Os fanzines, prática louvável que fazia o papel de globalizar os apreciadores de várias áreas do conhecimento, principalmente na década de 80 e ínicio da de 90, foi sofrendo um notável declínio com a popularização da internet e a febre de blogs e sites voltados à qualquer assunto. Mas, a mesma pergunta que ronda a polêmica do livro imprenso, também se volta a essa prática que tem retornado com toda força: A internet e a virtualidade realmente suprem as necessidades e os desejos do usuário/leitor?
E é sobre esse retorno ao, já considerado, retrô e ao cheiro das folhas xerocadas e atitudes contraculturais que inúmeros fanzineiros, adeptos e simpatizantes da prática, discutirão novas fontes de comunicação e participarão de oficinais que alimentem esse retorno das publicações fanzineiras no Primeiro Ugra Zine Fest, organizado pelo Leandro Márcio Ramos e outros comparsas dele.
Leandro foi o primeiro a dar ao interrogAção o seu ponto de vista. Ele, entre outras atividades, é um dos idealizadores do Primeiro Anuário de Fanzines, que acontece essa semana em São Paulo, um projeto do blog Ugra Press , que reunirá mais de uma centena de publicações do país, valorizando a imprensa alternativa e arte do faça-você-mesmo. Leandro expõe sua opinião sobre o tom apocalíptico que a mídia trata do livro e salienta que o ato da leitura com livro é uma atividade que difere totalmente da proposta de e‑readers e etc.
interrogAção: ¨Em épocas em que se afirma que o e ‑book e as tecnologias do virtual vão dominar o futuro do conhecimento, por que a insistir nostálgico papel, tesoura e muito xerox?¨
Leandro: Os entusiastas do ebook tendem a exarcebar as possibilidades desse formato. Colocam‑o no mesmo patamar da revolução que o MP3 causou na indústria musical. Não concordo com isso: apesar da crescente popularização de ebooks e e‑readers, a leitura é uma prática cultural repleta de peculiaridades que me impedem de equipará-la com o consumo de música. Demorar duas horas sentado no trono do banheiro folheando uns quadrinhos, a clássica leitura semideitado na cama antes de dormir ou aquela relaxante tarde de domingo lendo no sofá da sala: tudo isso me parece algo muito mais legal de se fazer com livros ou revistas do que com um notebook. Ok, talvez eu seja um velho que adore o cheiro dos sebos e o aroma das páginas de fanzines xerocados, e esteja minimizando o fato de que o interesse pelos formatos digitais só aumenta, e como resultado cresce cada vez mais o número de livrarias que fecham suas portas.
Que publicitários ávidos em vender e‑readers apregoem o fim do impresso é compreensível, afinal é o metiér deles garantir que qualquer bugiganga se torne revolucionária, genial e indispensável. Outra coisa é ir no turbilhão midiático e acreditar que os livros, as revistas, os jornais e os fanzines impressos desaparecerão. Na verdade, após o boom da Internet nos anos 90, todo o universo das publicações impressas — todas elas, dos fanzines aos livros — está sendo reinventado. Há novas coordenadas no interesse pelo impresso, visto (e cada vez mais será assim) não apenas como um suporte para conteúdos diversos (notícias, literatura, quadrinhos, etc) mas como um objeto. Há o nascimento de novos formatos e isso não significa a morte de outros.
No caso dos fanzines o aspecto artesanal pode ganhar milhões de possibilidades, trilhando caminhos livres de qualquer pressão comercial. O limite é a criatividade do editor em dar vida a uma publicação completamente nova, fiel retrato de sua personalidade, ideias e sentimentos. Indo além da asséptica tela plana do notebook, a insistência no papel, na cola e na tesoura encarna um olhar duplo: a nostalgia e a aposta no futuro, o trabalho de modelar materiais e técnicas antigas e o desejo de produzir objetos únicos, cheios de personalidade, pontos de rebeldia e inovação em um ambiente cultural que, embora se proponha democrático e aberto ao diferente, só sobrevive pela homogeneização.