Dez anos. Esse foi o tempo que durou a parceria entre o ilustrador Eduardo Baptistão e o jornalista Daniel Piza. Durante esse período, Baptistão foi responsável pelas ilustrações da coluna Sinopse, assinada por Piza e publicada aos domingos no Caderno 2 do jornal Estadão (Estado de S. Paulo).
Premiado dentro e fora do Brasil, Baptistão é dono de um traço inconfundível, instigante e lúdico, característica que impactou Daniel Piza. Gentilmente, Eduardo abriu seu arquivo pessoal para compartilhar com todos os leitores e leitoras do interrogAção algumas das ilustrações que fez de Piza.
Confira também as impressões do ilustrador sobre a parceria de uma década:
Começo da parceria
Daniel já havia trabalhado no Estadão no início dos anos 1990, depois passou pela Folha de São Paulo e Gazeta Mercantil. Voltou ao Estadão em 2000 como editor executivo e colunista de cultura e esportes. No início da publicação — uma coluna semanal no Caderno 2 -, ele procurou entre os ilustradores do jornal o estilo que mais se adaptava à ideia que tinha, e acabou optando pelo meu. Durante todo o período em que publicou a coluna Sinopse – pouco mais de 10 anos -, foram raros os domingos em que eu não a ilustrei. Nessas ocasiões, em que eu estava em férias ou de folga em algum feriado, quem normalmente me substituía era o meu amigo e colega Carlinhos Muller. Coube ao Carlinhos, por sinal, ilustrar a última coluna que Daniel escreveu, pois eu cumpria a folga de Natal.
Daniel Piza no dia a dia
Daniel gostava de conversar. Por ser um cara muito culto e informado, eram sempre ótimos papos! Não éramos íntimos a ponto de abordar assuntos pessoais, mas sempre trocávamos ideias sobre a coluna, sobre o tema proposto e, muitas vezes, eu lhe perguntava se tinha alguma imagem em mente para a coluna da semana. Ele sempre confiou na minha interpretação e me deu carta branca para criar. Em vez de enviar o texto por e‑mail, coisa que raramente fazia, Daniel preferia levar o texto impresso até a minha mesa, e sempre fazia algum comentário sobre o assunto principal da coluna. Nessas ocasiões, eram também comuns as conversas sobre futebol, paixão que tínhamos em comum, embora fôssemos “rivais” – ele corintiano, eu palmeirense. Cheguei a jogar futebol com ele muitas vezes, nas peladas noturnas organizadas pelo pessoal da redação. Daniel tinha muito bom domínio de bola e vocação de artilheiro – mas, devo dizer, isso era facilitado pelo fato de jogar sempre “na banheira” [posição de impedimento].
Repercussão das ilustrações
É difícil falar sobre a repercussão das ilustrações, porque raramente eu tinha algum retorno do público sobre elas. De maneira geral, os leitores comentavam muito as colunas, mas eram raríssimos os comentários sobre as ilustrações. Lembro de um desenho, de um filho correndo em direção ao pai sentado no chão, que fiz para uma coluna sobre o dia dos pais, em que um leitor se declarou emocionado não só pelo texto, mas também pela imagem.
Filho correndo para o pai sentado no chão (Eduardo Baptistão)
Traços marcantes de Daniel Piza
Algumas colunas do Daniel eram escritas tão em primeira pessoa que me sugeriam usar a figura dele como personagem da ilustração. Mas, nessas ocasiões, eu optava por apenas sugerir o Daniel nos desenhos, sem me preocupar muito com a semelhança. No conjunto de ilustrações que fiz para a coluna ao longo do tempo, foram muitas em que o Daniel aparecia de alguma forma.
