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  • A parceria entre Eduardo Baptistão e Daniel Piza

    A parceria entre Eduardo Baptistão e Daniel Piza

    Eduardo Baptistão
    Eduar­do Baptistão

    Dez anos. Esse foi o tem­po que durou a parce­ria entre o ilustrador Eduar­do Bap­tistão e o jor­nal­ista Daniel Piza. Durante esse perío­do, Bap­tistão foi respon­sáv­el pelas ilus­trações da col­u­na Sinopse, assi­na­da por Piza e pub­li­ca­da aos domin­gos no Cader­no 2 do jor­nal Estadão (Esta­do de S. Paulo).

    Pre­mi­a­do den­tro e fora do Brasil, Bap­tistão é dono de um traço incon­fundív­el, insti­gante e lúdi­co, car­ac­terís­ti­ca que impactou Daniel Piza. Gen­til­mente, Eduar­do abriu seu arqui­vo pes­soal para com­par­til­har com todos os leitores e leitoras do inter­ro­gAção algu­mas das ilus­trações que fez de Piza.

    Con­fi­ra tam­bém as impressões do ilustrador sobre a parce­ria de uma década:

    Começo da parceria

    Daniel já havia tra­bal­ha­do no Estadão no iní­cio dos anos 1990, depois pas­sou pela Fol­ha de São Paulo e Gaze­ta Mer­can­til. Voltou ao Estadão em 2000 como edi­tor exec­u­ti­vo e col­u­nista de cul­tura e esportes. No iní­cio da pub­li­cação — uma col­u­na sem­anal no Cader­no 2 -, ele procurou entre os ilustradores do jor­nal o esti­lo que mais se adap­ta­va à ideia que tin­ha, e acabou optan­do pelo meu. Durante todo o perío­do em que pub­li­cou a col­u­na Sinopse – pouco mais de 10 anos -, foram raros os domin­gos em que eu não a ilus­trei. Nes­sas ocasiões, em que eu esta­va em férias ou de fol­ga em algum feri­ado, quem nor­mal­mente me sub­sti­tuía era o meu ami­go e cole­ga Car­lin­hos Muller. Coube ao Car­lin­hos, por sinal, ilus­trar a últi­ma col­u­na que Daniel escreveu, pois eu cumpria a fol­ga de Natal.

    Daniel Piza no dia a dia

    Daniel gosta­va de con­ver­sar. Por ser um cara muito cul­to e infor­ma­do, eram sem­pre óti­mos papos! Não éramos ínti­mos a pon­to de abor­dar assun­tos pes­soais, mas sem­pre trocá­va­mos ideias sobre a col­u­na, sobre o tema pro­pos­to e, muitas vezes, eu lhe per­gun­ta­va se tin­ha algu­ma imagem em mente para a col­u­na da sem­ana. Ele sem­pre con­fiou na min­ha inter­pre­tação e me deu car­ta bran­ca para cri­ar. Em vez de enviar o tex­to por e‑mail, coisa que rara­mente fazia, Daniel prefe­ria levar o tex­to impres­so até a min­ha mesa, e sem­pre fazia algum comen­tário sobre o assun­to prin­ci­pal da col­u­na. Nes­sas ocasiões, eram tam­bém comuns as con­ver­sas sobre fute­bol, paixão que tín­hamos em comum, emb­o­ra fôsse­mos “rivais” – ele cor­in­tiano, eu palmeirense. Cheguei a jog­ar fute­bol com ele muitas vezes, nas peladas notur­nas orga­ni­zadas pelo pes­soal da redação. Daniel tin­ha muito bom domínio de bola e vocação de artil­heiro – mas, devo diz­er, isso era facil­i­ta­do pelo fato de jog­ar sem­pre “na ban­heira” [posição de impedimento].

    Repercussão das ilustrações

    É difí­cil falar sobre a reper­cussão das ilus­trações, porque rara­mente eu tin­ha algum retorno do públi­co sobre elas. De maneira ger­al, os leitores comen­tavam muito as col­u­nas, mas eram rarís­si­mos os comen­tários sobre as ilus­trações. Lem­bro de um desen­ho, de um fil­ho cor­ren­do em direção ao pai sen­ta­do no chão, que fiz para uma col­u­na sobre o dia dos pais, em que um leitor se declar­ou emo­ciona­do não só pelo tex­to, mas tam­bém pela imagem.

     'filho correndo para o pai sentado no chão'  (Eduardo Baptistão)
    Fil­ho cor­ren­do para o pai sen­ta­do no chão (Eduar­do Baptistão)

    Traços marcantes de Daniel Piza

    Algu­mas col­u­nas do Daniel eram escritas tão em primeira pes­soa que me sug­e­ri­am usar a figu­ra dele como per­son­agem da ilus­tração. Mas, nes­sas ocasiões, eu opta­va por ape­nas sug­erir o Daniel nos desen­hos, sem me pre­ocu­par muito com a semel­hança. No con­jun­to de ilus­trações que fiz para a col­u­na ao lon­go do tem­po, foram muitas em que o Daniel apare­cia de algu­ma forma.

