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  • Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera | Livros

    Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera | Livros

    Daniel Galera em seu quar­to romance, Bar­ba Ensopa­da de Sangue (Com­pan­hia das Letras, 2012), é pro­tag­on­i­za­do por um “homem forte e silen­cioso” como diria Tony Sopra­no. Assim como em Mãos de Cav­a­lo e Até o Dia que o Cão Mor­reu, temos uma nar­ra­ti­va onde a vio­lên­cia surge no cotid­i­ano con­fortáv­el da classe média. 

    Após o suicí­dio do pai, o pro­tag­o­nista decide viv­er um ano em Garopa­ba para se dedicar como instru­tor em uma acad­e­mia da região e se iso­lar de sua cidade natal, Por­to Ale­gre. Ao seu lado, temos a cachor­ra Beta, que per­ten­cia ao seu pai e que ele se recu­sou a sacrificar. 

    Diag­nos­ti­ca­do com uma doença neu­rológ­i­ca rara que o impos­si­bili­ta de guardar na memória o próprio ros­to e o das pes­soas com quem vem a se rela­cionar, o pro­tag­o­nista leva con­si­go um álbum de retratos para lem­brar-se do ros­to dos ami­gos, da família e inclu­sive da sua própria face. 

    Eis um dos mis­térios do romance: Na con­ver­sa que teve com seu pai quan­do esse o infor­ma que ira tirar a própria vida, fica saben­do que seu avô, Gaudério, acabou se isolan­do na cidade de Garopa­ba nos anos 1960 e dev­i­do ao seu com­por­ta­men­to vio­len­to foi assas­si­na­do a facadas por vários nativos e seu cor­po nun­ca foi encon­tra­do. Desco­brir o que real­mente acon­te­ceu com ele é uma de suas metas, mes­mo que isso pos­sa colo­car sua vida em risco. 

    Daniel Galera
    Daniel Galera atingiu um nív­el téc­ni­co muito alto nesse romance real­ista e ambi­cioso, com per­son­agens fortes e caris­máti­cos (vide Bonobo, o bud­ista nada orto­doxo), descrições ric­as em detal­h­es, e parece jus­ti­ficar a razão do seu nome estar em voga ape­nas com a qual­i­dade da sua nar­ra­ti­va. O livro tem muitas semel­hanças entre os romances Mãos de Cav­a­lo e Até o Dia que o Cão Mor­reu, mas em nen­hum momen­to o autor está se autoplagiando. 

    Ninguém escol­he nada e mes­mo assim a respon­s­abil­i­dade é nos­sa” diz o per­son­agem prin­ci­pal em uma dis­cussão com a ex-namora­da. O cen­tro do romance tra­ta a questão de livre-arbítrio e deter­min­is­mo, tópi­co estu­da­do por David Fos­ter Wal­lace, uma grande influên­cia do escritor brasileiro e do qual traduz­iu recen­te­mente a coletânea Fican­do Longe do Fato de Já Estar Longe de Tudo.

    Des­de o princí­pio do tra­bal­ho, eu que­ria que o romance explo­rasse de maneira implíci­ta a questão filosó­fi­ca da respon­s­abil­i­dade humana em uma visão de mun­do deter­min­ista, segun­do a qual tudo que acon­tece é ape­nas resul­ta­do inevitáv­el do que acon­te­ceu logo antes. É um assun­to que me inter­es­sa.” Diz o autor em uma entre­vista para o site do Jor­nal do Comércio

    O úni­co pon­to neg­a­ti­vo está no tra­bal­ho grá­fi­co do livro. De longe, uma das piores capas jamais feitas. Fora isso, a tra­ma de mais de 400 pági­nas não é em nen­hum momen­to cansati­va e uma das críti­cas feitas ao livro, da qual ele pode­ria ser menor e menos ver­bor­rági­co, é infundado.

    Bar­ba Ensopa­da de Sangue é um óti­mo romance, mas ain­da é cedo para diz­er qual é sua importân­cia para a lit­er­atu­ra brasileira. Ao mes­mo tem­po vemos uma pro­dução literária nacional dar pas­sos cada vez maiores (antolo­gias, feiras literárias, críti­cos aten­to ao que acon­tece no cenário nacional, etc.), ain­da não sabe­mos no que isso vai dar, pro bem ou pro mal. Ficamos no aguardo.

  • Livro: Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio que Longe de Tudo, de David Foster Wallace

    Livro: Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio que Longe de Tudo, de David Foster Wallace

    O escritor norte-amer­i­cano David Fos­ter Wal­lace tirou a própria vida no ano de 2008, aos 46 anos. Deixou três romances (The Broom of Sys­tem, Infi­nite Jest* e o pós­tu­mo e inacaba­do The Pale King*), três coletâneas de con­tos (Girl With Curi­u­os Hair, Brief Inter­views with Hideous Men e Obliv­ion) e dois livros de não ficção que con­tém ensaios e reporta­gens (A Sup­pos­ed­ly Fun Thing I’ll Nev­er Do Again e Con­sid­er The Lobster). 

    Fã do autor de Infi­nite Jest, o escritor Daniel Galera, entrou em con­ta­to com a agente literária de Wal­lace, Bon­nie Nadell, no mes­mo ano da morte de DFW, fazen­do uma pro­pos­ta para orga­ni­zar e pub­licar uma coletânea com o mel­hor da sua não ficção como uma nova chance para os brasileiros de apre­sen­tar o autor, já que Breve Entre­vis­tas com Home­ns Hedion­dos (lança­do no país em 2005 pela Com­pan­hia das Letras) não teve uma boa recepção por parte dos leitores e da mídia. Além de ser um livro difí­cil, quase enci­clopédi­co , não hou­ve uma boa divul­gação pela editora. 

    Galera rece­beu o sinal verde de Nadelle e eis que temos Fican­do Longe do Fato de Já Estar Meio que Longe de Tudo (orga­ni­za­ção e tradução Daniel Galera + Daniel Pel­liz­zari, 312 pági­nas, Com­pan­hia das Letras, R$: 44,50). Para aque­les que não estão famil­iar­iza­dos com os tex­tos de DFW em inglês e teve uma difi­cul­dade para ler os con­tos de Breves Entre­vis­tas, Fican­do Longe é a mel­hor for­ma de ter um primeiro con­ta­to com a obra “daque­le cara que usa ban­dana”.

    A seleção ficou entre três reporta­gens : Fican­do Longe do Fato de Estar Meio que Longe de Tudo, Uma Coisa Suposta­mente Diver­ti­da que Eu Nun­ca Mais Vou Faz­er e Pense Na Lagos­ta. Um ensaio: Alguns Comen­tários Sobre a Graça de Kaf­ka dos quais Provavel­mente se Omi­tiu. O famoso dis­cur­so de paran­in­fo de 2005: Isto é Água. E uma crôni­ca esporti­va: Fed­er­er como Exper­iên­cia Religiosa.

    O tex­to que dá títu­lo a coletânea (Fican­do Longe etc etc) é um óti­mo cartão de vis­i­tas para quem não leu nada do DFW. A revista Harper´s Mag­a­zine em 1993 deu uma cre­den­cial para o fale­ci­do autor e disse “Olha, vai lá para aque­le dia­cho de Feira Estad­ual de Illi­nois e ape­nas nos diga o que você viu, ok?”

    A Feira Estad­ual de Illi­nois acon­tece anual­mente na cap­i­tal Spring­field des­de 1853 e tem como tema cen­tral a agri­cul­tura e demais out­ros even­tos que são cap­i­tanea­d­os por grandes cor­po­rações e tudo é reg­u­la­do sob o sig­no do hedo­nis­mo predatório. 

    Wal­lace morou nas prox­im­i­dades de onde ocorre a feira, mas mes­mo assim lev­ou uma Aju­dante Nati­va como guia em um lugar onde você já é recep­ciona­do com uma faixa com os diz­eres “A gente quer cur­tição!”. As con­ver­sas entre David e a Aju­dante Nati­va são hilárias, mas é bom prestar atenção às con­sid­er­ações do autor, onde a feira aca­ba sendo o pon­to de par­ti­da para uma reflexão maior sobre a vida mod­er­na e suas contradições. 

    A questão é: Esta­mos acos­tu­ma­dos com aglom­er­ações, caos e demais per­tur­bações da vida na cidade grande. Logo, quan­do temos opor­tu­nidade, opta­mos por FICAR LONGE. Ago­ra, quan­do você mora em Illi­nois, onde a noção de espaço é infini­ta (você fica sem­anas sem ver seus viz­in­hos), não há NADA a não ser grandes pas­tos, calor bru­tal, reli­giosos fanáti­cos, como é ir para uma Feira em um lugar que você está já está LONGE DE TUDO e encar­ar dis­trações além da con­ta? A respos­ta é: vocês vão ler e saber, oras. Parem de me olhar com essa cara.

    Ain­da temos no livro o famoso tex­to do cruzeiro (Uma Coisa Suposta­mente Diver­ti­da) onde o autor vai nos mostrar o quan­to pode ser triste uma viagem em alto-mar mes­mo sendo papari­ca­do por todos os fun­cionários do navio. O ensaio sobre Kaf­ka e sua veia cômi­ca é inter­es­sante pela pre­ocu­pação de Wal­lace – que foi pro­fes­sor uni­ver­sitário – sobre como ensi­nar um clás­si­co da lit­er­atu­ra para alunos mais inter­es­sa­dos no entreten­i­men­to que só a Améri­ca pode ofer­e­cer a eles. 

    Curioso como Pense na Lagos­ta, uma reportagem encomen­da­da pela revista Gourmet, para cobrir a fes­ta da Lagos­ta do Maine, ger­ou uma dis­cussão no site da revista por causa do rela­to sobre as lagostas serem coz­in­hadas vivas e isso implicar numa con­sid­er­ação do autor sobre o méto­do. E ain­da tem o dis­cur­so Isto é Água (que virou viral no youtube e mantra de mui­ta gente) e o rela­to da par­ti­da entre Fed­er­er e Rafael Nadal que pode pare­cer pouco , mas é o mel­hor primeiro con­ta­to com o autor de Infi­nite Jest.

