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  • Festival 42, em Teresina – PI | Evento

    Festival 42, em Teresina – PI | Evento

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    O Fes­ti­val 42 acon­te­ceu no últi­mo dia 25 de maio, data recon­heci­da como o dia do Nerd, ou o dia inter­na­cional da toal­ha, o que dá na mes­ma… Na ver­dade, o nome do even­to e a comem­o­ração em torno dessa peça de ban­ho é uma hom­e­nagem ao livro “O Guia do Mochileiro das Galáx­i­as”, de Dou­glas Adams. Na obra (e na vida real), a toal­ha é um obje­to indis­pen­sáv­el para que você pos­sa se aven­tu­rar pelo espaço sider­al. E o “42”, bem, seria mel­hor você ler o livro para saber do que se tra­ta (sou con­tra spoillers).

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    Essa primeira edição do even­to teve como sede e base sec­re­ta a Casa da Cul­tura de Teresina, e con­tou com um dia inteiro de diver­sões “nérdi­cas” e “geeks”: ofic­i­nas de RPG e quadrin­hos, palestra sobre Tolkien, cin­e­ma, quadrin­hos e sobre o mun­do tec­nológi­co livre (open source), além de bate-papos com mata­dores de dragões, caçadores do sobre­nat­ur­al e espe­cial­is­tas em teo­rias da conspiração.

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    A ideia dos orga­ni­zadores, o grupo Polí­gono (for­ma­do pela livraria Quin­ta Capa Quadrin­hos e lojas Arcá­dia e Idee), é que o even­to acon­teça, pelo menos, anual­mente, procu­ran­do atrair esse públi­co grande, que, nor­mal­mente fica den­tro de casa, debruça­do sobre suas leituras e com­puta­dores, e cri­ar um espaço de inter­ação entre eles. Para isso foi pen­san­do um dos momen­tos mais diver­tidos e esper­a­dos do even­to: a gin­cana. Todos os pre­sentes no even­to foram con­vi­da­dos a par­tic­i­parem de um sorteio de equipe digna do Chapéu Sele­tor de Har­ry Porter (o Chapéu, inclu­sive, esteve lá e decidia onde cada pes­soa estaria). As equipes eram as seguintes (leia em voz alta e tente sacar a refer­ên­cia): água, ter­ra, fogo, ven­to… CORAÇÃO!

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    Durante o even­to ain­da acon­te­ce­r­am vários campe­onatos: desen­ho, mel­hor toal­ha, pior cospo­bre, Mor­tal Kom­bat 9, Tekken, Yu Gi Oh e Sum­mon­er Wars. Cada campeão dava pon­tos para sua equipe e para se definir a equipe vence­do­ra, ain­da acon­te­ceu um Quiz com per­gun­tas que ape­nas o públi­co que com­pare­ceu ao even­to pode­ria respon­der. Todos os campeões gan­haram cupons de descon­tos e pacotes de brindes. “Coração” foi a primeira equipe vence­do­ra. Qual será a próxima?

  • Por Dentro do Máscara de Ferro, de Bernardo Aurélio | HQ

    Por Dentro do Máscara de Ferro, de Bernardo Aurélio | HQ

    Será que temos de ser loucos para ser­mos heróis? Será que todos não usamos máscaras?

    Não, aqui você não encon­tra ninguém vesti­do com roupas super-col­ori­das, poderes daque­les que soltam fogo pela boca, raios pelos olhos, muito menos lutas core­ografadas. O tra­bal­ho do quadrin­ista e artic­u­lador cul­tur­al — isso, artic­u­lador: pro­du­tor de ambi­entes cul­tur­ais na área das HQs em Teresina, o que fal­ta a muitos cri­adores hoje em dia — Bernar­do Aurélio pas­sa longe das explosões gra­tu­itas dos nos­sos ama­dos heróis impe­ri­al­is­tas, mas com uma influên­cia fun­da­men­tal no seu proces­so criativo.

    por-dentro-do-mascara-de-ferro-de-bernardo-aurelio-hq-capaAntes de falar de “Por Den­tro do Más­cara de Fer­ro”, vale a pena situ­ar a importân­cia do autor na cena das HQs na cidade. Autor de “Foic­es e Facões – A Batal­ha do Jeni­pa­po” (jun­to com Caio Oliveira, seu irmão e artista dos bons, que par­tic­i­pa do livro como desen­hista con­vi­da­do), Bernar­do faz parte do Núcleo de Quadrin­hos do Piauí, onde orga­ni­za (ao lado de uma equipe muito coer­ente) feiras temáti­cas em Teresina des­de 2001 até então, movi­men­tan­do o cir­cuito dos quadrin­hos inde­pen­dentes por aqui com mui­ta responsabilidade.