    O que mais admi­ra­va no Daniel era a ver­sa­til­i­dade e a pro­dução cau­dalosa. Era notáv­el a sua capaci­dade de escr­ev­er sobre qual­quer assun­to, do fute­bol à culinária, da arquite­tu­ra à religião, da políti­ca à ciên­cia. E era notáv­el tam­bém a quan­ti­dade absur­da de col­u­nas, reporta­gens, resen­has, arti­gos e livros que ele escrevia, assim como a quan­ti­dade de livros lidos, de shows, con­cer­tos, peças e filmes assis­ti­dos e de dis­cos ouvi­dos para pro­duzir às vezes uma úni­ca col­u­na! Eu sem­pre o usa­va como refer­ên­cia, pelo tan­to que ele pro­duz­iu em tão poucos anos de vida em com­para­ção comi­go, qua­tro anos mais vel­ho e infini­ta­mente menos pro­du­ti­vo. Mas eu acred­i­to que ele era exceção e não parâmetro. Era, de fato, aci­ma da média.

    Veja abaixo as ilus­trações cri­adas pelo Eduar­do Bap­tistão de Daniel Piza:

  • Dossiê Darren Aronofsky: The Fountain — Graphic Novel

    Dossiê Darren Aronofsky: The Fountain — Graphic Novel

    Dossiê Darren Aronofsky: The Fountain - Graphic NovelO dire­tor inglês Peter Green­away já vem divul­gan­do des­de a déca­da de 80 a sua ideia de que o cin­e­ma mor­reu e em seus últi­mos pro­je­tos, como na trilo­gia As male­tas de Tulse Luper, expande a exper­iên­cia do cin­e­ma ini­cial­mente lim­i­ta­do ape­nas às suas salas escuras. Dev­i­do a explo­ração mer­cadológ­i­ca cada vez maior nes­ta indús­tria, é fácil que sub­pro­du­tos de um lon­ga sejam pro­duzi­dos para ten­tar sim­u­lar esta expan­são, mas na ver­dade são somente pequenos extras ou um mak­ing of do que já foi feito, não mudan­do real­mente a exper­iên­cia cin­e­matográ­fi­ca em si. Ou seja, são ape­nas out­ros meios para con­seguir mais din­heiro do consumidor.

    É aí que está a grande difer­ença da graph­ic nov­el The Foun­tain, escri­ta por Dar­ren Aronof­sky e ilustra­da por Kent Williams, que foi lança­da pelo selo Ver­ti­go da DC Comics em 2005 e ain­da é inédi­ta no Brasil. Ape­sar de ter sido prati­ca­mente desen­volvi­da em para­le­lo ao filme A Fonte da Vida, lança­do em 2006 e dirigi­do pelo próprio Aronof­sky, ela foi cri­a­da de maneira com­ple­ta­mente inde­pen­dente. A base dos dois é a sua história, mas as semel­hanças prati­ca­mente acabam por aí. Temos em cada um dess­es pro­je­tos uma ver­são difer­ente do enre­do ini­cial, que uti­lizam ao máx­i­mo todas as pos­si­bil­i­dades da mídia na qual foi adap­ta­da, respei­tan­do a sua própria lin­guagem e esti­lo. Algo sim­i­lar acon­tece quan­do uma adap­tação de um livro para as telas não ten­ta repro­duzir a exper­iên­cia da leitu­ra, mas sim cri­ar algo novo uti­lizan­do a lin­guagem do cinema.

    Tomás em busca da Árvore da Vida
    Tomás em bus­ca da Árvore da Vida

    Se você ain­da não con­hece a história prin­ci­pal, ela nar­ra em três difer­entes tem­pos a jor­na­da de um mes­mo per­son­agem (Tomás, Tom­my e Tom) em bus­ca da imor­tal­i­dade para poder ficar jun­to a sua ama­da. As três nar­ra­ti­vas vão se alter­nan­do e uma é inter­de­pen­dente da out­ra, ou seja, é necessário que o per­son­agem resol­va a mes­ma questão ness­es espaços difer­entes de tem­po para que ele pos­sa final­mente con­cluir a sua própria história.

    Darren Aronofsky
    Dar­ren Aronofsky

    Este provavel­mente ain­da é o pro­je­to mais ambi­cioso de Aronof­sky — posição que talvez vai ser toma­da pelo seu novo lon­ga Noé, pre­vis­to para 2014 — e tam­bém foi o que mais divid­iu o públi­co, como ele mes­mo comen­tou em uma entre­vista. Isso não só pelo esti­lo nar­ra­ti­vo e pela com­plex­i­dade dos cenários e situ­ações, algo pare­ci­do com que o recente A Viagem dirigi­do por Tom Tyk­w­er e pelos irmãos Wachows­ki fez, mas tam­bém pelo seu tema prin­ci­pal: aceitar a morte, ou o fim, assim como as nos­sas próprias lim­i­tações como seres humanos.

    Tom em direção a Xibalba
    Tom em direção a Xibalba

    Por con­ta do seu alto cus­to, o pro­je­to foi ofi­cial­mente encer­ra­do em 2002, mas o dire­tor resolveu ree­scr­ev­er todo o roteiro para que ele deix­as­se de ser uma super pro­dução e seguisse a mes­ma lin­ha de filmes indie de baixo orça­men­to, que o mes­mo havia feito até aque­le momento.

