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  • Décimo Segundo (2007), de Leonardo Lacca | Curta

    Décimo Segundo (2007), de Leonardo Lacca | Curta

    curta-decimo-segundo-2007-leonardo-lacca-cartazO silên­cio que pesa, arras­ta e guar­da, trans­for­man­do a ausên­cia de palavras em uma cur­va mís­ti­ca, enevoa­da. Essa descrição é uma das pos­si­bil­i­dades de “Déci­mo Segun­do” (2007), tra­bal­ho do dire­tor per­nam­bu­cano Leonar­do Lac­ca. Pre­mi­a­do em ter­ritório nacional e inter­na­cional, o cur­ta-metragem traz um recur­so ain­da pouco uti­liza­do na lin­guagem cin­e­matográ­fi­ca brasileira: o silêncio.

    As cenas avançam em direção a dois pro­tag­o­nistas, um homem e uma mul­her, que pare­cem estar em um pal­co cer­ca­do por corti­nas que abrem e fecham simul­tane­a­mente. Acom­pan­hamos a chega­da do homem e de suas malas a um deter­mi­na­do aparta­men­to, e logo somos sur­preen­di­dos por uma refer­ên­cia clara ao filme “Estra­da Per­di­da” (Lost High­way), do cineas­ta David Lynch. A clás­si­ca voz sotur­na que sol­ta no inter­fone “Dick Lau­rent is dead” (Dick Lau­rent está mor­to), pre­sente no filme de Lynch, tam­bém está no cur­ta, acom­pan­han­do até mes­mo o número exa­to de toques na cam­painha. Essa alusão é perce­bi­da como um jogo pes­soal entre o casal, já que a mul­her tam­bém faz uma brin­cadeira com seu vis­i­tante, ao escon­der as malas que ele deixa no elevador.

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    O reen­con­tro do casal, com o abraço do homem em sua anfitriã feito de for­ma inten­sa e ao mes­mo tem­po con­strangi­da, é um dos frag­men­tos do não-dito, da ponte que vai nos pos­si­bil­i­tan­do entrar na mente dos per­son­agens. Os close-ups, o plano-sequên­cia, a câmera na mão — tremen­do cal­a­da como a própria história – e o efeito intimista de todo o enre­do per­mitem cri­ar canais de prox­im­i­dade entre per­son­agem e espec­ta­dor. Por meio das fras­es engas­gadas, surgem inda­gações curiosas sobre o casal que se encara de olhos baixos. Como teste­munhas onipresentes, pas­samos a nos per­gun­tar: “quem são essas pes­soas?”, “elas foram amantes?”, “como e quan­do tudo ter­mi­nou?”, além de notar que a importân­cia do que acon­tece ali reside, na ver­dade, no ambi­ente fora-de-cena.

    Alphonse Osbert, o pintor do silêncio (La Riviére, 1890)
    Alphonse Osbert, o pin­tor do silên­cio (La Riv­iére, 1890)

    Déci­mo Segun­do cria con­strang­i­men­tos, dis­tân­cias e expressões abafadas. Vivi­da pela atriz e dire­to­ra teatral Rita Carel­li, a anfitriã do cur­ta parece con­seguir super­ar mel­hor a invasão do pas­sa­do, per­son­ifi­ca­da pela pre­sença do homem que está ali na sua frente, com o olhar per­di­do. Na pele do vis­i­tante tími­do, o ator per­nam­bu­cano Irand­hir San­tos gan­ha força e bril­ho ao con­seguir repro­duzir todo o embaraço do reen­con­tro. Pre­mi­a­do por sua atu­ação no lon­ga “Tat­u­agem” (2013), Irand­hir reforçou o elen­co de várias pro­duções nacionais, como as con­heci­das “Tropa de Elite 2” (2010) e “O som ao redor” (2012). O ator inte­grou o elen­co da Rede Globo nas minis­séries “A Pedra do Reino” (2007) e “Amores Rou­ba­dos” (2014), e atual­mente dá vida ao per­son­agem Zelão, o cap­ataz anal­fa­beto que se apaixon­a­da pela bela e meiga pro­fes­so­ra na nov­ela “Meu Pedac­in­ho de Chão”.

    Assim como as enig­máti­cas pin­turas do francês Alphonse Osbert (1857–1939), dis­solvi­das no iso­la­men­to de luzes e névoas mis­te­riosas, Déci­mo Segun­do vai descorti­nan­do a anato­mia do silên­cio, suas pos­si­bil­i­dades e dimen­sões, e deixa a car­go do expec­ta­dor a trav­es­sia – ou não – para o inte­ri­or dos per­son­agens, suas rev­oluções, emoções e sensações.

    Assista o curta:

  • Lançamento da HQ “Ordinário” e debate com Rafael Sica na Itiban, em Curitiba

    Lançamento da HQ “Ordinário” e debate com Rafael Sica na Itiban, em Curitiba

    ¨Meus desen­hos são sobre esse cotid­i­ano alien­ante¨ afir­ma o quadrin­ista Rafael Sica. O gaú­cho é uma das promes­sas da nova safra de desen­his­tas que parece ter vin­do para mudar a cara das HQs brasileiras. Sica esteve em Curiti­ba, no dia 23 de fevereiro, lançan­do o livro Ordinário (Com­pan­hia das Letras, 2011), na tradi­cional livraria espe­cial­iza­da em quadrin­hos, a Itiban Com­ic Shop. Hou­ve sessão de autó­grafos e debate sobre a obra do autor, medi­a­do por Liel­son Zeni.