    Em algu­mas entre­vis­tas recentes, Daniel Galera disse que vai faz­er uma nova orga­ni­za­ção de tex­tos de não ficção de David Fos­ter Wal­lace. E ficamos no aguardo.

    *É bom saber que está sendo fei­ta no momen­to que você lê esse tex­to ver­gonhoso, a tradução de Infi­nite Jest, o mastodonte de 1100 pági­nas, pelo rapaz que atende pela alcun­ha de Cae­tano W. Gallindo. Ele tam­bém está traduzin­do The Pale King. Você pode acom­pan­har tudo no Blog da Com­pan­hia das Letras.

  • Livro: Eu Receberia as Piores Notícias dos seus lindo Lábios — Marçal Aquino

    Livro: Eu Receberia as Piores Notícias dos seus lindo Lábios — Marçal Aquino

    Alguém pode­ria escr­ev­er um man­u­al sobre como se deve rea­gir a esse tipo de notí­cia, se as cir­cun­stân­cias não forem favoráveis ao casal. Eu rece­be­ria as piores notí­cias dos seus lin­dos lábios. Seria bas­tante útil para home­ns como eu. (p.183)

    Des­de as primeiras estórias de amor que se tem noti­cia o infortúnio de amantes é sem­pre um mote inter­es­sante para escritores. Eu Rece­be­ria as Piores Noti­cias de seus lin­dos Lábios (Com­pan­hia das Letras, 2005), de Marçal Aquino já nasce com um amor desafor­tu­na­do, cheio de paixão e tragé­dia con­ta­da pela voz de Cau­by, quase que um Romeu nas mãos de Aquino.

    Cau­by é fotó­grafo, rodou o mun­do e sem­pre se sen­tiu incom­ple­to quan­to à vida. Num impul­so de fotogra­far lugares inóspi­tos e fugir da frenéti­ca São Paulo, vai para o inte­ri­or do Pará. Numa região onde as leis são feitas à base do silên­cio dom­i­nador dos grandes e os sujeitos à estes — pes­soas que vis­lum­bram o encon­tro de ouro nos garim­pos — é o pano de fun­do da história do fotó­grafo com a mis­te­riosa e sen­su­al Lavinia. No calor do norte do Brasil, lugar descrito por Cau­by como quente e um tan­to mor­to é propí­cio que tudo se mis­ture, a lei, a religião e o amor, tudo, sem o mín­i­mo de delicadeza.

    Nun­ca prom­e­te­mos nada um ao out­ro, e eu sabia que podia acabar de repente. Poe­ma que ces­sa antes de virar a pági­na. Um Haikai. Na práti­ca, con­tu­do, não me con­for­ma­va com a ideia. Eu que­ria mais. (p.67)

    Eu Rece­be­ria as Piores Noti­cias de seus lin­dos Lábios é nar­ra­do em tom de alu­ci­nação e insistên­cia de um homem apaixon­a­do. Cau­by oscila entre o pre­sente, um momen­to cur­to de uma noite, onde um out­ro homem nar­ra as suas decepcões amorosas, e o pas­sa­do, não muito longe, inten­so e cheio de revi­ra­voltas. Tudo sem maiores sinal­iza­ções além da lóg­i­ca que a própria leitu­ra dá. Um pon­to-chave e bacana do livro é o fluxo de con­sciên­cia de Cau­by, reple­to de sen­ti­men­tos e orga­ni­za­do con­forme os fatos que vão surgin­do e reme­tendo à out­ras situ­ações. O nar­rador con­segue cri­ar uma própria orga­ni­za­ção no seu rela­to sem deixar de ser infor­mal e con­t­a­m­i­na­do pelo que sente, usan­do a não-lin­eari­dade total­mente a seu favor.

    Lem­brei dos dias que pas­sei sem ela. Dias em que encon­trar, por aca­so, um fio de seu cabe­lo pre­so na fron­ha do trav­es­seiro bas­ta­va para me encher de angús­tia e dor. Estive a pon­to de raste­jar. Atire a primeira pedra aque­le que não estreme­ceu ao recu­per­ar, nos lençóis encar­di­dos da cama em que dorme solitário, o cheiro da mul­her ausente. (p.74)

    Marçal Aquino
    O livro é divi­di­do em três partes com títu­los bas­tante per­ti­nentes e trag­icômi­cos quan­do se tra­ta de Marçal Aquino. Em Amor é Sex­ual­mente Trans­mís­siv­el tra­ta da efer­vescên­cia do amor de Cau­by e Lavinia como um encan­ta­men­to que é basi­ca­mente sex­u­al. Seus cor­pos con­ver­sam, tro­cam e fun­cionam mel­hor na cama. O diál­o­go entre os dois quase só é pos­sív­el quan­do con­seguem curar o seu caos no sexo. Quan­do não o fazem é tudo muito estran­ho e depen­dente, nem eles sabem ao cer­to porque estão ali. Para enten­der um pouco da desen­f­rea­da Lavinia, em Carne-Viva é apre­sen­ta­da, numa nar­ra­ti­va bem con­ven­cional, o históri­co dessa mul­her que dá sequên­cia no rela­to de Cau­by em Postais de Sodoma à luz do primeiro fogo, onde somos lev­a­dos, já sem fôlego, ao des­fe­cho da relação tem­pes­tu­osa do casal.

    De acor­do com o pro­fes­sor Schi­an­berg (op. cit), não é pos­sív­el deter­mi­nar o momen­to exa­to em que uma pes­soa se apaixona. Se fos­se, ele afir­ma, bas­taria um ter­mômetro para com­pro­var sua teo­ria de que, neste instante, a tem­per­atu­ra cor­po­ral se ele­va vários graus. Uma febre, nos­sa úni­ca sequela div­ina. Schi­amberg diz mais: ao se apaixonar, um ¨homem de sangue quente¨ exper­i­men­ta o desam­paro de sen­tir-se vul­neráv­el. Ele não caçou; foi caça­do. (p.15)

    Um dos pon­tos mais inter­es­santes é como Cau­by e o per­son­agem Vik­tor são lev­a­dos a agir con­forme leituras feitas. O fotó­grafo é fiel seguidor do fic­tí­cio filó­so­fo do amor, Ben­jamin Schi­an­berg, o mes­mo que veio a se tornar o ide­al­izador imag­inário do exper­i­men­to de Beto Brant em O amor segun­do B. Schi­an­berg . Os tre­chos de livros do filó­so­fo são inseri­dos de for­ma bas­tante inteligente em Eu Rece­be­ria as Piores Noti­cias de seus lin­dos Lábios com Cau­by trazen­do a tona pági­nas e citações inteiras asso­ci­adas à sua relação com Lavínia. 

    Mas Eu Rece­be­ria as Piores Noti­cias de seus lin­dos Lábios não é somente um livro sobre amantes mal suce­di­dos. Em vários momen­tos o casal se tor­na ape­nas duas peças para tratar de uma ter­ra sem lei, com explo­ração ambi­en­tal e humana onde quase tudo é deci­di­do por instin­to. Essa filosofia do matar ou mor­rer é que tor­na os per­son­agens um monte de anti-heróis fada­dos a um des­ti­no deter­mi­na­do caso não andem con­forme o pro­gra­ma­do. Todos são reple­tos de con­tro­vér­sias, donos de val­ores que acred­i­tam ter, como se estivessem nesse lugar aparente­mente tão longe para expur­gar sua vida.

    Fada­dos ou não à tragé­dia, Cau­by e Lavinia, assim como boa parte dos per­son­agens são toma­dos pelo sen­ti­men­to de insistên­cia, seja de val­ores, sen­ti­men­tos e o que for. Eu Rece­be­ria as Piores Noti­cias de seus lin­dos Lábios é um romance para se ler com o fôlego daque­les que gostam de arriscar con­tra o tédio da vida.

    *Eu Rece­be­ria as Piores Notí­cias dos seus lin­do Lábios foi adap­ta­do — com títu­lo homôn­i­mo — para o cin­e­ma pelo dire­tor Beto Brant e entrou em car­taz em abril de 2012.

  • Livro: Honra teu Pai — Gay Talese

    Livro: Honra teu Pai — Gay Talese

    Em 1971 era pub­li­ca­do o livro Hon­ra Teu Pai (Cia das Letras, 512 pági­nas, tradução de Don­ald­son M. Garscha­gen), do jor­nal­ista Gay Talese, que pas­sou sete anos fazen­do pesquisas sobre a família Bon­nano, uma das mais impor­tantes da máfia nos Esta­dos Unidos.

    Hon­ra Teu Pai parte do seque­stro de Joseph Bonan­no em 1964, um dos líderes das Cin­co Famílias de Nova York, e a ten­são que cai nos ombros de seu fil­ho, Sal­va­tore “Bill” Bon­nano, para man­ter a ordem nos negó­cios e evi­tar uma pos­sív­el guer­ra entre gru­pos rivais. Além dis­so, Talese tam­bém vol­ta a Sicília dos anos 1920, na cidade Castel­la­mare, onde nasceu Joseph e a orga­ni­za­ção que hoje em dia é con­heci­da como Cosa Nos­tra, até os dias finais das orga­ni­za­ções Bonnano.

    Os anos 60 foram anos de trans­for­mações tan­to cul­tur­ais quan­to com­por­ta­men­tais, mas para o mun­do de Bill Bon­nano, tudo per­mane­cia igual: as guer­ras feu­dais travadas na Sicília ape­nas se mudaram para os Esta­dos Unidos e ele se con­sid­er­a­va, ape­sar de ter cur­sa­do a fac­ul­dade agrono­mia na cidade de Tuc­son (da qual não con­cluiu), um mero vende­dor de car­roças. A figu­ra pater­na de Joseph Bon­nano era onipresente demais na vida do jovem Bill e este acabou entran­do nos negó­cios do pai sem pes­tane­jar. Hon­ra Teu Pai é um clás­si­co não ape­nas sobre a con­tra­venção, mas de um fil­ho devota­do ao pai a pon­to de colo­car a própria vida em risco se aven­tu­ran­do em seu mundo.

