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  • Augustine (2012), de Alice Winocour

    Augustine (2012), de Alice Winocour

    Caça às Bruxas na Idade Média
    Caça às Bruxas na Idade Média

    A Idade Média, perío­do obtu­so da história da humanidade, con­tabi­liza um número grande de mul­heres con­de­nadas à fogueira ou enfor­ca­men­to por acusações como bruxaria, pos­sessão demonía­ca e pactos dia­bóli­cos. Sob a égide do “Não deixarás viv­er a feiti­ceira” (Êxo­do – Capí­tu­lo 22, Ver­sícu­lo 17), a San­ta Inquisição, “tri­bunal ecle­siás­ti­co cri­a­do com a final­i­dade de inves­ti­gar e punir crimes con­tra a fé católi­ca”, pro­moveu exe­cuções em mas­sa numa ensande­ci­da “caça às bruxas”. Com o apoio do livro “Malleus Malefi­carum” (algo como ‘Marte­lo das Bruxas’), pub­li­ca­do em mea­d­os de 1486, os inquisidores difun­di­am entre a pop­u­lação a existên­cia de supos­tos “méto­dos” para iden­ti­ficar, acusar e con­denar for­mal­mente uma bruxa.

    O man­u­al reli­gioso apon­ta a arte de manip­u­lar e con­tro­lar a sex­u­al­i­dade como uma das prin­ci­pais fontes de poder das feiti­ceiras, asso­cian­do o ato sex­u­al ao pacto car­nal entre mul­her e demônio. O sexo é apon­ta­do aqui como propul­sor da here­sia e blas­fêmia, dig­no de repul­sa e dom­i­nação. Com base nesse argu­men­to, muitas mul­heres foram con­sid­er­adas ‘ser­vas de Satã’ e lev­adas à morte sem qual­quer remor­so por parte dos algo­zes, ao apre­sentarem um quadro de insta­bil­i­dade emo­cional e alter­ação nos sin­tomas físi­cos, entre eles a per­tur­bação dos sen­ti­dos, par­al­isia, dores agu­das, con­trações, con­vul­sões, den­tre out­ros distúrbios.

    Une leçon clinique à la Salpêtrière - André Brouillet - 1887
    Une leçon clin­ique à la Salpêtrière — André Brouil­let — 1887

    Somente no final do sécu­lo XIX, com os estu­dos ini­ci­a­dos pelo neu­rol­o­gista e cien­tista francês Jean-Mar­tin Char­cot, pro­fes­sor de nomes que viraram refer­ên­cia, como Sig­mund Freud e William James, o ter­mo his­te­ria foi gan­han­do for­ma para definir o tipo de neu­rose respon­sáv­el por deter­mi­na­dos dis­túr­bios sen­so­ri­ais e motores, respon­sáveis por faz­erem com que as mul­heres afe­tadas perdessem o auto­con­t­role e entrassem em colapso.

    Jean-Mar­tin Char­cot ficou con­heci­do pelos exper­i­men­tos e estu­dos que real­iza­va na famosa clíni­ca psiquiátri­ca france­sa Pitié-Salpêtrière, onde rece­bia – e fotografa­va — pacientes em diver­sos esta­dos de insta­bil­i­dade men­tal. Uma dessas pacientes era Louise Augus­tine Gleizes, uma jovem diag­nos­ti­ca­da com histeria.

