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  • Teatro: Os Catecismos segundo Carlos Zéfiro, em Curitiba

    Teatro: Os Catecismos segundo Carlos Zéfiro, em Curitiba

    Paulo Bis­ca­ia é con­heci­do por tra­bal­hos num esti­lo de teatro mais extremo, em boa parte das vezes volta­do ao ter­ror, ao trash, ao lado B das nar­ra­ti­vas. Em out­ros tem­pos pode­ria se diz­er que ele tem uma tendên­cia ao mar­gin­al — ter­mo que virou cult nos tem­pos de hoje — mas o curitibano vem mostra­do um pouco além dis­so com os tra­bal­hos na Com­pan­hia Vig­or Mor­tis e recen­te­mente com a peça, de cur­ta tem­po­ra­da em Curiti­ba, Os Cate­cis­mos de Car­los Zéfiro, escrito pelo próprio Bis­ca­ia em parce­ria com a atriz Clara Sere­jo.

    Os Cate­cis­mos de Car­los Zéfiro é con­ta­do a par­tir da pesquisa que Juca Kfouri — na época edi­tor da revista Play­boy — escreveu sobre o under­ground quadrin­ista de esti­lo pornográ­fi­co — e em ple­na ditadu­ra mil­i­tar — que se pop­u­lar­i­zou graças à clan­des­tinidade das ban­cas de jor­nal do Rio de Janeiro e a boemia car­i­o­ca que sabia apre­ciar o tra­bal­ho do artista. A peça se propõe jus­ta­mente a retratar o recorte da vida de Zéfiro, um supos­to homem de família e sua dual vida como quadrin­ista clandestino.

    Anal­isan­do do pon­to de vista nar­ra­ti­vo-literário — pois só con­heço de leituras os tra­bal­hos do dire­tor — Os Cate­cis­mos de Car­los Zéfiro man­tém a nar­ra­ti­va lin­ear que oscila entre o dra­ma e a comé­dia, con­tan­do com a colagem de dois per­son­agens nar­radores dos diál­o­gos dos quadrin­hos que fun­cionam como pausas da história, dan­do um ar cômi­co-eróti­co dos enre­dos ofi­ci­ais picantes dos cate­cis­mos, inter­pre­ta­dos por voz pela atriz Mar­ti­na Gal­larza e o ator Jandir Fer­rari.

    A inter­pre­tação dos atores fez jus ao esti­lo da época, prin­ci­pal­mente a per­son­agem de Clara Sere­jo que tin­ha uma car­i­catu­ra bem típi­ca das chamadas pin-ups com um pouco de exagero nos tre­jeitos. Não só Clara, mas o elen­co todo esta­va car­i­ca­to sufi­ciente para dar luz aos per­son­agens que davam vida à com­posição do cotid­i­ano de Car­los Zéfiro. A úni­ca recla­mação do públi­co que assis­tiu a peça no dia 15 de maio, no Guair­in­ha, foi o fato do per­son­agem Nel­son Rodrigues, inter­pre­ta­do por Jandir Fer­reira, ter fuma­do no pal­co com o teatro fecha­do. Talvez pudesse ser um ele­men­to repen­sa­do na cena, já que em espaços públi­cos não se pode pri­orizar somente a arte ou somente os espectadores.

    O uso de ele­men­tos de cenário como o mate­r­i­al mul­ti­mí­dia, que alter­na­va entre várias ima­gens dos quadrin­hos de Zéfiro e out­ras que cri­avam situ­ações de cena, deixaram à mostra a mar­ca do dire­tor con­heci­do pela hib­ridiza­ção entre teatro, cin­e­ma, quadrin­hos e pitadas de ero­tismo. Aliás, o uso desse mate­r­i­al que­brou um pouco o rit­mo — e sen­sação — de lin­eari­dade do teatro mais clás­si­co que Os Cate­cis­mos de Car­los Zéfiro se prop­un­ha num primeiro momen­to, crian­do uma per­for­mance difer­ente no pal­co e sen­sações inter­es­santes de espaço no espectador.

    O foco do enre­do de Os Cate­cis­mos de Car­los Zéfiro é a biografia do ilustrador, a apre­sen­tação do esti­lo picante da nar­ra­ti­va dele com a imagem de alguns quadrin­hos, se aten­do mais ao fato dele viv­er no anon­i­ma­to e da relação dual dele como Alcides Cam­in­ha, o fun­cionário públi­co e o quadrin­ista-mar­gin­al. A peça cumpre o que se propõe: apre­sen­tar, ou ain­da, traz­er à tona a figu­ra desse per­son­agem under­ground, que por motivos óbvios de repressão sex­u­al — que hoje é aparente­mente um assun­to mais aber­to e na moda — e pelo perío­do de inco­mu­ni­ca­bil­i­dade da Ditadu­ra Mil­i­tar, não ficou muito conhecido.

    Um dos aspec­tos inter­es­santes da pro­pos­ta de traz­er à tona Os Cate­cis­mos de Car­los Zéfiro é explic­i­tar que os quadrin­hos eróti­cos sem­pre foram under­ground, que é tam­bém con­sid­er­a­do um grande méri­to segun­do os maiores fãs que con­tam que já foi prati­ca­mente cult as revis­tas de fotonov­ela pornô. Afi­nal, o que moti­va­va alguém como o fun­cionário públi­co Alcides Cam­in­ha a escr­ev­er suas aven­turas sex­u­ais naque­la época e o que moti­va alguém a escr­ev­er, colo­can­do ele em voga de novo?

