O talento para a cozinha pode não ser pra qualquer um, mas o prazer de comer é inerente a grande maioria. Em Toast (Toast, Inglaterra, 2010) — torrada, em português — dirigido por S.J. Clarkson, a comida é o carro chefe, delineando perfeitamente os sentimentos e personalidades das personagens, e contando a história de Nigel Slater — renomado chefe de cozinha britânico – numa compilação de experiências que o levaram a sua incursão pela gastronomia. Assim como nos possibilita identificar logo nos primeiros segundos a diferença que a paixão por algo pode fazer na nossa vida.
O filme abre com Nigel, aos 9 anos, fazendo compras com a mãe em um venda local, onde ele sugere a mãe que leve comida fresca ao invés do enlatado de sempre. Pela primeira vez na vida ele quer sentir o sabor de uma comida não industrializada, e informa de antemão ao espectador que nunca provou um queijo fresco ou um vegetal que não tivesse saído de uma lata. Assim somos levados, quase que imediatamente, a pensar como um grande amante da culinária pôde ter saído de um casal que passa mal quando come um espaguete à bolonhesa pela primeira vez. É que essas coisas nascem com a gente, é uma sensibilidade aguçada nata.
Nigel e sua mãe, apesar de talentos completamente opostos, se dão bem na cozinha. Ela se esforça para entender a necessidade do filho e ele conserta os erros que ela comete, sem nunca soar arrogante. Um ótimo exemplo é quando, ao fazer um bolo, ela joga a farinha direto no refratário, e ele lhe ensina a peneirá-la antes. Não que isso salvasse o bolo, claro. E Nigel entende que apesar de todo aquele esforço o máximo que ela pode oferecer é uma torrada, normalmente depois de queimar o enlatado do jantar. Aquela torrada tem para ele o gosto da infância e de momentos bons passados com sua mãe.
Dessa forma a primeira parte de Toast, é quase que nostálgica, além de extremamente melancólica. É o momento das primeiras experiências, seja cozinhando um arenque defumado, aprendendo a comer rabanete direto da horta ou conhecendo o sabor de um bolo de carne depois de uma chuva de verão. Todas as comidas, que não são poucas, são apresentadas de modo a pontuar claramente as fases da vida dele, como a nossa memória costuma fazer tão bem.
Passada a introdução com ar de jardim inglês, Toast vai tomando uma forma mais objetiva, o pai casa-se novamente, Nigel vai deixando de lado a venda imaginária na qual brincava em seu jardim e vai dando forma ao que vem a ser sua carreira de chefe renomado. Sempre se mantendo focado na relação conturbada e cheia de carências que tem com seu pai, o qual sempre tentou cativar pelo estômago. Helena Bonham Carter, a essa altura, entra na história, mas não chega a chamar muita atenção.
Apesar de estilo próprio, em determinados momentos o filme soa meio Amelie Poulain (Le fabuleux destin d’Amélie Poulain, 2001), meio Valentin (2002) do Alejandro Agresti, mas devemos levar em consideração que S.J. Clarkson não tem uma mão tão pesada para estilização como Jean-Pierre Jeunet, que nos faz identificar seu estilo a metros de distância. Mesmo com todo o resgate contemporâneo, e elevação ao status cult, que os elementos retrô receberam. Eles permanecem ali apenas compondo figuração, não desempenhando papel significativo como acontece em filmes do gênero. O que vem a envolver, marcar e emocionar é, sem dúvida, a trilha sonora, que mistura músicas instrumentais com clássicos como The Look Of Love e If You Go Away (versão em inglês da famosa Ne Me Quitte Pas), dando uma incrível densidade e melancolia ao que parecia ser uma inofensiva história “baseada em fatos reais”.
Toast é um filme que dificilmente vai despertar um mau sentimento, nesse ponto ele chega a ser até ingênuo, e é possível relacioná-lo aos outros filmes usando a sua premissa básica. Ele pode não ser um froie gras servido em um restaurante chique, mas é uma torrada que mesmo simples te deixa feliz.
Não importa quão ruim fiquem as coisas, é impossível não amar a pessoa que fez torradas para você. Depois de morder aquela superfície crocante, e aquela massa suave que fica por baixo, e saborear a manteiga quente e salgada, você está perdido para sempre
diz o pequeno Nigel.
Angélica Marinho mantém o blog Não Passa Na Tv.
Trailer:
httpv://www.youtube.com/watch?v=i7ZJRCVE8‑A