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  • Dossiê Darren Aronofsky: Pi

    Dossiê Darren Aronofsky: Pi

    poster piVinte zero um. Aque­la capa pre­ta com um grande sím­bo­lo bran­co sem­pre me chama­va atenção na locado­ra, mas por algum moti­vo nun­ca loca­va ou chega­va muito per­to dele.

    Vinte zero três. Alguém aleatório em uma fes­ta de ano novo começa a con­ver­sar sobre filmes comi­go e comen­to da tal capa, ele então fala que ape­sar de mais difer­ente é um lon­ga fab­u­loso que eu dev­e­ria assi­s­tir. Acho inter­es­sante mas não dou mui­ta atenção, vou ali pegar um pouco mais de sal­a­da de batata.

    Vinte zero seis. Pare­cia perseguição, nova­mente aque­la imagem, deci­di final­mente ter cor­agem e ver a parte de trás da caixa, mas ao ver fotos em pre­to e bran­co, achei mel­hor ficar para a próx­i­ma vez, que não tin­ha ideia de quan­do era.

    Nota men­tal. Naque­la época ver filme ain­da era uma sim­ples fuga, as vezes até do filme em si.

    Vinte zero sete. Desafir­mo a suposição a respeito dos filmes na min­ha situ­ação atu­al. Algo havia muda­do den­tro de mim. Reafir­mo min­has novas suposições.

    Um. Filmes podem con­ter muito mais infor­mações do que imaginamos.

    Dois. A escol­ha por um tipo de lon­ga diz mui­ta coisa a respeito da situ­ação atu­al de uma pessoa.

    Três. Quase sem­pre é pos­sív­el decifrar infor­mações inter­es­santes ao assi­s­tir algo.

    Nota men­tal: escr­ev­er a respeito dessas coisas começa a pare­cer uma ideia interessante.

    Imagem filme PiVinte onze. O filme da capa estran­ha não é mais nada estran­ho. Já o assisti pelo menos umas seis vezes, seu títu­lo é Pi (EUA, 1998), dirigi­do por Dar­ren Aronof­sky, e o mes­mo está no topo da lista dos lon­gas que eu mais gos­to, assim como o dire­tor, que ocu­pa o segun­do lugar na min­ha lista de cineas­tas preferidos.

    Nota men­tal: é pos­sív­el cri­ar lis­tas para quase tudo.

    Pi foi a estréia de Aronof­sky no cin­e­ma, real­iza­do com um micro-orça­men­to de 60 mil dólares finan­cia­do pela família e ami­gos, mas já pos­suin­do todas as car­ac­terís­ti­cas bem par­ti­c­u­liares e muito pecu­liares do dire­tor. Max­imil­lian “Max” Cohen (Sean Gul­lette), o pro­tag­o­nista e nar­rador do filme, é um matemáti­co que acred­i­ta que tudo ao nos­so redor pode ser rep­re­sen­ta­do e enten­di­do através de números. Além dis­so, se rep­re­sen­tar­mos grafi­ca­mente os números de qual­quer sis­tema, padrões surgem. Por­tan­to, há padrões em toda a natureza.

    Poster Pi Thiago EsserApe­sar de trans­bor­dar em sim­bolis­mos, mitolo­gias, metá­foras e teo­rias, Pi pode ser vis­to de longe como um filme cha­to e maçante, mas ele não é nada dis­so, muito pelo con­trário. Assim como acon­tece em um tex­to do Jorge Luís Borges, após ser­mos quase que esma­ga­dos pela primeira avalanche de infor­mações, aparente­mente desconexas e sem muito sen­ti­do, a luz logo se tor­na tão inten­sa que chega a doer os olhos. Em con­tra­parti­da ao vol­ume de infor­mação, ao lon­go do filme há várias expli­cações feitas de for­ma muito com­preen­síveis para vários dos con­ceitos abor­da­dos, sem em nen­hum momen­to pare­cer aque­las aulas chatas ou total­mente fora do con­tex­to, como acon­te­ceu um pouco em uma cena de A Origem (2011) quan­do se vai explicar como fun­ciona o mecan­is­mo para entrar nos sonhos.
    Nota pes­soal: Torá, Cabala, Teo­ria do Caos, Euclides, Arquimedes, Pitá­go­ras, Fibonac­ci, Leonar­do da Vin­ci, Go, Pro­porção Áurea, Espi­ral Dourada.

    Tam­bém já é pos­sív­el notar um pouco do rit­mo frenéti­co e pico­ta­do, que mais tarde se con­sagrou em Réquiem para um Son­ho (2000), que muitas vezes cria uma ambi­en­tação de thriller no lon­ga. Além dis­so, o Pi tam­bém pos­sui alguns efeitos espe­ci­ais bem inter­es­santes, ape­sar do seu baixo orça­men­to, sendo um deles a cena em que é feito um zoom em cima de números, assim como o mem­o­ráv­el efeito do iní­cio do filme que Matrix (1999) fez no ano seguinte. Aliás, os filmes de Aronof­sky são bem con­heci­dos por resolverem várias questões de efeitos com­plex­os com solução sim­ples e baratas, mas que causam um efeito estonteante.

