João Gilberto Noll diz que a sua escrita é: ¨Como se realmente a linguagem fosse um exercício desejante de ação. Ação não no sentido norte-americano, evidentemente, de cinemão, mas no sentido de que o personagem começa de um jeito e vai terminar de outro.¨ De fato, não há melhor definição para Hotel Atlântico (Editora Rocco, 1989), talvez a obra mais celebrada do autor gaúcho.
Ao se deparar com um cadáver sendo levado pelo IML nas escadarias de um hotel em Copacabana, um homem sem nome — que mais tarde se apresenta como um ator — resolve se auto-propor uma viagem pelo Brasil. Aparentemente indeciso sobre a sua vida o homem vai até a rodoviária e compra a passagem para o lugar mais longe naquele momento. Acaba por embarcar para Florianópolis, seguindo para cidades do interior do Rio Grande do Sul vivenciando uma verdadeira odisséia rodeado de personagens esquisitos e em busca de algo que nunca fica claro o que é.
Hotel Atlântico celebra os novos rumos que a literatura brasileira tomava no fim dos anos 80. Nesse período os novos escritores começavam a criar estilos mais próprios e João Gilberto Noll já era conhecido por ser um autor que fugia de qualquer regra e se fazia mágico da linguagem. E é assim que o livro se apresenta, uma narrativa de ação mas profundamente calcada no questionamento humano. Não há muitas certezas no enredo e é justamente nesse aspecto que mora o fascinante desenrolar da história do homem em fuga. Noll propõe a saga de um homem sem precedentes e constrói a narrativa de forma que não nos interessa o passado dele, apenas as decisões que ele vá tomar a cada situação inusitada que lhe aparece.
Em momento algum Hotel Atlântico se propõe em explicar o passado, ou mesmo, desvendar o futuro do personagem. O momento é valorizado em cada linha e parágrafo, dando ao leitor poucos momentos para respirar ou tentar definir o que irá acontecer ao homem na sequência. O próprio título do livro é algo que vai se desenvolvendo e criando sentido com o enredo já quase definido. E esse é o estilo que Noll se refere ao dizer que gosta da ação que lembra a narrativa cinematográfica, afinal o livro é um belo roteiro, um road movie existencial repleto de paisagens e pessoas caricatas de cada lugar. Outro aspecto interessante é a leveza erótica que muitos momentos são descritos. Mesmo sem poupar expressões sexuais o autor cria momentos realmente sórdidos, porém em tons banais, com as situações vividas pelo homem sem nome e as mulheres no caminho.
Dando uma amostra do que viria nos anos 90 e posteriormente na primeira década dos anos 2000, Hotel Atlântico é uma obra ímpar da literatura brasileira contemporânea que serviu para tirar o foco da literatura regionalista com longas narrativas, para uma literatura mais imparcial que passava a beber de todas as artes, se tornando mais próxima do homem urbano. A narrativa sem tempo fixo e com ações pontuais serviu de base para a adaptação homônima da diretora Suzana Amaral, vale a pena conferir.