    Kent Williams
    Kent Williams

    Logo no iní­cio das nego­ci­ações do filme, Aronof­sky sabia que este seria um pro­je­to muito difí­cil, então ele e o pro­du­tor lutaram de antemão para que os dire­itos da graph­ic nov­el fos­sem garan­ti­dos de qual­quer for­ma. Quan­do entrou em con­ta­to com a Ver­ti­go, lhe indicaram o artista Kent Williams e, ape­sar de não o con­hecer, cada vez que ia receben­do mais exem­p­los de seus tra­bal­hos, fica­va ain­da mais empol­ga­do com essa parce­ria. Depois de ini­ci­a­do as pro­duções, eles brin­cavam bas­tante a respeito de qual dos dois iri­am ter­mi­nar primeiro, o lon­ga ou a HQ. Quase hou­ve um empate, mas a graph­ic nov­el ficou pronta um ano antes do filme.

    Capas da séria lançada pela Editora Abril
    Capas da série lança­da pela Edi­to­ra Abril

    Williams é um ilustrador amer­i­cano que já tra­bal­hou para várias edi­toras de quadrin­hos, sendo respon­sáv­el pelas artes do Wolver­ine na acla­ma­da série Wolver­ine & Destru­tor: Fusão, lança­do aqui no Brasil em qua­tro edições pela Edi­to­ra Abril no ano de 1989. Hoje em dia ele deixou um pouco as HQs de lado para se focar mais em suas pin­turas, ape­sar de ter admi­ti­do em uma entre­vista que está tra­bal­han­do em um quadrin­ho autoral, mas que não tem pra­zo para ter­mi­nar. Se você tiv­er inter­esse, pode acom­pan­har seus tra­bal­hos mais recentes neste blog ou em seu site ofi­cial.

    Em The Foun­tain foi pos­sív­el realizar grafi­ca­mente todos os detal­h­es do enre­do, que em out­ra mídia como o cin­e­ma, provavel­mente seria finan­ceira­mente impos­sív­el. Este é na real é um dos grandes trun­fos de uma história em quadrin­ho, em um desen­ho pode-se cri­ar tudo que se imag­i­na e até coisas que são impos­síveis de exi­s­tir. M.C. Esch­er era, por exem­p­lo, um espe­cial­ista nes­ta área, sem ficar se pre­ocu­pan­do muito com orça­men­tos. Isso vale tam­bém no que­si­to de sair do pudor hol­ly­wood­i­ano, nos desen­hos não é pre­ciso lidar com a lim­i­tação dos estú­dios e dos próprios atores. Por exem­p­lo, os per­son­agens da HQ estão com­ple­ta­mente nus den­tro da bol­ha, enquan­to no filme estão vesti­dos dos pés á cabeça.

    Tommy em busca da cura do câncer
    Tom­my em bus­ca da cura do câncer

    No começo, os desen­hos de Williams podem ger­ar um cer­to estran­hamen­to, pois ele varia bas­tante o esti­lo ao lon­go da história. Os traços vão des­de somente alguns con­tornos, pare­cen­do um pouco com ras­cun­hos, à pági­nas com­ple­ta­mente col­ori­das até nos mín­i­mos detal­h­es. Além dessa grande vari­ação de detal­hamen­to e cor, que cria uma per­son­al­i­dade muito inter­es­sante nos desen­hos, se nota uma clara sep­a­ração entre os três difer­entes tem­pos que a história se pas­sa, tan­to pela divisão grá­fi­ca dos quadros e suas cores deter­mi­nantes, quan­to pela cor uti­liza­da no fun­do para preencher o espaço vazio.

    O uso de somente duas fontes nos tex­tos, uma para os diál­o­gos e out­ra para nar­ração, aca­ba que­bran­do um pouco toda essa diver­si­dade dos desen­hos, mas con­segue assim man­ter uma exper­iên­cia de leitu­ra bem agradáv­el. É inter­es­sante tam­bém notar que algu­mas leg­en­das no iní­cio são descrições de sons ou esta­dos dos per­son­agens naque­le quadro, como se fos­se um roteiro para o filme, mas que durante o desen­volver da história assume uma lin­guagem mais car­ac­terís­ti­ca dos quadrinhos.

    Tom começando a aceitar o seu destino
    Tom começan­do a aceitar o seu destino

    Pode-se até pen­sar que The Foun­tain pode­ria ser algo como uma “ver­são do dire­tor” do lon­ga, mas isto seria equiv­o­ca­do. Tam­bém está longe de ser um sto­ry­board do mes­mo. Como men­cionei ante­ri­or­mente, ela é uma exper­iên­cia com­ple­ta­mente difer­ente do filme, sendo uma nova inter­pre­tação ao invés de ape­nas mais uma repetição do que você já viu nas telas. Alguns talvez até podem afir­mar que esta HQ é algo mais para um fã do lon­ga ou do dire­tor. Não pos­so dis­cor­dar des­ta afir­mação, mas acred­i­to que a mes­ma sobre­vive tran­quil­a­mente como uma obra inde­pen­dente e úni­ca no mun­do das graph­ic nov­els.