    E não fican­do somente nis­so: as difi­cul­dades vivi­das pelas esposas dos gang­sters na pele de Ros­alie, esposa de Bill, que cria os fil­hos em para­le­lo a vida de seu mari­do con­tra­ven­tor, geran­do muitos prob­le­mas no casa­men­to, que vão de infi­del­i­dade, segu­rança e a fal­ta de din­heiro. (Talese se aproveitou da boa vendagem do livro e mais o din­heiro obti­do na ven­da dos dire­itos de fil­magem* para cri­ar um fun­do para os fil­hos de Ros­alie e Bill pudessem cur­sar a fac­ul­dade quan­do mais velhos)

    Con­sid­er­a­do um dos cri­adores do Jor­nal­is­mo Literário (títu­lo que não faz mui­ta questão de osten­tar), Gay Talese tra­bal­hou no jor­nal The New York Times por 12 anos (exper­iên­cia que ren­deu o livro O Reino e o Poder, tam­bém lança­do pela Cia das Letras) e tam­bém foi colab­o­rador das revis­tas New York­er e Esquire. Em entre­vista a Paris Review, o jor­nal­ista diz que tra­ta a não-ficção com a mes­ma seriedade que um autor de ficção faria, mas faz questão de deixar claro que tudo que se pas­sa em seus livros acon­te­ceu de ver­dade. A imer­são em suas histórias é total. Na pro­dução de Hon­ra Teu Pai, Talese anda­va com Bill Bon­nano e seus segu­ranças, sujeito a ser balea­do ou sofr­er ataques a bom­ba na Guer­ra das Bananas. O jor­nal­ista pas­sa­va bas­tante tem­po com seus per­son­agens entre­vi­s­tan­do-os, toman­do notas sobre tudo que fazi­am. A obsessão per­fec­cionista do autor o lev­ou a sua fama merecida.

    Ques­tion­a­do sobre a razão de ter escrito um livro sobre assas­si­nos, Talese disse que não via muitas difer­enças entre um mafioso e um sol­da­do que mata um ser humano em nome do gov­er­no: ambos vivem sob um rígi­do códi­go de con­du­ta e se pro­tegem uns aos out­ros.

    *Escrito por Lewis John Car­li­no e dirigi­do por Paul Wend­kos, o filme feito para TV de Hon­ra Teu Pai pode ser vis­to na inte­gra aqui:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=Y5pYTR7iPkY

  • Companhia das Letras lança quatro novos selos

    Companhia das Letras lança quatro novos selos

    O mun­do livreiro — aqui inclui des­de livrarias, bib­liote­cas e claro, o mer­ca­do edi­to­r­i­al — vive a incerteza sobre o futuro do livro. Aqui no Brasil, o alarde não é de grandes pro­porções porque somente há pouco tem­po começamos um proces­so de democ­ra­ti­za­ção do livro com um cres­cente número de livrarias e edi­toras expandin­do suas alternativas.

    A Com­pan­hia das Letras, uma das maiores edi­toras do país, atua há 25 anos no mer­ca­do edi­to­r­i­al e há pouco menos de um ano anun­ciou sua junção com a famosa edi­to­ra ingle­sa Pen­guin, lança nesse ano mais qua­tro selos para dar con­ta do cres­cente mer­ca­do de livros que o Brasil vem apre­sen­tan­do. Mostran­do que o mer­ca­do está em pleno vig­or, seja no impres­so ou na con­strução da pop­u­lar­iza­ção do e‑book, o anún­cio de novos selos sem­pre deixa os leitores em polvorosa.

    O selo Para­lela vem para suprir um mer­ca­do cres­cente com best-sell­ers de ficção e não-ficção procu­ra­dos e de boa qual­i­dade. As tira­gens serão supe­ri­ores do que as nor­mais da edi­to­ra e serão lança­dos até dois títu­los por mês, começan­do já nesse mês de abril com o romance poli­cial Scar­pet­ta da escrito­ra Patri­cia Corn­well, e O sinal, livro sobre o San­to Sudário e a origem do Cristianismo.

    Os selos Seguinte e Boa Com­pan­hia serão mais volta­dos ao públi­co jovem, lançan­do até 12 títu­los por ano. O primeiro vai abranger o catál­o­go do selo Cia das Letras, onde famoso escritor Lemo­ny Snick­et (Desven­turas em Série), por exem­p­lo, é um dos nomes que pode ilus­trar o catál­o­go do Seguinte. Já a Boa Com­pan­hia vai edi­tar antolo­gias de clás­si­cos brasileiros para for­t­ale­cer a for­mação de leitores.

    E em 2013 a edi­to­ra pas­sa a edi­tar livros pelo selo Port­fo­lio Pen­guin, com cer­ca de 10 títu­los anu­ais, volta­do para o seg­men­to de mar­ket­ing, negó­cios e empreende­doris­mo em ger­al, com suas óti­mas traduções.

    A Com­pan­hia das Letras afir­ma que com o surg­i­men­to de novos e pequenos selos a edi­to­ra pas­sa a viv­er um novo momen­to de maior alcance de leitores, geran­do uma deman­da maior e com mais seg­men­tos. Torce­mos que sim!

  • Ali Boma Ye: dois livros sobre Muhammad Ali

    Ali Boma Ye: dois livros sobre Muhammad Ali

    Muham­mad Ali teve em sua car­reira 56 vitórias (37 por nocaute) e 5 der­ro­tas ape­nas. Há 30 anos sofre do Mal de Parkin­son. Nos anos 60 foi o maior atle­ta que o mun­do con­heceu e a Com­pan­hia das Letras relançou em ver­são de bol­so dois livros impor­tantes sobre o pugilista na coleção Jor­nal­is­mo Literário.

    Em 1998, ano em que o boxe já não tin­ha mais o mes­mo prestí­gio dos anos 60, o jor­nal­ista David Rem­nick, hoje edi­tor da revista New York­er, lançou o livro O Rei do Mun­do (Cia das Letras, tradução de Cel­so Nogueira, 376 pag.), onde a tra­jetória de Cas­sius Clay é con­ta­da des­de seu iní­cio no esporte, suas excen­t­ri­ci­dades (Ali cos­tu­ma­va con­ced­er lon­gas entre­vis­tas falan­do do quan­to era O Mel­hor (The Great­est) e caça­va seus adver­sários na rua para provo­ca-los), a con­ver­são ao islamis­mo (mudan­do seu nome para Muham­mad Ali) e os títu­los que o consagraram.

    Rem­nick não ape­nas foca na vida do luta­dor como vai nar­rar tam­bém os basti­dores da crôni­ca esporti­va da época, os movi­men­tos raci­ais em ascen­são (Mal­colm X era ami­go de Ali, mas depois romper­am relações dev­i­do às divergên­cias de Mal­colm com a Nação do Islã), o sub­mun­do do esporte (as lig­ações estre­itas com a máfia retrata­da na vida de Son­ny Lis­ton). Para quem não con­hece a história de Ali, comece por O Rei do Mun­do.

    Per­son­agem no livro de David Rem­nick, Nor­man Mail­er escreveu A Luta (Cia das Letras, tradução de Clau­dio Weber Abramo, 232 pag.) em 1975 (dez anos após os even­tos nar­ra­dos em O Rei do Mun­do). O livro de Nor­man Mail­er veio ao mun­do com o que ele chama­va de preparo para, segun­do sua própria definição, O Grande Romance amer­i­cano do qual nun­ca nos deu, mas chegou muito perto. 

    Após perder o títu­lo de Campeão dos Pesos Pesa­dos ao se recusar a lutar no Viet­nã, Ali vai até o Zaire lutar con­tra o então campeão George Fore­man, que se aci­den­ta durante o treino e atrasa em um mês aque­la que se tornou uma das lutas mais acla­madas do boxe. Mail­er é tão per­son­agem quan­to os dois luta­dores, par­tic­i­pan­do de uma lon­ga cor­ri­da com Ali e indo a uma car­tomante jun­to com o jor­nal­ista George Plimp­ton pra saber quem vence­ria a dis­pu­ta. Nor­man tam­bém rela­ta a pobreza que se encon­tra­va o país africano coman­da­do pelo dita­dor Mobu­tu Sese Seko e as peripé­cias de Don King, o empresário fan­farão que orga­ni­zou o evento. 

    Ape­sar dos dois livros terem o mes­mo per­son­agem prin­ci­pal, O Rei do Mun­do não sep­a­ra o boxe da políti­ca (des­de 1950, a maio­r­ia dos pesos pesa­dos eram com­pos­ta por negros), e uma amostra do con­fli­to racial da época é exem­pli­fi­ca­da na luta entre Floyd Pat­ter­son e Son­ny Lis­ton, onde o primeiro é o negro lib­er­al, a favor da tol­erân­cia racial con­tra o negro estereoti­pa­do: Lis­ton era con­sid­er­a­do caso per­di­do, com pas­sagens pela cadeia e lig­ação com o crime orga­ni­za­do. Esse ter­reno é arma­do par medir o impacto que seria a figu­ra de Cas­sius Clay no esporte. David tam­bém pres­ta um trib­u­to à crôni­ca esporti­va da época, relem­bran­do A. J. Liebling, Gay Talese (que escreveu um emo­cio­nante per­fil de Floyd Pat­ter­son), James Bald­win e suas desavenças com Nor­man Mail­er. Todo o tra­bal­ho de pesquisa feito por Rem­nick con­tribuiu para um óti­mo livro tan­to sobre boxe como para o que o foram os anos 60.