O que mais admirava no Daniel era a versatilidade e a produção caudalosa. Era notável a sua capacidade de escrever sobre qualquer assunto, do futebol à culinária, da arquitetura à religião, da política à ciência. E era notável também a quantidade absurda de colunas, reportagens, resenhas, artigos e livros que ele escrevia, assim como a quantidade de livros lidos, de shows, concertos, peças e filmes assistidos e de discos ouvidos para produzir às vezes uma única coluna! Eu sempre o usava como referência, pelo tanto que ele produziu em tão poucos anos de vida em comparação comigo, quatro anos mais velho e infinitamente menos produtivo. Mas eu acredito que ele era exceção e não parâmetro. Era, de fato, acima da média.
Veja abaixo as ilustrações criadas pelo Eduardo Baptistão de Daniel Piza:
O diretor inglês Peter Greenaway já vem divulgando desde a década de 80 a sua ideia de que o cinema morreu e em seus últimos projetos, como na trilogia As maletas de Tulse Luper, expande a experiência do cinema inicialmente limitado apenas às suas salas escuras. Devido a exploração mercadológica cada vez maior nesta indústria, é fácil que subprodutos de um longa sejam produzidos para tentar simular esta expansão, mas na verdade são somente pequenos extras ou um making of do que já foi feito, não mudando realmente a experiência cinematográfica em si. Ou seja, são apenas outros meios para conseguir mais dinheiro do consumidor.
É aí que está a grande diferença da graphic novelThe Fountain, escrita por Darren Aronofsky e ilustrada por Kent Williams, que foi lançada pelo selo Vertigo da DC Comics em 2005 e ainda é inédita no Brasil. Apesar de ter sido praticamente desenvolvida em paralelo ao filme A Fonte da Vida, lançado em 2006 e dirigido pelo próprio Aronofsky, ela foi criada de maneira completamente independente. A base dos dois é a sua história, mas as semelhanças praticamente acabam por aí. Temos em cada um desses projetos uma versão diferente do enredo inicial, que utilizam ao máximo todas as possibilidades da mídia na qual foi adaptada, respeitando a sua própria linguagem e estilo. Algo similar acontece quando uma adaptação de um livro para as telas não tenta reproduzir a experiência da leitura, mas sim criar algo novo utilizando a linguagem do cinema.
Tomás em busca da Árvore da Vida
Se você ainda não conhece a história principal, ela narra em três diferentes tempos a jornada de um mesmo personagem (Tomás, Tommy e Tom) em busca da imortalidade para poder ficar junto a sua amada. As três narrativas vão se alternando e uma é interdependente da outra, ou seja, é necessário que o personagem resolva a mesma questão nesses espaços diferentes de tempo para que ele possa finalmente concluir a sua própria história.
Darren Aronofsky
Este provavelmente ainda é o projeto mais ambicioso de Aronofsky — posição que talvez vai ser tomada pelo seu novo longa Noé, previsto para 2014 — e também foi o que mais dividiu o público, como ele mesmo comentou em uma entrevista. Isso não só pelo estilo narrativo e pela complexidade dos cenários e situações, algo parecido com que o recente A Viagem dirigido por Tom Tykwer e pelos irmãos Wachowski fez, mas também pelo seu tema principal: aceitar a morte, ou o fim, assim como as nossas próprias limitações como seres humanos.
Tom em direção a Xibalba
Por conta do seu alto custo, o projeto foi oficialmente encerrado em 2002, mas o diretor resolveu reescrever todo o roteiro para que ele deixasse de ser uma super produção e seguisse a mesma linha de filmes indie de baixo orçamento, que o mesmo havia feito até aquele momento.
Kent Williams
Logo no início das negociações do filme, Aronofsky sabia que este seria um projeto muito difícil, então ele e o produtor lutaram de antemão para que os direitos da graphic novel fossem garantidos de qualquer forma. Quando entrou em contato com a Vertigo, lhe indicaram o artista Kent Williams e, apesar de não o conhecer, cada vez que ia recebendo mais exemplos de seus trabalhos, ficava ainda mais empolgado com essa parceria. Depois de iniciado as produções, eles brincavam bastante a respeito de qual dos dois iriam terminar primeiro, o longa ou a HQ. Quase houve um empate, mas a graphic novel ficou pronta um ano antes do filme.
