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  • A Pequena Sereia (2011), de Nicholas Humphries | Curta

    A Pequena Sereia (2011), de Nicholas Humphries | Curta

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    No con­to “O pescador e sua alma”, o escritor irlandês Oscar Wilde nar­ra a dramáti­ca história de amor entre seres de dois mun­dos dis­tin­tos: de um lado, o homem da ter­ra que, con­sum­i­do pela paixão, é capaz de abdicar da própria alma. Do out­ro, a encan­ta­do­ra sereia, figu­ra mitológ­i­ca que per­tence ao mar. Depois de infini­tos per­calços e dores, o apaixon­a­do pescador encon­tra a redenção através do amor.

    Hans Chris­t­ian Ander­sen, famoso cri­ador de con­tos de fadas, tam­bém abor­dou a figu­ra da sereia, apresentando‑a como uma criatu­ra que ama e sofre em dos­es cav­alares. Anos depois, adoçan­do con­sid­er­av­el­mente a história, os estú­dios Dis­ney imor­talizaram – e recri­aram — a per­son­agem de Ander­sen com o filme “A Peque­na Sereia”, em que a jovem prince­sa Ariel, rui­va, espir­i­tu­osa e trav­es­sa, vive queren­do desco­brir como é a vida fora do mar. Ela se apaixona per­di­da­mente por um príncipe humano e seus prob­le­mas começam.

    pequena-sereia-nicholas-humphries-posterEm 2011, a peque­na sereia ressurge sem enre­dos de amor; pelo con­trário, ela é a atração macabra de um freak show circense coman­da­do por um sujeito com aparên­cia de Mági­co de Oz. Esse é o pano de fun­do de “A Peque­na Sereia” (orig­i­nal The Lit­tle Mer­maid), cur­ta-metragem do dire­tor Nicholas Humphries em parce­ria com a roteirista Mea­gan Hotz, auto­ra da versão.

    As cenas ini­ci­ais do cur­ta car­regam nos­so imag­inário para den­tro de um pân­tano aban­don­a­do, salpic­a­do por luzes que bal­ançam como pên­du­los em meio à névoa. Uma sen­sação mias­máti­ca de hor­ror e podridão começa a per­cor­rer os olhos e descer até à gar­gan­ta. Pás­saros sobrevoam o lugar, pas­san­do como bólide pela ten­da do cir­co de hor­rores ergui­da no meio do nada.

    Den­tro do anfiteatro em ruí­nas, uma dúzia de almas curiosas obser­vam os movi­men­tos de uma sereia den­tro da dimin­u­ta ban­heira em que se encon­tra. Ao con­trário da beleza eston­teante imor­tal­iza­da pelos con­tos de fadas, a sereia do cir­co é uma criatu­ra híbri­da: car­ac­terís­ti­cas humanas se mis­tu­ram a ele­men­tos mar­in­hos, como cau­da e esca­mas. No lugar do ros­to par­nasiano, uma sequên­cia de cortes que lem­bram guelras.

    Diante da peque­na plateia, con­sti­tuí­da essen­cial­mente de tra­bal­hadores e pes­soas sim­ples, o sádi­co dire­tor do cir­co lança a semente da vio­lên­cia, bru­tal­izan­do e ridic­u­lar­izan­do a sereia. Um dos ele­men­tos mais inter­es­santes do cur­ta é a ausên­cia com­ple­ta de falas: todos os “diál­o­gos” são real­iza­dos por meio de ima­gens visuais e comu­ni­cação cor­po­ral — no caso da sereia, o olhar sig­ni­fica­ti­vo gri­ta sozinho.

    Diante da fal­ta de com­paixão do homem que a man­tém pri­sioneira e da dor de ter seu coração esma­ga­do pela indifer­ença, a sereia pre­cisa desco­brir uma for­ma de livrar-se dos con­stantes abu­sos, agar­ran­do-se à ideia de liberdade.

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    No filme, o tom sépia enfa­ti­za a nos­tal­gia quente, refleti­da em um ambi­ente arru­ina­do, mas que con­tin­ua des­per­tan­do inter­esse por con­ta da ten­tação humana em absorv­er o bizarro. Out­ro pon­to que merece destaque – tam­bém pelo uso do sépia — é a aura de sen­su­al­i­dade que bro­ta do descon­heci­do. A len­da do hip­nóti­co can­to da sereia tam­bém está pre­sente no cur­ta e tem sua primeira aparição escon­di­da em uma cena. No momen­to em que o espec­ta­dor a encon­tra, ele con­segue dialog­ar com a criatu­ra do mar.

