¨Realmente os cultos sabem muitas coisas dos livros, mas não sabem nada da vida. Esse não foi um erro do escritor. Foi um erro da humanidade¨ (p.30)
Impossível não se sentir tentado pela capa da edição brasileira de Festa no Covil (Companhia das Letras, 2012) — inspiradamente desenhada pela artista Elisa v. Randow — o romance de estreia de Juan Pablo Villalobos. Fazendo uso da simbologia da clássica festa de Dia de Muertos mexicana, a capa é um incrível convite para que você escute um menino solitário contar algumas peripécias.
Tochtli — coelho, na língua asteca — é uma criança comum, ou poderia ser, que como qualquer outra deseja muito um presente. Segundo ele próprio mora numa mansão no México, tem uma vida entediante, possui uma vasta coleção de chapéus e sonha em ter um casal de hipopótamos anões da Libéria. Um desejo nada convencional e que nos diz muito sobre o personagem que narra o romance do mexicano Juan Pablo Villalobos.
Festa no Covil trata de forma muito sensível, ao passo que te faz respirar a cada novo parágrafo, a vida solitária de uma criança em pleno cenário do narcotráfico mexicano. O pai, um renomado profissional do ramo, protege o filho numa espécie de fortaleza e é escondido do resto do mundo que o garoto relata peculiaridades do seu cotidiano, como o número de pessoas que conhece e como é a sua rotina diária, tudo do seu ponto de vista infantil, inteligente e com doses de ironia.
“Parece que o país Libéria é um país nefasto. O México também é um país nefasto. É um país tão nefasto que você não pode conseguir um hipopótamo anão da Libéria. O nome disso na verdade é ser do terceiro mundo.” (p.20)
O narcotráfico, talvez a atividade mais rentável na latinoamérica, é um plano de fundo um tanto quanto fosco em Festa no Covil pois, diferente de uma visão realista, esse mundo se apresenta cheio de metáforas e portas fechadas, vistas pelos olhos de uma criança. A marginalização da sociedade mexicana foge da figura do imigrante e trata mais de perto os atuais problemas do país no combate da máfia das drogas. Na verdade, qualquer país abaixo da fronteira dos Estados Unidos poderia ser o cenário da vida de Tochtli e talvez um dos pontos mais fortes do livro seja essa sensação de conhecimento de causa que temos ao ver uma criança encarando a realidade de forma tão ingênua.
Mas Villallobos não faz um relato comum e muito menos produz uma narcoliteratura fundada em realismos. Ele usa a voz de Tochtli para criar um apego entre o leitor e o personagem e assim criar um enredo que beira à suavidade de histórias infantis. Em muitos momentos nos vemos olhando assustados para o garoto da ficção, todo o discurso do pequeno Tochtli é marcada por suas sensíveis peculiaridades. As vezes ele é mimado, não quer mais brincar e em outros momentos ele demonstra uma maturidade, consumida por frases precoces, que nos leva a questionar a solidão infantil.
Há apenas um flerte com a realidade vista por esses olhos inocentes. Se outrora a literatura fazia uso das metáforas fantásticas para contar um fato real, em Festa no Covil são os olhos infantis que interpretam a vida com inocência e em algumas situações com a frieza da verdade. Tochtli é solitário, tem aulas particulares em casa e convive o tempo todo com adultos, portanto é inevitável que em sua voz saiam definições precoces. Não se sabe ao certo se o garoto é somente mimado, vítima de um pai ausente e mãe que morreu, ou profundamente inspirado pelas pessoas misteriosas que convivem com ele e vivem ensinando algo.
O presidente John Kennedy estava fazendo um passeio num carro sem teto e atiraram na cabeça dele. Ou seja, as guilhotinas são para os reis e os tiros, para os presidentes. (p.47)
Durante toda a narrativa de Festa no Covil fica nítida uma relação estreita do menino com as palavras, incluindo o próprio discurso que ele cuida que seja bem explicativo. O pequeno Tochtli não dorme sem ler o dicionário, ele gosta de nomear os sentimentos e as pessoas e quando se encanta com uma palavra a usa em vários contextos, independente se elas continuam ou não com o mesmo significado.
Juan Pablo Villalobos, até pouco tempo atrás, era um nome desconhecido da literatura latinoamericana. O mexicano, casado com uma brasileira e residente no país, diz que sua visão sobre o México é de quem observa de longe e que nesse ponto de fora consegue ver com muito mais clareza a situação vivida pelo país. Quando questionado se ele espera que no Brasil haja identificação com o pequeno Tochtli, diz que sim mas que no Brasil ele vê mais otimismo, uma das características impressionantes no personagem-garoto de A Festa no Covil.
É impossível sair imune de Tochtli e seus sonhos mimados. Enquanto o México, e consequentemente seu pai, vivem períodos de limbos, o garoto apenas anseia em encontrar o casal de animais que falta para seu zoológico. Pequenos nuances detalham a realidade do personagem que faz de Festa no Covil uma fábula de uma criança — lembrando o significado do seu nome asteca — dentro de um buraco, alheio ao mundo caótico e sem esperança de fora.