    Ordinário reúne tiras que Rafael Sica pub­li­ca no seu blog des­de 2009. que são mar­cadas pelo silên­cio e iro­nias. Elas garan­tem muitas opiniões con­tro­ver­sas pelos leitores do blog e provavel­mente dos que lerem o livro tam­bém. O desen­hista se inspi­ra prin­ci­pal­mente em obser­vações, há muito sobre com­por­ta­men­tos obses­sivos, refer­ên­cias cin­e­matográ­fi­cas e literárias nos seus per­son­agem indigentes.

    Rafael Sica diz que os quadrin­hos falam de pes­soas e que o silên­cio é fun­da­men­tal para isso, anteceden­do a respos­ta na obra. Garante que tudo é dito o tem­po todo, por­tan­to a ausên­cia de nar­ra­ti­va é fun­da­men­tal. Além dis­so, reflete que o tem­po da leitu­ra de um quadrin­ho sem tex­to é difer­ente, mais lento. Quan­do está lendo histórias maiores, muitas vezes ele mes­mo se viu ape­nas indo rap­i­da­mente de um diál­o­go para o out­ro sem nem olhar dire­ito o desen­ho. Sica expli­ca que com o silên­cio, os desen­hos pas­saram a ser mais provoca­tivos ao leitor.

    Sica não vê o seu tra­bal­ho como críti­ca social com função de acer­tar algum alvo especi­fi­co. Afir­ma que não lev­an­ta ban­deiras e nem teo­rias, sim­ples­mente apon­ta um seg­men­to e que as inter­pre­tações vem de quem as lê e obser­va. O leitor de Ordinário e, con­se­quente­mente, do blog de Rafael Sica é tam­bém um autor. É esse obser­vador não pas­si­vo que, com seus próprios fil­tros, vai dar sen­ti­do a cada quadro e metá­fo­ra sur­re­al apresentada.

    O quadrin­ista diz que há uma cer­ta demo­ra para se ter um tra­bal­ho mais autoral e que para ele, em par­tic­u­lar, hou­ve um proces­so tran­sitório lento entre a nar­ra­ti­va tex­tu­al e o silên­cio dos quadrin­hos atu­ais. Quan­do ques­tion­a­do sobre a ausên­cia de diál­o­gos ser uma fer­ra­men­ta fácil para se pub­licar em out­ros país­es e expandir o tra­bal­ho, Sica responde que não foi esta a razão da uti­liza­ção deste esti­lo, mas é claro que seria óti­mo ver ess­es tra­bal­hos em vários can­tos do mun­do. Entre­tan­to, não está dis­pos­to a faz­er ¨de tudo um pouco¨ para isso, ele sim­ples­mente desen­ha, se der cer­to, óti­mo. Rafael Sica con­ta que já teve algu­mas ilus­trações pub­li­cadas em Buenos Aires e algu­mas tiras numa revista na Eslovê­nia, mas isso em um meio mais under­ground. As indi­cações para ess­es tra­bal­hos vier­am através do blog, ressaltan­do a importân­cia da inter­net no tra­bal­ho dele.

    O tra­bal­ho de Rafael Sica pode se encaixar per­feita­mente no ter­mo de ¨con­tem­porâ­neo¨ por tratar de temas urbanos e das doenças com­por­ta­men­tais obses­si­vas, aparente­mente comuns do dia a dia, de for­ma escan­car­a­da e irôni­ca. Mas o autor faz pia­da sobre ess­es ter­mos gen­er­al­izadores, e diz que ele somente faz quadrin­hos. Afir­ma que fal­ta uma críti­ca ver­dadeira de HQs no Brasil e acred­i­ta que isso tende a mudar, afi­nal as edi­toras estão apo­s­tan­do bas­tante no seg­men­to, o que não acon­te­cia há quase duas décadas.

    Rafael Sica ain­da não vive dos quadrin­hos, expli­ca que isso no Brasil não é tão sim­ples, atual­mente tra­bal­ha como ilustrador e faz alguns edi­to­ri­ais. Além dis­so, o desen­hista par­tic­i­pa de pro­je­tos como o Friquinique e a revista Picabu. Ain­da, quan­do per­gun­tam a ele se estaria dis­pos­to a desen­har sobre qual­quer assun­to, diz que não, sendo essa negação uma for­ma de inde­pendên­cia nos quadrin­hos. Afi­nal, Sica afir­ma que pos­sui um esti­lo bem par­tic­u­lar e este cer­ta­mente não com­bi­na­ria com qual­quer proposta.

