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  • O mistério das bolas de gude, de Gilberto Dimenstein | Livro

    O mistério das bolas de gude, de Gilberto Dimenstein | Livro

    Se a dor da invis­i­bil­i­dade está por trás de uma doença social, parte da cura está em tornar-se visível.

    o-misterio-das-bolas-de-gude-de-gilberto-dimenstein-livro-capaO tre­cho aci­ma dá a tôni­ca do livro “O mis­tério das bolas de gude: Histórias de humanos quase invisíveis” (edi­to­ra Papirus, 2006, págs. 192), escrito pelo jor­nal­ista Gilber­to Dimen­stein, con­heci­do por atu­ar em impor­tantes veícu­los de comu­ni­cação brasileiros e ide­alizar pro­je­tos soci­ais e cul­tur­ais, den­tre eles o Cidade Esco­la Apren­diz e o site cul­tur­al Catra­ca Livre. Fin­ca­da em inves­ti­gações jor­nalís­ti­cas e reg­istros de via­gens, orde­na­dos como um diário pes­soal, a obra per­corre o uni­ver­so de seres humanos mar­gin­al­iza­dos, rejeita­dos e excluí­dos da teia social. O jor­nal­ista faz emer­gir a dolorosa sobre­vivên­cia de home­ns, mul­heres e cri­anças que, igno­ra­dos e evi­ta­dos por uma sociedade cega e can­cerí­ge­na, não se sen­tem parte do mun­do, mem­bros efe­tivos de um lugar.

    Entre os excluí­dos estão pros­ti­tu­tas, vici­a­dos, traf­i­cantes, mães ado­les­centes, meni­nos de rua, cri­anças explo­radas e escrav­izadas sex­ual­mente, por­ta­dores do vírus HIV e chefes de facções crim­i­nosas. Por meio da nar­ra­ti­va em primeira pes­soa, inter­cal­a­da pelas vozes das per­son­agens de cada história verídi­ca, acom­pan­hamos relatos que chocam, depoi­men­tos que machu­cam e dados estatís­ti­cos espan­tosa­mente reais.

    Gilber­to Dimen­stein fala sobre os para­dox­os encon­tra­dos nas mais difer­entes regiões brasileiras, onde bol­sões de mis­éria con­trastam com man­sões sun­tu­osas. Se de um lado, meni­nas são obri­gadas a leiloar sua vir­gin­dade para con­tin­uarem vivas, no out­ro extremo há fil­hos de lat­i­fundiários dis­pos­tos a pagar peso de ouro para “desvir­ginar” cri­anças de doze anos. Enquan­to pes­soas vivem em meio a restos de comi­da, excre­men­tos e dro­gas, com­ple­ta­mente entor­peci­das pelo uso do nar­cóti­co, a força poli­cial espan­ca, hos­tiliza e mata.

    Gilberto Dimenstein
    Gilber­to Dimenstein

    Os exem­p­los de desre­speito e invis­i­bil­i­dade são muitos: cri­anças escrav­izadas para o mer­ca­do do sexo, ado­les­centes jura­dos de morte por chefes do trá­fi­co, bebês espan­ca­dos até a morte por pais dese­qui­li­bra­dos, inter­nos tor­tu­ra­dos den­tro de insti­tu­ições repres­so­ras, por­ta­dores da AIDS trata­dos com pre­con­ceito e aver­são. Essas são algu­mas das real­i­dades descorti­nadas pelo jor­nal­ista, mostran­do que por trás das fachadas mega­lo­manía­cas da famosa Aveni­da Paulista, local­iza­da na maior metró­pole brasileira, escon­dem-se histórias de indi­ví­du­os que há muito tem­po esque­ce­r­am-se de sua condição de pes­soa humana, ten­do o dire­ito à cidada­nia cotid­i­ana­mente usurpado.