    Claro que, uma análise nar­ra­ti­va não pode com­pe­tir com uma análise mais pro­fun­da de atu­ação e dra­matur­gia em si, o espaço e tem­po são difer­entes e sabe-se da pro­fun­di­dade do tra­bal­ho de preparo como pesquisa e atu­ação que devem ser lev­a­dos em con­ta. Por­tan­to, Os Cate­cis­mos de Car­los Zéfiro é uma peça que entretem, geran­do momen­tos de cli­max que man­tém o espec­ta­dor sat­is­feito através das con­venções nar­ra­ti­vas. Não deixa nada muito explíc­i­to, e ao meu ver esse ele­men­to pode­ria ter tor­na­do o tra­bal­ho bem genial, mas é uma obra que se propõe a tirar do anon­i­ma­to o Car­los Zéfiro que viveu durante anos no imag­inário dos seus fãs.

  • Crítica: Morgue Story — Sangue, Baiacu & Quadrinhos

    Crítica: Morgue Story — Sangue, Baiacu & Quadrinhos

    Morgue Story

    Ter­ror não é um gênero muito explo­rado pelo cin­e­ma brasileiro, e quan­do é geral­mente con­segue pouquís­si­ma divul­gação e suporte/fomento para a sua pro­dução, cain­do sem­pre no rótu­lo de cin­e­ma B. Morgue Sto­ry (Brasil, 2009), de Paulo Bis­ca­ia Fil­ho, com­pro­va que se é pos­sív­el pro­duzir um óti­mo filme, com ele­men­tos de ter­ror trash de qual­i­dade, sem pre­cis­ar de inves­ti­men­tos grandiosos (exatos cen­to e vinte e seis mil e qua­tro­cen­tos reais) e em pouquís­si­mo tem­po (onze dias).

    Ana Argen­to (Mar­i­ana Zanette), uma car­tunista (cujo nome é uma hom­e­nagem ao cineas­ta Dario Argen­to) de rel­a­ti­vo suces­so com suas HQs que tem como per­son­agem um zumbi caol­ho, Tom (Ander­son Faganel­lo), um catalép­ti­co que vende seguros, e Doutor Daniel Tor­res (Lean­dro Daniel Colom­bo), um médi­co legista com méto­dos e gos­tos bas­tante pecu­liares, são os per­son­agens prin­ci­pais que, pelo aca­so do des­ti­no (ou não), se encon­tram em um necrotério. Com um enre­do muito bem con­struí­da e mon­ta­da, com várias revi­ra­voltas e flash­backs, é pos­sív­el acom­pan­har cer­tos even­tos pela óti­ca de cada per­son­agem, que aca­ba tornando‑a ain­da mais diver­ti­da. Isso sem falar em algu­mas cenas de quadrin­hos ani­madas, que dão um toque espe­cial ao longa.

    Morgue Sto­ry foi basea­do em uma peça de teatro homôn­i­ma muito bem suces­si­da, pela Vig­or Mor­tis, que faz pesquisa em cima do teatro de hor­ror. Ape­sar da atu­ação dos per­son­agens beirar muitas vezes ain­da o teatral, ao exagero dos dial­o­gos, uma car­ac­terís­ti­ca típi­ca de filmes exploita­tion, a fil­magem con­seguiu romper a bar­reira dos pal­cos e o resul­ta­do ficou bem cin­e­matográ­fi­co. A qual­i­dade da imagem é óti­ma, o que não cos­tu­ma ser muito fre­quente em gravações dig­i­tais, mas por con­ta do abu­so de efeitos espe­ci­ais, para dar uma impressão de filme anti­go com câmera amado­ra, o resul­ta­do final foi um pouco prej­u­di­ca­do de tão over que ficou.

    Morgue Sto­ry é engraça­do não só pelas situações/personagens que beiram ao absur­do e efeitos pra lá de trash, mas prin­ci­pal­mente dev­i­do aos diál­o­gos, com um humor áci­do e sar­cás­ti­co, que lem­bram os filmes do Taran­ti­no. Resu­min­do: uma óti­ma exper­iên­cia, tan­to para quem pro­duz­iu quan­to para quem assiste, do cin­e­ma brasileiro.

    Con­fes­so que quan­do assisti ao trail­er de Morgue Sto­ry pen­sei que só con­seguiria vê-lo amar­ra­do com uma parafer­nália esti­lo a do Laran­ja Mecâni­ca, onde é impos­sív­el fugir e fechar os olhos. Mas eu esta­va com­ple­ta­mente engana­do. E se você teve a mes­ma sen­sação após o trail­er, não desista, vale a pena!

    Como o filme está com uma divul­gação lim­i­ta­da, a exibição do mes­mo em algu­mas cidades está sendo feito prin­ci­pal­mente pela con­ver­sa entre os exibidores e o públi­co, e o espec­ta­dor pode ser fun­da­men­tal nesse proces­so de divul­gação. Se con­hecer algu­ma exibido­ra local que pode­ria estar inter­es­sa­da no filme, entre em con­ta­to com a respon­sáv­el pela dis­tribuição do mes­mo, Diana Moro da Vig­or Mor­tis, para ver a pos­si­bil­i­dade de exibição.

    Out­ra críti­cas interessantes:

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=E4MrFkjc7Gs