    O culpo diari­a­mente por me tornar um apaixon­a­do pelos quadrin­hos há quase um ano. Depois da indi­cação de “Bat­man: Ano Um” não con­si­go parar de ler HQs. Enfim, vamos voltar ao que interessa!

    Por Den­tro do Más­cara de Fer­ro” é um livro que te atrai fisi­ca­mente. Grande, ver­mel­ho, com uma capa impos­sív­el de resi­s­tir à leitu­ra, gos­toso de segu­rar e car­regar por aí. Um difer­en­cial que gostei foi o cruza­men­to com out­ras lin­gua­gens, mar­ca­dos pela inserção do tex­to em prosa no iní­cio da história, seguin­do com seus traços em p&b, bem como a pre­ocu­pação com a pais­agem sono­ra nos momen­tos mais impor­tantes da saga. Músi­ca e HQ tran­si­tam no mes­mo espaço.

    Já no índice, Bernar­do lança para o leitor uma tril­ha indi­ca­da, pre­scrição sono­ra que des­obe­de­ci — quan­do come­cei a ler, veio out­ro barul­ho na min­ha cabeça, já que na min­ha con­strução sono­ra do per­son­agem cou­ber­am out­ros sons, como Ten Years After e alguns momen­tos de Neil Young — para exper­i­men­tar out­ras pos­si­bil­i­dades de leitu­ra e exer­cí­cios par­tic­u­lares de imaginação.

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    A cada situ­ação valiosa na tra­ma, Bernar­do faz as indi­cações sono­ras apare­cerem ao leitor, como podemos visu­alizar em Aceleran­do em mar­cha ré, com a tril­ha “Foi tudo cul­pa do amor”, de Odair José ou “As rosas não falam”, de Car­to­la, e out­ras sequên­cias musi­cais artic­u­ladas ao enre­do. Assim, Bernar­do abre espaço para ampli­ar as sen­sações do públi­co, tor­nan­do seu tra­bal­ho mais sonoro-visu­al-pop-exper­i­men­tal. Um jogo de mix­agem que deve ser feito tan­to com as músi­cas sug­eri­das e as que com­põem o uni­ver­so do leitor, sacud­in­do as exper­iên­cias do personagem.

    Numa ofic­i­na de car­ros, o jovem mecâni­co ten­ta recu­per­ar o motor de um Mav­er­ick (entra o som de Alvin Lee e Ten Years After… viu? Não pude evi­tar). Neste cenário é que a história do Más­cara ini­cia em tex­to-prosa. Sua mente está divi­di­da entre o fim de um rela­ciona­men­to e o tra­bal­ho que o con­some, a roti­na, a repetição, a von­tade de mudar o per­cur­so: “ten­ho pen­sa­do em ten­tar coisa nova (…). O prob­le­ma é esse: não sei o que quero. Só sei que pre­ciso sair dessa ofic­i­na vez ou out­ra (…)”.

    Uma inqui­etação move aque­le mecâni­co, algo esta­va fora do lugar. A oper­ação de reviv­er o Mav­er­ick foi um fra­cas­so. Fecham-se as por­tas da ofic­i­na. A pais­agem fica cada vez mais notur­na e úmi­da. Um leve chu­vis­co, daque­les leves e demor­a­dos, com relâm­pa­gos e tro­vões ao fun­do. Nos­so olho está do lado de fora da garagem aparente­mente vazia e triste, esperan­do algo acon­te­cer, pois dá pra ver lá den­tro que a luz está acesa.

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    A garagem abre. Dois faróis acen­dem (…). A Kom­bi gan­ha a rua. Den­tro dele, pela primeira vez, a alma de um aven­tureiro encon­tra aque­le botão de adren­a­li­na escon­di­do, que inje­ta bati­das fortes no peito”. Eis que explode o Más­cara de Fer­ro.

    Car­ac­ter­i­za­do por uma más­cara típi­ca dos sol­dadores, car­regan­do no seu “cin­to de util­i­dades” um maçari­co, umas chaves de boca e roda, marte­lo, pre­gos, por­cas, um cano e o “anti­go 38 do meu vel­ho pai”, o Más­cara de Fer­ro sai em bus­ca de aven­turas nas noites de Teresina.