    A Luta, é o clás­si­co do jor­nal­is­mo literário e da imer­são. Mail­er não faz con­cessão algu­ma quan­to sua par­tic­i­pação nos even­tos e o colo­ca como um per­son­agem tão par­tic­i­pa­ti­vo quan­to Ali e Fore­man. Ali é um mis­tério que Mail­er vai desven­dan­do ao lon­go do livro e assim como é tam­bém o dita­dor Mobu­tu Sese Seko, que para con­ter uma pos­sív­el onda de vio­lên­cia con­tra tur­is­tas estrangeiros no dia do even­to, man­dou reunir mais de mil crim­i­nosos no vestiário do está­dio onde seria a luta e man­dou exe­cu­tar cem deles como um avi­so para o que iria acon­te­cer caso des­obe­de­cesse as ordens de Mobu­tu. Segun­do Mail­er, o chão do está­dio ain­da con­tin­ha sangue no dia da luta. Como expli­ca­do no pos­fá­cio de Clau­dio Weber, muito das brin­cadeiras com palavras que Nor­man faz se per­dem na tradução para o por­tuguês, mas não com­pro­m­ete o texto. 

    Recomen­dações:

    Ali (2001), cinebi­ografia do pugilista dirigi­da por Michael Mann, com Will Smith no papel prin­ci­pal, bus­cou muitas infor­mações no livro de David Remnick


    When We Were Kings (1996), doc­u­men­tário de Leon Gast, mostra como foi à luta entre Ali x Fore­man e con­ta com depoi­men­tos dos cita­dos Nor­man Mail­er e George Plimpton

  • Livro: Festa no Covil — Juan Pablo Villalobos

    Livro: Festa no Covil — Juan Pablo Villalobos

    ¨Real­mente os cul­tos sabem muitas coisas dos livros, mas não sabem nada da vida. Esse não foi um erro do escritor. Foi um erro da humanidade¨ (p.30)

    Impos­sív­el não se sen­tir ten­ta­do pela capa da edição brasileira de Fes­ta no Cov­il (Com­pan­hia das Letras, 2012) — inspi­rada­mente desen­ha­da pela artista Elisa v. Randow — o romance de estreia de Juan Pablo Vil­lalo­bos. Fazen­do uso da sim­bolo­gia da clás­si­ca fes­ta de Dia de Muer­tos mex­i­cana, a capa é um incrív­el con­vite para que você escute um meni­no solitário con­tar algu­mas peripécias.

    Tochtli — coel­ho, na lín­gua aste­ca — é uma cri­ança comum, ou pode­ria ser, que como qual­quer out­ra dese­ja muito um pre­sente. Segun­do ele próprio mora numa man­são no Méx­i­co, tem uma vida ente­di­ante, pos­sui uma vas­ta coleção de chapéus e son­ha em ter um casal de hipopó­ta­mos anões da Libéria. Um dese­jo nada con­ven­cional e que nos diz muito sobre o per­son­agem que nar­ra o romance do mex­i­cano Juan Pablo Vil­lalo­bos.

    Fes­ta no Cov­il tra­ta de for­ma muito sen­sív­el, ao pas­so que te faz res­pi­rar a cada novo pará­grafo, a vida solitária de uma cri­ança em pleno cenário do nar­cotrá­fi­co mex­i­cano. O pai, um reno­ma­do profis­sion­al do ramo, pro­tege o fil­ho numa espé­cie de for­t­aleza e é escon­di­do do resto do mun­do que o garo­to rela­ta pecu­liari­dades do seu cotid­i­ano, como o número de pes­soas que con­hece e como é a sua roti­na diária, tudo do seu pon­to de vista infan­til, inteligente e com dos­es de ironia.

    Parece que o país Libéria é um país nefas­to. O Méx­i­co tam­bém é um país nefas­to. É um país tão nefas­to que você não pode con­seguir um hipopó­ta­mo anão da Libéria. O nome dis­so na ver­dade é ser do ter­ceiro mun­do.” (p.20)

    O nar­cotrá­fi­co, talvez a ativi­dade mais ren­táv­el na lati­noaméri­ca, é um plano de fun­do um tan­to quan­to fos­co em Fes­ta no Cov­il pois, difer­ente de uma visão real­ista, esse mun­do se apre­sen­ta cheio de metá­foras e por­tas fechadas, vis­tas pelos olhos de uma cri­ança. A mar­gin­al­iza­ção da sociedade mex­i­cana foge da figu­ra do imi­grante e tra­ta mais de per­to os atu­ais prob­le­mas do país no com­bate da máfia das dro­gas. Na ver­dade, qual­quer país abaixo da fron­teira dos Esta­dos Unidos pode­ria ser o cenário da vida de Tochtli e talvez um dos pon­tos mais fortes do livro seja essa sen­sação de con­hec­i­men­to de causa que temos ao ver uma cri­ança encar­an­do a real­i­dade de for­ma tão ingênua.

    Mas Vil­lal­lo­bos não faz um rela­to comum e muito menos pro­duz uma nar­co­l­it­er­atu­ra fun­da­da em real­is­mos. Ele usa a voz de Tochtli para cri­ar um apego entre o leitor e o per­son­agem e assim cri­ar um enre­do que beira à suavi­dade de histórias infan­tis. Em muitos momen­tos nos vemos olhan­do assus­ta­dos para o garo­to da ficção, todo o dis­cur­so do pequeno Tochtli é mar­ca­da por suas sen­síveis pecu­liari­dades. As vezes ele é mima­do, não quer mais brin­car e em out­ros momen­tos ele demon­stra uma maturi­dade, con­sum­i­da por fras­es pre­co­ces, que nos leva a ques­tionar a solidão infantil.

    Há ape­nas um flerte com a real­i­dade vista por ess­es olhos inocentes. Se out­ro­ra a lit­er­atu­ra fazia uso das metá­foras fan­tás­ti­cas para con­tar um fato real, em Fes­ta no Cov­il são os olhos infan­tis que inter­pre­tam a vida com inocên­cia e em algu­mas situ­ações com a frieza da ver­dade. Tochtli é solitário, tem aulas par­tic­u­lares em casa e con­vive o tem­po todo com adul­tos, por­tan­to é inevitáv­el que em sua voz saiam definições pre­co­ces. Não se sabe ao cer­to se o garo­to é somente mima­do, víti­ma de um pai ausente e mãe que mor­reu, ou pro­fun­da­mente inspi­ra­do pelas pes­soas mis­te­riosas que con­vivem com ele e vivem ensi­nan­do algo.

    O pres­i­dente John Kennedy esta­va fazen­do um pas­seio num car­ro sem teto e ati­raram na cabeça dele. Ou seja, as guil­hoti­nas são para os reis e os tiros, para os pres­i­dentes. (p.47)

    Durante toda a nar­ra­ti­va de Fes­ta no Cov­il fica níti­da uma relação estre­i­ta do meni­no com as palavras, incluin­do o próprio dis­cur­so que ele cui­da que seja bem explica­ti­vo. O pequeno Tochtli não dorme sem ler o dicionário, ele gos­ta de nomear os sen­ti­men­tos e as pes­soas e quan­do se encan­ta com uma palavra a usa em vários con­tex­tos, inde­pen­dente se elas con­tin­u­am ou não com o mes­mo significado. 

    Juan Pablo Vil­lalo­bos, até pouco tem­po atrás, era um nome descon­heci­do da lit­er­atu­ra lati­noamer­i­cana. O mex­i­cano, casa­do com uma brasileira e res­i­dente no país, diz que sua visão sobre o Méx­i­co é de quem obser­va de longe e que nesse pon­to de fora con­segue ver com muito mais clareza a situ­ação vivi­da pelo país. Quan­do ques­tion­a­do se ele espera que no Brasil haja iden­ti­fi­cação com o pequeno Tochtli, diz que sim mas que no Brasil ele vê mais otimis­mo, uma das car­ac­terís­ti­cas impres­sio­n­antes no per­son­agem-garo­to de A Fes­ta no Cov­il.

    É impos­sív­el sair imune de Tochtli e seus son­hos mima­dos. Enquan­to o Méx­i­co, e con­se­quente­mente seu pai, vivem perío­dos de lim­bos, o garo­to ape­nas anseia em encon­trar o casal de ani­mais que fal­ta para seu zoológi­co. Pequenos nuances detal­ham a real­i­dade do per­son­agem que faz de Fes­ta no Cov­il uma fábu­la de uma cri­ança — lem­bran­do o sig­nifi­ca­do do seu nome aste­ca — den­tro de um bura­co, alheio ao mun­do caóti­co e sem esper­ança de fora.

  • Livro: O Grande Gatsby — F. Scott Fitzgerald

    Livro: O Grande Gatsby — F. Scott Fitzgerald

    Eu quero escr­ev­er uma história sim­ples, bela e extraordinária”

    F. Scott Fitzger­ald em cor­re­spondên­cia para o seu edi­tor Maxwell Perkins em 1922. Três anos depois pub­li­caria O Grande Gats­by (Pen­guin-Com­pan­hia, tradução de Vanes­sa Bar­bara e intro­dução e notas de Tony Tan­ner), romance con­sid­er­a­do por muitos como um dos mel­hores do sécu­lo XX.

    Fitzger­ald nos con­cede uma jor­na­da através da obsessão de um homem que se entre­ga a um mun­do de val­ores duvi­dosos, movi­do ape­nas por um amor do pas­sa­do. Tam­bém é a história de pes­soas super­fi­ci­ais que vivem sobre a ilusão da eter­na juven­tude, beleza e riqueza; não se impor­tan­do com nada a não ser a si mesmos. 