    Como a HQ ain­da é inédi­ta aqui no Brasil, é pos­sív­el com­prá-la em inglês no site de livrarias como a Sarai­va e a Cul­tura. Se você já com­prou ou pre­tende com­prar, uma exper­iên­cia que pode ser bem inter­es­sante é a leitu­ra dela jun­to com a tril­ha sono­ra do filme cri­a­da por Clint Mansell, que é sim­ples­mente sensacional.

  • Dossiê Darren Aronofsky: O Lutador — Entrevista Traduzida

    Dossiê Darren Aronofsky: O Lutador — Entrevista Traduzida

    por Kei­th Phipps, 18/12/2008, traduzi­do exclu­si­va­mente com per­mis­são do The Onion.

    O filme de estréia de Dar­ren Aronof­sky, Pi (1998) , provou seu poder de cri­ar ima­gens cati­vantes e uma história atra­ti­va com pouco din­heiro. A par­tir daí, seus orça­men­tos aumen­taram, mas o foco con­tin­u­ou firme, e ele real­i­zou mais dois filmes provo­cadores – a bem rece­bi­da adap­tação do livro de Hubert Sel­by sobre as pro­fun­dezas do vício, Réquiem para um Son­ho (2000), e o menos bem rece­bido Fonte da Vida (2006), uma história entre­laça­da de amor e morte rejeita­da pelo públi­co e por vários críti­cos, mas ado­ra­da por um cres­cente públi­co cult. Tra­bal­han­do a par­tir de um roteiro de Rob Siegel (um anti­go edi­tor do Onion e – con­fis­são – ami­go do autor des­ta entre­vista), O Luta­dor (2008) mostra Aronof­sky voltan­do a um esti­lo ain­da mais rig­oroso do que o de sua estréia para explo­rar o mun­do de um luta­dor profis­sion­al (um rev­e­lador Mick­ey Rourke) lidan­do com a pos­si­bil­i­dade latente de que seus mel­hores dias já pas­saram. Logo depois de gan­har o Leão de Ouro no Fes­ti­val de Veneza, Aronof­sky con­ver­sou com o The A.V. Club sobre a lin­guagem sec­re­ta dos luta­dores, como faz­er o públi­co levar o wrestling a sério e sobre diri­gir seus próprios pais.

    Onde fica o mun­do real – den­tro do ringue ou fora do ringue?

    Da últi­ma vez que con­ver­samos, você esta­va pron­to para diri­gir cer­ca de oito filmes difer­entes. Por que este?
    Eu pas­sei quase um ano e meio fazen­do pós-pro­dução téc­ni­ca em Fonte da Vida. Ape­sar de eu gostar do proces­so, acho que min­ha parte predile­ta de faz­er filmes são os atores. Eu que­ria faz­er algo que só tivesse a ver com as atu­ações, com bem poucos efeitos espe­ci­ais. Eu dei uma olha­da em todos os pro­je­tos que está­va­mos desen­vol­ven­do e O Luta­dor com Rob [Siegel] esta­va bem adi­anta­do, então nós começamos a con­cen­trar todas as nos­sas atenções naque­la direção.

    Sendo o wrestling profis­sion­al um fenô­meno tão grande, deve ter –
    Bom, nun­ca hou­ve um filme sério, eu diria, não que eu sai­ba. Anos atrás, quan­do eu me formei em cin­e­ma, eu escrevi uma lista de filmes pos­síveis, e um deles era chama­do O Luta­dor. Exis­tem tan­tos filmes de boxe que já chega a ser um gênero, mas ninguém tin­ha feito um filme de ver­dade sobre o wrestling. À medi­da que come­cei a acom­pan­har aque­le uni­ver­so, pude perce­ber quão úni­co ele era.

    Parte do prob­le­ma é que, com o boxe, há uma dúvi­da sobre qual vai ser o resul­ta­do, quem vai gan­har. Mas é difer­ente no wrestling. Que tipo de difi­cul­dades isso trouxe?
    Foi um desafio, no sen­ti­do de faz­er uma luta no fim do filme que não dissesse respeito ao resul­ta­do como com­petição atléti­ca, mas sim como con­se­quên­cia de uma decisão pes­soal. Então esse foi um desafio com­pli­ca­do – e, tam­bém, como retratar algo que as pes­soas percebem como fal­so e, basi­ca­mente, rejeitam. Como faz­er uma inves­ti­gação sin­cera desse mundo?

    Então, como você fez? 
    Eu acho que o lim­ite do que é ver­dadeiro e fal­so tornou-se um grande tema quan­do Rob e eu falá­va­mos a respeito do filme logo no iní­cio, porque há esta ideia de “Onde fica o mun­do real – den­tro do ringue ou fora do ringue?” Essa foi a prin­ci­pal razão do Rob ter luta­do para man­ter a strip­per no filme. Eu esta­va dis­pos­to a mudar, porque, um filme inde­pen­dente com uma strip­per… me deix­a­va ner­voso. Mas quan­to mais a gente pen­sa­va a respeito, mais a gente perce­bia que as lig­ações entre a strip­per e o luta­dor eram real­mente sig­ni­fica­ti­vas. Ambos usam nomes fal­sos, ambos vestem fan­tasias, ambos encan­tam um públi­co e cri­am uma fan­ta­sia para esse públi­co, e ambos usam seus cor­pos como sua arte, então o tem­po é o seu maior inimigo.

