Zumbis. Uma pesquisa sobre lendas a respeito de tais criaturas nos leva ao Haiti. Mais precisamente, ao vodou, ou o vodu haitiano, como ficou conhecido no resto do mundo, que é diferente do vodu da Louisiana e do de New Orleans, apesar de possuírem o mesmo nome. Mas o vodu em si não está em discussão aqui, então, apenas prossigamos.
Segundo o folclore que envolve este vodu haitiano, um bokor, que seria uma espécie de feiticeiro religioso ou um pastor, possui o poder de reviver os mortos, que, por sua vez, por não terem vontade própria, estariam sob o comando deste bokor. A estes mortos, dava-se o nome de zombis.
O folclore que envolve estas histórias é riquíssimo, mas uma rápida pesquisa sobre pode nos levar a páginas que o explicam com muito mais propriedade do que eu poderia fazer. Além disso, explicar culturas terceiras não é o propósito deste texto. Digamos que isso foi apenas um background dos parágrafos seguintes.
No início dos anos 30, o cinema de horror passava, talvez, por aquela que foi sua temporada mais rica. A Universal lançava sucesso atrás de sucesso, em sua maioria baseados em obras clássicas da literatura. E em 1932, Zumbi Branco chega aos cinemas. E começava um dos nichos mais explorados em todo o cinema de horror.
A seguir, uma pequena (e superficial) introdução ao glorioso mundo dos zumbis, desde os servos sem alma até os adoráveis comedores de cérebros. Os filmes estão divididos em ordem crescente de importância, tendo como base única e exclusiva a opinião de um aficionado pelo gênero e a importância destes filmes sobre sua vida, e não uma megalomaníaca presunção de dizer quais são ou não são aqueles que podem ser considerados como importantes historicamente para todo o mundo.
5 – Zumbi Branco (White Zombie, EUA, 1932). Como já citado, esta produção americana foi lançada em 1932. Filmado totalmente nos estúdios da Universal, mas lançado pela United Artists, Zumbi Branco, dirigido por Victor Halperin e com o mito húngaro Bela Lugosi no papel principal, conta a história do casal Neil Parker e Madeleine Short, interpretados por John Harron e Madge Bellamy (que ficaria mais famosa pela acusação de assassinar seu amante do que por sua carreira propriamente dita), em visita a Charles, um amigo que reside no Haiti. Charles encanta-se por Madeleine e resolve contratar os serviços de Murder Legendre (!!!), o personagem de Bela, conhecedor do vodu e que possui uma plantação totalmente operada por zumbis sob seu controle, para que a jovem aceite se casar com ele. Segundo Murder, a única forma de ajudar Charles é transformando Madeleine em zumbi, e isto é feito.
A partir daí, a trama, apesar de simples, ganha fôlego. O filme tem um clima incrível, apesar das fracas atuações de grande parte do elenco. Mas temos um Bela Lugosi no auge de sua carreira, naquele que talvez seja seu mais icônico papel depois do imortal Conde Drácula. O filme foi lucrativo em seu lançamento e obteve boa resposta do público, mas a crítica não se satisfez (especialmente pelas atuações).
Quase 80 anos passados desde seu lançamento, hoje, ao menos sua importância histórica é reconhecida por todos. Pode não ser um grande filme, tecnicamente falando, mas merece ser conhecido por todos que tem algum envolvimento com o cinema de horror. E, lamentavelmente, continua inédito em DVD no Brasil.
httpv://www.youtube.com/watch?v=tQV7wOg3hYQ
4 – Zombie 2 (Zombi 2, Itália, 1972) A tradição do cinema italiano de copiar grandes sucessos americanos começou com os épicos dos anos 50 e se estendeu pelo spaghetti western. Então, não foi nenhuma surpresa quando Zombie 2, de Lucio Fulci, chegou aos cinemas, pegando carona no sucesso do clássico de George A. Romero Despertar dos Mortos (EUA, 1978). O filme de Romero foi chamado de ‘Zombi’ na Itália, daí a intenção de se lançar o filme de Fulci batizado como se fosse uma sequência.
A ideia dos produtores, na verdade, era de fazer uma cópia italiana do sucesso americano (há até alguns diálogos idênticos nos dois filmes), mas Fulci foi por outro caminho, tendo se inspirado mais em outro clássico, I Walked With a Zombie (EUA, 1943). A história se passa em uma ilha caribenha, onde os nativos começam a voltar do mundo dos mortos por meio de vodu e a aterrorizar um médico radicado no local e um grupo de americanos. Super genérico, mas divertidíssimo e eficiente.
Uma particularidade dos cineastas europeus, e especialmente italianos, da época era a de utilizar atores de diversas nacionalidades, cada um falando na língua que se sentisse mais confortável, e depois dublar o filme em inglês e italiano para lançamento em ambos os mercados. Em geral, tais dublagens acabavam horrendas, e em Zombie 2 isso não é diferente. Há até um sentimento de distanciamento, tamanha é a artificialidade transmitida pelos personagens, que impede que nos importemos mais ou menos com alguns deles. O que realmente prende (e MUITO) a atenção do expectador de Zombie 2 é imaginar como será a morte de cada um desses personagens, e Fulci, conhecido como ‘O Poderoso Chefão do Gore’, não decepciona no quesito.
