Em 1987 o belga especialista em artes marciais Jean Claude Van Damme saiu do anonimato para estrelar sua primeira grande produção cinematográfica, O Grande Dragão Branco (Bloodsport, EUA, 1988), dirigido por Newt Arnold, e nos anos seguintes entrou no hall dos maiores brucutus do cinema, formando no imaginário popular dos anos 80 e 90 uma espécie de “trio dos marombeiros” junto com Silvester Stallone e Arnold Schwarzenegger, estando na terceira posição deste top, é claro.
Este seu primeiro grande sucesso foi aquele que seria seu filme mais lembrado e mais reprisado na TV brasileira, uma produção dos estúdios Cannon, dirigido pelo experiente profissional do cinema Newt Arnold, que serviu como diretor de segunda unidade e assistente de diretor em grandes produções como O Poderoso Chefão II, Blade Runner, Os Goonies, entre outros grandes e menores sucessos ao longo dos seus quase 40 anos de serviços à Hollywood. Curiosamente ele só dirigiu apenas três títulos, sendo O Grande Dragão Branco o último, melhor e mais famoso deles.
O filme teve o orçamento estimado em US$1.100.000, valor bem mediano para uma produção da Cannon films. Nas bilheterias o filme superou seu valor em 10 vezes e teve duas continuações horríveis, que pouco ou nada tem a ver com o original, usando apenas seu titulo para chamar a atenção dos fãs desinformados na maior picaretagem. O original fora lançado em 1988, passando por alguns problemas de produção e quase não chegando aos cinemas. Reza a lenda que o próprio Van Damme teve que editar algumas cenas por falta de editor, coisa que não é confirmada nos créditos do filme.
Acho muito difícil escrever sobre O Grande Dragão Branco sem apelar para um lado muito pessoal da coisa. Afinal, o filme foi e é até hoje reprisado aos baldes na sessão da tarde e nas madrugadas da Rede Globo, um clássico dos anos 90 da TV aberta e um dos meus filmes favoritos de todos os tempos.
Às vezes, só para irritar os cinéfilos mais tarados, costumo exaltar as qualidades de O Grande Dragão Branco como se fosse um marco do cinema moderno, comparando com grandes filmes do século como; Cidadão Kane, O Poderoso Chefão, Psicose, Os Sete Samurais, filmes do Truffaut ou do Kubrick, etc. sempre dizendo que nunca, jamais, nenhum filme feito até hoje ou qualquer filme que será feito futuramente, conseguira ser melhor ou no mínimo chegar aos pés de O Grande Dragão Branco! É claro que hoje digo isso como brincadeira, mas quando eu assistia lá pelos meus 8 ou 9 anos, pra mim era a mais pura verdade!
O filme conta a história de Frank Dux (Van Damme), um militar norte-americano treinado pelo mestre Senzo Tanaka (Roy Chiao, ator chinês com quase 100 filmes no currículo), que abandona os serviços militares nos states e parte para Hong Kong para se encontrar com seu sensei. Desde criança Frank passou por um doloroso treinamento que exigia muito de seu físico e de sua concentração. Numa das cenas mais clássicas do filme vemos ele amarrado pelos braços e pernas suspenso no ar entre dois troncos, enquanto seu mestre puxa as cordas tornando a cena muita tensa e dolorosa, ainda mais sabendo que não são efeitos visuais ou trucagem cinematográfica.
Já em Hong Kong, Frank consegue uma vaga no “Kumite”, um torneio super-secreto e ilegal que reúne os melhores praticantes de artes marciais de todo o mundo. Não há regras e os lutadores chegam realmente ao limite, possivelmente até a morte de um dos adversários.
Logo que chega faz amizade com Ray Jackson (Donald Gibb), que também irá lutar no torneio. Ray é um gigante de bom coração que adora uma luta livre e os dois se conhecem numa cena hilária onde Frank consegue vencer Ray num game de fliperama (Karate Champ, jogo japonês de 1984, clássico) e logo viram amigos.
No momento em que Frank vai fazer a inscrição para o torneio, os juízes não acreditam que ele foi treinado por Senzo Tanaka e pra provar isso eles pedem que faça o golpe Dim Mak, um golpe secreto que no reino dos filmes de artes marciais seria mortal quando aplicado, pois supostamente causaria danos internos ao adversário, numa cena antológica Frank Dux mostra pra todos os presentes sua força e concentração ao quebrar um único tijolo específico numa pilha com cinco!
Dim Mak na verdade é apenas ficção, sendo um golpe que só existe nos filmes e nas histórias de kung-fu e Karatê, ele aparece em centenas de outros filmes conhecido quase sempre como “ o toque na morte”, podendo ser visto em grandes produções como O Tigre e o Dragão (Crouching Tiger, Hidden Dragon, 2000) dirigido por Ang Lee e no filme Kill Bill (2003) de Quentin Tarantino, a Noiva aprende uma espécie de Dim Mak que se torna muita útil caso um dia você seja enterrado vivo.