    Você pesquisou sobre o des­ti­no de luta­dores e strip­pers depois que a idade acabou com suas carreiras?
    Bom, strip­pers de idade… a gente não fez essa pesquisa. [Risos.] Mas era claro o que acon­tece com elas. Luta­dores mais vel­hos, por muitos deles terem tido grande fama em algum pon­to, con­tin­u­am suas car­reiras. Nós nos reuni­mos com vários dos grandes caras mais vel­hos, des­de Greg “The Ham­mer” Valen­tine a Niko­lai Volkoff, Super­fly Snu­ka a Tony Atlas. Nós falam­os com vários dess­es caras, tive­mos lon­gas con­ver­sas a respeito disso.

    O filme todo acon­tece prati­ca­mente neste mun­do onde as pes­soas ou estão em ascen­são ou em declínio. É um mun­do que muitas pes­soas nem sabem exi­s­tir. Qual foi a coisa mais sur­preen­dente que você desco­briu ao observá-lo?
    Há várias coisas sin­gu­lares e inter­es­santes – a frater­nidade entre os luta­dores, a rede de suporte. O fato de que eles falam seu próprio idioma, que é cheio de expressões “circens­es”, o que me faz pen­sar que o wrestling provavel­mente veio do negó­cio do “cir­co”, algo no esti­lo “Assista dois fortões lutan­do”. Eles chamam a audiên­cia de “os alvos”, chamam a luta de “o espetácu­lo”. Eles têm tan­tas expressões que só fazem parte do seu próprio diale­to secre­to. Até o jeito que lutam quan­do estão no ringue – fazen­do sinais com as mãos uns pros out­ros ou dan­do tap­in­has pra avis­ar o out­ro quan­do está na hora de entre­gar a luta. É um mun­do muito com­pli­ca­do que vem de anos e anos de home­ns entre­tendo as massas.

    Os anos 90 foram do ecsta­sy, os 80 dos yup­pies. Havia toda aque­la cul­tura do ecsta­sy. As pes­soas se diver­ti­am bas­tante nos anos 90.

    E ele cos­tu­ma ser retrata­do como um mun­do basi­ca­mente sem rival­i­dade fora do pal­co. Isso é sim­pli­ficar demais?
    Ten­ho certeza que sim. Defin­i­ti­va­mente exis­tem caras que não são pop­u­lares porque batem um tan­to forte demais quan­do estão no ringue, eles chamam esse esti­lo de “stiff” (durão). Tam­bém há vários brin­cal­hões no negó­cio, há sem­pre vários trotes sendo apli­ca­dos, e havia algu­mas cenas dis­so tudo que acabaram sendo cor­tadas do filme. Mas eu não acho que qual­quer tipo de rival­i­dade seria pro­por­cional às rival­i­dades den­tro do ringue, se é isso que você está per­gun­tan­do. Eles têm suas próprias políti­cas, com certeza.

    Necro Butch­er

    Há uma cena mem­o­ráv­el com uma luta abso­lu­ta­mente bru­tal. O que você acha que atrai a audiên­cia ao se ter algo tão vio­len­to num even­to de wrestling?
    É um fenô­meno inter­es­sante. Quero diz­er, é ina­cred­itáv­el. O nív­el de bru­tal­i­dade do filme não é nada per­to do tipo de coisa que real­mente acon­tece. O cara com quem Mick­ey Rourke luta naque­la cena se chama Necro Butch­er, que inter­pre­ta ele mes­mo. So você for até o YouTube e procu­rar por “Necro Butch­er”, você vai ver coisas mais hard­core do que qual­quer coisa que a gente apre­sen­ta. Eu ten­ho teo­rias sobre a psi­colo­gia de porque essas pes­soas têm praz­er com isso, mas eu acho que enten­do como tudo evoluiu.

    Quan­do o WWF se tornou o WWE e basi­ca­mente admi­tiu que o wrestling era entreten­i­men­to e não esporte, prati­ca­mente todo mun­do desis­tiu da ilusão de que aqui­lo era real, que não era ence­na­do. O públi­co que assiste ao wrestling sabe que ele é ence­na­do, mas ain­da meio que se deixa levar pela sua dra­mati­ci­dade. A coisa que os emo­ciona é quan­do ess­es caras arriscam sua saúde e suas vidas. Mes­mo em even­tos menos hard­core, eles ficam impres­sion­a­dos quan­do os caras dão aque­les saltos e giros malu­cos. No mun­do hard­core, a coisa vai mais além, e as pes­soas esper­am que ess­es caras se machuquem para o seu entreten­i­men­to. Eu não acho que eles queiram que alguém mor­ra, mas de algu­ma for­ma eles sen­tem praz­er em saber que os caras estão se machu­can­do de ver­dade. Eu acho que é uma com­petição dire­ta com o que o MMA vem fazen­do. É um jeito de man­ter o wrestling como um esporte san­gren­to, basi­ca­mente. Que tal a min­ha psi­colo­gia pop? [Risos.] Eu acho que é daí que tudo se orig­i­na, mas não ten­ho certeza.