    No entan­to, ao lado da tragé­dia, Dimen­stein tam­bém abor­da as “pontes de resistên­cia” cri­adas por pes­soas cujo obje­ti­vo é trans­for­mar a injus­ta e depri­mente real­i­dade em algo mel­hor. Ten­do como armas a per­sistên­cia, teimosia e amor ao próx­i­mo, vol­un­tários se reúnem doan­do tem­po e recur­sos para mudar a vida de out­ras pes­soas. O livro elen­ca exem­p­los de pro­je­tos que nasce­r­am den­tro de fave­las, orga­ni­za­ções não gov­er­na­men­tais de apoio as mais vari­adas causas, cidadãos anôn­i­mos que não esper­aram finan­cia­men­to gov­er­na­men­tal para inve­stir em jovens e ado­les­centes em situ­ações de risco social, entre muitos outros.

    Gilberto Dimenstein
    O autor

    A arte, a músi­ca, a poe­sia, a edu­cação e o tra­bal­ho se trans­for­mam em refú­gio, pro­por­cio­nan­do reflexão e mudança. Se, como propõe a obra de Gilber­to Dimen­stein, a vio­lên­cia está dire­ta­mente lig­a­da à sen­sação de mar­gin­al­i­dade e invis­i­bil­i­dade, esse é o pon­to de par­ti­da para a mudança que faz nascer o sen­ti­men­to de pertença e recon­hec­i­men­to do out­ro como ser humano, que par­til­ha dos mes­mos dire­itos e deveres. A coop­er­ação faz parte do desen­volvi­men­to humano e social, equi­li­bran­do e pro­por­cio­nan­do condições justas.

    O mis­tério das bolas de gude” esboça novas rotas e pro­postas para a recon­quista da cidada­nia, bem tão caro para pes­soas em situ­ação de risco, além de traz­er à tona temas del­i­ca­dos e necessários. O livro peca pelo deslum­bra­men­to inocente que Gilber­to Dimen­stein apre­sen­ta ao escr­ev­er sobre os exem­p­los de suces­so norte-amer­i­canos – obser­va­dos no perío­do em que o jor­nal­ista foi cor­re­spon­dente do jor­nal Fol­ha de São Paulo em Nova York –, bem como a ausên­cia de críti­cas às práti­cas nada igual­itárias de insti­tu­ições e gru­pos brasileiros que detém o poder e manip­u­lam o apar­el­ho estatal; organ­is­mos estes que finan­ciam o trá­fi­co, explo­ram a mão de obra tra­bal­hado­ra e fecham os olhos para todos aque­les que não fazem parte da engrenagem impos­ta, trans­for­man­do o que está fora do jogo em meras peças invisíveis.

  • Crítica: As Melhores Coisas do Mundo

    Crítica: As Melhores Coisas do Mundo

    crítica as melhores coisas do mundo

    Filmes sobre a ado­lescên­cia exis­tem muitos por aí, prin­ci­pal­mente para induzir ado­les­centes do que é legal faz­er e/ou con­sumir no momen­to. As Mel­hores Coisas do Mun­do (As Mel­hores Coisas do Mun­do, Brasil, 2010), de Laís Bodanzky, ini­cial­mente parece que pode ser clas­si­fi­ca­do como mais um destes, mas pas­sa bem longe des­ta classificação.

    Mano (Fran­cis­co Miguez) tem 15 anos e gos­ta de faz­er o que “todo ado­les­cente” faz. Ele pode ser con­sid­er­a­do como um ado­les­cente comum, não estando no grupo dos mais pop­u­lares nem dos mais “excluí­dos” (solitários). Tem vários ami­gos e uma mel­hor ami­ga, Car­ol (Gabriela Rocha), com os quais vive sain­do e fazen­do coisas jun­tas. Além dis­so, é apaixon­a­do por uma das garo­tas mais pop­u­lares da esco­la, mas não tem cor­agem de ir falar com ela. Até aí nada muito de difer­ente das história que já foi fei­ta em out­ros filmes. O seu difer­en­cial está na maneira de como vários temas como: homo­sex­u­al­is­mo e pre­con­ceitos em ger­al, bul­ly­ing, relação entre pais e fil­hos, sexo (e o uso de camis­in­ha), amor e vários out­ros assun­tos são abor­da­dos, que ficou muito pare­ci­do ao que acon­tece fora das telas.