Capas da série lançada pela Editora Abril
Williams é um ilustrador americano que já trabalhou para várias editoras de quadrinhos, sendo responsável pelas artes do Wolverine na aclamada série Wolverine & Destrutor: Fusão, lançado aqui no Brasil em quatro edições pela Editora Abril no ano de 1989. Hoje em dia ele deixou um pouco as HQs de lado para se focar mais em suas pinturas, apesar de ter admitido em uma entrevista que está trabalhando em um quadrinho autoral, mas que não tem prazo para terminar. Se você tiver interesse, pode acompanhar seus trabalhos mais recentes neste blog ou em seu site oficial.
Em The Fountain foi possível realizar graficamente todos os detalhes do enredo, que em outra mídia como o cinema, provavelmente seria financeiramente impossível. Este é na real é um dos grandes trunfos de uma história em quadrinho, em um desenho pode-se criar tudo que se imagina e até coisas que são impossíveis de existir. M.C. Escher era, por exemplo, um especialista nesta área, sem ficar se preocupando muito com orçamentos. Isso vale também no quesito de sair do pudor hollywoodiano, nos desenhos não é preciso lidar com a limitação dos estúdios e dos próprios atores. Por exemplo, os personagens da HQ estão completamente nus dentro da bolha, enquanto no filme estão vestidos dos pés á cabeça.
Tommy em busca da cura do câncer
No começo, os desenhos de Williams podem gerar um certo estranhamento, pois ele varia bastante o estilo ao longo da história. Os traços vão desde somente alguns contornos, parecendo um pouco com rascunhos, à páginas completamente coloridas até nos mínimos detalhes. Além dessa grande variação de detalhamento e cor, que cria uma personalidade muito interessante nos desenhos, se nota uma clara separação entre os três diferentes tempos que a história se passa, tanto pela divisão gráfica dos quadros e suas cores determinantes, quanto pela cor utilizada no fundo para preencher o espaço vazio.
O uso de somente duas fontes nos textos, uma para os diálogos e outra para narração, acaba quebrando um pouco toda essa diversidade dos desenhos, mas consegue assim manter uma experiência de leitura bem agradável. É interessante também notar que algumas legendas no início são descrições de sons ou estados dos personagens naquele quadro, como se fosse um roteiro para o filme, mas que durante o desenvolver da história assume uma linguagem mais característica dos quadrinhos.
Tom começando a aceitar o seu destino
Pode-se até pensar que The Fountain poderia ser algo como uma “versão do diretor” do longa, mas isto seria equivocado. Também está longe de ser um storyboard do mesmo. Como mencionei anteriormente, ela é uma experiência completamente diferente do filme, sendo uma nova interpretação ao invés de apenas mais uma repetição do que você já viu nas telas. Alguns talvez até podem afirmar que esta HQ é algo mais para um fã do longa ou do diretor. Não posso discordar desta afirmação, mas acredito que a mesma sobrevive tranquilamente como uma obra independente e única no mundo das graphic novels.
Como a HQ ainda é inédita aqui no Brasil, é possível comprá-la em inglês no site de livrarias como a Saraiva e a Cultura. Se você já comprou ou pretende comprar, uma experiência que pode ser bem interessante é a leitura dela junto com a trilha sonora do filme criada por Clint Mansell, que é simplesmente sensacional.
por Keith Phipps, 18/12/2008, traduzido exclusivamente com permissão do The Onion.
