¨Meus desenhos são sobre esse cotidiano alienante¨ afirma o quadrinista Rafael Sica. O gaúcho é uma das promessas da nova safra de desenhistas que parece ter vindo para mudar a cara das HQs brasileiras. Sica esteve em Curitiba, no dia 23 de fevereiro, lançando o livro Ordinário (Companhia das Letras, 2011), na tradicional livraria especializada em quadrinhos, a Itiban Comic Shop. Houve sessão de autógrafos e debate sobre a obra do autor, mediado por Lielson Zeni.
Ordinário reúne tiras que Rafael Sica publica no seu blog desde 2009. que são marcadas pelo silêncio e ironias. Elas garantem muitas opiniões controversas pelos leitores do blog e provavelmente dos que lerem o livro também. O desenhista se inspira principalmente em observações, há muito sobre comportamentos obsessivos, referências cinematográficas e literárias nos seus personagem indigentes.
Rafael Sica diz que os quadrinhos falam de pessoas e que o silêncio é fundamental para isso, antecedendo a resposta na obra. Garante que tudo é dito o tempo todo, portanto a ausência de narrativa é fundamental. Além disso, reflete que o tempo da leitura de um quadrinho sem texto é diferente, mais lento. Quando está lendo histórias maiores, muitas vezes ele mesmo se viu apenas indo rapidamente de um diálogo para o outro sem nem olhar direito o desenho. Sica explica que com o silêncio, os desenhos passaram a ser mais provocativos ao leitor.
Sica não vê o seu trabalho como crítica social com função de acertar algum alvo especifico. Afirma que não levanta bandeiras e nem teorias, simplesmente aponta um segmento e que as interpretações vem de quem as lê e observa. O leitor de Ordinário e, consequentemente, do blog de Rafael Sica é também um autor. É esse observador não passivo que, com seus próprios filtros, vai dar sentido a cada quadro e metáfora surreal apresentada.
O quadrinista diz que há uma certa demora para se ter um trabalho mais autoral e que para ele, em particular, houve um processo transitório lento entre a narrativa textual e o silêncio dos quadrinhos atuais. Quando questionado sobre a ausência de diálogos ser uma ferramenta fácil para se publicar em outros países e expandir o trabalho, Sica responde que não foi esta a razão da utilização deste estilo, mas é claro que seria ótimo ver esses trabalhos em vários cantos do mundo. Entretanto, não está disposto a fazer ¨de tudo um pouco¨ para isso, ele simplesmente desenha, se der certo, ótimo. Rafael Sica conta que já teve algumas ilustrações publicadas em Buenos Aires e algumas tiras numa revista na Eslovênia, mas isso em um meio mais underground. As indicações para esses trabalhos vieram através do blog, ressaltando a importância da internet no trabalho dele.
O trabalho de Rafael Sica pode se encaixar perfeitamente no termo de ¨contemporâneo¨ por tratar de temas urbanos e das doenças comportamentais obsessivas, aparentemente comuns do dia a dia, de forma escancarada e irônica. Mas o autor faz piada sobre esses termos generalizadores, e diz que ele somente faz quadrinhos. Afirma que falta uma crítica verdadeira de HQs no Brasil e acredita que isso tende a mudar, afinal as editoras estão apostando bastante no segmento, o que não acontecia há quase duas décadas.
Rafael Sica ainda não vive dos quadrinhos, explica que isso no Brasil não é tão simples, atualmente trabalha como ilustrador e faz alguns editoriais. Além disso, o desenhista participa de projetos como o Friquinique e a revista Picabu. Ainda, quando perguntam a ele se estaria disposto a desenhar sobre qualquer assunto, diz que não, sendo essa negação uma forma de independência nos quadrinhos. Afinal, Sica afirma que possui um estilo bem particular e este certamente não combinaria com qualquer proposta.
Ordinário lembra bastante os primeiros quadrinhos de Lourenço Mutarelli, em Transubstanciação, mas com um teor menos pessimista, mais realista e hilário em muitos momentos. Até diria que os desenhos são bastante reflexivos e muitas vezes facilmente idetificáveis com situações cotidianas. Rafael Sica merece destaque nesse novo cenário que a internet permite e mesmo que amortecidos pelo hábito, vale a reflexão em torno dessas narrativas desenhadas.
Veja as fotos do evento no Flickr da Itiban.
O interrogAção gravou em áudio todo esse bate-papo e se você quiser pode escutar aqui pelo site, logo abaixo, ou baixar para o seu computador e ouvir onde preferir.
Ouça o debate completo: (clique no link abaixo para ouvir ou faça o download)
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Você é de Curitiba e prefere comprar livros pessoalmente? Então que tal passar na Itiban Comics Shop que fica na Av. Silva Jardim, 845. Ou entre em contato por telefone: (41) 3232–5367.