    As Mel­hores Coisas do Mun­do, con­segue retratar com fidel­i­dade esta cer­ta fase da ado­lescên­cia (os casos mais leves, é claro), prin­ci­pal­mente por causa de seus atores, em alguns casos até estre­antes, sem cair em rep­re­sen­tações forçadas e car­i­cat­u­radas, algo rel­a­ti­va­mente comum em pro­je­tos educa­tivos. Há ape­nas uma excessão, a do “ator” Fiuk, que fra­ca­mente (para não usar out­ros adje­tivos) inter­pre­ta Pedro, o irmão de Mano. A impressão que fica é que ele foi escal­a­do para o papel mais como uma estraté­gia de mar­ket­ing do que qual­quer out­ro moti­vo. Para inten­si­ficar a rep­re­sen­tação dessa fase, o filme faz tam­bém várias refer­ên­cias à obje­tos (reais e vir­tu­ais), gírias e situ­ações vivi­das por eles. Não há nen­hu­ma glam­our­iza­ção dos momen­tos vivi­dos pelos per­son­agens, o que é um difer­en­cial bem inter­es­sante em relação a out­ros lon­ga do gênero.

    Ape­sar do filme ter propósi­tos educa­tivos, não foi um aspec­to que se sobres­saiu sobre os out­ros. Alguns dos temas foram abor­da­dos de maneira bem breve, as vezes até implíc­i­tos, não chegan­do a ficar em nen­hum momen­to aque­la coisa cha­ta de vídeo educa­ti­vo, algo que, na min­ha opinião, é um dos grande méri­tos de As Mel­hores Coisas do Mun­do. Além dis­so, ele foi tão bem dirigi­do que, parafrase­an­do vários out­ras opinião que li e ouvi, “não parece filme brasileiro”, prin­ci­pal­mente pela uti­liza­ção de vários ângu­los pouco con­ven­cionais e pela óti­ma edição e montagem.

    As Mel­hores Coisas do Mun­do é uma óti­ma real­iza­ção brasileira e, ape­sar de ficar só no âmbito ado­les­cente, vale a pena o ingresso.

    Além dos Projetores:
    O site ofi­cial tam­bém foi muito bem feito, vale a pena vis­i­tar. O esti­lo visu­al lousa/caderno do mate­r­i­al ficou legal para com­bi­nar com a temáti­ca pro­pos­ta. Além de algu­mas fer­ra­men­tas inter­a­ti­vas, tril­ha sono­ra do filme tocan­do no fun­do, exibição do que se está falan­do no twit­ter, está disponív­el para a vis­i­tação os blogs dos per­son­agens Pedro e Dri. Pena que o mate­r­i­al que foi apre­sen­ta­do no lon­ga não está disponív­el nos blogs como parte do históri­co (eu pelo menos não encon­trei), assim como não há nada de mui­ta relevân­cia. Acred­i­to que os pro­du­tores pode­ri­am ter se uti­liza­do muito mel­hor destas fer­ra­men­tas como um meio de expan­são da exper­iên­cia pro­por­ciona­da no filme, colo­can­do muito mais mate­r­i­al extra e infor­mações inter­es­santes a respeito do “dia-a-dia” dos per­son­agens. Não é uma coisa triv­ial de se faz­er, mas que se bem pro­duzi­do, seria um catal­izador de exper­iên­cia para os espec­ta­dores e, é claro, uma óti­ma fer­ra­men­ta de mar­ket­ing. Aliás, isto não é só uma defi­ciên­cia dos pro­du­tores brasileiros, mas dos out­ros país­es também.

    Há tam­bém um pro­je­to educa­ti­vo cri­a­do a par­tir das temáti­cas abor­dadas, com o fold­er pra down­load no site (e que foi dis­tribuí­do em algu­mas sessões), para pais e edu­cadores. Mas, infe­liz­mente, as infor­mações ain­da não foram disponi­bi­lizadas tex­tual­mente no site (está como: em breve), um erro que con­sidero muito grave, pois parece um desleixo da parte de quem pro­duz­iu o material.

    Out­ra críti­cas interessantes:

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=-jgSPH6zVEI