A melhor palavra para definir Zombie 2 talvez seja ‘obrigatório’. Tem dificuldades técnicas, a citada dublagem, atores pouco convincentes etc. Mas tem a clássica cena da perfuração do olho (marca registrada de Fulci, aliás) e tem um zumbi lutando com um tubarão. Um zumbi. Lutando com um tubarão. Oras, do que mais você precisa?
httpv://www.youtube.com/watch?v=BVD7v2L_roY&feature=related
3 – Fome Animal (Braindead, Nova Zelândia, 1992) Peter Jackson nem sempre foi um pé no saco megalomaníaco que faz filmes chatíssimos e intermináveis sobre anões de pés peludos procurando uma porcaria de um anel. Um dia, ele foi um cineasta neozelandês desconhecido e extremamente criativo, que fez Trash – Náusea Total (NZL, 1987) e Fome Animal . O segundo, que está em discussão aqui, se tornou praticamente um hors concours entre os fãs de horror/gore. E, particularmente, no meu caso foi a porta de entrada do cinema extremo.
Em Fome Animal, Lionel (Timothy Balme) é um rapaz que mora com sua mãe super protetora, Vera (Elizabeth Moody), que proíbe, entre outras coisas, que ele saia com garotas. Quando Lionel conhece Paquita (Diana Peñalver), sua mãe tenta impor mais ainda seu controle sobre ele. Mas as coisas começam a dar errado em uma visita ao zoológico, quando Vera é mordida por um ‘rato-macaco da Sumatra’. Ela adoece, sua orelha cai em um prato de sopa durante um jantar, ela morre e rapidamente volta como um zumbi assassino.
Então, o festival do gore começa, e divide espaços com momentos hilários de humor negro. De um padre que luta kung-fu contra os zumbis (com o memorável “I kick ass for the Lord”) a sexo entre zumbis, culminando com o nascimento do bebê dos mesmos (que Lionel leva para um inesquecível passeio no parque). Ah, Lionel também guarda sua coleção de zumbis no porão de sua casa…
O clímax de Fome Animal é um dos maiores banhos de sangue da história do cinema, onde o ataque se dá não só na forma de zumbis, mas também de um intestino e da mutação da mãe de Lionel.
Um fato interessante sobre Fome Animal é que o filme foi produzido com ajuda do New Zealand Film Commission, um órgão governamental. Se isso não faz com que seja uma super produção, ao menos serve para diferenciá-lo de tantos filmes de baixo custo produzidos pelo mundo. E é curioso saber que o governo de um país tomou parte na produção do filme de zumbis mais alucinado já produzido.
httpv://www.youtube.com/watch?v=CwYb8BXofgE
2 – A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead, USA, 1968). Indiscutivelmente, o mais importante filmes de zumbis de todos os tempos, e um dos mais importantes de todo o cinema de horror. Só não é o primeiro da lista porque, como eu disse no início, a lista é exclusivamente minha, e o próximo filme teve um impacto maior que este em minha vida. O que não significa que eu tenha qualquer dúvida sobre a importância e sobre o legado deA Noite dos Mortos-Vivos.
Pode-se dizer, sem deixar qualquer tipo de sombra para dúvidas, que George A. Romero redefiniu a forma como o cinema trata os filmes de zumbis. Em A Noite dos Mortos-Vivos, eles não são mais vítimas do vodu servindo a um propósito. Até há uma explicação para o fato de os mortos (apenas os mortos recentes) voltarem à vida, mas ela passa longe de ser o foco do filme. Agora, eles agem apenas por um instinto: fome.
O cenário é desolador. Um grupo de sobreviventes, sendo que seus integrantes possuem personalidades completamente dissonantes, se vêem isolados em uma casa, cercada por zumbis (que em momento algum são chamados de ‘zumbis’ ao longo do filme), em uma zona rural, sem nenhum tipo de ajuda aparente, e lutam para sobreviver durante a noite.
Na verdade, durante boa parte de A Noite dos Mortos-Vivos, os mortos-vivos servem mais como background do que como personagens atuantes. As tensões dentro da casa crescem à medida que os desentendimentos entre os sobreviventes afloram, fazendo com que os vivos sejam inimigos piores que os mortos.
Os mortos são, de fato, assustadores, em parte pelo fato de o filme ser todo em preto e branco, e a violência ser é extremamente gráfica para a época, com intestinos sendo devorados e com a clássica criança zumbi atacando seus pais.
É impressionante como Romero supera as limitações técnicas da produção. O clima claustrofóbico é ampliado por uma câmera que pouco se move durante o filme e por uma iluminação sombria, que colabora para o clima de desolação. Em momento algum há esperança. Não há um alento de que haja uma ajuda vinda, há apenas as pessoas trancadas dentro de uma casa, sem condições de lutar ou mesmo de escapar.
