Os ingredientes estão todos lá: a ambientação da trama em um momento distante da história dos homens, em que o natural e o sobrenatural coexistem (nem sempre em harmonia); a descrição detalhada de lugares e personagens, transportando o leitor para um universo fantástico; um conflito a ser resolvido; lutas de espada, sangue e muitas cabeças cortadas. O que, então, faz a obra de George R. R. Martin diferenciar-se de tantas outras do mesmo gênero e tornar-se sucesso editorial, com direito a adaptação para feita TV pela HBO?
Uma das respostas para essa pergunta está na forma como Martin combina todos os elementos citados acima, criando uma história que deixa o leitor o tempo todo de sobressalto.
Guerra dos tronos apresenta, em linhas muito gerais, três núcleos principais: Ned Stark e sua família, habitantes do Norte; Robert Baratheon e a família Lannister, que imperam sobre os Sete Reinos; Daenerys e Khal Drogo, este último comandante dos guerreiros nômades dothrakis. A história começa quando Jon Arryn, espécie de braço direito do rei Robert, morre e precisa ser substituído. Para a função, Robert escolhe Ned Stark, desencadeando uma série de não acontecimentos na vida dos personagens principais e dos vários (e igualmente importantes) personagens secundários que permeiam a trama.
Resumindo assim, a história parece um tanto simplista, mas acredite, não é. Os eventos que se seguem a partir desse conflito inicial são imprevisíveis, a trama torna-se complexa a intrincada, e nenhum personagem é poupado. Martin não segue a clássica fórmula da jornada do herói, por exemplo, em que um personagem aparentemente comum é “chamado” a cumprir uma missão, enfrentando inúmeros obstáculos para completá-la.
A leitura de Guerra dos tronos é um exercício de desapego literário – nada impede que, ao virar da página, seu personagem favorito sofra uma morte inesperada, ou que alguém que você entendia como o vilão da história faça algo bondoso. Não há vilões e mocinhos; é o intrincado jogo de interesses e intrigas que move os personagens, tornando o livro, assim, tão interessante. Martin tira o leitor da zona de conforto, diferente de outros títulos desse gênero, que pecam pela obviedade.
Outro traço interessante da obra é que cada capítulo é identificado pelo nome de um personagem e é sob a ótica dele, naquele momento, que sabemos o que acontece, avançando progressivamente na trama. Porém, ao fazer isso, Martin esquiva-se de descrever algumas das cenas mais esperadas no livro, o que pode gerar certa frustração durante a leitura. Algumas cenas de batalha, assim como o destino de alguns personagens, não são detalhadas, sendo resumidos em poucas linhas. Quem lê um livro de quase 600 páginas esperando um “desfecho” para algumas situações apresentadas, sem obtê-las, pode sentir essa falta, um tanto incômoda. Da mesma forma, a descrição detalhadíssima dos personagens e suas vestimentas, embora importante, às vezes parece desnecessariamente esmiuçada e deixa a trama arrastada.
Ainda assim, o saldo da história é positivo, e as ressalvas descritas acima se tornam pormenores diante da grandiosidade da obra, que amealhou alguns prêmios de melhor romance de fantasia na época de sua publicação nos Estados Unidos, em 1996.
O desenrolar do livro é surpreendente; os personagens tomam rumos inesperados e os acontecimentos, da forma como são dispostos, imprimem ritmo à trama. Guerra dos tronos faz parte de uma série de sete livros (formando As crônicas de gelo e fogo), dos quais apenas três foram lançados no Brasil. Irresistível, assim que terminar o primeiro livro, você vai querer ler o segundo volume da saga, com a certeza de que o inverno está mesmo chegando…