O filme de estréia de Darren Aronofsky, Pi (1998) , provou seu poder de criar imagens cativantes e uma história atrativa com pouco dinheiro. A partir daí, seus orçamentos aumentaram, mas o foco continuou firme, e ele realizou mais dois filmes provocadores – a bem recebida adaptação do livro de Hubert Selby sobre as profundezas do vício, Réquiem para um Sonho (2000), e o menos bem recebido Fonte da Vida (2006), uma história entrelaçada de amor e morte rejeitada pelo público e por vários críticos, mas adorada por um crescente público cult. Trabalhando a partir de um roteiro de Rob Siegel (um antigo editor do Onion e – confissão – amigo do autor desta entrevista), O Lutador (2008) mostra Aronofsky voltando a um estilo ainda mais rigoroso do que o de sua estréia para explorar o mundo de um lutador profissional (um revelador Mickey Rourke) lidando com a possibilidade latente de que seus melhores dias já passaram. Logo depois de ganhar o Leão de Ouro no Festival de Veneza, Aronofsky conversou com o The A.V. Club sobre a linguagem secreta dos lutadores, como fazer o público levar o wrestling a sério e sobre dirigir seus próprios pais.
Onde fica o mundo real – dentro do ringue ou fora do ringue?
Da última vez que conversamos, você estava pronto para dirigir cerca de oito filmes diferentes. Por que este?
Eu passei quase um ano e meio fazendo pós-produção técnica em Fonte da Vida. Apesar de eu gostar do processo, acho que minha parte predileta de fazer filmes são os atores. Eu queria fazer algo que só tivesse a ver com as atuações, com bem poucos efeitos especiais. Eu dei uma olhada em todos os projetos que estávamos desenvolvendo e O Lutador com Rob [Siegel] estava bem adiantado, então nós começamos a concentrar todas as nossas atenções naquela direção.
Sendo o wrestling profissional um fenômeno tão grande, deve ter –
Bom, nunca houve um filme sério, eu diria, não que eu saiba. Anos atrás, quando eu me formei em cinema, eu escrevi uma lista de filmes possíveis, e um deles era chamado O Lutador. Existem tantos filmes de boxe que já chega a ser um gênero, mas ninguém tinha feito um filme de verdade sobre o wrestling. À medida que comecei a acompanhar aquele universo, pude perceber quão único ele era.
Parte do problema é que, com o boxe, há uma dúvida sobre qual vai ser o resultado, quem vai ganhar. Mas é diferente no wrestling. Que tipo de dificuldades isso trouxe?
Foi um desafio, no sentido de fazer uma luta no fim do filme que não dissesse respeito ao resultado como competição atlética, mas sim como consequência de uma decisão pessoal. Então esse foi um desafio complicado – e, também, como retratar algo que as pessoas percebem como falso e, basicamente, rejeitam. Como fazer uma investigação sincera desse mundo?
Então, como você fez?
Eu acho que o limite do que é verdadeiro e falso tornou-se um grande tema quando Rob e eu falávamos a respeito do filme logo no início, porque há esta ideia de “Onde fica o mundo real – dentro do ringue ou fora do ringue?” Essa foi a principal razão do Rob ter lutado para manter a stripper no filme. Eu estava disposto a mudar, porque, um filme independente com uma stripper… me deixava nervoso. Mas quanto mais a gente pensava a respeito, mais a gente percebia que as ligações entre a stripper e o lutador eram realmente significativas. Ambos usam nomes falsos, ambos vestem fantasias, ambos encantam um público e criam uma fantasia para esse público, e ambos usam seus corpos como sua arte, então o tempo é o seu maior inimigo.
Você pesquisou sobre o destino de lutadores e strippers depois que a idade acabou com suas carreiras?
Bom, strippers de idade… a gente não fez essa pesquisa. [Risos.] Mas era claro o que acontece com elas. Lutadores mais velhos, por muitos deles terem tido grande fama em algum ponto, continuam suas carreiras. Nós nos reunimos com vários dos grandes caras mais velhos, desde Greg “The Hammer” Valentine a Nikolai Volkoff, Superfly Snuka a Tony Atlas. Nós falamos com vários desses caras, tivemos longas conversas a respeito disso.
