Category: Não Passa na TV

  • Não passa na TV: Noordzee, Texas (2011)

    Não passa na TV: Noordzee, Texas (2011)

    Sain­do do cir­cuito dos cur­tas, Bavo Defurne fez sua estreia como dire­tor de lon­ga-metragem ano pas­sa­do, exata­mente com o filme Noordzee, Texas (Bél­gi­ca, 2011), onde ele pôde explo­rar mel­hor a temáti­ca (gay) que sem­pre seguiu.

    Noordzee, Texas pode até ter um títu­lo que de cara lem­bra Paris, Texas (Win Wen­ders, 1984), mas as semel­hanças não se esten­dem para além dis­so. O filme con­ta a his­to­ria de Pim, um garo­to que mora com uma mãe sem qual­quer tato para a mater­nidade e que pas­sa o tem­po brin­can­do de se trav­e­s­tir de prince­sa. De for­ma silen­ciosa, Pim atrav­es­sa sua infân­cia toman­do con­ta de si mes­mo por con­ta da ausen­cia con­stante de sua mãe, desven­dan­do os seg­re­dos do fem­i­ni­no e ali­men­tan­do um amor impos­sív­el pelo viz­in­ho, Gino, qua­tro anos mais vel­ho. É um filme de descober­tas que não cai no clichê.

    Ao ser ques­tion­a­do a respeito do Noordzee, Texas o dire­tor não se ateve a dar ape­nas expli­cações sobre o fato de ter feito uma adap­tação literária do romance Nooit gaat dit over de Andre Sol­lie, o qual ficou muito feliz com o resul­ta­do. Defurne disse que que­ria que as pes­soas se vis­sem refleti­das em seu pro­tag­o­nista, que sen­tis­sem e se emo­cionassem como ele. Sendo assim, o obje­ti­vo do filme é rap­i­da­mente alcança­do, muito emb­o­ra deixe a dese­jar na con­sis­ten­cia nar­ra­ti­va, colocando‑a em cheque com elipses tem­po­rais soltas, a exem­p­lo do final quan­do, por aca­so, desco­b­ri­mos que 2 anos já se pas­saram. Mas nada dis­so atra­pal­ha o resul­ta­do final.

    Com um gos­to pes­soal reple­to de filmes do cin­e­ma clás­si­co dos anos 20, Defurne con­stru­iu Noordzee, Texas de for­ma del­i­ca­da, com lon­gos silên­cios e exal­tan­do sem­pre a importân­cia da per­cepção dos sen­ti­men­tos, através da lin­guagem cor­po­ral, abu­san­do de com­posições mais fechadas, diál­o­gos mais cur­tos e respostas suben­ten­di­das. E o resul­ta­do dis­so é uma his­to­ria de amor, não tem com não ser.

    As expec­ta­ti­vas de Pim ao sair diari­a­mente para a casa do ama­do e os pas­seios de fim de tarde com cli­ma de video­clipe que­bram de uma for­ma lin­da a rudez mas­culi­na e chegam a mostrar níti­da semel­hança com fotografias de cineas­tas como Spike Jonze, Wes Ander­son e Sofia Cop­po­la. Pim sor­ri com os olhos e declara seu amor sem que sequer escute­mos sua voz, tudo sob a tril­ha de um indie pop mescla­do com músi­cas bal­cãs tocadas pela mãe em um acordeon. Final­i­zo chaman­do atenção para a músi­ca Wooly Clouds da ban­da Lit­tle Auk que encan­ta tan­to quan­do o cli­ma de romance.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=f9gINU_VT0Q

  • Não Passa na TV: Lieksa! (2007)

    Não Passa na TV: Lieksa! (2007)

    Pro­duzi­do na Fin­lân­dia, Liek­sa! (Liek­sa, Fin­lân­dia, 2007), do dire­tor Markku Pölö­nen, nun­ca cru­zou real­mente o Atlân­ti­co, nun­ca foi exibido em salas de cin­e­ma da Améri­ca (exce­to fes­ti­vais), muito menos do Brasil – e ain­da que sua sorte tivesse sido difer­ente, não teria chega­do per­to do que con­sid­er­amos um filme de suces­so. Afi­nal, uma história em uma lín­gua difer­ente do inglês, foca­da na vida de um grupo de ciganos que gan­ham a vida através do tra­bal­ho das mul­heres de cos­tu­rar vesti­dos de noi­va não é sequer famil­iar – a menos que você seja um fã de Kus­turi­ca ou Wad­ja. Mas não quero com­pará-los, no máx­i­mo sug­erir que há semel­hanças de tema.

