Fuga, solucionadora de problemas e porta de entrada do desconhecido. Hoje, países de qualquer grau de desenvolvimento sofrem com problemas imigratórios/migratórios surgidos pela buscas daqueles que fazem parte dos índices de desemprego, dos fugitivos da desilusão. Transe (Transe, Itália/Russa/França/Portugal, 2006), da portuguesa Teresa Villaverde, trata justamente dessa fuga/busca, partindo da temática do tráfico internacional de mulheres.
A trama de Transe, em si, é simples e de certa forma previsível. Sonia é uma jovem russa que busca fugir do desemprego, do frio e da solidão. Ao conseguir sair de São Petersburgo ela dá início a uma verdadeira saga rumo ao ¨negócio¨ que homens e mulheres podem se tornar em um país estrangeiro. Chegando a Alemanha, e cheia de planos, passa a trabalhar ilegalmente até o dia em que a imigração aparece. Depois disso, Itália e Portugal são apenas pontos da sua queda progressiva, se afundando cada vez mais na prostituição e vulgarização do seu corpo. Nesses quatro cantos da Europa, ela vai conhecer uma parte esquecida e obscura do velho continente, entendendo que uma fuga leva à outra.
Tudo gira em torno do ato sexual humano, da necessidade física. Transe lembra muito as produções do argentino/francês Gaspar Noé, que torna a frieza humana algo banal e comum. Os homens, em particular no filme de Villaverde, são os que acusam a descartabilidade das mulheres. Eles não têm nome e poucas vezes possuem rosto, somente pênis e ofegações. Ainda, existe uma característica de Voyeur, o espectador, de fato deseja a próxima cena que pode ser mais dura que a anterior. Não se sabe ao certo se somos espectadores ou apenas observadores coniventes aos atos ali praticados.
As cenas de Transe são longas e em muitos momentos exageradamente estáticas. Não encaro isso como um problema grave ou uma tentativa frustrada da diretora, pois a permanência dos planos trazem um sentimento de espera a quem assiste e estas sempre acontecem após de um ato de violência extrema trazendo uma sensação de digestão do acontecido. Uma voz em off sempre surge nos períodos de transe da protagonista, como se a fizesse não desistir e se manter firme. A atriz Ana Moreira parece encarnar Sonia de forma a se confundir com o desespero da câmera em gravar seu olhar apático, resultante das seguidas tentativas de revolta.
Transe é uma ode à dor que se torna apatia e, ainda, mesmo sofrendo os mais extremos tipos de violência, a protagonista guarda a esperança de algo indecifrável ao espectador descrente depois de tudo. É uma poesia, como dito no inicio do filme, ¨tudo é poesia¨.
Destaque para dois momentos nos créditos do filme. A música ¨O que serᨠde Chico Buarque fechando a pluralidade do filme com uma diretora portuguesa gravando na Rússia, Alemanha, Itália e Portugal. E ainda, os homens personagem no filme são referenciados apenas como ¨Homem Russo¨, ¨Homem Italiano¨, ¨Rapaz mecânico¨ e etc, deixando claro a irrelevância desses seres sem rosto que simplesmente passaram pela trajetória de Sonia.
Aliás, esse não é a primeira película a tratar do assunto, o sueco Lukas Moodysson fez o Para Sempre Lilia (2002) que trata de uma adolescente que foge (também com expectativas de uma vida melhor) para a Suécia, onde é obrigada a se prostituir.
Outra críticas interessantes:
- Gonçalo Sá, no Sapo.pt
- Gustavo Jesus, no Espaço de Critica Artistica
Trailer:
httpv://www.youtube.com/watch?v=ICC2MnrPjD8