O filme todo acontece praticamente neste mundo onde as pessoas ou estão em ascensão ou em declínio. É um mundo que muitas pessoas nem sabem existir. Qual foi a coisa mais surpreendente que você descobriu ao observá-lo?
Há várias coisas singulares e interessantes – a fraternidade entre os lutadores, a rede de suporte. O fato de que eles falam seu próprio idioma, que é cheio de expressões “circenses”, o que me faz pensar que o wrestling provavelmente veio do negócio do “circo”, algo no estilo “Assista dois fortões lutando”. Eles chamam a audiência de “os alvos”, chamam a luta de “o espetáculo”. Eles têm tantas expressões que só fazem parte do seu próprio dialeto secreto. Até o jeito que lutam quando estão no ringue – fazendo sinais com as mãos uns pros outros ou dando tapinhas pra avisar o outro quando está na hora de entregar a luta. É um mundo muito complicado que vem de anos e anos de homens entretendo as massas.
Os anos 90 foram do ecstasy, os 80 dos yuppies. Havia toda aquela cultura do ecstasy. As pessoas se divertiam bastante nos anos 90.
E ele costuma ser retratado como um mundo basicamente sem rivalidade fora do palco. Isso é simplificar demais?
Tenho certeza que sim. Definitivamente existem caras que não são populares porque batem um tanto forte demais quando estão no ringue, eles chamam esse estilo de “stiff” (durão). Também há vários brincalhões no negócio, há sempre vários trotes sendo aplicados, e havia algumas cenas disso tudo que acabaram sendo cortadas do filme. Mas eu não acho que qualquer tipo de rivalidade seria proporcional às rivalidades dentro do ringue, se é isso que você está perguntando. Eles têm suas próprias políticas, com certeza.
Necro Butcher
Há uma cena memorável com uma luta absolutamente brutal. O que você acha que atrai a audiência ao se ter algo tão violento num evento de wrestling?
É um fenômeno interessante. Quero dizer, é inacreditável. O nível de brutalidade do filme não é nada perto do tipo de coisa que realmente acontece. O cara com quem Mickey Rourke luta naquela cena se chama Necro Butcher, que interpreta ele mesmo. So você for até o YouTube e procurar por “Necro Butcher”, você vai ver coisas mais hardcore do que qualquer coisa que a gente apresenta. Eu tenho teorias sobre a psicologia de porque essas pessoas têm prazer com isso, mas eu acho que entendo como tudo evoluiu.
Quando o WWF se tornou o WWE e basicamente admitiu que o wrestling era entretenimento e não esporte, praticamente todo mundo desistiu da ilusão de que aquilo era real, que não era encenado. O público que assiste ao wrestling sabe que ele é encenado, mas ainda meio que se deixa levar pela sua dramaticidade. A coisa que os emociona é quando esses caras arriscam sua saúde e suas vidas. Mesmo em eventos menos hardcore, eles ficam impressionados quando os caras dão aqueles saltos e giros malucos. No mundo hardcore, a coisa vai mais além, e as pessoas esperam que esses caras se machuquem para o seu entretenimento. Eu não acho que eles queiram que alguém morra, mas de alguma forma eles sentem prazer em saber que os caras estão se machucando de verdade. Eu acho que é uma competição direta com o que o MMA vem fazendo. É um jeito de manter o wrestling como um esporte sangrento, basicamente. Que tal a minha psicologia pop? [Risos.] Eu acho que é daí que tudo se origina, mas não tenho certeza.
Você mudou radicalmente seu estilo a cada filme. Por que tantas mudanças radicais?
