Fazer um filme que seja cinematograficamente inovador não é algo trivial, muito menos quando se deseja que ele chame a atenção do grande público das salas de cinema. Esse feito fica ainda mais difícil quando não é utilizado grandes efeitos especiais ou narrativas complexas, que podem muitas vezes afastar mais o público do que o instigar. “Boyhood: Da Infância à Juventude” (Boyhood, EUA, 2014) conseguiu realizar todas essas proezas, e a ideia para criá-lo veio justamente do desejo de não utilizar efeitos especiais para simular o envelhecimento dos personagens ou então utilizar diferentes atores para representar a passagem to tempo em uma história sobre o amadurecimento da infância à juventude (explicitado no desnecessário subtítulo nacional). A solução encontrada por Richard Linklater, que escreveu, dirigiu e produziu o longa, por mais maluca (e genial) que pareça, foi de filmar os mesmos atores durante 12 anos, mais ou menos uma vez por ano.
A história do filme é bem universal: acompanhamos Mason (Ellar Coltrane), dos 5 aos 18 anos, assim como os outros personagens que convivem com ele durante esse tempo. Mas o foco da história não é somente o crescimento de uma criança, mas também sobre o processo de ser pai/mãe, principalmente em um tempo onde é cada vez mais comum casais se separarem e os filhos acabam por ter duas, ou mais, pessoas que cumprem o papel dos genitores. Não temos aqui a tradicional estrutura, normalmente simplista, de um enredo de cinema, onde é fácil identificar os altos e baixos do desenvolvimento do personagem principal, que vai atravessando as suas dificuldades para, no final do longa, chegar a uma conclusão da história, seja ela positiva ou não. Apesar de Linklater ter um objetivo bem definido para o longa, o roteiro do longa estava sempre bem aberto para poder acompanhar parte das decisões de vida tomada pelo ator principal. O diretor até brinca que se Ellar decidisse virar um lutador, o filme provavelmente iria acompanhar isso de algo forma, mudando drasticamente de rumo.
A vida é um sopro, dizia Oscar Niemeyer, e é justamente assim que acompanhamos o passar do tempo em “Boyhood: Da Infância à Juventude”. Vamos pulando de um ano ao outro, algumas vezes com acontecimentos mais impactantes, outras vezes apenas com a mudança da folha calendário como fato marcante. Quando menos percebemos, já se passaram vários anos. Tudo isso sem qualquer indicação explícita, nada de “um ano depois” ou a data carimbada na tela. Tirando uma ou outra festa de aniversário e acontecimentos marcantes da história, como a candidatura do presidente Obama e a febre do Harry Potter, que ajudam a criar uma noção melhor da temporalidade dos eventos. Isso também ocorre pela escolha da trilha sonora, com os hits que marcaram cada época, que aliás é uma das grandes virtudes do filme, com bandas como Coldplay, The Hives, Foo Fighters, Cat Power, Arcade Fire, entre outros.
O que mais chama a atenção em relação ao tempo, é acompanhar como a aparência dos personagens vão se transformando. Difícil dizer se o fato de saber que todas essas mudanças são reais, as tornam mais impressionantes do que se não tivesse essa informação. Mas acredito que seria muito difícil, se não impossível, causar o mesmo impacto através dos métodos tradicionais de envelhecimento.

De início, Mason esta mais para um observador de tudo que acontece em sua volta, sempre com um olhar bem atento, mas sem qualquer poder de ação. São mudanças de cidade, separação dos pais, novas escolas… Tudo acontece a partir da sua perspectiva, na qual muitas coisas parecem não ter muito sentido, elas simplesmente acontecem. Com o tempo, ele vai amadurecendo, não só percebendo mais a complexidade da realidade a sua volta, mas também começando a ter um efeito maior sobre ela. Isso é crescer.
Se assemelhando bastante com a vida fora das telas do cinema, “Boyhood: Da Infância à Juventude” é um filme universal e muito sensível. Difícil não refletir sobre as próprias escolhas, e aquelas que ainda podemos fazer, depois e durante a imersão de 12 anos condensados em quase três horas da vida de Mason, um personagem que ainda tem uma vida toda pela frente.