    Nick Car­raway, jovem grad­u­a­do em New Haven e ex-com­bat­ente da Primeira Guer­ra Mundi­al, nar­ra sua mudança para West Egg e aca­ba se tor­nan­do viz­in­ho do mis­te­rioso Jay Gats­by que pro­move fes­tas extrav­a­gantes em sua man­são, atrain­do a alta sociedade local que espec­u­la sobre o seu pas­sa­do: ninguém con­hece Gats­by pes­soal­mente, mas todos já ouvi­ram algu­ma supos­ta história sobre suas ações, entre elas, que já teria cometi­do assassinato. 

    O que ninguém sabe é que Gats­by pre­tende repe­tir o pas­sa­do: reen­con­trar o seu amor per­di­do na juven­tude, Daisy, ago­ra casa­da com o agres­si­vo Tom Buchanan, que mora na parte opos­ta da baía, em East Egg (onde moram os ricos na ilha fic­tí­cia*, West Egg é a parte pobre). Ele ali­men­ta esper­anças de que um dia ela pos­sa vis­i­tar uma de suas fes­tas e assim reconquistá-la.

    Os anos 1920 foram os anos de pros­peri­dade econômi­ca na Améri­ca do Norte, prin­ci­pal­mente nos Esta­dos Unidos, após a Primeira Guer­ra Mundi­al — perío­do con­heci­do como Roar­ing Twen­ties. Após a recessão, a econo­mia amer­i­cana entra­va em uma nova fase. A indús­tria auto­mo­bilís­ti­ca pro­duzia em mas­sa, o cin­e­ma e o rádio eram as prin­ci­pais for­mas de entreten­i­men­to, o jazz se tor­na­va bas­tante pop­u­lar e a pro­pa­gan­da tin­ha um papel impor­tante na mídia. Tam­bém nes­ta déca­da foi insti­tuí­da, em 1923, a Lei Seca (que teve seu fim em 1933) – onde pro­duzir, vender, impor­tar e expor­tar bebidas alcoóli­cas era ile­gal. O crime orga­ni­za­do – a máfia, lid­er­a­da por Al Capone – pas­sou lucrar muito com a ven­da clan­des­ti­na. Nes­sa época, o mate­ri­al­is­mo e o egoís­mo se tornaram parte do son­ho amer­i­cano e isso ficou muito bem retrata­do em O Grande Gats­by.

    O livro tam­bém tra­ta dos prob­le­mas que acar­retam quan­do vive­mos do pas­sa­do e do fim das ilusões da juven­tude. A tris­teza está pre­sente do começo ao fim. A obra con­tin­ua atu­al e é vál­i­da para aque­les que ain­da não tiver­am con­ta­do com esse clás­si­co americano.

    *Acred­i­to que talvez fiquem con­fu­sos com min­ha expli­cação sobre East e West Egg, mas a tradu­to­ra fez uma car­tografia da região no blog da Com­pan­hia.

    ***

    Há seis adap­tações do romance para o cin­e­ma, mas recomen­do a ver­são de 1974 com Robert Red­ford (Gats­by) e Mia Far­row (Daisy) no papeis prin­ci­pais. O roteiro é de Fran­cis Ford Cop­po­la, em sub­sti­tu­ição a Tru­man Capote, demi­ti­do pelo estú­dio. A direção ficou por con­ta de Jack Clayton.

    Está em pós-pro­dução a adap­tação em 3D (não me per­gunte, eu tam­bém não sei o moti­vo) para o cin­e­ma de O Grande Gats­by estre­la­da por Tobey Maguire, na pele de Nick Car­raway, Leonar­do Di Caprio, como Jay Gats­by, Joel Edger­ton inter­pre­ta Tom Buchanan e o papel de Daisy ficou para Carey Mul­li­gan; com estreia pre­vista ain­da para este ano. É esper­ar para ver o resultado.

    ***

    E como pre­sente para o bra­vo e destemi­do leitor (a) que chegou até aqui, fique com o jogo de Super Nin­ten­do do livro mais famoso de F. Scott Fitzger­ald . Não pre­cisa agradecer.

  • Porta na Cara: Férias do Barulho, três recomendações de leitura

    Porta na Cara: Férias do Barulho, três recomendações de leitura

    Olá. Você pode me chama de Bruno, mas o que eu mais quero é que você me chame de ami­go. Esta­mos cer­tos? Eu acred­i­to que sim. Então pegue na min­ha mão e vamos embar­car nes­sa empre­ita­da juntos.

    Pen­san­do em você, caro leitor (a) jovem e baladeiro (a), eu vou aqui relatar três livros com selo de qual­i­dade “Que Trem Bão, Sô” para tem­po­ra­da de férias que está por vir. Mas olha só, livros são legais, mas tudo tem lim­ite. Eles não vão deixar você mais inteligente ou algo do tipo. Como diria o sábio Arnal­do Bran­co: se quis­er posar de inteligente, use um cachim­bo. Enfim, segue o baile.


    Ruí­do Bran­co, Don DeLil­lo – Um per­son­agem que usa túni­ca e ócu­los escuro para lecionar pre­cisa — mais do que nun­ca — ser ama­do. E como não amar Jack Glad­ney, um pro­fes­sor uni­ver­sitário pio­neiro no estu­do de Hitlerolo­gia (!), mas que não sabe falar uma palavra em alemão? Ruí­do Bran­co é foca­do na vida desse pro­fes­sor excên­tri­co, sua família nada con­ven­cional e a sua fasci­nação por um assun­to pouco queri­do: A morte. Além de tudo, há um aci­dente nuclear em sua cidade e um sujeito extrema­mente engraça­do chama­do Mur­ray. Mais não pos­so con­tar, mas pos­so diz­er que DeLil­lo influ­en­ciou uma ger­ação de escritores como David Fos­ter Wal­lace, Bret Eas­t­on Ellis, Chuck Palah­niuk, entre out­ros. O romance inspirou uma músi­ca do Mog­wai chama­da White Noise (duh), que está no álbum Hard­core Will Nev­er Die (but you will) (2011).


    Eu Falar Boni­to um Dia, David Sedaris – As rem­i­nis­cên­cias de David Sedaris são uma das coisas mais engraçadas que já li em anos. Mas não espere um cli­ma Clarah Aver­buck de falar do próprio umbi­go, nada dis­so. Sedaris tra­bal­ha com engen­ho rela­tan­do sua tem­po­ra­da em sube­m­pre­gos, sua fase “artís­ti­ca”, sua família para lá de estran­ha e como seu namora­do, Hugh, o aguen­ta mes­mo David sendo desagradáv­el a todo instante. Seus con­tos tam­bém podem ser vis­tos como pequenos ensaios sobre gente comum, ralan­do para ter uma vida digna, extrema­mente bem escrito. David Sedaris é colab­o­rador fre­quente de revis­tas como New York­er, Esquire e tan­tas out­ras. Bril­ha muito esse rapaz. 


    The Alco­holic, Jonathan Ames TREVAS. Assim mes­mo, com caps lock e tudo, é a palavra per­fei­ta para descr­ev­er essa HQ de Jonathan Ames, roteirista do seri­ado Bored to Death, da HBO. Jonathan (o per­son­agem, não o autor) quan­do jovem, era um óti­mo aluno até con­hecer o álcool. Sua vida cai num abis­mo gigan­tesco, mas ele con­segue se safar do prob­le­ma e vira um escritor de romances poli­ci­ais de suces­so – claro que o álcool vol­ta para tornar a vida de nos­so herói um infer­no dos dia­bos nova­mente. Além dis­so, a tra­ma con­ta com sua relação com seu cha­pa, Sal, que não é das mel­hores. Nota 10 de dez estre­las pos­síveis. Con­fi­ra para enten­der porque virei um fã con­strage­dor desse autor. 

    Espero que as recomen­dações agra­dem pelo menos um ou out­ro jovem inter­es­sa­do nes­sas coisas. Estou aqui para con­tribuir com seu bem estar. É o mín­i­mo que pos­so faz­er por vocês, lin­dezas. Até a próx­i­ma e evitem serem fla­gra­dos fazen­do besteira. Sabe­mos que assim é fei­ta a juven­tude, mas vamos com calma.

    Boas férias a todos.

  • Crítica: A Minha Versão do Amor

    Crítica: A Minha Versão do Amor

    Final­mente uma adap­tação bem suce­di­da de best-sell­er para o cin­e­ma. A Min­ha Ver­são do Amor (Bar­ney’s Ver­sion, 2010, Canadá/Itália), dirigi­do por Richard J. Lewis, basea­da no livro, A ver­são de Bar­ney, de Morde­cai Rich­ler, faz jus a diver­ti­da nar­ra­ti­va do escritor canadense, que segun­do espec­u­lações, tornou ficção suas próprias peripé­cias no livro de sucesso.

    Bar­ney Panof­sky (Paul Gia­mat­ti) é uma dessas fig­uras esquisi­tas que sem­pre que ten­ta acer­tar aca­ba enfian­do os pés pelas mãos. Ao tomar con­hec­i­men­to que um poli­cial aposen­ta­do escreveu um livro sobre o desa­parec­i­men­to de Boo­gie, mel­hor ami­go de Bar­ney, ele próprio começa a refle­tir sobre a sua ver­são dessa história e da sua vida movi­men­ta­da — foram três casa­men­tos e muitas situ­ações cômi­cas — até aque­le momento.

    A Min­ha Ver­são do Amor é a pro­pos­ta de Bar­ney, ao envel­he­cer, de relem­brar como transcor­reu boa parte dos even­tos de sua vida. Ele se propõe a bus­car na sua memória cada acon­tec­i­men­to ao lon­go dos anos partin­do do seu pon­to de vista e sen­ti­men­tos. E o mais inter­es­sante é que os ele­men­tos ¨memória¨ e ¨tem­po¨ fun­cionam como um per­son­agem-ele­men­to do filme indo, retor­nan­do e sumin­do em alguns momen­tos. O espec­ta­dor é con­vi­da­do a obser­var a vida desse homem, que de bonz­in­ho, cer­to e sério não tem quase nada — o que car­ac­ter­i­za um per­son­agem genial — além de cri­ar a sua própria ver­são sobre a vida dele.

