Normalmente a primeira coisa que vem em mente quando falamos em Neil Gaiman é Sandman, ou alguma de suas outras Graphic Novel, mas associar o nome aos seus trabalhos literários ainda não é algo muito comum. Acredito que como muitos, inicialmente nem sequer sabia que ele possuía trabalhos além dos quadrinhos e decidi então iniciar minha leitura nesta nova faceta — para mim — do autor pelo livro Coisas Frágeis (2010, Conrad Editora), com tradução de Michele de Aguiar Vartuli.
É interessante já avisar que se você é daqueles que não gosta de saber certas informações antes de ler/assistir algo, aí vai uma dica importante: leia a introdução só depois que você tiver lido Coisas Frágeis inteiro. Porque nela Neil Gaiman conta a história do motivo e situação em que escreveu cada um dos contos, além de muitas vezes citar no estilo de quem se influenciou. Particularmente prefiro deixar esse tipo de leitura para depois, assim como não gosto de ler críticas antes de ver um filme — as vezes evito até trailers — para assim poder depois comparar as minhas impressões com aquela do autor. Mas se você gostar de saber algumas particularidades antes, é garantido que são informações que ajudam e muito em uma compreensão melhor de cada um dos contos.
Acho que posso afirmar sempre ter suspeitado que o mundo fosse uma farsa barata e tosca, um péssimo disfarce para algo mais profundo, mais esquisito e infinitamente mais estranho, e de alguma forma sempre ter sabido a verdade. (p. 105)
Coisas Frágeis é composto de nove contos e como não tinha ideia do que esperar e não havendo ordem para seguir, decidi escolher aquele que tinha o título mais interessante e parti para a leitura. Emperrei. Não era algo do tipo que eu queria ler naquele momento. Próximo conto. Depois de mais duas trocas, decidi finalmente parar e ler um até o final. Descobri que o início de alguns deles é meio arrastado mesmo, pois a apresentação dos personagens e situações costumam ser feitas de maneira bem pontuada em um mar de outras informações. Mas logo que você avança mais um pouco na leitura e se ambienta neste mundo, muitas vezes nada convencional, o conto vai ganhando um ótimo ritmo, as vezes até bem frenético, onde a última coisa que você quer fazer é largar o livro de tão ansioso que fica para saber o seu desfecho.
O interessante em todos os contos do Coisas Frágeis é que por mais cotidianas e normais que algumas situações aparentam ser, sempre aparece algum elemento fantástico no meio, mas que não quebra totalmente esta sensação de que aquilo poderia acontecer com qualquer um a qualquer momento. E por que não acontecer com você também? Com certeza seria uma aventura incrível acompanhar o misterioso detetive de Um estudo em esmeralda ou assistir o curioso ritual do O monarca do Vale.
E então seu sonho se encheu de deuses: deuses velhos e esquecidos, mal-amados e abandonados, e novos deuses, coisas assustadas e transitórias, iludidas e confusas. (p. 175)
Mas um dos contos em particular, entitulado de O Pássaro-do-Sol, me cativou de maneira surpreendente! Não só pela excêntrica ideia de um grupo cuja missão é experimentar tudo que é comestível no mundo, mas também pelos elementos mais místicos e simbólicos, característica que acredito ser a mais interessante em Neil Gaiman e que é, de certa forma, onipresente em seu trabalho. Se eu fosse recomendar um conto para alguém começar a ler Coisas Frágeis, com certeza seria este! Mas vou deixar a curiosidade pairando mesmo sobre ele, pois tenho receio de estragar qualquer agradável surpresa que possa vir a quem lê-lo.
As reuniões mensais dos epicurianos vêm acontecendo há mais de 150 anos, desde a época do meu pai, do meu avô e do meu bisavô, e agora temo que seja necessário parar, porque não resta mais nada que nós, ou nossos antecessores no clube, já não tenhamos comido. (p. 135)
O estilo dos contos de Coisas Frágeis muda drasticamente, podendo assim causar uma certa sensação de estranheza se forem lidos muito seguidos. Por isso recomendo que sejam lidos com um certo intervalo de tempo, até para poder digerir todas as informações de cada um. Por isso também, pode ser que alguns não sejam do gosto de todos, mas que em geral o livro possa ser do interesse de vários tipos diferentes de pessoas.
Acredito que a dica mais importante é: esteja totalmente aberto para o inesperado no início de cada conto de Coisas Frágeis. Pois no mínimo será uma aventura por lugares, pessoas e criaturas fascinantes que você nunca esperava, mas talvez gostaria, encontrar. Se ao final de todos eles você ainda sentir um gostinho de quero mais, como aconteceu comigo, foi também lançado pela Conrad a continuação Coisas Frágeis 2. Nos vemos no próximo livro?