    Pôster do filme
    Pôster do filme

    Esse caso clíni­co-amoroso foi abor­da­do pela dire­to­ra france­sa Alice Winocour no dra­ma “Augus­tine” (2012), adap­tação efer­ves­cente que nar­ra a história de dese­jo, ambição acadêmi­ca, inves­ti­gação cien­tí­fi­ca e ardor sex­u­al entre o médi­co francês e a jovem paciente. No filme, Jean-Mar­tin Char­cot (inter­pre­ta­do por Vin­cent Lin­don), respeita­do e temi­do nas dependên­cias do Hos­pi­tal Salpêtrière, está às voltas com a recepção de sua pesquisa cien­tí­fi­ca pelo meio acadêmi­co e pela elite social, ten­do em vista que a boa reper­cussão con­ced­e­ria ao médi­co aumen­to de inves­ti­men­tos e maior vis­i­bil­i­dade. Em dado momen­to, chega ao hos­pi­tal a jovem Augus­tine, de 19 anos, viti­ma­da por uma forte crise con­vul­si­va e com o lado esquer­do par­al­isa­do, fato que ocor­reu em meio às ativi­dades domés­ti­cas real­izadas pela moça durante um jan­tar, na casa na qual era empregada.

    Augus­tine, inter­pre­ta­da pela can­to­ra pop-folk france­sa Stéphanie Sokolin­s­ki, con­heci­da como Soko, tor­na-se logo um caso emblemáti­co para Char­cot, deses­ta­bi­lizan­do a mente racional do médi­co ao exalar ingenuidade infan­til com luxúria ocul­ta. O filme todo é envolvi­do por uma atmos­fera neb­u­losa, uma espé­cie de ter­ror silen­cioso que Augus­tine traz nas feições, niti­da­mente góti­cas. Após a par­al­isia do lado esquer­do, oca­sion­a­da depois que Augus­tine vê carangue­jos vivos em ebu­lição na pan­ela, a jovem paciente é inva­di­da por uma nova onda de ter­ror quan­do pres­en­cia con­vul­sões de uma gal­in­ha decap­i­ta­da, trazen­do à tona seus ataques eróti­cos. Dessa vez, o olho dire­ito da jovem é abrup­ta­mente fechado.

    Imagem de divulgação do filme Augustine
    Imagem de divul­gação do filme Augustine

    Estu­dar os sin­tomas apre­sen­ta­dos por Augus­tine ren­o­va a eufo­ria de Char­cot, ali­men­tan­do a crença pes­soal de que ele está bem próx­i­mo de uma descober­ta cru­cial no cam­po da his­te­ria, ciên­cia que se propôs a inves­ti­gar. Ao lado das inves­ti­gações inter­nas real­izadas pelo médi­co no cor­po de Augus­tine, há tam­bém demon­strações públi­cas para acadêmi­cos e pesquisadores da área, onde sessões de hip­nose e colap­sos públi­cos dão efe­tivi­dade à teo­ria lev­an­ta­da pelo neurologista.

    Augus­tine é sub­meti­da a uma ver­dadeira pro­fusão de testes e obser­vações. A obsessão de Jean-Mar­tin Char­cot em fotogra­far suas pacientes tam­bém é apre­sen­ta­da no filme, com uma sequên­cia de reg­istros e anális­es de Augus­tine até mes­mo nos momen­tos de sono pro­fun­do. A aprox­i­mação gera um amor furti­vo, uma ten­são libidi­nosa entre médi­co e paciente, ao embar­al­har suces­si­va­mente os sen­ti­men­tos que Augus­tine nutre pelo médi­co. Pen­sador mod­er­no e for­mador de plateias, Char­cot não con­segue lidar de maneira isen­ta com o tufão de emoções que começam a inva­di-lo, per­cepção que não escapa aos olhos de sua mul­her, Con­stance, vivi­da pela atriz Chiara Mas­troian­ni. No meio dessa con­fusão, nasce a trans­fer­ên­cia. Os lim­ites entre ter­apeu­ta e paciente são rompi­dos, tal qual uma rachadu­ra em um dique. Cedo ou tarde, a cor­renteza transborda.

    Imagem de divulgação do filme Augustine
    Imagem de divul­gação do filme Augustine

    A dinâmi­ca perigosa na relação entre o médi­co e a paciente em crise tam­bém é explo­ra­da nos lon­gas Um Méto­do Perigoso (2012), dirigi­do por David Cro­nen­berg, enre­do que traz o caso de Carl Jung e Sabi­na Spiel­rein, com pitadas de Freud, e o fan­tás­ti­co A Pele que Habito (2011), de Pedro Almod­ó­var, onde um con­ceitu­a­do cirurgião plás­ti­co cria uma nova iden­ti­dade físi­ca para um desafe­to e aca­ba se apaixo­nan­do pela própria criação.