    Nen­hu­ma novi­dade na sen­sa­cional atu­ação de Paul Gia­mat­ti que sem­pre parece estar agin­do tão nor­mal­mente que mal sabe­mos se ele inter­pre­ta ou as per­son­agens que gan­ham um pouco dele em suas iden­ti­dades. Ain­da, as cenas que Gia­mat­ti con­tra­ce­na com Dustin Hoff­mann são sen­sa­cionais, os dois for­mam um belo par de pai e fil­ho com boas dos­es de humor negro judeu.

    O tra­bal­ho de maquiagem em A Min­ha Ver­são do Amor é óti­mo, como o tem­po faz um vai-e-vem o pes­on­agem de Gia­mat­ti gan­ha tons bem nat­u­rais de envel­hec­i­men­to que fun­cionam de for­ma muito boa. Por se tratar de um filme que oscila entre a comé­dia e o dra­ma, a direção de fotografia tra­bal­hou em boa parte do lon­ga com tons claros que suavizam e dão charme no transcor­rer do argu­men­to, sem forçar nen­hu­ma situação.

    O espec­ta­dor não sai imune da sessão de A Min­ha Ver­são do Amor pois o lado da história que Bar­ney apre­sen­ta é extrema­mente gra­ciosa, um homem que come­teu muitos erros como qual­quer out­ro ao lon­go da vida. Sem muitas pre­ten­sões o per­son­agem — que sendo ou não um alterego de Rich­ler — empres­ta um saudo­sis­mo de per­son­agens clás­si­cos da Lit­er­atu­ra Mar­gin­al. Bar­ney é um per­son­agem que vive dos extremos, faz tudo por amor, mas tam­bém vive fazen­do coisas que vão con­tra seus rela­ciona­men­tos, ou seja, um anti-herói bem ao esti­lo que agra­da ao espec­ta­dor que sabe muito bem que a vida é como Panof­sky vive, desregra­da, cheia de altos e baixos e no fim, mes­mo você não saben­do mais quem é de fato, sabe que era assim que tin­ha que ter sido.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=5v6pWOvUpc8

  • Livro: Só Garotos — Patti Smith

    Livro: Só Garotos — Patti Smith

    Alguns livros você lê rap­i­da­mente, mas torce para que demor­em para ter­mi­nar, taman­ha a qual­i­dade. Só Garo­tos (Com­pan­hia das Letras, 2010) de Pat­ti Smith é exata­mente assim. Mais con­heci­da por causa da sua car­reira na músi­ca, Smith sem­pre lidou com diver­sas áreas da arte. Começou escreven­do poe­sias e desen­han­do, a músi­ca veio mais tarde. Em meio a essa jor­na­da, ela con­heceu Robert Map­plethor­pe. É jus­ta­mente sobre a relação entre eles que Pat­ti escreve.

    Nasci­da em 1946, Pat­ti Smith sem­pre soube que seu cam­in­ho seria pelas artes. Aos 21 anos ela se mudou para Nova Iorque para tra­bal­har com o que real­mente gosta­va. Ali, con­heceu Robert, que se tornar­ia sua alma gêmea até a morte dele, em 1989. Os dois começaram uma relação amorosa, mas de inten­so afe­to fra­ter­nal. Jun­tos, escrevi­am, fotografavam e desen­havam. Chegaram a con­hecer grandes artis­tas da época, como Warhol e seus artis­tas da Fac­to­ry, bem como músi­cos (Janis Joplin, Jim­my Hen­drix, entre out­ros) e escritores (Allen Gins­berg e William S. Burroughs).

    A escri­ta de Pat­ti em Só Garo­tos beira o tom con­fes­sion­al, ela rela­ta acon­tec­i­men­tos de sua vida, sem­pre citan­do a influên­cia de Robert. Tam­bém sem­pre faz refer­ên­cia às seus poet­as preferi­dos, como Rim­baud e William Blake. Por se tratar de uma auto­bi­ografia, podemos con­hecer a artista por ela mes­ma. Ape­sar de ser um tex­to verídi­co, ele tam­bém é literário. A auto­ra escol­he bem as palavras e tor­na a leitu­ra bas­tante fluída.

    Um livro bom é aque­le que causa as mais diver­sas sen­sações no leitor. E nesse que­si­to Pat­ti Smith escreve com maes­tria. No iní­cio de Só Garo­tos, ficamos amar­gu­ra­dos com sua bus­ca, depois ficamos felizes com suas con­quis­tas, logo os sen­ti­men­tos caem para uma nos­tal­gia daqui­lo que não vive­mos. Somos ape­nas espec­ta­dores daque­la dor que ela sen­tiu ao perder sua alma gêmea. Robert diz que enquan­to ela car­rega­va a vida den­tro dela, ele car­rega­va a morte. Impos­sív­el não sen­tir uma pon­ta­da de tris­teza, por causa de duas mentes iguais que foram separadas.

    Este livro é recomen­da­do não ape­nas para os fãs, mas para qual­quer pes­soa inter­es­sa­da em uma boa leitu­ra. A tra­jetória de Pat­ti e Robert, em que viven­cia­ram momen­tos de deses­pero e humil­hação, até se tornarem grandes artis­tas, é muito bem descri­ta. Vale lem­brar que Só Garo­tos gan­hou o Nation­al Book Award de não ficção, mere­ci­da­mente. Ao ler o livro, nos sen­ti­mos como se a própria Pat­ti estivesse nos con­tan­do a história, o que tor­na seu livro tão ínti­mo e bem escrito. 

  • Entrevista: Rafael Sica

    Entrevista: Rafael Sica

    No dia 23 de fevereiro, uma das típi­cas noites chu­vosas Curitibanas, Rafael Sica esteve na Itiban Com­ic Shop lançan­do e con­ver­san­do sobre seu livro Ordinário (Com­pan­hia das Letras, 2011). Antes do bate-papo — que você acom­pan­ha aqui — a equipe inter­ro­gAção con­ver­sou com o Sica sobre quadrin­hos, refer­ên­cias, situ­ação do livro no Brasil e até mes­mo o assun­to de licenças autorais apare­ceu na conversa.

    Entre­vis­tar um quadrin­ista como Rafael Sica não é uma tare­fa muito fácil. O gaú­cho tem um esti­lo de quadrin­ho que ao mes­mo tem­po que soa her­méti­co à primeira olha­da é tam­bém aber­to, pos­sív­el das mais diver­sas inter­pre­tações. O blog dele recebe, em cada nova postagem, uma enx­ur­ra­da de críti­cas, teo­rias, elo­gios vir­tu­ais e de tudo mais um pouco. Deci­di­dos que não iríamos levar muitas per­gun­tas ano­tadas, opta­mos por ter um bate-papo for­ja­do nas idéias, lig­ações, teo­rias e curiosi­dades que tín­hamos em relação ao quadrinista/ilustrador. Lig­amos o gravador e o resul­ta­do você acom­pan­ha logo abaixo, e bem, recomen­do: leia/observe/teorize Ordinário, de Rafael Sica (ou acesse o blog), vale a pena!

    Obser­van­do seu blog, nota-se algo inter­es­sante: Você não responde os comen­tários, né? Você nun­ca respon­deu. Existe até pseudôn­i­mos de ¨Eu¨ nos comen­tários, é você ou alguém que comenta?
    Não, não respon­do e esse “eu”, não sou eu. Até porque o legal dos comen­tários é uma inter­pre­tação dos tra­bal­hos, né. Muitas vezes tem cara xin­gan­do ou via­jan­do a respeito do tra­bal­ho, sem­pre achei que se eu inter­ferir ali, ou explicar algu­ma coisa não funcionaria.

    O que você acha das pes­soas ten­tan­do explicar, teorizar … Dá para notar mui­ta gente ali ten­tan­do explicar o trabalho.
    Eu acho que essa é a pro­pos­ta do tra­bal­ho, né. É um tra­bal­ho aber­to, que só sug­ere, é silen­cioso, não tem tex­to e nem é dis­cur­si­vo. Então, é a aber­tu­ra que o tra­bal­ho se dá pra o leitor, a idéia aca­ba sendo que o leitor tam­bém tra­bal­he, com­ple­tan­do o desen­ho. Então acho óti­mo, quan­do não tiv­er ninguém comen­tan­do ou ten­tan­do adi­v­in­har é porque o tra­bal­ho já falou tudo, fez tudo soz­in­ho. Pre­firo essa inter­fer­ên­cia, acho que é sem­pre bem vinda.

    Como é lidar com as críticas?
    É tran­qui­lo, me divir­to com aque­le espaço. Até que, quan­do vem críti­cas, geral­mente são comen­tários anôn­i­mos, com apeli­dos e tudo assim, então não tem como levar muito em con­sid­er­ação. Mas tudo bem, acho óti­mo. Se exis­tisse mais críti­ca de quadrin­hos no Brasil… Mas as críti­cas geral­mente vem como ofen­sa, ou algu­ma coisa recal­ca­da. Mas leio sem­pre, acompanho.

    Os quadrin­hos sem nar­ra­ti­va exigem mais do leitor…
    Existe uma nar­ra­ti­va, mas é grá­fi­ca, visu­al. Sim, exige que o leitor com­plete o tra­bal­ho. E é essa real­mente a pro­pos­ta dele, fui tiran­do o tex­to das tiras — no começo do blog eu usa­va um cer­to número de palavras — dimin­uin­do o número de palavras e fui me dan­do con­ta de como isso poten­cial­iza­va as interpretações.

    Acho que isso dire­ciona de cer­ta for­ma, né?
    É, existe um tema ali cen­tral, existe uma coisa que a pes­soa se iden­ti­fique. Mas não está dizen­do nada, não está sendo dis­cur­si­vo, botan­do um pon­to. Não há uma só expli­cação ou teo­ria sobre qual­quer coisa, é mais para lev­an­tar questões mes­mo. E lev­an­tan­do elas, os comen­tários são muito bem vindos.