Mas não são apenas os lutadores que têm interesse no torneio: uma determinada repórter faz de tudo para se infiltrar nos bastidores da competição, assim como uma dupla de policiais (um deles interpretado por um jovem Forest Whitaker!) que está atrás de Frank Dux por abandonar o serviço militar e que também pretendem acabar com o evento de uma vez por todas.
Mas os grandes desafios chegam ao nosso herói quando ele encontra seu nêmesis, o lutador cruel Chong Li, interpretado por Bolo Yeung, ator chinês com currículo gigantesco em filmes de artes marciais e que depois desta produção se tornou amigo de Van Damme fora das câmeras. Uma curiosidade a mais sobre o personagem Chong-li: as poucas falas que ele tem no filme são na maioria tiradas do filme Operação Dragão de 73, filme estrelado por Bruce Lee onde Bolo Yeung também participou! Yeung, anos depois volta para interpretar mais um vilão contra Van Damme no filme Duplo impacto (Double Impact, 1992 dir. Sheldon Leittich) e chegou aparecer no Reality Show britânico “Jean Claude Van Damme: Behind Closed Doors” de 2011, onde podemos ver o astro na sua vida real fazendo coisas normais que pouco lembram suas façanhas cinematográficas. Mas no reino da ficção os dois sempre foram inimigos mortais!
No filme durante uma luta, Chong Li desce a porrada em Ray Jackson, deixando‑o a beira da morte. O amigo, Frank Dux, jura vingança e derrota todos os adversários até chegar na luta final contra Chong Li que, num exemplo de vilania filhadaputística, joga sujo e trapaceia, jogando poeira nos olhos de Frank deixando‑o cego!
Na verdade a trama do filme é somente uma desculpa barata para vermos Frank Dux descendo o sarrafo em todo mundo no torneio. As cenas de luta foram muito bem coreografadas pelo próprio Frank Dux da vida real e as atuações são dignas de um filmes de ação dos anos oitenta, contando até com o já citado Forest Whitaker, fazendo um pequeno papel perdido ali no meio. Todos os clichês do cinema de kung-fu/karatê estão ali, o mestre insensível, o golpe secreto, a vingança do herói, o vilão arrogante e inescrupuloso, e a luta final contra o arqui-inimigo Chong-Li com o clímax em slow-motion, com a clássica cena de Van Damme fazendo essa careta horrorosa aqui:
Uma das coisas mais estranhas sobre a produção do filme é o fato dela se dizer baseada em em uma história real, coisa que nunca foi confirmada. A única fonte de informação sobre o torneio Kumite e sobre os personagens que aparecem no filme é o próprio Frank Dux da vida real, que por si só é um figura, alem de ter criado seu próprio estilo de luta chamado Dux Ninjutsu Ryu, ele diz ter vencido o torneio secreto umas 53 vezes seguidas(!), detém o recorde de nocaute mais rápido, 12 seg(!!) e ele também diz ter recebido a medalha de honra e bravura do próprio presidente dos EUA (!!!). Porém, nunca nenhum outro lutador do mundo ouviu falar ou participou do tal torneio e nunca ninguém viu a tal medalha. Ou seja, ou esse cara é um baita mentiroso do caramba ou o torneio existe e é extremamente secreto mesmo. ( e a medalha é invisível, claro)
A ideia do filme, “torneio de artes marciais com lutadores do mundo todo, cada um lutando com seu estilo” antecipa até os populares games de luta como Street Fighter e Mortal Kombat que faziam lotar os fliperamas entre os anos de 90 a 96, quando esses estabelecimentos eram bem mais populares e muitas vezes as únicas opções para quem quisesse jogar um vídeo gamezinho.
Sem contar que, para quem já jogou Mortal Kombat, talvez não tenha notado mas no game original de 1992, o personagem Johnny Cage usa o MESMO calção que o personagem de Van Damme usa no filme!
O jogo Street Fighter é anterior ao filme em poucos meses de diferença, sendo um pouco difícil um ter se baseado no outro. Mas coincidências à parte, de fato, acho que se quisessem fazer um filme decente adaptando o game Street Fighter deveriam usar O Grande Dragão Branco como base para o roteiro. Embora o plot do filme seja o festival de clichês já citados, nenhuma cena é gratuita, tudo que aparece em tela é relevante para a trama simples e direta, sem grandes aspirações cinematográficas, o filme é e se propõe a ser apenas um diversão casual e logra êxito na tentativa. Melhor do que muitas produções megalomaníacas e bilionárias que querem te mostrar o sentido da vida em três horas de duração com efeitos visuais absurdamente caros (e em 3D).
Como eu já disse, assistir O Grande Dragão Branco é uma experiência muito pessoal pra mim, me faz lembrar da infância e de tempos onde trabalho, dinheiro e estudos não ficava a frente da diversão simples de se sentar a frente da TV e assistir um bom filme, quando assisto não estou revendo um filme antigo, mas sim revendo um momento bom da minha vida.
Então fica a recomendação, caso queira se aventurar a assistir uma produção barata e divertida com boas cenas de ação, O Grande Dragão Branco é uma ótima sugestão.
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