Que Hollywood passa por uma crise profunda já virou frase de repetição quando sento para escrever sobre algum filme. Mas verdade seja dita, sempre que os americanos tentam transformar em seus toda e qualquer obra sensacional do cinema mundial algo se perde. Há pouco menos de um ano saiu a notícia das gravações de Deixe-me Entrar (Let me in, USA, 2010) dirigido por Matt Reeves, do fraquíssimo Cloverfield. O original — já clássico — Deixe Ela Entrar , do diretor Tomas Alfredson, adaptado do livro de mesma nacionalidade intitulado Låt Den Rätte Komma In, foi um dos filmes mais cultuados nos últimos anos, e por isso mesmo havia o temor na adaptação.
Na história americana Owen é um garoto que sofre de fortes ações de bullying na escola, em casa convive com uma mãe alcoólatra divorciada de um pai ausente e essas situações o tornam muito sozinho. Quando não está espiando a vida de seus vizinhos, o garoto gosta de sentar no playground do condomínio e comer alguns doces enquanto cantarola ou brinca no inverno rigoroso da cidade de Los Alamos, no Novo México. Ao notar que duas pessoas se mudam para o apartamento ao lado, Owen inicia uma amizade com Abby uma garota esquisita e solitária que aparentemente não sente frio e aparece e desaparece de forma estranha. A garota aos poucos vai mostrando a sua real natureza e Owen fica cada vez mais envolvido nessa amizade que vai se tornando, para ambos, necessária e até obsessiva.
A adaptação, quase que geral, do roteiro original para visões completamente americanas é o que mais incomoda em Deixe-me Entrar. Por exemplo, em muitos momentos é dado um tom religioso para a situação de vampirismo de Abby, que é visivelmente mais brutal e ao mesmo tempo mais meiga que a original Eli. Chloe Moretz não carrega o olhar maduro e ao mesmo tempo sagaz de Lina Leandersson, já Kodi Smit-Mcphee aparenta ser mais vulnerável que o original o que dá uma ar interessante a Owen apesar de muitas outras características — que fazem boa diferença — de Oskar estarem ausentes nessa versão. Nas duas versões do longa o relacionamento entre as duas crianças é tratada de forma interessante e pontual. Existe uma relação de trocas obsessivas entre os dois, e isso ficou mantido nessa versão, principalmente a dependência que a amizade vai criar em Abby e Owen, os tornando inevitáveis um ao outro.
As locações e toda a fotografia de Deixe-me Entrar estão bem mais sombrias que a versão sueca, perdendo a leveza e naturalidade do original, e aliado a trilha sonora — bem exagerada — deixou essa versão muito mais dramática, e diga-se de passagem, sanguinária. O charme de Deixe Ela Entrar estava em justamente parecer natural e fazer suspense com situações mais psicológicas do que visuais, de atuação, e a Suécia por si só possui um clima sombrio e ártico para se existir vampiros com uma vida aparentemente normal.
Para quem realmente se impressionou com a história original e as maneiras em que Tomas Alfredson trabalhou com o Deixe Ela Entrar, vai se desapontar com o Deixe-me Entrar, uma versão tipicamente exagerada e americana. Ao excesso de elementos de suspense e a falta de detalhes interessantes, a versão de Matt Reeves é apenas mais uma no grande volume de remakes desnecessários. Espero que com esse lançamento, a acessibilidade a produções alternativas fora do eixo comum de cinema, se tornem mais acessíveis, através de distribuidoras com olhares atentos.
No mais, recomendo a versão original de 2008, Deixe Ela Entrar, pois é um dos filmes mais originais e psicológicos sobre vampiros, um clássico contemporâneo do cinema sueco.
Outras críticas interessantes:
Trailer:
httpv://www.youtube.com/watch?v=nlYSRuWZlhQ