    Por que você faz tiras? Você já pen­sou em faz­er histórias? Mui­ta gente comen­ta no seu blog que fal­ta começo, meio e fim, que as tiras não têm uma lóg­i­ca. Até está­va­mos con­ver­san­do que a lit­er­atu­ra con­tem­porânea hoje — por exem­p­lo Daniel Galera, Bonas­si, Ruffa­to — não tem isso, e tam­bém não pre­cisa ter para haver lógica.
    De fato não. Tem essa cul­tura do humor grá­fi­co nar­ra­ti­vo, da pia­da que ter­mi­na em história. Acho que se eu fizesse uma história maior, iria pelo mes­mo cam­in­ho, deixaria uma história mais aber­ta sem começo, meio e fim, uma coisa que fizesse cer­ta lóg­i­ca, mas pen­so que a aber­tu­ra que o tra­bal­ho pode dar sem­pre é mais impor­tante. A não ser que vá faz­er um quadrin­ho-jor­nal­is­mo, ilus­tra­ti­vo ou auto­bi­ográ­fi­co, aí tudo bem, faz sen­ti­do. Mas nesse caso não, numa obra de ficção não faz sen­ti­do pre­cis­ar ter essa essa estrutura.

    Uma per­gun­ta meio clichê, mas qual são as tuas influên­cias, em qual­quer área?
    Nos­sa, tem tan­ta coisa! É difi­ci­fil achar todos os nomes para con­seguir faz­er que fique algu­ma coisa que defi­na o tra­bal­ho. Na ver­dade é uma coisa muito pes­soal de obser­vação mes­mo da real­i­dade. Somos influ­en­ci­a­dos toda hora, esta­mos sem­pre desco­brindo alguém novo, ou um tra­bal­ho que eu gos­to muito. As vezes se desco­bre o tra­bal­ho de alguém que tem muito haver com o teu tra­bal­ho e parece até que você já leu ele e está fazen­do algu­ma coisa como se ele tivesse sido influên­cia, mas você nem sabia que ele exis­tia. Um autor que con­heci chama­do Gonça­lo Tavares, só fui con­hecer depois, e real­mente, tu vai ler as coisas e tem a ver. Tem um desen­hista amer­i­cano chama­do Edward Gorey, as coisas do Mutarel­li, o Kaf­ka… não sei, tem mui­ta coisa de tudo no meu trabalho.

    Há muito do humor negro né? 
    É a esco­la do meu desen­ho, vem daí do humor grá­fi­co. É a esco­la do quadrin­ho brasileiro, o Chi­clete com Banana, o Ani­mal, que já não era tan­to humor. Mas vem daí de faz­er charges, cartoon…

    E a escol­ha do pre­to e bran­co? Tem alguns quadrin­hos teus que tem cores… 
    É uma opção mes­mo. Se eu fos­se pin­tar, eu pin­taria ou no com­puta­dor, que fica um coisa meio mecâni­ca que eu não gos­to muito, ou uma aquarela, que acho que iria ficar muito fofo e muito bonit­in­ho. Eu fico con­tente com o pre­to e bran­co, acho que atinge um resul­ta­do que me interessa. 

    Como é que chegou a decisão de pub­licá-los na inter­net? Começou com eles no blog?
    O blog começou em 2004, na eṕo­ca que eu fui morar em São Paulo e pre­cisa­va de um espaço para faz­er um port­fólio, para tra­bal­har com ilus­tração. Aí eu fiz ele para postar min­has coisas, era uma coisa muito dis­per­sa, tin­ha um pouco de tudo. Tin­ha quadrin­hos, muitas ilus­trações, fun­ciona­va mais como um port­fólio mes­mo, até que foi toman­do um cam­in­ho de pub­li­cação do tra­bal­ho de quadrin­hos mes­mo. Come­cei a encar­ar como se fos­se um fanzine, pub­licar com uma cer­ta reg­u­lar­i­dade, pas­sou a ter mais leitores. Foi um cam­in­ho muito nat­ur­al, não foi nada plane­ja­do. Chegou um pon­to em que eu começei a pub­licar tiras em jor­nal, todo dia, e pub­licar tam­bém no blog.

    Aqui ou no Sul?
    São Paulo e Rio Grande do Sul. Tra­bal­hei em redação de jor­nal, pub­li­ca­va as tiras lá, isso acho que em 2006 mais ou menos. Fui pub­li­can­do no site sem­pre, e ele tem esse liber­dade de você poder faz­er o que quis­er num tra­bal­ho. No jor­nal tin­ha mui­ta respos­ta do leitor e cobrança do edi­tor: “isso não faz sen­ti­do”, “tem que faz­er que nem eu gos­to”, “por que você não ten­ta faz­er isso e não aqui­lo?”, coisa que o blog não tem né, tu bota o que tiv­er afim.

    O taman­ho da imagem do blog, peque­na, é de propósito?
    É de propósi­to sim, eu gos­to dela peque­na assim. Que é para parar e prestar atenção, chegar mais perto…

    Você usa algu­ma fer­ra­men­ta para tra­bal­har as tiras no computador?
    Faço tudo dire­to na mão mes­mo. As vezes ajeito depois uma cois­in­ha ou out­ra, mas coisa mín­i­ma, não chego a com­ple­tar desen­hos nem repe­tir quadros. Acho meio relax­ado repe­tir cenários. Muitas tiras vão sem nen­hu­ma mod­i­fi­cação, até porque muitas vezes a sujeir­in­ha fica legal.

    Dá para notar mes­mo que você não repete cenário e etc.
    Sim, estou fazen­do uma história grande ago­ra que tin­ha umas 20 vezes o mes­mo cenário…dá muito tra­bal­ho mesmo.

    As suas tiras tem muito do cotid­i­ano, aqui­lo que comentei do con­tem­porâ­neo, do efeito da real­i­dade extremo, mas é ao mes­mo tem­po sur­re­al. Você sur­re­al­iza em muitos momen­tos a real­i­dade, um choque das duas coisas. Acho que algu­mas das críti­cas mais recor­rentes é dis­so, que você ¨via­ja¨.
    É uma maneira de sub­vert­er a palavra, mas eu sub­ver­to a real­i­dade mes­mo. As vezes é a mel­hor maneira de você se faz­er enten­der, trans­por essa real­i­dade para um out­ro con­ceito. Eu uso segui­do tam­bém o truque do fan­tás­ti­co, do per­son­agem que é estran­ho ou tem cara de bicho, um per­son­agem que voa ou monstros.

    Os pal­haços, os comediantes.…
    Sim, tem mui­ta coisa meio mími­ca, cinema.

    Tem o quadrin­ho do mími­co que veste a luva… São iro­nias que ao invés de serem irôni­cas e hilárias são total­mente sem reação.
    Sim, tem umas coisas pesadas, né. Então essa iro­nia vem a favor.

    Isso tudo você tira do dia a dia, da observação?
    Do dia a dia, ou de algu­ma coisa que estou lendo. Eu nun­ca ten­ho um lugar certo.

    O que você tá lendo hoje?
    Eu tô lendo Michel Fou­cault, tava lendo no avião (risos). Eu ando inter­es­sa­do sobre a história dos hos­pí­cios, sobre saúde men­tal. Eu tô cansa­do de ler romance, aí to lendo ensaios que é uma coisa que pode te dar idéia. Romance tu pen­sa ¨Putz, eu pode­ria ter feito isso¨ e ago­ra já tá pron­to. Então, ler ensaio e arti­go é uma coisa que eu ten­ho gosta­do de fazer.

    Hoje, você vive de quadrinhos? 
    Não. Eu ten­ho feito cada vez mais coisas de quadrin­hos, mas vivo de ilus­tração, de edi­to­r­i­al, uma cois­in­ha ou out­ra de pro­je­to grá­fi­co. Mas, quadrin­hos não é tão fácil.

    Você acha que hoje o mer­ca­do está mel­hor para os quadrin­istas? No Brasil pelo menos?
    Sim, tá mais maduro. Tem cada vez mais edi­toras investin­do nos quadrin­hos. Tem selos de quadrin­hos. Tem a lei de incen­ti­vo à leitu­ra. Eu espero que não seja pas­sageiro como foi nos anos 80, que tin­ha revis­tas com mil­hares de autores. Tem essa coisa de estar mais eli­ti­za­do, de ser ven­di­do em livraria e já não é todo mun­do que tem acesso.

    Você começou pub­li­can­do seus quadrin­hos no blog e hoje tá lançan­do os quadrin­hos pela Cia das Letras. Hoje, as pes­soas vêem a inter­net como o apoc­alipse dos livros e ness­es mes­mos aspec­tos de divul­gação, como você vê a inter­net? Ela é impor­tante, te aju­da como quadrinista?
    Eu ten­ho um bom retorno, todas as tiras do livro foram pub­li­cadas antes na inter­net, então me aju­dou. Eu acred­i­to que aju­da muito na divul­gação do tra­bal­ho e no boca a boca mes­mo. Eu não sou muito de redes soci­ais, mas os ami­gos e pes­soas próx­i­mas a mim ficam twit­tan­do ou colo­can­do coisas no face­book e eu acabo ten­do o retorno dis­so. Eu acho que se tivesse como viablizar a ven­da de quadrin­hos pela inter­net — e eu ain­da não desco­bri como faz­er isso — acho que seria muito inter­es­sante, seria legal. Enfim, por enquan­to é mera­mente para divul­gação e uma base de exper­i­men­tação de publicação.

    Como é que você lida com out­ros sites pegarem seus quadrin­hos e usarem sem pedir per­mis­são, não falarem nada?
    Tran­qui­lo, é uma das regras do jogo, né. Não tem como faz­er difer­ente na inter­net, eu gos­to que fique aber­to é bem a min­ha ideia mesmo.

