Neste Dia Internacional da Mulher, nada melhor do que uma entrevista com a curitibana, ilustradora, designer e cartunista, Pryscila Vieira. Apaixonada por humor gráfico, Pryscila é criadora da personagem Amely, a cativante boneca inflável que aparece toda terça-feira no jornal Folha de São Paulo.
Pryscila começou cedo sua carreira pouco comum entre as mulheres. Aos 14 anos já era chargista de um jornal de Curitiba. Em 1996 ingressou na faculdade de Design da PUC-PR, concluindo o curso em 1999.
Ganhou o primeiro lugar no Salão de Humor Universitário de Piracicaba, bem como nos dois anos seguintes. Em 1998 coordenou a Bienal de Humor do Mercosul, com os principais nomes do humor gráfico. Esta exposição itinerante passou pelas principais cidades do Brasil, Paraguai e Argentina. Na sequência, ilustrou as páginas da Gazeta do Povo, onde permaneceu durante quatro anos. Atualmente, torce para que os leitores não façam contas com datas citadas a fim de descobrir sua idade, não revelada nem com tortuosas cócegas nos pés.
Confira abaixo a entrevista com a cartunista que completa esse ano, duas décadas de carreira.
Como e quando começou o seu envolvimento com o desenho?
Tenho uma história comum entre vários cartunistas: desenho desde criancinha. E continuo com idade mental de 10 anos. Só que eu desenhava melhor aos dez anos… Eu acho. Meus familiares adoravam que eu desenhasse quando criança, porque assim ficava “quieta”. Minha mãe olhava para meus desenhos e achava tudo lindo. Meu pai ao contrário, sempre achava um defeito. Por causa da minha mãe me achava o máximo, mas ia logo cair na real com a crítica contundente de meu pai.
A partir do momento que quis seguir carreira profissional, ficaram preocupados com meu futuro. Não tinham sequer ideia das infinitas possibilidades que um desenhista pode optar ao longo de sua carreira. Na verdade, nem eu tinha. Segui instintos.
Gostaria que falasse um pouco do seu cotidiano como cartunista. Como funciona o ”processo de criação” das tirinhas, ideias novas, inspiração,etc.
Gosto de saber sobre o comportamento humano. Faço isso com análise crítica e muitas vezes impiedosa. É dever do cartunista ter um ponto de vista diferenciado de qualquer outra pessoa e expressá-lo de maneira contundente, mas sutil. Difícil é encontrar a dose exata de impiedade e delicadeza.
Já o trabalho de execução não tem glamour nenhum. É a entrega de um produto todos os dias. Se eu tenho que mandar uma tirinha diária para um jornal até as seis da tarde, basta pensar, desenhar e enviar. Não tem aquela luz divina, não tem momento de inspiração, não tem estrelinhas tilintando ao redor de quem cria.
Fazer tirinha baseia-se em ter a personalidade de um amiguinho imaginário no seu controle. A partir daí é só deitar por cinco minutos, fechar o texto e ir para o computador. Às vezes esbarro na preguiça e fecho os olhos por mais umas horas. Mas juro que é sem querer.
Na sua opinião, quais os problemas enfrentados para publicação de quadrinhos em Curitiba?
Curitiba é um celeiro de novos talentos nos quadrinhos, principalmente os de humor. Mas mesmo assim, ainda é valida a premissa de que ‘santo de casa não faz milagre’ então, deve-se publicar fora de Curitiba, para ser valorizado em Curitiba.
Mas os órgãos vitais de produção cultural ainda estão baseados em São Paulo e no Rio de Janeiro. Qualquer autor que queira publicar e fazer sucesso deve avaliar a possibilidade de publicação nesse eixo.
Em 2011 Curitiba passou a investir mais nos quadrinhos, organizando um dos melhores eventos da área, que foi a Gibicon. Um sucesso! E em 2012 tem mais. Isso acabou um pouco com aquela sensação de que a cidade pegava carona no sucesso avaliado e garantido por ‘mentores culturais’ de SP e RJ. Temos novos talentos e com a Gibicon, podemos projetá-los.
O que você acha do repertório nacional de quadrinhos?
Posso avaliar apenas os quadrinhos de humor. E gosto da produção nacional deles. Só acho que os cartunistas têm que fugir da forma enlatada de desenhar. Para isso, devem procurar meios mais criativos de execução do desenho, que não seja apenas usar os modos básicos do Photoshop. Acho que deve haver uma redescoberta do trabalho gráfico do cartunista. Todos os desenhos têm me parecido iguais. Com os adventos da internet, muitos procuram inspiração fácil, o que torna a produção visualmente repetitiva e entediante.
