“You and I are underdosed and we’re ready to fall. Raised to be stupid, taught to be nothing at all. I don’t like the drugs but the drugs like me. (…) There’s a hole in our soul that we fill with dope. And we’re feeling fine”.
(Você e eu estamos dopados, e nós estamos prontos para cair. Criados para sermos estúpidos, ensinados a não ser nada. Eu não gosto das drogas, mas elas gostam de mim. (…) Há um buraco em nossas almas que preenchemos com drogas, e nós estamos nos sentindo bem – tradução livre).
O trecho acima pertence à música “I don’t like the drugs (But the drugs like me)”, lançada pela banda Marilyn Manson no álbum “Mechanical Animals” (1998). O vocalista e performer norte-americano Brian Warner, conhecido mundialmente pelo pseudônimo que deu nome à banda, carrega nas costas inúmeras polêmicas e escândalos, dos quais se destacam o uso abusivo de drogas, performances de palco consideradas insólitas, além de ter tido seu nome associado ao Massacre de Columbine, uma das mais terríveis tragédias envolvendo adolescentes e assassinato nos Estados Unidos.

No álbum “Mechanical Animals”, Marilyn Manson fala abertamente sobre a degradação de uma sociedade vazia, narcotizada e mecanizada, onde só há lugar para “sistemas nervosos desativados” (Disassociative) e “pílulas para entorpecer, emburrecer e transformar você em outra pessoa” (Coma White). Em 1985, treze anos antes do polêmico e premiado álbum de Manson dividir opiniões, o escritor Bret Easton Ellis publicava Abaixo de Zero (original Less than Zero), seu livro de estreia. Assim como “Mechanical Animals”, a obra de Easton Ellis foi igualmente cercada por controvérsias ao trazer de forma crua e direta o retrato deteriorado da geração dos anos 80, afundada em um mundo onde fama, pornografia, drogas e crimes refletem a identidade (ou a falta dela) de jovens e adolescentes.

A narrativa começa com o retorno de Clay, protagonista da trama, à casa dos pais em Los Angeles para passar o período de férias da faculdade. Na volta ao lar, Clay reencontra os velhos amigos do colégio, assim como sua ex-namorada, Blair. Todos eles têm em comum vidas superficiais, controladas pela falsa ilusão de poder e, especialmente, pelo uso abusivo de narcóticos. Clay vive em uma casa sem afeto, sem saber direito diferenciar as irmãs pelo nome (adolescentes que consomem cocaína sem o menor constrangimento), cujos pais não possuem nenhum senso de responsabilidade e compromisso. Julian, um dos amigos mais próximos de Clay, entra no universo da prostituição masculina para manter o vício das drogas; Blair busca refúgio na bebida, e as demais companhias de Clay são compostas por garotas bulímicas, rapazes que banalizam o ato sexual, transformando‑o em um mero “por que não?”, além de viciados e traficantes.
Inseridas nesse meio, estão famílias despedaças, pais e mães atuando diretamente no show business hollywoodiano, mas sem saber como lidar com os próprios filhos – e sem o menor interesse em aprender. Enquanto isso, a droga, o sexo e o dinheiro fácil roubam a tutela e direcionam a vida desses “filhos do vazio”, sem perspectivas ou sonhos. Se a juventude é aclamada como a fase das conquistas e a luta por uma existência com propósito, a geração de Bret Easton Ellis gritou para ser saudada pela inconsequência, alienação, passividade, pelo “desapareça aqui”. O enredo de Abaixo de Zero (tradução de Rick Goodwin, editora L&PM em parceria com a editora Rocco, 2011, pág. 176) revela mentes arruinadas e caminhos perdidos em uma narrativa interrompida por fluxos de consciência, memórias e lapsos. O leitor experimenta a possibilidade de entrar na cabeça de Clay, sentindo, observando e vivendo como se estivesse exatamente na pele do protagonista. Essa técnica pode ser encontrada em outras obras de Easton Ellis, como “O Psicopata Americano”, que também aborda, de forma incomparavelmente visceral, o fundo do poço da geração perdida. As cicatrizes da época juvenil concedem ao trabalho do escritor norte-americano um tom quase biográfico, confessado por ele em entrevista ao site Sabotage Times, em que afirma ter sido Patrick Bateman, protagonista do livro “O Psicopata Americano”.

Levado para as telonas, Abaixo de Zero foi estrelado por Andrew McCarthy, Robert Downey Jr. e James Spader, interpretando respectivamente Clay, Julian e Rip. Apesar das polêmicas iniciadas logo no primeiro romance, Bret Easton Ellis estende a temática e alerta para o problema central do consumo desenfreado de drogas, somado à decadência e o vazio existencial do ser humano.

A realidade descrita nas obras de Bret Ellis em meados dos anos 80 não está tão distante do cenário brasileiro encontrado, por exemplo, nas festas regadas à bebidas, sexo barato e drogas, capitaneadas por jovens da classe média alta em ambientes paradisíacos. Enquanto o desejo de curtir a vida alcança o status de “felicidade suprema”, lema espalhado por campanhas publicitárias, programas e novelas, o Brasil contabiliza o infeliz número de 370 mil usuários regulares de crack nas capitais de seus estados.
Para quem ainda ousa dizer que “realidade e ficção não se misturam”, sugiro ligar a televisão em qualquer canal, acessar a internet ou sintonizar a emissora de rádio. Disfarçadas e rápidas, elas estarão lá, em diversas cores, formatos e tamanhos. Inúmeras promessas de elevação e popularização. O ciclo do vazio continua e, como enlouquece Marilyn Manson na música “The Dope Show”: “Eles te amam quando você está em todas as capas. Quando você não está, eles amam outro”.