    Você mudou rad­i­cal­mente seu esti­lo a cada filme. Por que tan­tas mudanças radicais?
    Bem, eu ten­ho brin­ca­do que, se a Madon­na nos ensi­nou algu­ma coisa, é que você pre­cisa se rein­ven­tar. Eu acho que é impor­tante, como dire­tor, ou qual­quer pes­soa tra­bal­han­do com arte, que você tente coisas novas, desafie-se e se arrisque. Eu ten­tei me arriscar em cada filme que fiz – nun­ca fiz do jeito fácil, e acho que é porque o que me ani­ma é pôr uma mon­tan­ha tão grande quan­to eu pud­er na min­ha frente e faz­er o pos­sív­el para escalá-la.

    Obvi­a­mente hou­ve algu­mas desvan­ta­gens ao tra­bal­har com um orça­men­to tão pequeno e com uma pro­pos­ta de câmera na mão, mas quais foram algu­mas das van­ta­gens que você teve?
    Eu achei todo o proces­so de faz­er esse filme bas­tante empol­gante e diver­tido porque ele foi incriv­el­mente nat­u­ral­ista. O filme inteiro é muito nat­u­ral­ista, mas, espe­cial­mente na exe­cução, nós ten­ta­mos man­tê-lo tão nat­u­ral­ista quan­to pos­sív­el. Então, ao invés de mon­tar a ilu­mi­nação por horas, nós mon­tá­va­mos tudo em cin­co min­u­tos, mudan­do algu­mas lâm­padas, colo­can­do algu­mas corti­nas nas janelas, e seguíamos em frente. Geral­mente eu falo sobre como min­ha lin­guagem visu­al vem da história – a história lhe diz como fotogra­far um filme. Para este filme, ela veio do meu ator, e eu sabia que Mick­ey gosta­va de liber­dade. Então eu ten­tei cri­ar um play­ground com­ple­ta­mente sem lim­ites pra ele, pra que ele pudesse basi­ca­mente sair do trail­er e andar 20 quadras se fos­se isso o que ele quisesse faz­er. É pra isso que nós está­va­mos pron­tos. Eu con­tratei uma cine­grafista que fez vários filmes nar­ra­tivos, mas tam­bém muitos doc­u­men­tários nat­u­rais, Maryse Alber­ti. Eu con­tratei um design­er de pro­dução [Tim Grimes] que me con­seguiu óti­mas locações pra tra­bal­har. A gente fez coisas como gravar em even­tos de ver­dade com fãs de wrestling de ver­dade e com luta­dores de ver­dade. Todo mun­do com quem Mick­ey lutou era profis­sion­al. A gente fre­quen­ta­va as arquiban­cadas. Aque­la cena onde Mick­ey está assistin­do a uma luta, ela ter­mi­na e todo mun­do está no camarim, e eu disse, “Mick­ey, vai pro camarim”, e a gente só pôs a câmera nas costas e foi atrás dele, impro­visamos com­ple­ta­mente aque­la cena. Na cena da mer­cearia, metade daque­les clientes eram pes­soas reais, não atores. Na ver­dade, uma hora o ger­ente veio me pedir, “Ei, você pode pedir pro Mick­ey escr­ev­er um pouco mel­hor?” Eu fiquei, tipo, “Do que você tá falan­do?” E ele disse, “Bom, ele tá dan­do coisas pras pes­soas, e os preços que ele escreve – quan­do elas olham, elas não con­seguem enten­der a letra dele”. Mick­ey não sabia quan­to cus­ta­va o qui­lo de nada! Ele só escrevia, e eles saíam com aqui­lo! Então era uma lou­cu­ra. Foi muito diver­tido poder tra­bal­har nes­sa veloci­dade de pega-a-câmera-e-grava.

    Ele treinou muito para as cenas da mercearia?
    Ele odi­ou as cenas da mer­cearia. Ele não que­ria estar lá de jeito nen­hum, então ele meio que se virou.

    Eu sin­ce­ra­mente sen­ti como se pudesse assi­s­tir a uma hora daquilo.
    [Risos.] Ain­da temos mais material.

    Os clientes de sobrenome “Aronof­sky” eram os seus pais?
    Sim, eles estavam lá.

    Como foi diri­gir seus pais?
    Mãe, gri­ta mais alto! Não, gri­ta de ver­dade! Não, gri­ta, mãe!” É diver­tido e eles gostaram pra caram­ba, então eu fico feliz de ter eles por perto.