    Dire­cio­nan­do o olhar para o ter­ror fan­tás­ti­co, Nicholas Humphries investe em efeitos visuais (luz, maquiagem e edição são pri­morosos) e na cri­ação de uma atmos­fera imag­i­na­ti­va e neb­u­losa. Para os fãs do escritor Stephen King e de séries como Amer­i­can Hor­ror Sto­ry, o cur­ta “A Peque­na Sereia” é um ver­dadeiro banquete.

    Assista o cur­ta “A Peque­na Sereia” abaixo:

    http://vimeo.com/27233664

     

  • Crítica: Help Me Eros

    Crítica: Help Me Eros

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    Lee Kang-shen é discípulo/protegido do cineas­ta Tsai Ming Liang (mais con­heci­do aqui por ter dirigi­do O Sabor da Melan­cia – um de seus tra­bal­hos mais fra­cos, aliás), ten­do apare­ci­do em todos os filmes do mes­mo. Dev­i­do a isto, não é de se estran­har semel­hanças e influên­cias de Tsai nes­ta segun­da incursão de Lee à direção, Help Me Eros (Bang bang wo ai shen, Tai­wan, 2007), como as tomadas lon­gas e estáti­cas e, mais evi­dente, a exper­i­men­tação com a sex­u­al­i­dade dos personagens.

    Como é comum nesse tipo de cin­e­ma avant garde asiáti­co, em momen­to algum somos intro­duzi­dos com clareza aos per­son­agens e somos força­dos a “deduzir” o papel de cada um den­tro da história. Jie (inter­pre­ta­do pelo próprio Lee) é um recém-demi­ti­do nego­ciante da bol­sa de val­ores fali­do, que cui­da de sua plan­tação caseira de cannabis, vende os obje­tos da casa para se sus­ten­tar e liga para uma espé­cie de Cen­tro de Val­oriza­ção da Vida tai­wanês, onde é comu­mente aten­di­do por Chyi. Jie anseia por mais con­ta­to com Chyi, ide­al­izan­do a mul­her de seus son­hos, enquan­to Chyi, com­plex­a­da por causa de seu peso, ape­sar de demon­strar cer­tos sen­ti­men­tos por Jie, ten­ta evi­tar o con­ta­to real.

    E Shin, a out­ra per­son­agem cen­tral da história, é uma vende­do­ra de nozes e cig­a­r­ros que tra­bal­ha semi­nua em um quiosque em frente ao aparta­men­to de Jie (aparente­mente, é uma profis­são tradi­cional em Tai­wan e as moças são chamadas de betel nut beau­ties). Shin e Jie se envolvem e sua primeira noite jun­tos cul­mi­na em uma absur­da cena de sexo (que acabou se tor­nan­do a imagem mais con­heci­da do Help Me Eros), bem à esco­la de Tsai Ming Liang.

    Mais cenas absur­das se suce­dem, até ser­mos mel­hor apre­sen­ta­dos à Chyi, aos prob­le­mas que ela enfrenta em seu casa­men­to e às razões que a levaram a engor­dar. Cer­ta cena dela em uma ban­heira, sobre os seus prob­le­mas con­si­go mes­ma, acabou se tor­nan­do icôni­ca, de tão inter­es­sante que ficou.

    Help Me Eros ter­mi­na da for­ma como se mostrou o tem­po todo: incon­clu­si­vo. Defin­i­ti­va­mente, um filme de difí­cil digestão. O tra­bal­ho de Lee na direção é inegavel­mente com­pe­tente, o que fica evi­dente na lin­da cena que fecha o filme. Ape­sar do dire­tor ain­da neces­si­tar bus­car uma iden­ti­dade própria, seus per­son­agens são con­vin­centes em suas aparentes super­fi­cial­i­dades, con­for­ma­dos com suas vidas miseráveis.

    Mas, mes­mo para os acos­tu­ma­dos aos exer­cí­cios do bizarro comuns ao cin­e­ma asiáti­co, a sen­sação que fica após Help Me Eros é, como o filme, incon­clu­si­va. Não há indi­cações conc­re­tas de quais serão os des­ti­nos dos prin­ci­pais per­son­agens, sequer há indi­cações conc­re­tas do que real­mente acon­te­ceu com os mes­mos. E não sabe­mos o que mais podemos extrair.

    É real­mente difí­cil deter­mi­nar se assi­s­tir a Help Me Eros é uma exper­iên­cia boa ou ruim, mas, sem dúvi­da, é válida.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=Zg0ib1ryCl4