    Entre ações frustradas como “super-herói” da noite e explo­rações das suas habil­i­dades, o Más­cara abre para nós uma reflexão que move sua cam­in­ha­da: “Será que temos de ser loucos para ser­mos heróis? Será que todos não usamos más­caras?

    por-dentro-do-mascara-de-ferro-de-bernardo-aurelio-hq-3E assim, vamos acom­pan­han­do o proces­so de autode­scober­ta do Más­cara. Após a cômi­ca “car­ga dramáti­ca” que movi­men­ta a per­for­mance do nos­so herói, ele salta pelo ar e viven­cia um con­jun­to de exper­iên­cias fun­da­men­tais para reor­ga­ni­zar seus sen­ti­men­tos, mes­mo em con­fli­to com seu mel­hor ami­go: “Algu­ma vez, da altura dess­es teus vinte e poucos anos, tu já sen­tiu uma maldita certeza de que que­ria faz­er algu­ma coisa na vida e que só o que te impe­dia era tu mes­mo?

    Cam­in­han­do por Teresina (já escu­ra), ele vai em direção aos seus fan­tas­mas, pois a sua más­cara é o instru­men­to que poten­cial­iza todas as suas von­tades mais sec­re­tas, ago­ra com­par­til­hadas entre nós. É aí que fui imag­i­nan­do os traços auto­bi­ográ­fi­cos em con­vergên­cia entre Más­cara e seu autor, que o toma como ele­men­to para explo­rar pais­agens talvez inabitadas, se não hou­vesse a armadu­ra con­struí­da para tal.

    A bus­ca por justiça, ameaça­da por um dese­jo mal com­preen­di­do? A angús­tia e a von­tade de invadir os olhos da anti­ga ama­da? Uma curiosi­dade insis­tente pela feli­ci­dade dela? Por que tomar os olhos dos out­ros? “Você ain­da não con­seguiu colo­car uma pedra por cima dis­so”? Estaria o Más­cara, (como todos nós) bus­can­do uma armadu­ra para resolver seus con­fli­tos mais ínti­mos? Quan­tas Kás­sias pre­cisamos (diari­a­mente) para exor­cizar nos­sos demônios, a fim de rein­ven­tar a noção de dese­jo e todo aque­le pó que cobre nos­sas taras? Aqui entra Mari­na Lima (na min­ha tril­ha sono­ra), situan­do o amor dos dois: “Os dois cansa­dos, de tan­to amar, empapuça­dos, pra poder fugir, os dois cansa­dos, de via­jar, mar­avil­ha­dos, pra poder fugir, enquan­to você se afas­ta me desen­ter­ro…”.

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    Nada como a água para purificar os con­fli­tos inter­nos, mes­mo com Deus cus­pin­do ver­dades que a gente não quer ouvir. Às vezes a gente toma o apren­diza­do como algo doloroso e é dessa for­ma que vejo o Más­cara, um per­son­agem que car­rega a von­tade de des­bravar todos os seus lim­ites e de con­hecer esferas que fogem das con­venções esta­b­ele­ci­das. Como invadir sem pro­teção? Como não sen­tir dor se algu­mas explo­rações podem nos cus­tar um preço alto?

    Todos os des­bravadores da vida, seja por meio líc­i­to ou não, guardam nas mochi­las suas más­caras de fer­ro, pois o cor­po não supor­ta todas as pressões: “somos tão falíveis”!

    Sen­ta­do na calça­da, con­ver­san­do com uma garo­ta per­to da Ponte Metáli­ca, talvez o Más­cara ten­ha encon­tra­do algum estil­haço que pos­sa ser útil para aliviar seus con­fli­tos. “Sabe o que acon­tece quan­do se pede algo a Deus? Ele te dá a opor­tu­nidade de provar para si mes­mo se você merece o que quer… depende mais de você e das suas escol­has do que da von­tade dele”.

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    Os demônios que o cer­cam são expul­sos para que um Amor pos­sa entrar. O Más­cara enfrenta todos os seus inimi­gos inte­ri­ores, amplia todos os seus hor­i­zontes de exper­iên­cia, para final­mente com­ple­tar seu obje­ti­vo mais impor­tante: se reen­con­trar a par­tir do outro.