    Deixar Rourke ter liber­dade chegou a atra­pal­har o filme?
    Se atra­pal­hou, foi cor­ta­do. [Risos.] Eu sou bas­tante bru­tal na sala de edição. Geral­mente, se algu­ma coisa não está fun­cio­nan­do, cai fora. Mas, ao mes­mo tem­po, às vezes ele faz algu­ma coisa incrív­el, mas vai ficar um pouquin­ho fora de tom porque é demais, de um jeito ou de out­ro. Então é só o tra­bal­ho de edi­tar, uma vez que você tem todo o mate­r­i­al, de cor­tar tudo isso fora.

    O públi­co que assiste ao wrestling sabe que ele é ence­na­do, mas ain­da meio que se deixa levar pela sua dra­mati­ci­dade. A coisa que os emo­ciona é quan­do ess­es caras arriscam sua saúde e suas vidas.

    Mick­ey Rourke

    Você acom­pan­hou a car­reira de Mick­ey Rourke antes? Como foi a sua exper­iên­cia em crescer nos anos 80 e 90 assistin­do Rourke?
    Eu era um tremen­do fã no fim dos anos 80, começo dos 90. E provavel­mente foi por isso que o escalei, porque eu era um grande fã imag­i­nan­do o que teria acon­te­ci­do com ele.

    Quais atu­ações em particular?
    Coração Satâni­co era um dos meus filmes favoritos. E, é claro, Barfly – Con­de­na­dos pelo Vício. Eu sem­prei achei que ele esta­va espetac­u­lar ness­es filmes. Eu lem­bro de assi­s­tir a Barfly, e então vê-lo ser indi­ca­do naque­le ano [ao Oscar de] Mel­hor Ator, porque ele nun­ca tin­ha sido indi­ca­do. Eu fiquei ator­doa­do. Aque­la atu­ação é tão marcante.

    Quem gan­hou naque­le ano?
    Eu não sei. Infe­liz­mente, foi um ano forte. As out­ras cin­co atu­ações… Bull Durham ou alguém assim, eu não sei. Foi um bom ano, aque­le. [Foi 1987. Michael Dou­glas gan­hou Mel­hor Ator por Wall Street – Poder e Cobiça, des­ban­can­do William Hurt, Mar­cel­lo Mas­troian­ni, Jack Nichol­son e Robin Williams.]

    Falan­do de Bull Durham, essas lig­as de wrestling são pare­ci­das com as segun­das divisões de out­ros esportes.
    Sim, defin­i­ti­va­mente. É exata­mente isso. São caras que não são bons o sufi­ciente para estarem no WWE. Hoje em dia, é o WWE e o resto. E o resto é um pun­hado de even­tos pequenos, o maior deles o Ring of Hon­or, que é a nos­sa últi­ma luta no ROH. Esse é o maior even­to fora do WWE. E nós pudemos tra­bal­har com eles, porque eles pre­cisam de toda exposição que con­seguirem, e são vis­tos como mais fiéis ao wrestling. Nós tra­bal­hamos com três even­tos. O out­ro foi o even­to mais hard­core do mundo.

    Há uma cena onde Rourke e Marisa Tomei falam sobre Kurt Cobain e como os anos 90 foram hor­ríveis, e os anos 90 como a morte da diver­são. Tem algo a ver com a idade deles ou eles tem algu­ma out­ra razão?
    [Risos.] Bom, Rob escreveu ess­es diál­o­gos. Havia muito mais diál­o­gos que eram ain­da mais engraça­dos, mas eles não fun­cionaram – os atores sofr­eram com eles. Mas, de qual­quer for­ma, Rob escreveu isso. Vou te diz­er, fica muito engraça­do no filme. Nas pou­cas vezes em que ele foi exibido, as pes­soas ama­ram. Acho que cutu­cou algo. Eu não acho que é só a inver­são de papéis ao colo­car Kurt como o vilão da história, que é uma visão pouco comum da coisa toda. Os anos 90 foram uma fes­ta, quero diz­er, talvez defin­i­ti­va­mente não para aque­le movi­men­to grunge, mas as pes­soas estavam fazen­do muito mais fes­ta nos anos 90 do que nos anos 80. Você não acha? Os anos 90 foram do ecsta­sy, os 80 dos yup­pies. Havia toda aque­la cul­tura do ecsta­sy. As pes­soas se diver­ti­am bas­tante nos anos 90.

    Sen­tir dor é o que nos faz sen­tir mais vivos!

    Todas as deixas musi­cais estão lig­adas ao glam met­al dos anos 80. O que faz wrestling e glam met­al com­bina­rem tanto?
    [Risos.] Tudo isso veio do Rob. Você pre­cisa saber que ele é um grande fã de glam met­al. A gente sen­ta­va lá e ele me con­ta­va dessas ban­das. Eu dizia, “Rob, eu pre­ciso colo­car essa músi­ca ago­ra – pre­ciso escol­her entre Scor­pi­ons, blábláblá e Accept, qual eu escol­ho?” E ele, “Scor­pi­ons!” Então eu acho que ele fez essa lig­ação muito bem, essas épocas se sobre­pun­ham. À medi­da que o filme começou a tomar for­ma, percebe­mos quão diver­tido e empol­gante ele seria. Era uma delí­cia ten­tar per­cor­rer toda aque­la músi­ca e escol­her aque­la cer­ta para cada momen­to, da músi­ca do Cin­derel­la no iní­cio a “Balls to the Wall” no final.