Na época do lançamento de A Noite dos Mortos-Vivos, foram traçados parâmetros entre a forma como o governo se comporta no filme e o comportamento do governo americano durante a guerra do Vietnã, na falha em proteger suas pessoas e na falta de informações. Romero nunca admitiu ter realmente a intenção do teor político da produção, mas o mesmo se repetiu em seus filmes seguintes, especialmente nas sequências envolvendo seus mortos-vivos.
A Noite dos Mortos-Vivos, repito, é o mais importante de todos os filmes de zumbis, e um dos mais importantes da história do horror. Mas o carinho especial que tenho pelo próximo filme faz com que eu não possa colocá-lo em posição nenhuma da lista que não a primeira sem estar sendo injusto comigo mesmo.
httpv://www.youtube.com/watch?v=spa7HH4DvuY
1 – A Volta dos Mortos-Vivos (The Return of the Living Dead, USA, 1985). No fim dos anos 80/início dos 90, não tenho condições de saber com certeza, A Volta dos Mortos-Vivos foi exibido pela primeira vez na TV brasileira. Meu pai gravou, depois de uma árdua batalha com o vídeo-cassete, e alguns dias depois eu, criança, coloquei a fita no vídeo e assisti. E ali nascia uma paixão por zumbis que nunca mais arrefeceu.
A raiz de A Volta dos Mortos-Vivos é o livro de mesmo nome, escrito por John Russo em 1977, que seria a sequência direta para os eventos de A Noite dos Mortos-Vivos. Russo é co-escritor do roteiro original de A Noite dos Mortos Vivos, junto com George A. Romero. Quando os dois se separaram, Russo conseguiu os direitos de qualquer título envolvendo o nome ‘mortos-vivos’, o que forçou Romero a dar sequência à sua saga colocado apenas ‘mortos’ no titulo (como em Despertar dos Mortos (EUA, 1978) e Dia dos Mortos (EUA, 1985).
A direção de A Volta dos Mortos-Vivos ficaria por conta de Tobe Hopper e Dan O’Bannon seria responsável pela versão final do enredo, mas Hopper saiu para dirigir Força Sinistra (EUA, 1985) e O’Bannon ficou encarregado também, pela primeira vez em sua carreira, da direção. E não decepcionou.
Com uma veia cômica acentuada, diferente da visão de Romero para seus mortos-vivos, A Volta dos Mortos-Vivos também se foca em um grupo de sobreviventes isolado em uma casa, mas de maneira muito mais abrangente. Os zumbis aqui não se alimentam de carne, mas sim de cérebros (o que na antológica dublagem brasileira rende os inesquecíveis gritos de “mioooolos”).
Em A Volta dos Mortos-Vivos, o apocalipse zumbi se dá quando um tambor contendo um produto químico do exército com a propriedade de reviver os mortos vaza em um depósito de materiais hospitalares. Um dos responsáveis pelo vazamento é Freddy (Thom Mathews), cujo grupo de amigos, enquanto espera que ele saia do trabalho, resolve passar um tempo no cemitério ao lado do depósito, onde se vêem frente a frente com os mortos-vivos depois que a coisa irrompe.
Mas aqui, os zumbis são diferentes. Eles aparentam ser indestrutíveis, mesmo depois de atingidos no cérebro, e são capazes até de se comunicar. E também possuem uma maquiagem que os destaca dos demais filmes de zumbis produzidos até então. O visual do filme, aliás, diferente de grande parte dos filmes do gênero, é cheio de cores e brilhante, o que contribui para o tom mais leve da história em alguns momentos.
Aliás, apesar deste tom menos sério de A Volta dos Mortos-Vivos em comparação aos filmes de Romero, há uma latente veia crítica aqui, em especial direcionada ao comportamento do exército americano, o real responsável pelo vazamento da substância “criadora” dos zumbis.
A trilha sonora merece MUITO destaque, também. The Cramps, The Damned, 45 Grave e um som MATADOR de Roky Erickson, dentre outros. E as músicas se encaixam muito bem no decorrer do filme, inclusive dando um tom mais cômico e alucinado em algumas cenas mais tensas, criando um excelente paradoxo.
Os personagens também são muito diferentes dos vistos nos filmes de Romero, sendo mais cativantes e envolvendo mais o expectador na história. Mas é impossível não sentir afeição pelos zumbis da história, muito mais participativos e únicos do que em qualquer outro filme do gênero. Em uma cena antológica, uma zumbi (ou metade dela) é “interrogada” a respeito do motivo pela qual eles se alimentam de cérebros…
Já se vão quase 20 anos desde que vi este filme pela primeira vez, e o vi incontáveis vezes, e (para mim) não perdeu nem um pouco de sua força. Outro que até hoje não recebeu a devida atenção das distribuidoras nacionais.
httpv://www.youtube.com/watch?v=A3ehWyT5LEk
Claro que faltam filmes nessa lista. Muitos. Mas creio que estes cinco sejam um bom começo para quem se interessa pelo estilo.