    Bernar­do é o Más­cara de Fer­ro? E você? Aonde você esconde a sua? Já explodiu em si mes­mo para arran­car as armaduras que o impe­dem de viv­er um grande amor? Não seria a nos­sa más­cara um artefa­to moral­ista-con­ser­vador diante da mar­avil­hosa pos­si­bil­i­dade de tran­si­tar pelo Infer­no e por vários cor­pos ofer­e­ci­dos por Dino Buz­za­ti? A difer­ença entre Más­cara e Orfi é que aque­le não usa vio­lão para lutar con­tra seus maus espíri­tos, mas con­vergem no mes­mo “inven­tário de ‘baix­ezas’ e de ‘nobrezas’, aque­las que se abrigam no coração de todos” (TOSCANI, Cláudio).

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    Orfi sofre o luto de não cap­turar Eura e o Más­cara vive feliz, jogan­do fora sua armadu­ra para poder (final­mente) olhar sem medo para a mul­her que ama, encer­ran­do uma saga inte­ri­or, pois “pou­cas coisas no mun­do devem ser como estar no fun­do da rede com quem você quer”. A vida segue.

  • Por um Cinema plural: Entrevista com Coletivo Diagonal

    Por um Cinema plural: Entrevista com Coletivo Diagonal

    Por que não inve­stir no cin­e­ma plural?

    O Ban­di­do da Luz Ver­mel­ha (1968), de Sganzerla
    Cenas mar­cadas por anti-heróis, per­son­agens mar­gin­al­iza­dos cir­cu­lan­do em peque­nas jan­gadas à deri­va dos padrões soci­ais. Ideias lib­ertárias, onde a tra­ma acon­tece nos basti­dores, e não em cima dos holo­fotes e pirotec­nias dos pal­cos. Nasci­do no Brasil logo depois do golpe mil­i­tar (1964 – 1985), o Cin­e­ma Mar­gin­al veio ao mun­do para trans­gredir, para falar e mostrar coisas que as pes­soas não que­ri­am ouvir, já que o “cin­e­ma do sub­mun­do” não tin­ha como mis­são con­fundir ale­gria com delírio; ide­olo­gia com jabás. O Ban­di­do da Luz Ver­mel­ha (1968 — direção de Rogério Sganz­er­la) veio ousar, ino­var, trans­for­mar a lin­guagem cin­e­matográ­fi­ca. Quase cinquen­ta anos – e muitas mudanças — depois do surg­i­men­to do Cin­e­ma Mar­gin­al, o Brasil enfrenta o dile­ma de faz­er o públi­co bus­car e con­hecer, por von­tade própria, mais ini­cia­ti­vas que surgem fora das pur­puri­nas e con­fetes das grandes pro­duções cin­e­matográ­fi­cas. Com uma câmera e tripé, ou até mes­mo só com o apar­el­ho celu­lar, muitos video­mak­ers estão fazen­do do amadoris­mo um espaço de ren­o­vação e descober­ta de tal­en­tos. Na cap­i­tal do Piauí, esta­do que cir­cu­la fora do eixo da indús­tria cin­e­matográ­fi­ca do país, o pro­je­to Cole­ti­vo Diag­o­nal, encabeça­do pelo casal Aris­tides Oliveira e Meire Fer­nan­des, vem gan­han­do espaço e traçan­do novas rotas para a pro­dução audio­vi­su­al. Ao invés de queixas e súpli­cas aos órgãos gov­er­na­men­tais, uma ação con­jun­ta que procu­ra super­ar lacu­nas e pular abis­mos. O inter­ro­gAção con­ver­sou com o his­to­ri­ador e video­mak­er Aris­tides Oliveira e aden­trou um pouco no ter­reno da pro­dução inde­pen­dente dos poet­as visuais. 

    Quais os primeiros pas­sos para inau­gu­rar um cir­cuito alter­na­ti­vo de audio­vi­su­al em um lugar sem uma rota defini­da, sem tradição?

    Meire Fer­nan­des e Aris­tides Oliveira, por Dalyne Barbosa
    Através de um breve panora­ma históri­co em Teresina, podemos diz­er que já acon­te­ce­r­am cir­cuitos audio­vi­suais por aqui, mas de for­ma frag­men­tária, a par­tir de vagos incen­tivos da esfera públi­ca munic­i­pal e estad­ual, des­de os fes­ti­vais de super‑8 que rolaram nos anos 80 até a cri­ação do FESTVIDEO, na déca­da de 90, que ficou para­do por dois anos, mas, aos poucos, recu­pera a con­fi­ança do públi­co. Não temos pro­dução audio­vi­su­al sól­i­da, ape­nas alguns pon­tos iso­la­dos, tra­bal­han­do em espaços fecha­dos, que nos difi­cul­tam tomar con­hec­i­men­to sobre onde assi­s­tir tais filmes.