    Como os fãs e os luta­dores rece­ber­am o filme?
    Eu vou mostrá-lo logo para Vince [McMa­hon, pres­i­dente do WWE], então estou muito ani­ma­do com isso; provavel­mente irei até lá em algu­mas sem­anas. Mas, por enquan­to – basi­ca­mente ele só esteve em fes­ti­vais, e os úni­cos luta­dores que o assi­s­ti­ram foram os que nos aju­daram no filme – eles acham que mostramos bas­tante respeito pelo ofí­cio. Quan­to a Mick­ey, eles dizem que não há um só luta­dor no mun­do todo que pen­saria que ele não sabe lutar, e que ele é mel­hor que provavel­mente 80% dos caras por aí. Mick­ey ficou feliz em ouvir isso.

    Mas eu ando muito curioso para saber o que os vet­er­a­nos vão achar. Quan­do eu gan­hei o Leão de Ouro, eu dediquei o filme a todos os luta­dores, já que eu meio que com­par­til­hei suas histórias. Eles são uma classe úni­ca. Eles não são orga­ni­za­dos, não têm aposen­ta­do­ria, não tem plano de saúde, vários deles estão tragi­ca­mente mor­ren­do muito jovens. Eu fala­va com Mick­ey, “Por que não há luta­dores no SAG?” Se você pen­sar a respeito, o Screen Actor Guild [espé­cie de sindi­ca­to de atores estadunidense] dev­e­ria orga­nizá-los. Eu não dev­e­ria deixar Vince ouvir isso. Mas eles estão rep­re­sen­tan­do diante de câmeras, e até dublês fazem parte do SAG.

    A primeira vez que lhe entre­vis­ta­mos, depois de Pi, você ime­di­ata­mente expres­sou inter­esse em tra­bal­har num grande filme de Hol­ly­wood. Robo­cop será esse filme?
    Espero que sim. Eu fico chegan­do per­to, mas aí surge a opor­tu­nidade de faz­er algo sobre o qual eu prati­ca­mente vou ter con­t­role com­ple­to. Então é uma opor­tu­nidade difí­cil de deixar pas­sar, e aque­le filme grande ain­da não apare­ceu na hora cer­ta. Eu gostei da min­ha colab­o­ração com Hol­ly­wood em Fonte da Vida. Você encon­tra mui­ta gente esper­ta com mui­ta exper­iên­cia em filmes, e você pode con­seguir muito a par­tir daí, então eu estou esperan­do a chance pra que acon­teça. Robo­cop ain­da não tem um roteiro. Espero que acabe sendo um grande roteiro e que nós pos­samos fazê-lo.

    Você acha que Fonte da Vida encon­trou uma segun­da audiên­cia neste ponto?
    Ah, cer­ta­mente existe uma audiên­cia para Fonte da Vida. Eu diria que fica numa pro­porção de 30/70, só 30% das pes­soas real­mente enten­dem, e esse tipo de gente já viu ele algu­mas vezes. A real­i­dade é que é com­pli­ca­do faz­er um filme com­er­cial sobre aceitar a morte. Mui­ta gente quer ver pes­soas sendo mor­tas, não uma visão metafísi­ca da morte, então ele vai levar tem­po até encon­trar pes­soas que este­jam aber­tas a ele, e sem­pre vai haver gente que não está dis­pos­ta sob nen­hu­ma cir­cun­stân­cia a exper­i­men­tar aqui­lo. É o meu mel­hor tra­bal­ho, e o resul­ta­do final é o filme que eu que­ria faz­er, e sin­to muito orgul­ho dele. Min­ha intenção está toda lá.

    Então, mais psi­colo­gia pop para você: Por que as pes­soas querem assi­s­tir wrestling e vio­lên­cia, mas não lidar com um filme que tem a ver com a morte?
    Bom, é estran­ho, porque há um tema em O Luta­dor que é muito sim­i­lar ao tema de Fonte da Vida. [O per­son­agem de Rourke] acei­ta quem ele é e tem um tipo de mer­gul­ho no final pare­ci­do com [o de] Fonte da Vida. Eu acho que, no fim das con­tas, o wrestling não pas­sa de uma exten­são da luta glad­i­atória, porém mais cívi­ca no sen­ti­do de que as pes­soas não estão sendo mor­tas. É tirar toda a dinâmi­ca do bem con­tra o mal, mas, além dis­so, há todo o ele­men­to maso­quista do wrestling. Por que as pes­soas gostam de assi­s­tir alguém encar­an­do a morte e a dor, é, eu acho… Caram­ba, eu não sei, provavel­mente há mais um bil­hão de razões, mas eu acho que uma parte dis­so tudo é teste­munhar out­ras pes­soas pas­san­do por aqui­lo. Você pode sen­tir empa­tia, e isso faz você se sen­tir mais vivo, porque sen­tir dor é uma das coisas que nos faz sen­tir mais vivos. Aqui está a sua citação, “Sen­tir dor é o que nos faz sen­tir mais vivos!” [Risos.]