    Ordinário lem­bra bas­tante os primeiros quadrin­hos de Lourenço Mutarel­li, em Tran­sub­stan­ci­ação, mas com um teor menos pes­simista, mais real­ista e hilário em muitos momen­tos. Até diria que os desen­hos são bas­tante reflex­ivos e muitas vezes facil­mente ide­ti­ficáveis com situ­ações cotid­i­anas. Rafael Sica merece destaque nesse novo cenário que a inter­net per­mite e mes­mo que amorte­ci­dos pelo hábito, vale a reflexão em torno dessas nar­ra­ti­vas desenhadas.

    Veja as fotos do even­to no Flickr da Itiban.

    O inter­ro­gAção gravou em áudio todo esse bate-papo e se você quis­er pode escu­tar aqui pelo site, logo abaixo, ou baixar para o seu com­puta­dor e ouvir onde preferir.

    Ouça o debate com­ple­to: (clique no link abaixo para ouvir ou faça o down­load)

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    Você é de Curiti­ba e pref­ere com­prar livros pes­soal­mente? Então que tal pas­sar na Itiban Comics Shop que fica na Av. Sil­va Jardim, 845. Ou entre em con­ta­to por tele­fone: (41) 3232–5367.

  • Crítica: Pecado da Carne

    Crítica: Pecado da Carne

    pecado da carne

    O que você faria se para se sen­tir vivo, tivesse que que­brar um, ou mais, dos maiores tabus da sua religião? Peca­do da Carne (Einaym Pkuhot/ Eyes Wide Open, França/Alemanha/Israel, 2009), o primeiro lon­ga metragem de Haim Tabak­man, tra­ta jus­ta­mente des­ta questão.

    Aaron Fleish­man (Zohar Shtrauss) é pai de qua­tro fil­hos e vive em Meah Shearim, um bair­ro ultra-orto­doxo de Jerusalém. Ten­do her­da­do o açougue Kosher, após a morte de seu pai, ele con­tra­ta Ezri (Ran Danker), um estu­dante que ele con­heceu recen­te­mente por aca­so, para lhe aju­dar no tra­bal­ho e a relação entre os dois vai muito além do que eles pode­ri­am ter imaginado.

    Peca­do da Carne é um con­vite à intro­specção, sendo ao mes­mo tem­po poéti­co e inten­so, no sen­ti­do mais animal/carnal da palavra, sem ser apel­a­ti­vo. Mes­mo ten­do poucos diál­o­gos, muito é comu­ni­ca­do se uti­lizan­do somente dos olhares e de pequenos gestos de cada per­son­agem. É inter­es­sante notar tam­bém o rit­mo em ger­al. Nada é frenéti­co, e mes­mo os entre­laça­men­tos que neces­si­tam de uma respos­ta mais ráp­i­da, são todos resolvi­dos em um tem­po muito próprio. Assim como o cin­e­ma do ori­ente médio em ger­al, Peca­do da Carne sabe tra­bal­har muito bem com o silên­cio e com um desen­volvi­men­to mais grad­ual dos acon­tec­i­men­tos. Não se uti­lizan­do quase de nen­hu­ma músi­ca como tril­ha sono­ra, ouvi­mos prati­ca­mente só os sons do próprio ambi­ente, que são bem tran­qui­los. Tiran­do algu­mas tomadas den­tro do car­ro no trân­si­to que enfa­ti­zam o choque entre esta cul­tura mais anti­ga e a modernidade.

    Ape­sar de mostrar bas­tante a religião, assim como a cul­tura e os cos­tumes, não se tra­ta de quer­er ques­tioná-la e apon­tar as suas pos­síveis “fal­has”. São apre­sen­tadas algu­ma questões, de for­mas bem del­i­cadas e sutis, em relação á não pri­vação de dese­jos, como poder beber vin­ho, e a out­ros são com­ple­ta­mente igno­ra­dos (de cer­ta for­ma até tidos como inex­is­tentes), como a homos­sex­u­al­i­dade. O fato de um dos cenários prin­ci­pais ser um açougue, onde o tra­bal­ho é a manip­u­lação da carne, não pode ser con­sid­er­a­do um mero detal­he. Tam­bém há toda uma pre­ocu­pação na manutenção do dis­tan­ci­a­men­to cor­po­ral, entre homem e mul­her, onde por exem­p­lo: o momen­to em que Aaron jun­ta toda noite a sua cama de solteiro jun­to com a da sua mul­her, para que pos­sam dormir jun­tos, que de man­hã deve ser nova­mente separada.

    Rotu­lar Peca­do da Carne sim­ples­mente como um “dra­ma gay” (ou qual­quer out­ra clas­si­fi­cação do gênero) pode­ria ter sido algo cabív­el anós atrás, quan­do essa temáti­ca ain­da era extrema­mente rara. Mas faz­er isto hoje em dia é reduzí-lo a banal­i­dade, seria como ape­nas vis­lum­brar a pon­ta de um ice­berg e descar­tar todo seu con­teú­do aparente­mente escon­di­do. Recomen­do o filme a todos que querem faz­er uma viagem por den­tro de seus próprios dese­jos, pre­con­ceitos e cos­tumes para em segui­da ques­tioná-los e se per­guntarem se dese­jam con­tin­uar ou não com eles.

    Out­ra críti­cas interessantes:

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=rYhtwvfZxxg