova Zelân­dia), primeira parte de uma trilo­gia, vem cau­san­do eufo­ria após uma déca­da da estreia de a Sociedade do Anel (2001), a primeira parte da bem suce­di­da trilo­gia do Sen­hor dos Anéis.

    O Hob­bit, basea­do no primeiro livro de Tolkien e pub­li­ca­do em 1937, tra­ta basi­ca­mente das aven­turas de Bil­bo Bol­seiro 60 anos antes de Fro­do, seu sobrin­ho pro­tag­o­nista de O Sen­hor dos Anéis, para aju­dar que a ter­ra dos anões, a Mon­tan­ha Solitária toma­da por um dragão, seja devolvi­da a quem de fato per­tence. Assim como seria mais tarde, uma sociedade — dessa vez con­tan­do ape­nas com anões — é for­ma­da para mar­char rumo a mon­tan­ha, orga­ni­za­dos pelo mago Gan­dalf, que guar­da um grande apreço — e uma fé deter­mi­nante — pelo povo hobbit.

    A jor­na­da ines­per­a­da pro­pos­ta para o pequeno Bil­bo é trata­da de for­ma diver­ti­da, os roteiris­tas con­seguiram extrair todo o humor típi­co da supos­ta seriedade dos anões e do próprio hob­bit. As primeiras cenas da reunião entre eles e Gan­dalf é hilária, nos fazen­do retornar ao agradáv­el humor da Ter­ra Média. Claro que o méri­to da óti­ma car­ac­ter­i­za­ção não é só do dire­tor e/ou roteiris­tas. O time de atores é sen­sa­cional, des­de Ian Mck­ellen (Gan­dalf) e Christo­pher Lee (Saru­man) até Mar­tin Free­man (Bil­bo) e os atores que inter­pre­tam os anões com nomes prati­ca­mente impos­síveis de falar de uma vez só.

    Um dos aspec­tos que mais me impres­siona no enre­do, é a for­ma como Gan­dalf con­duz o grupo. O grande mago cin­za tem várias armas que pode­ri­am facil­i­tar a jor­na­da do grupo, mas eles não seri­am os mes­mos no final se tivessem tan­tas facil­i­dades. É jus­ta­mente a jor­na­da que con­duz os per­son­agens a se tornarem cada qual o que real­mente são. Ver a aven­tu­ra de O Hob­bit se desen­volver vai muito além de ape­nas assi­s­tir um uni­ver­so oníri­co cri­a­do, é tra­bal­har com a imag­i­nação e enten­der as nuances que Tolkien criou em cada per­son­agem e ação. Os con­sel­ho de Gan­dalf, obstácu­los no cam­in­ho, erros e acer­tos são peças chaves para o desen­volvi­men­to dos per­son­agens. Como diz o mago cin­za para Bil­bo: “E se você retornar, não será mais o mes­mo”.

    Além de encher os olhos dos fãs ardorosos de J.R.R. Tolkien — pode-se afir­mar que ele é o cara que ali­men­tou a imag­i­nação dos sem números de escritores e roteiris­tas cri­adores de séries envol­ven­do ter­ras, dragões e seres míti­cos — o lon­ga é de uma beleza sem taman­ho, ali­a­do ao que há de mel­hor na tec­nolo­gia atu­al. O Hob­bit já veio com avi­sos do óti­mo uso de 3D, da taxa de 48 fps para alguns cin­e­mas — você pode enten­der um pouco mel­hor aqui — e de nova tec­nolo­gia de som, o Dol­by Atmos, que con­ven­hamos, faz muito sen­ti­do quan­do se tra­ta de Howard Shore com a tril­ha sono­ra. Assis­ti­mos numa sala comum, sem 3D, e vale a pena diz­er que O Hob­bit é uma exper­iên­cia extra-tela que dá con­ta do recado.

    As tec­nolo­gias vem para mel­ho­rar a experên­cia de cin­e­ma do espec­ta­dor e a trilo­gia do Sen­hor dos Anéis fez isso muito bem na déca­da pas­sa­da, mes­mo sem o 3D. E não tem como falar de tec­nolo­gia e não men­cionar Andy Serkis, que ficou con­sagra­do por emprestar suas expressões faci­ais ao hob­bit cor­rompi­do, crian­do um novo gênero de ator. Depois dis­so vier­am King Kong, TinTin e o sen­sa­cional Cae­sar do Plan­e­ta dos Maca­cos: A origem. É de arrepi­ar os pêlos dos pés pelu­dos o primeiro encon­tro entre Smeagol/Gollum, Bil­bo e a aparição do anel, que além da car­ga dramáti­ca da cena — as charadas nun­ca mais serão as mes­mas depois que você assi­s­tir essa cena — o pequeno Smeagol/Gollum gan­ha movi­men­tos mais reais e as expressões faci­ais são de causar espanto.

    Peter Jack­son tam­bém soube olhar muito bem para a sua ter­ra natal, a Nova Zelân­dia, que inclu­sive nos últi­mos dez anos elevou o seu tur­is­mo ao sta­tus de “Ter­ra Média” e é claro que O Hob­bit vai movi­men­tar muito mais esse mer­ca­do. Muitos planos aber­tos de vas­tos cam­pos, as plan­tações do Bol­são e uma flo­res­ta encan­ta­da, mostram que mes­mo que ten­ha sido uti­liza­do com­putação grá­fi­ca, as locações foram feitas em lugares próx­i­mos do con­ceito de paraíso.

    Se na trilo­gia do Sen­hor dos Anéis, três livros bem rec­hea­d­os, Peter Jack­son foi cuida­doso de resu­mi-los em três filmes lon­gos, em O Hob­bit ele preferiu aproveitar toda a tec­nolo­gia e din­heiro para trans­for­mar um livro de aprox­i­mada­mente 328 pági­nas em uma trilo­gia cin­e­matográ­fi­ca. Ao menos em Uma Jor­na­da Ines­per­a­da, o tem­po ficou a seu favor, as descrições dos lugares da Ter­ra Média são min­u­ciosos e cada peque­na ação trans­pare­ceu todo um cuida­do de câmera — e que tra­bal­ho de planos com as câmeras! — onde o espec­ta­dor aca­ba nem sentin­do as quase 3 horas de filme.

    O Hob­bit: Uma Jor­na­da Ines­per­a­da com certeza vai deixar os fãs de Tolkien bas­tante ani­ma­dos para os próx­i­mos capí­tu­los, e para quem ain­da não é ambi­en­ta­do na Ter­ra Média, é uma bela pedi­da antes mes­mo de assi­s­tir a famosa trilo­gia do Sen­hor dos Anéis. No mais, vista o seu pé pelu­do, lev­ante seu copo e saia can­tan­do Far Over the Misty Moun­tains Cold, porque a Ter­ra Média vai faz­er parte do no nos­so imag­inário por mais algum tempo.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=uVDYKBEKfjI