Bem, eu tenho brincado que, se a Madonna nos ensinou alguma coisa, é que você precisa se reinventar. Eu acho que é importante, como diretor, ou qualquer pessoa trabalhando com arte, que você tente coisas novas, desafie-se e se arrisque. Eu tentei me arriscar em cada filme que fiz – nunca fiz do jeito fácil, e acho que é porque o que me anima é pôr uma montanha tão grande quanto eu puder na minha frente e fazer o possível para escalá-la.
Obviamente houve algumas desvantagens ao trabalhar com um orçamento tão pequeno e com uma proposta de câmera na mão, mas quais foram algumas das vantagens que você teve? Eu achei todo o processo de fazer esse filme bastante empolgante e divertido porque ele foi incrivelmente naturalista. O filme inteiro é muito naturalista, mas, especialmente na execução, nós tentamos mantê-lo tão naturalista quanto possível. Então, ao invés de montar a iluminação por horas, nós montávamos tudo em cinco minutos, mudando algumas lâmpadas, colocando algumas cortinas nas janelas, e seguíamos em frente. Geralmente eu falo sobre como minha linguagem visual vem da história – a história lhe diz como fotografar um filme. Para este filme, ela veio do meu ator, e eu sabia que Mickey gostava de liberdade. Então eu tentei criar um playground completamente sem limites pra ele, pra que ele pudesse basicamente sair do trailer e andar 20 quadras se fosse isso o que ele quisesse fazer. É pra isso que nós estávamos prontos. Eu contratei uma cinegrafista que fez vários filmes narrativos, mas também muitos documentários naturais, Maryse Alberti. Eu contratei um designer de produção [Tim Grimes] que me conseguiu ótimas locações pra trabalhar. A gente fez coisas como gravar em eventos de verdade com fãs de wrestling de verdade e com lutadores de verdade. Todo mundo com quem Mickey lutou era profissional. A gente frequentava as arquibancadas. Aquela cena onde Mickey está assistindo a uma luta, ela termina e todo mundo está no camarim, e eu disse, “Mickey, vai pro camarim”, e a gente só pôs a câmera nas costas e foi atrás dele, improvisamos completamente aquela cena. Na cena da mercearia, metade daqueles clientes eram pessoas reais, não atores. Na verdade, uma hora o gerente veio me pedir, “Ei, você pode pedir pro Mickey escrever um pouco melhor?” Eu fiquei, tipo, “Do que você tá falando?” E ele disse, “Bom, ele tá dando coisas pras pessoas, e os preços que ele escreve – quando elas olham, elas não conseguem entender a letra dele”. Mickey não sabia quanto custava o quilo de nada! Ele só escrevia, e eles saíam com aquilo! Então era uma loucura. Foi muito divertido poder trabalhar nessa velocidade de pega-a-câmera-e-grava.
Ele treinou muito para as cenas da mercearia?
Ele odiou as cenas da mercearia. Ele não queria estar lá de jeito nenhum, então ele meio que se virou.
Eu sinceramente senti como se pudesse assistir a uma hora daquilo.
[Risos.] Ainda temos mais material.
Os clientes de sobrenome “Aronofsky” eram os seus pais?
Sim, eles estavam lá.
Como foi dirigir seus pais?
“Mãe, grita mais alto! Não, grita de verdade! Não, grita, mãe!” É divertido e eles gostaram pra caramba, então eu fico feliz de ter eles por perto.
Deixar Rourke ter liberdade chegou a atrapalhar o filme?
Se atrapalhou, foi cortado. [Risos.] Eu sou bastante brutal na sala de edição. Geralmente, se alguma coisa não está funcionando, cai fora. Mas, ao mesmo tempo, às vezes ele faz alguma coisa incrível, mas vai ficar um pouquinho fora de tom porque é demais, de um jeito ou de outro. Então é só o trabalho de editar, uma vez que você tem todo o material, de cortar tudo isso fora.
O público que assiste ao wrestling sabe que ele é encenado, mas ainda meio que se deixa levar pela sua dramaticidade. A coisa que os emociona é quando esses caras arriscam sua saúde e suas vidas.