    Imagem filme PiA tril­ha sono­ra é out­ro pon­to alto de Pi, sendo o iní­cio de uma pro­lí­fi­ca parce­ria com Clint Mansell, que o acom­pan­hou de algu­ma maneira em todos os seus out­ros filmes. Para quem é fã deste tipo de músi­ca, envol­ven­do prin­ci­pal­mente som intru­men­tal, vai ado­rar escutá-la. Tam­bém recomen­do demasi­da­mente a tril­ha sono­ra do seu out­ro filme A Fonte da Vida, que para mim é a mel­hor de todas.

    A exper­iên­cia de assi­s­tir Pi pode ser um pouco difí­cil nos primeiro min­u­tos, mas uma vez super­a­da essa fase, é difí­cil não achá-lo no mín­i­mo per­tur­bador e cheio de pos­si­bil­i­dades de dis­cussões para quem acred­i­ta que através de números ou não, há muito o que ain­da con­hecer sobre as infini­tudes do novo uni­ver­so quântico.

    Out­ros tex­tos inter­es­santes sobre o filme Pi:

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=xzAjzoNOaaU

  • Crítica: Comer, Rezar, Amar

    Crítica: Comer, Rezar, Amar

    Basea­do no best-sell­er homôn­i­mo da escrito­ra Eliz­a­beth Gilbert, Com­er, Rezar, Amar (Eat, Pray, Love”, USA, 2010), dirigi­do por Ryan Mur­phy, segue os padrões hol­ly­wood­i­anos na bus­ca do maior ibope e, é claro, do maior lucro.

    Liz Gilbert (Julia Roberts) é uma mul­her mod­er­na que ape­sar de ter tudo o que é cul­tur­a­mente dito ser necessário para ela (mari­do, emprego, din­heiro e suces­so), se sente infe­liz e cada vez mais estag­na­da. Após se divor­ciar do seu fra­cas­sa­do casa­men­to e con­seguir sen­tir nova­mente o gos­to de viv­er inten­sa­mente e ser mais com­ple­ta, decide par­tir em uma jor­na­da físi­ca e espir­i­tu­al, para lit­eral­mente com­er, rezar e amar.

    Com­er, Rezar, Amar pos­sui um esti­lo bem de diário pes­soal de viagem, com a pro­tag­o­nista rev­e­lando suas peque­nas con­quis­tas, angús­tias e dese­jos a respeito dos acon­tec­i­men­tos vivi­dos. Por isso mes­mo, tra­ta-se de uma visão bem fem­i­ni­na dos fatos, a qual talvez não agrade muito o públi­co mas­culi­no em ger­al (“filme de meni­na” segun­do o Rubens Ewald Fil­ho). Mas não estou de for­ma nen­hu­ma levan­do esta afir­mação ao extremo, para mim não foi um fator que chegou a incomodar.

    É inter­es­sante notar o com­por­ta­men­to de Liz Gilbert durante Com­er, Rezar, Amar como uma mera tur­ista, onde as filosofias e ensi­na­men­tos são ape­nas con­sum­i­dos, como quan­do você com­pra uma peque­na estat­ue­ta, para se adap­tar à sua real­i­dade amer­i­cana, não haven­do uma trans­for­mação mais pro­fun­da de val­ores. Aliás, o filme brin­ca as vezes com essa dual­i­dade entre ape­nas con­sumir val­ores de out­ras cul­turas como mero obje­to dec­o­ra­ti­vo, só que de maneira extrema­mente sutil, talvez até não inten­cional, como em sua com­pul­são de ter que com­prar peque­nas estat­ue­tas e sím­bo­los e de pre­cis­ar um quar­to todo dec­o­ra­do para meditação.

    O pon­to alto do filme está em sua pas­sagem pela Itália com as tomadas exibindo pratos típi­cos, assim como par­cial­mente a preparação deles, que são de dar água na boca. Além dis­so, é bem diver­tido a expli­cação, e demon­stração, de como os ital­ianos se comu­ni­cam e o que se deve faz­er para se apren­der este idioma. Tam­bém temos belas ima­gens da Índia e Indonésia, ape­sar de que todos os lugares, pes­soas e cos­tumes de Com­er, Rezar, Amar seguem a visão amer­i­cana estereoti­pa­da dos out­ros país­es (os ital­ianos ficaram bem inco­moda­dos, veja o porque). Para reforçar mais ain­da este con­ceito, temos um per­son­agem brasileiro que diz que aqui é nor­mal os pais bei­jarem os fil­hos na boca. Pelo menos não ser­e­mos mais lem­bra­dos ape­nas só pelo car­naval, fute­bol e macacos.

    Com­er, Rezar, Amar é aque­le típi­co filme para se sair da sessão com um sen­ti­men­to de com­ple­tude, depois de uma boa lon­ga, até demais, dose de auto-aju­da. Mas isso sem ter se apro­fun­da­do muito em nen­hum assun­to e tam­bém evi­tan­do tópi­cos mais incô­mo­d­os e del­i­ca­dos, para poder preser­var uma cul­tura do con­sumir, ado­rar e casar (falan­do em matrimônio, breve­mente a auto­ra lançará um novo livro jus­ta­mente sobre este tema).

    Out­ras críti­cas interessantes:

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=LIGfQYg4lSQ