    O tra­bal­ho de Alice Winocour em Augus­tine não apre­sen­ta a mas­sacrante car­ga da parábo­la mor­al­izante, crian­do vilão ou víti­ma. Pelo con­trário: a orig­i­nal­i­dade da dire­to­ra está na apos­ta em um romance que vio­la tabus, descon­cer­ta a éti­ca e rompe com os canôni­cos pro­to­co­los de trata­men­to, para o bem ou para o mal.

    Imagem de divulgação do filme Augustine
    Imagem de divul­gação do filme Augustine

    A inter­pre­tação de Soko realça e encan­ta, exercendo enorme fascínio pelo modo como a atriz se entre­ga, seja pelo cor­po ou pelas expressões sig­ni­fica­ti­vas do olhar. Como uma bor­bo­le­ta, a per­son­agem exper­i­men­ta uma meta­mor­fose ao sair do esta­do de pavor, manip­u­lação e medo, para a cumpli­ci­dade e decisão que mar­cam os momen­tos finais do filme.

    medicalmusesAden­trar as difer­entes esferas do incon­sciente, acei­tan­do o risco de suas voltas – muitas vezes sem retorno -, fazem de Augus­tine um filme maior do que a dis­pu­ta entre doença/cura e médico/paciente; a sutileza está nas trans­for­mações que nascem no rio pro­fun­do e inabita­do, exata­mente onde mora o desejo.

    Para con­hecer um pouco mais sobre as mul­heres que se trans­for­maram em uma espé­cie de “musas médi­cas”, recomen­do a leitu­ra do livro Med­ical Mus­es: Hys­te­ria in Nine­teenth-Cen­tu­ry Paris, de Asti Hustvedt.


    Trailer:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=FXepn0vkR_8

  • Território Jovem: Malvine Zalcberg e Ana Paula Vosne Martins

    Território Jovem: Malvine Zalcberg e Ana Paula Vosne Martins

    O que os ado­les­centes e jovens como um todo con­somem hoje? Como se dá os proces­sos de edu­cação para essa faixa etária? O even­to Ter­ritório Jovem, na Bien­al do Livro Paraná 2010, se dis­pôs a dis­cu­tir os temas per­ti­nentes a essa parcela de leitores que neces­si­tam de uma visão volta­da mais especi­fi­ca­mente para sua con­stante for­mação. E partin­do dessa pre­mis­sa, a psi­canal­ista Malvine Zal­cberg e a his­to­ri­ado­ra Ana Paula Vosne Mar­tins dis­cu­ti­ram O mun­do da meni­na, medi­a­do pelo repórter Omar Godoy, sobre um dos seg­men­tos mais ven­di­dos de lit­er­atu­ra infanto-juvenil.

    O debate se deu ini­cio com inter­pre­tações ini­ci­ais das con­vi­dadas sobre o atu­al foco da lit­er­atu­ra infan­to-juve­nil em cima das meni­nas, qual o papel social dessas futuras mul­heres adul­tas e de que for­mas se posi­cionarão no mun­do depois dessas leituras. Malvine Zal­cberg acred­i­ta que a mul­her, hoje, é um sujeito fun­da­men­tal do nos­so tem­po, reforçan­do as atu­ais posições ocu­padas por ela per­ante a sociedade e que ela con­quis­tou isso sem deixar de ser, de cer­ta for­ma, fem­i­ni­na. Mas, rebate dizen­do que hoje, e que a lit­er­atu­ra atu­al tam­bém reforça essa ideia, a mul­her se tornou um sím­bo­lo de con­sumo e futil­i­dade, uma mescla da mul­her prim­i­ti­va, ante­ri­or às fem­i­nistas da décadas de 60 e 70, com a mul­her inde­pen­dente atu­al. Mas afi­nal, inde­pen­dente do quê?