Mickey Rourke
Você acompanhou a carreira de Mickey Rourke antes? Como foi a sua experiência em crescer nos anos 80 e 90 assistindo Rourke?
Eu era um tremendo fã no fim dos anos 80, começo dos 90. E provavelmente foi por isso que o escalei, porque eu era um grande fã imaginando o que teria acontecido com ele.
Quais atuações em particular?
Coração Satânico era um dos meus filmes favoritos. E, é claro, Barfly – Condenados pelo Vício. Eu semprei achei que ele estava espetacular nesses filmes. Eu lembro de assistir a Barfly, e então vê-lo ser indicado naquele ano [ao Oscar de] Melhor Ator, porque ele nunca tinha sido indicado. Eu fiquei atordoado. Aquela atuação é tão marcante.
Quem ganhou naquele ano?
Eu não sei. Infelizmente, foi um ano forte. As outras cinco atuações… Bull Durham ou alguém assim, eu não sei. Foi um bom ano, aquele. [Foi 1987. Michael Douglas ganhou Melhor Ator por Wall Street – Poder e Cobiça, desbancando William Hurt, Marcello Mastroianni, Jack Nicholson e Robin Williams.]
Falando de Bull Durham, essas ligas de wrestling são parecidas com as segundas divisões de outros esportes.
Sim, definitivamente. É exatamente isso. São caras que não são bons o suficiente para estarem no WWE. Hoje em dia, é o WWE e o resto. E o resto é um punhado de eventos pequenos, o maior deles o Ring of Honor, que é a nossa última luta no ROH. Esse é o maior evento fora do WWE. E nós pudemos trabalhar com eles, porque eles precisam de toda exposição que conseguirem, e são vistos como mais fiéis ao wrestling. Nós trabalhamos com três eventos. O outro foi o evento mais hardcore do mundo.
Há uma cena onde Rourke e Marisa Tomei falam sobre Kurt Cobain e como os anos 90 foram horríveis, e os anos 90 como a morte da diversão. Tem algo a ver com a idade deles ou eles tem alguma outra razão?
[Risos.] Bom, Rob escreveu esses diálogos. Havia muito mais diálogos que eram ainda mais engraçados, mas eles não funcionaram – os atores sofreram com eles. Mas, de qualquer forma, Rob escreveu isso. Vou te dizer, fica muito engraçado no filme. Nas poucas vezes em que ele foi exibido, as pessoas amaram. Acho que cutucou algo. Eu não acho que é só a inversão de papéis ao colocar Kurt como o vilão da história, que é uma visão pouco comum da coisa toda. Os anos 90 foram uma festa, quero dizer, talvez definitivamente não para aquele movimento grunge, mas as pessoas estavam fazendo muito mais festa nos anos 90 do que nos anos 80. Você não acha? Os anos 90 foram do ecstasy, os 80 dos yuppies. Havia toda aquela cultura do ecstasy. As pessoas se divertiam bastante nos anos 90.
Sentir dor é o que nos faz sentir mais vivos!
Todas as deixas musicais estão ligadas ao glam metal dos anos 80. O que faz wrestling e glam metal combinarem tanto?
[Risos.] Tudo isso veio do Rob. Você precisa saber que ele é um grande fã de glam metal. A gente sentava lá e ele me contava dessas bandas. Eu dizia, “Rob, eu preciso colocar essa música agora – preciso escolher entre Scorpions, blábláblá e Accept, qual eu escolho?” E ele, “Scorpions!” Então eu acho que ele fez essa ligação muito bem, essas épocas se sobrepunham. À medida que o filme começou a tomar forma, percebemos quão divertido e empolgante ele seria. Era uma delícia tentar percorrer toda aquela música e escolher aquela certa para cada momento, da música do Cinderella no início a “Balls to the Wall” no final.
Como os fãs e os lutadores receberam o filme?