Já os roteiros estão cada vez melhores, mais ágeis, talvez por conta também da internet e da disseminação do humor por programas de TV e popularização de shows stand up comedy.
Para você, qual a marca do seu trabalho que a diferencia de outros (as) cartunistas?
Acho que vem da criação de um personagem que deve manter um discurso uniforme. O personagem é inigualável, único. Eu corro o risco de ter um discurso coincidente com outro profissional de humor, se não estiver ancorada num personagem. Se tiver, a piada passa a ser dele e não mais de uso comum. O personagem é que faz o cartunista, não o contrário.
Quais as influências (cartunistas, quadrinistas, chargistas, etc) no seu trabalho? Tem admiração por algum profissional em especial?
Gosto da obra de muitos cartunistas. Mas se for para ir para uma ilha deserta com um cartunista (a obra!) seria o Ziraldo, dono do estilo de comunicação mais fluido que conheço. Fala com criança, com adulto, com idoso, com todo mundo com a mesma maestria. Seus desenhos estupendos são a personificação de suas ideias finamente arquitetadas com equilíbrio calculado entre razão e a mais doce inteligência emocional. Dizer que Ziraldo é um cartunista, um escritor, um artista… isso tudo seria limitar um dos maiores criadores de nosso tempo a um simples desígnio do que insuficientes palavras alcançam. Amém.
Quando e como você começou a perceber a sua predileção pelo humor gráfico?
É tão intrínseco ao meu ser, que sequer consigo pontuar o início. Talvez meu líquido amniótico tenha sido nanquim.
Como surgiu a ideia de criar a tirinha Amely? Fale um pouco da personagem.
Amely é uma boneca inflável que foi batizada sob esta graça por conta do samba de Mário Lago intitulado “Ai que saudades da Amélia”. A tal Amélia deixava saudades por ser uma mulher de verdade, ou seja, um exemplo de resignação feminina. Só que Amely destrói o mito de que a “mulher de verdade” deve se anular em prol do seu parceiro. Amely chega por encomenda à casa de seu comprador com dois grandes e irreversíveis “defeitos de fabricação” segundo o publico masculino: o primeiro é que ela pensa. O segundo defeito é que ela fala… e muito!Isto a transpõe do patamar de “mulher inflável” para o de “mulher infalível”.
Amely torna-se “a mulher de verdade”. Adquire vontade, iniciativa e independência apesar de seus “proprietários” não esperarem nada dela além do que um objeto sexual proporciona. Os quadrinhos da Amely tratam dos sentimentos e pensamentos de alguém que não esperamos que os tenha, muito menos que os expresse tão veementemente. Infelizmente no mundo machista que vivemos, algumas mulheres ainda se deparam com situações semelhantes na sociedade e no mercado de trabalho.
Além de Amely, ainda há outro personagem nas tirinhas, que interpreta o comprador da boneca. Ele resolve adquirir uma mulher inflável exatamente porque desistiu de tentar compreender as mulheres de verdade. O comprador tem a esperança de que Amely será uma mulher perfeita, visto que não tem vontade própria, logo não tentará julgá-lo. E tudo isso por um preço módico! Mas a solução perfeita para sua crise dura pouco. Para seu desespero, Amely recusa-se a ser um mero objeto sexual. Ela quer ser seduzida, quer preliminares, atenção, amor e carinho como toda mulher, afinal ela é uma mulher de verdade.
Amely foi criada despretensiosamente no natal de 2005, para ser publicada apenas no site de sua criadora, a Pryscila. Mas a tal boneca agradou tanto que começou a receber convites, foi selecionada em concursos de humor gráfico (Salão Carioca, concurso da Folha de São Paulo) e hoje também é publicada diariamente na maior rede de jornais do planeta, o grupo Metro Internacional. Também foi convidada para várias exposições de quadrinhos no mundo todo (Peru, Espanha, Grécia, Colômbia) que tratam do universo feminino e da luta pelos direitos iguais da mulher, embora Amely defenda exatamente o contrário: os direitos desiguais da mulher.
Para quem está começando agora a se envolver com o desenho, qual a dica que você daria?
O primeiro conselho é: não dar conselhos. Mas se for para sugerir algo genericamente útil, aconselho que trabalhem a estrutura básica. Que leiam MUITO, que incansavelmente aperfeiçoem-se na redação, no texto, no contexto e que se esmerem na arte do desenho. Isso tudo nunca é demais. E quando sentir que o trabalho está com esses quesitos em equilíbrio, existem infinitas possibilidades de projetá-lo. A internet é uma delas. Concursos de humor gráfico, outra. Mas aí, o destino é uma folha em branco que vai ser rabiscada ou desenhada com litros de nanquim e suor.
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