    Você con­hece a licença Cre­ative Com­mons? Uma licença que você colo­ca e per­mite que as pes­soas podem divul­gar e faz­er coisas a von­tade mas não pode vender, gan­har din­heiro com isso, por exemplo?
    Ah, aí já é out­ra coisa, né. Se eu desco­brir algo vai ter que ter uma asses­so­ria para isso, com advo­ga­dos. Aí Se a coisa é com­pli­ca­da ou vira uma estam­pa de camise­ta, por exem­p­lo, como já acon­te­ceu com uns desen­his­tas que eu con­heço, vira um jogo de chá ou sei lá o quê, aí inco­mo­da né. Mas essa coisa de repub­licar em blog, site, con­tan­to que não seja um site dirigi­do por algu­ma cor­po­ração, por mim é tran­qui­lo. É para usar de uma maneira livre tam­bém, não é para gan­har din­heiro assim, porque tem um tra­bal­ho meu aí, né.

    Há sem­pre o escritor/quadrinista que só se sente um profis­sion­al com um livro lança­do, na estante. Como é isso para você?
    Eu gos­to de ter mate­r­i­al pub­li­ca­do. Acho que é um amadurec­i­men­to do tra­bal­ho mes­mo, a pon­to de eu ter con­segui­do pub­licar em uma edi­to­ra, poder dis­tribuir o mate­r­i­al, o livro tá ali impres­so, tem uma vida lon­ga maior. Eu publiquei em várias revis­tas inde­pen­dentes e tal e você sabe que isso a par­tir de um momen­to se esgo­ta e você tem que cor­rer atrás. O livro tá ali edi­ta­do, o mate­r­i­al tá reg­istra­do e tal, isso me agra­da bas­tante, ter as coisas pub­li­cadas e aca­ba chegan­do um pouco difer­ente do que pub­licar na inter­net. O que eu sin­to, que é uma pena, que as vezes você tra­bal­ha algum tem­po e só ago­ra, depois de pub­li­ca­do, que o tra­bal­ho é vis­to com um cer­to recon­hec­i­men­to. Talvez nem recon­hec­i­men­to, mas atenção mes­mo e cer­to respeito pelo tra­bal­ho. Só acho um pouco cha­to que seja assim, que a impren­sa e as pes­soas que for­mam opinião este­jam lig­adas a essa história de que o mate­r­i­al tem que estar pub­li­ca­do, que tem que ter uma edi­to­ra por trás para o tra­bal­ho ter um cer­to val­or. Infe­liz­mente ain­da tem resquí­cios disso.

    Mas tam­bém é legal isso…
    Nem é tan­to assim sabia, a por­cent­agem é muito cur­ta. O Laerte falou uma coisa que é legal: O Brasil é um país de três mil leitores, nen­hum livro sai com mais de 3 mil exemplares.

    Só o Crepús­cu­lo e olha lá…
    Só o Crepús­cu­lo e olha lá mes­mo. Esse aí já sai com tudo, ban­de­jin­ha, mochi­la, agen­da, caneca…

    Uma coisa inter­es­sante é que mes­mo os teus quadrin­hos ten­do um con­teú­do mais pesa­do e de humor negro, a Cia das Letras se inter­es­sou pelo teu tra­bal­ho e isso vai entrar para um públi­co maior, queren­do ou não, e isso rep­re­sen­ta uma reflexão das pes­soas. Nem que seja para xin­gar no teu blog, algu­ma coisa vai causar…
    É, a edi­to­ra arriscou. Um autor descon­heci­do, pub­li­ca­va na inter­net, jovem. É um risco que eles estão cor­ren­do. Mas o livro tem tido uma respos­ta boa também.

    Quais out­ros car­tunistas, estrangeiros, você se inspi­ra também?
    Além do Edward Gorey, tem o Charles Addams tam­bém, que fez a Família Addams, os car­tuns dele são incríveis. Sei lá, o próprio Crumb quan­do eu desco­bri, alguns ilustradores argentinos…

    Há algo meio oníri­co em seus desen­hos? Do tipo, você son­hou algo e desenha.
    Não, não muito. Eu son­ho algu­mas coisas estra­nhas, mas difi­cil­mente isso vira desen­ho. Mas as vezes tem a intenção de pare­cer um pesade­lo, um lugar sem saí­da, tu sabe onde está mas não sabe, pes­soas que você acha que con­hece mas não con­hece. Tem a coisa do silên­cio também.

    Como é que você com­pi­lou as ideias para aque­le quadrin­ho com os comen­tários dos leitores?
    Ah, eu pas­sei uns bons dias lendo bas­tante os comen­tários e sele­cio­nan­do os mais inter­es­santes. Aí eu peguei e ten­tei vestir com o inver­so mes­mo, pegan­do um per­son­agem nada haver com o que foi falado.

    Existe um cam­in­ho para começar a ser desen­hista, ilustrador, e ter um esti­lo próprio? Você teve esse caminho?
    Eu começei a desen­har des­de a infân­cia. Mas é aque­la coisa das primeiras coisas que tu vai lendo enquan­to tu tá for­man­do a tua cabeça, tu começa a copi­ar mes­mo, o que tu gos­ta. E aí até que o desen­ho mes­mo vai te dan­do o cam­in­ho. É um exer­cí­cio desen­har, ter o teu traço particular.

    Você dev­e­ria pub­licar umas coisas mais velhas.
    Não, não. Essas a gente esconde. [risos]

    O que você usa para desenhar?
    Hoje em dia uso mais cane­ta, ou pena para dar aque­le efeito mais fluí­do. As vezes um pin­cel seco… tem coisa em lápis também.

  • Companhia das Letras lança livro que inspirou A minha versão do Amor

    Companhia das Letras lança livro que inspirou A minha versão do Amor

    Des­de sua morte em 2001, aos 70 anos, a obra de Morde­cai Rich­ler – incluin­do o roteiro que lhe ren­deu uma indi­cação ao Oscar – con­tin­ua como uma das mais sig­ni­fica­ti­vas her­anças literárias da história do Canadá. A min­ha ver­são do Amor, adap­tação do últi­mo e mel­hor romance de Rich­ler (pub­li­ca­do no Brasil com o títu­lo A ver­são de Bar­ney, pela Cia. Das Letras), não é ape­nas uma car­in­hosa cel­e­bração de seu lega­do, mas é tam­bém um raro exem­p­lo de um filme basea­do numa grande obra literária que faz justiça ao mate­r­i­al base.

    Estre­la­do pelo indi­ca­do ao Oscar Paul Gia­mat­ti no papel de Bar­ney Panof­sky, um homem aparente­mente nor­mal que leva uma vida extra­ordinária, e pelo vence­dor do Oscar Dustin Hoff­man como seu pai, o filme osten­ta um grande elen­co que inclui Rosamund Pike, a indi­ca­da ao Oscar Min­nie Dri­ver, Rachelle Lefevre, Scott Speed­man, Bruce Green­wood, Mark Addy, Jake Hoff­man e a estre­ante Anna Hop­kins. Pro­duzi­do por Robert Lan­tos, cuja ten­ta­ti­va para levar a pro­lixa nar­ra­ti­va de Rich­ler para o cin­e­ma lev­ou mais de uma déca­da, o filme foi dirigi­do por Richard J. Lewis a par­tir de um roteiro de Michael Konyves. Copro­duzi­do por Lyse Lafontaine, Domeni­co Pro­cac­ci e Ari Lan­tos, A min­ha ver­são do Amor é uma pro­dução da Serendip­i­ty Point Films em asso­ci­ação com a Fan­dan­go de Roma e a Lyla Films de Mon­tre­al. Mark Mus­sel­man é o pro­du­tor exec­u­ti­vo do filme.

    O Livro:
    Bar­ney Panof­sky, o per­son­agem-nar­rador de A Ver­são de Bar­ney, déci­mo romance do cel­e­bra­do escritor canadense Morde­cai Rich­ler, está pos­ses­so — e bêba­do, como sem­pre —, porque seu vel­ho desafe­to e ex-ami­go, Ter­ry McIv­er, está para lançar um livro auto­bi­ográ­fi­co em que lhe faz pesadas acusações. Fer­ven­do em ansiedade e uísque doze anos, entre baforadas num onipresente charu­to Monte Cristo, Bar­ney liga para o seu advo­ga­do e per­gun­ta: “Pos­so proces­sar por calú­nia alguém que me acu­sou, num tex­to pub­li­ca­do, de mal­tratar mul­heres, de ser uma fraude int­elec­tu­al, de pro­duzir lit­er­atu­ra bara­ta, de ser um bêba­do propen­so à vio­lên­cia e provavel­mente tam­bém assas­si­no?”. O advo­ga­do, do out­ro lado da lin­ha, não titubeia na respos­ta: “Eu diria que ele não está muito longe da verdade”.

    Acabrun­hado, Bar­ney decide, então, recon­sti­tuir a supos­ta ver­dade dos fatos de sua vida. Bus­can­do a origem das acusações, ele engrena sua prosa sar­cás­ti­ca e auto-irôni­ca, que fez a fama de Rich­ler e é comu­mente com­para­da à demoli­do­ra verve humorís­ti­ca, de corte judaico, de Philip Roth e Woody Allen. Será que podemos con­fi­ar na ver­são de Bar­ney? — é o que se per­gun­tará várias vezes o leitor. Até a últi­ma pági­na, sua grande certeza é a de que tem nas mãos uma obra de “um grande estilista, com um tremen­do ouvi­do para a paró­dia e o diál­o­go cômi­co”, como escreveu James Shapiro, no New York Times. 

    Morde­cai Rich­ler (1931–2001) nasceu em Mon­tre­al, no Canadá. Pub­li­cou dez romances, entre eles The Appren­tice­ship of Dud­dy Kravitz, St. Urbain’s Horse­man e Solomon Gursky Was Here.