    Ain­da, afir­ma que há uma neces­si­dade de difer­en­ci­ação da mãe e da fil­ha, que ambas devem com­preen­der queocu­pam papéis difer­entes no tem­po. A psi­canal­ista, na Bien­al do Livro Paraná 2010, reforça em muitos momen­tos as atu­ais relações psi­coafe­ti­vas dos pais e fil­hos e de como a meni­na enx­er­ga na mãe um pro­tótipo de futuro. Malvine tam­bém fala muito que a edu­cação somente se dá quan­do se ama e que isso pode facil­i­tar aos pais mod­er­nos edu­carem seus fil­hos, enten­den­do seus papéis sem pare­cerem dita­dores de um úni­co esti­lo de vida. E, se aten­do mais ao assun­to do papel da mulher/menina, ela diz que a questão do gênero fem­i­ni­no é muito mais sub­je­ti­vo que o mas­culi­no. É necessário par­tir da con­sciên­cia de que a mul­her é de fato difer­ente do homem, sendo issoum grande pas­so para o desen­volvi­men­to da chama­da igualdade.

    Ana Paula Vosne Mar­tins tem uma visão muito mais críti­ca e certeira sobre os atu­ais papéis das mul­heres. Ela acred­i­ta que hoje é muito mais fácil ser mul­her, que se vive uma liber­dade muito grande, inclu­sive para serem fúteis, prin­ci­pal­mente porque a tec­nolo­gia e o con­sumo dão uma aura de liber­dade, mas na ver­dade tiranizam. Para ela o mun­do é dos dois gêneros/sexos, não existe uma dis­tinção de ¨isso é coisa somente para meni­nos¨ ou vice-ver­sa. A his­to­ri­ado­ra acred­i­ta na edu­cação através da autono­mia, que ambos os sex­os devem apren­der a ser inde­pen­dentes e ativos. Ain­da, na Bien­al do Livro Paraná 2010, diz que a mul­her deve ser edu­ca­da a diz­er ¨não¨, mas tam­bém con­con­cor­da que somente a noção de difer­enças, a con­sciên­cia destas, é que podem de fato con­stru­ir uma con­vivên­cia mais igualitária.

    Quan­do ques­tion­adas o que de fato é necessário para a afir­mação de um papel fem­i­ni­no, as duas foram dire­tas. Para Malvine Zal­cberg existe a neces­si­dade da dis­tinção dos papéis da família e que há a pos­si­bil­i­dade da mudança de tendên­cias, afir­man­do a neces­si­dade da rein­venção do amor como for­ma da mul­her remod­e­lar seus con­ceitos. Já Ana Paula Vosne Mar­tins diz que a mul­her mod­er­na pre­cisa lidar mel­hor com as tira­nias pas­si­vas dos padrões de beleza, deven­do perce­ber que tem poder e usá-lo de for­ma inteligente.

    Mes­mo que os cam­in­hos que cheguem a dis­cussão da liber­dade da mul­her ven­ham de lugares difer­entes, as con­vi­dadas da Bien­al do Livro Paraná 2010 chegaram a um lugar-comum con­cor­dan­do na neces­si­dade da mul­her ter con­sciên­cia do seu desen­volvi­men­to e do seu papel, que sendo do mes­mo pata­mar, são difer­entes. E essa difer­ença não tem a ver com mino­rias ou maio­r­ias, mas sim­ples­mente com a distinção.

    O inter­ro­gAção gravou em áudio todo esse bate-papo e se você quis­er pode escu­tar aqui pelo site, logo abaixo, ou baixar para o sue com­puta­dor e ouvir onde preferir.

    Ouça a palestra com­ple­ta: (clique no link abaixo para ouvir ou faça o down­load)

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