Eu vou mostrá-lo logo para Vince [McMahon, presidente do WWE], então estou muito animado com isso; provavelmente irei até lá em algumas semanas. Mas, por enquanto – basicamente ele só esteve em festivais, e os únicos lutadores que o assistiram foram os que nos ajudaram no filme – eles acham que mostramos bastante respeito pelo ofício. Quanto a Mickey, eles dizem que não há um só lutador no mundo todo que pensaria que ele não sabe lutar, e que ele é melhor que provavelmente 80% dos caras por aí. Mickey ficou feliz em ouvir isso.
Mas eu ando muito curioso para saber o que os veteranos vão achar. Quando eu ganhei o Leão de Ouro, eu dediquei o filme a todos os lutadores, já que eu meio que compartilhei suas histórias. Eles são uma classe única. Eles não são organizados, não têm aposentadoria, não tem plano de saúde, vários deles estão tragicamente morrendo muito jovens. Eu falava com Mickey, “Por que não há lutadores no SAG?” Se você pensar a respeito, o Screen Actor Guild [espécie de sindicato de atores estadunidense] deveria organizá-los. Eu não deveria deixar Vince ouvir isso. Mas eles estão representando diante de câmeras, e até dublês fazem parte do SAG.
A primeira vez que lhe entrevistamos, depois de Pi, você imediatamente expressou interesse em trabalhar num grande filme de Hollywood. Robocop será esse filme?
Espero que sim. Eu fico chegando perto, mas aí surge a oportunidade de fazer algo sobre o qual eu praticamente vou ter controle completo. Então é uma oportunidade difícil de deixar passar, e aquele filme grande ainda não apareceu na hora certa. Eu gostei da minha colaboração com Hollywood em Fonte da Vida. Você encontra muita gente esperta com muita experiência em filmes, e você pode conseguir muito a partir daí, então eu estou esperando a chance pra que aconteça. Robocop ainda não tem um roteiro. Espero que acabe sendo um grande roteiro e que nós possamos fazê-lo.
Você acha que Fonte da Vida encontrou uma segunda audiência neste ponto?
Ah, certamente existe uma audiência para Fonte da Vida. Eu diria que fica numa proporção de 30/70, só 30% das pessoas realmente entendem, e esse tipo de gente já viu ele algumas vezes. A realidade é que é complicado fazer um filme comercial sobre aceitar a morte. Muita gente quer ver pessoas sendo mortas, não uma visão metafísica da morte, então ele vai levar tempo até encontrar pessoas que estejam abertas a ele, e sempre vai haver gente que não está disposta sob nenhuma circunstância a experimentar aquilo. É o meu melhor trabalho, e o resultado final é o filme que eu queria fazer, e sinto muito orgulho dele. Minha intenção está toda lá.
Então, mais psicologia pop para você: Por que as pessoas querem assistir wrestling e violência, mas não lidar com um filme que tem a ver com a morte?
Bom, é estranho, porque há um tema em O Lutador que é muito similar ao tema de Fonte da Vida. [O personagem de Rourke] aceita quem ele é e tem um tipo de mergulho no final parecido com [o de] Fonte da Vida. Eu acho que, no fim das contas, o wrestling não passa de uma extensão da luta gladiatória, porém mais cívica no sentido de que as pessoas não estão sendo mortas. É tirar toda a dinâmica do bem contra o mal, mas, além disso, há todo o elemento masoquista do wrestling. Por que as pessoas gostam de assistir alguém encarando a morte e a dor, é, eu acho… Caramba, eu não sei, provavelmente há mais um bilhão de razões, mas eu acho que uma parte disso tudo é testemunhar outras pessoas passando por aquilo. Você pode sentir empatia, e isso faz você se sentir mais vivo, porque sentir dor é uma das coisas que nos faz sentir mais vivos. Aqui está a sua citação, “Sentir dor é o que nos faz sentir mais vivos!” [Risos.]