    A família em questão é a família Kop­pe­lo: grande, espaçosa (ain­da que vivam em trail­ers), com­ple­ta­mente lid­er­a­da por mul­heres, e extrema­mente pre­ocu­pa­da em man­ter sua memória, moti­vo de tan­to orgul­ho. Elas não se cansam de repe­tir a história de suas antepas­sadas, cos­tureiras do czar rus­so Nicholas II, respon­sáveis pelos mais belos vesti­dos da família real. Este parece ser o que sobrou para ser com­par­til­ha­do com quem aparece de fora.

    Abrindo a tra­ma com um seque­stro nun­ca expli­ca­do de um jovem sem nome que pas­sa a ser chama­do pela família de Kasper, Pölö­nen usa a víti­ma como o olho do públi­co aden­tran­do aque­le mun­do pitoresco e, ain­da que se envol­va na tra­ma, não o dá sequer fala. Esse parece ser o úni­co propósi­to. O jovem, que perde a fala no momen­to do seque­stro, pas­sa a con­hecer aque­las pes­soas que fogem do seu habit­u­al e no cam­in­ho para Liek­sa, se afeiçoa deles o sufi­ciente para defendê-los quan­do preciso.

    Liek­sa! tem dra­ma, romance, traição e tudo o que é pre­ciso para con­tar uma boa história de família, mas não empla­ca momen­tos de grande ten­são. Tudo parece ser ameniza­do para que o públi­co se extasie mais com a pais­agem que com uma briga exis­tente entre eles. A apos­ta vig­orosa no cenário, na fotografia (itens que ren­der­am ao filme indi­cações no país de origem) e na tril­ha sono­ra (cri­a­da pelo músi­co Tuo­mas Holopainen, do Nightwish) em detri­men­to do enre­do, trans­for­mou o filme em um pro­du­to estri­ta­mente visu­al, sem uma grande lin­ha dramáti­ca – uma difer­ença muito clara dele para com os filmes do gênero feitos no Leste Europeu — mas, sem duvi­da algu­ma, de grande beleza.

    Markku Pölö­nen, dire­tor e roteirista, é um homem “mil e uma util­i­dades”, que tem um cur­rícu­lo rec­hea­do de tra­bal­hos para TV, já escreveu peças, além de inúmeros cur­tas. Mas seu tra­bal­ho mais con­heci­do fora da Fin­lân­dia talvez seja mes­mo Liek­sa!, que a tril­ha aju­dou a difundir.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=pbhHEXHI8Vg

    Veja tam­bém o clipe da ban­da fin­lan­desa Nightwish para o lon­ga Liek­sa!:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=smiFk6KHr_8

    Angéli­ca Mar­in­ho man­tém o blog Não Pas­sa Na Tv.

  • Não Passa na TV: Toast (2010)

    Não Passa na TV: Toast (2010)

    O tal­en­to para a coz­in­ha pode não ser pra qual­quer um, mas o praz­er de com­er é iner­ente a grande maio­r­ia. Em Toast (Toast, Inglater­ra, 2010) — tor­ra­da, em por­tuguês — dirigi­do por S.J. Clark­son, a comi­da é o car­ro chefe, delin­e­an­do per­feita­mente os sen­ti­men­tos e per­son­al­i­dades das per­son­agens, e con­tan­do a história de Nigel Slater — reno­ma­do chefe de coz­in­ha britâni­co – numa com­pi­lação de exper­iên­cias que o levaram a sua incursão pela gas­trono­mia. Assim como nos pos­si­bili­ta iden­ti­ficar logo nos primeiros segun­dos a difer­ença que a paixão por algo pode faz­er na nos­sa vida. 

    O filme abre com Nigel, aos 9 anos, fazen­do com­pras com a mãe em um ven­da local, onde ele sug­ere a mãe que leve comi­da fres­ca ao invés do enlata­do de sem­pre. Pela primeira vez na vida ele quer sen­tir o sabor de uma comi­da não indus­tri­al­iza­da, e infor­ma de antemão ao espec­ta­dor que nun­ca provou um quei­jo fres­co ou um veg­e­tal que não tivesse saí­do de uma lata. Assim somos lev­a­dos, quase que ime­di­ata­mente, a pen­sar como um grande amante da culinária pôde ter saí­do de um casal que pas­sa mal quan­do come um espaguete à bolon­hesa pela primeira vez. É que essas coisas nascem com a gente, é uma sen­si­bil­i­dade aguça­da nata.

    Nigel e sua mãe, ape­sar de tal­en­tos com­ple­ta­mente opos­tos, se dão bem na coz­in­ha. Ela se esforça para enten­der a neces­si­dade do fil­ho e ele con­ser­ta os erros que ela comete, sem nun­ca soar arro­gante. Um óti­mo exem­p­lo é quan­do, ao faz­er um bolo, ela joga a far­in­ha dire­to no refratário, e ele lhe ensi­na a peneirá-la antes. Não que isso sal­vasse o bolo, claro. E Nigel entende que ape­sar de todo aque­le esforço o máx­i­mo que ela pode ofer­e­cer é uma tor­ra­da, nor­mal­mente depois de queimar o enlata­do do jan­tar. Aque­la tor­ra­da tem para ele o gos­to da infân­cia e de momen­tos bons pas­sa­dos com sua mãe.

    Dessa for­ma a primeira parte de Toast, é quase que nos­tál­gi­ca, além de extrema­mente melancóli­ca. É o momen­to das primeiras exper­iên­cias, seja coz­in­han­do um arenque defu­ma­do, apren­den­do a com­er rabanete dire­to da hor­ta ou con­hecen­do o sabor de um bolo de carne depois de uma chu­va de verão. Todas as comi­das, que não são pou­cas, são apre­sen­tadas de modo a pon­tu­ar clara­mente as fas­es da vida dele, como a nos­sa memória cos­tu­ma faz­er tão bem.

    Pas­sa­da a intro­dução com ar de jardim inglês, Toast vai toman­do uma for­ma mais obje­ti­va, o pai casa-se nova­mente, Nigel vai deixan­do de lado a ven­da imag­inária na qual brin­ca­va em seu jardim e vai dan­do for­ma ao que vem a ser sua car­reira de chefe reno­ma­do. Sem­pre se man­ten­do foca­do na relação con­tur­ba­da e cheia de carên­cias que tem com seu pai, o qual sem­pre ten­tou cati­var pelo estô­ma­go. Hele­na Bon­ham Carter, a essa altura, entra na história, mas não chega a chamar mui­ta atenção.

    Ape­sar de esti­lo próprio, em deter­mi­na­dos momen­tos o filme soa meio Amelie Poulain (Le fab­uleux des­tin d’Amélie Poulain, 2001), meio Valentin (2002) do Ale­jan­dro Agresti, mas deve­mos levar em con­sid­er­ação que S.J. Clark­son não tem uma mão tão pesa­da para estiliza­ção como Jean-Pierre Jeunet, que nos faz iden­ti­ficar seu esti­lo a met­ros de dis­tân­cia. Mes­mo com todo o res­gate con­tem­porâ­neo, e ele­vação ao sta­tus cult, que os ele­men­tos retrô rece­ber­am. Eles per­manecem ali ape­nas com­pon­do fig­u­ração, não desem­pen­han­do papel sig­ni­fica­ti­vo como acon­tece em filmes do gênero. O que vem a envolver, mar­car e emo­cionar é, sem dúvi­da, a tril­ha sono­ra, que mis­tu­ra músi­cas instru­men­tais com clás­si­cos como The Look Of Love e If You Go Away (ver­são em inglês da famosa Ne Me Quitte Pas), dan­do uma incrív­el den­si­dade e melan­co­l­ia ao que pare­cia ser uma inofen­si­va história “basea­da em fatos reais”.

    Toast é um filme que difi­cil­mente vai des­per­tar um mau sen­ti­men­to, nesse pon­to ele chega a ser até ingên­uo, e é pos­sív­el rela­cioná-lo aos out­ros filmes usan­do a sua pre­mis­sa bási­ca. Ele pode não ser um froie gras servi­do em um restau­rante chique, mas é uma tor­ra­da que mes­mo sim­ples te deixa feliz.

    Não impor­ta quão ruim fiquem as coisas, é impos­sív­el não amar a pes­soa que fez tor­radas para você. Depois de morder aque­la super­fí­cie cro­cante, e aque­la mas­sa suave que fica por baixo, e sabore­ar a man­teiga quente e sal­ga­da, você está per­di­do para sempre

    diz o pequeno Nigel.

    Angéli­ca Mar­in­ho man­tém o blog Não Pas­sa Na Tv.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=i7ZJRCVE8‑A