    O que pre­dom­i­na na cidade — em ter­mos de filmes locais — são pro­duções insti­tu­cionais, amado­ras, exper­i­men­tais, mas isso não sig­nifi­ca que “amador” seja algo de “baixa qual­i­dade”. Mes­mo saben­do que a maio­r­ia dos filmes perde um pouco na téc­ni­ca, esse exer­cí­cio já é um bom começo. Erran­do aqui e ali, a gente vai amadure­cen­do, crian­do e fazen­do, já que os “cineas­tas profis­sion­ais” não dão as caras para for­t­ale­cer e incen­ti­var os “ini­ciantes”. Enquan­to isso, inde­pen­dente de qual­quer tit­u­lação, vamos sendo ‘cineachas’, em bus­ca de espaço em salas peque­nas, mas com estil­haços de uma mino­ria valiosa.

    Não acred­i­to na per­spec­ti­va de esta­mos inau­gu­ran­do cir­cuito alter­na­ti­vo, ape­nas dan­do con­tinuidade as ausên­cias, a fal­ta de inter­esse dos gestores cul­tur­ais, lem­bran­do que eles são pagos para isso, em dar fôlego à políti­ca de for­mação e plateia para o cin­e­ma brasileiro. Esta­mos ape­nas exibindo — na medi­da do pos­sív­el — filmes de artis­tas sem “diplo­ma”, fora da can­on­iza­ção e estrelis­mo do cin­e­ma ofi­cial, ape­nas ali­men­tan­do os espaços que dev­e­ri­am ter filmes exibidos. Vale lem­brar que não esta­mos soz­in­hos nis­so, pois temos o Cineclube “Olho Mági­co”, que vem fazen­do um belo tra­bal­ho na for­mação de plateia, lá na Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Piauí.

    Con­sideran­do o ‘pan­cadão’ de audá­cia e cor­agem que é necessário para man­ter um pro­je­to de pro­dução e divul­gação de audio­vi­su­al em Teresina, o Cole­ti­vo Diag­o­nal é uma pro­pos­ta de movi­men­tação, trans­gressão ou subversão?

    Total movi­men­tação, para chamar a galera e jun­tos, assi­s­tir­mos a bons filmes.

    No seu surg­i­men­to, o cin­e­ma mar­gin­al é mar­ca­do por con­tes­tação, ideias lib­ertárias, figu­ra do anti-herói e sub­mun­do. O que car­ac­ter­i­za o cin­e­ma mar­gin­al hoje? A propósi­to, o ter­mo ‘mar­gin­al’ ain­da é válido?

    Debate na I Mostra de Cin­e­ma Mar­gin­al, em 2007
    Acred­i­to que existe um cin­e­ma mar­gin­al­iza­do, por opção. Quem quis­er ficar escon­di­do na sua excen­t­ri­ci­dade, autoex­clusão poéti­ca, tam­bém tem vaga. Ora, na con­jun­tu­ra em que nos encon­tramos, com tan­tos youtubes, vimeos, redes soci­ais pul­san­do nos­sos olhos, porque tornar-se um mar­gin­al? Com tan­tas platafor­mas de exibição gra­tu­itas, espaços de divul­gação, fóruns online, não faz sen­ti­do afir­mar que exista um “cin­e­ma mar­gin­al” (a não ser se a per­spec­ti­va do artista estiv­er lig­a­da a temáti­cas e estéti­cas inspi­radas no under­ground amer­i­cano ou no udi­gru­di brasileiro, aí é out­ro papo). Talvez não façamos parte do altar da Globo Filmes, mas se existe TV Brasil (com a aber­tu­ra esta­b­ele­ci­da entre cur­tame­trag­is­tas e o pro­gra­ma Cur­ta TV), Mostra do Filme Livre, no RJ, que pos­si­bili­ta uma ampla divul­gação dos filmes não-com­er­ci­ais a nív­el nacional, entre out­ras mostras mar­avil­hosas pelo país, bem como a pos­si­bil­i­dade de cri­ação dos cole­tivos audio­vi­suais, mar­gin­alizar o quê? Para quê?

    Aris­tides, você sem­pre crit­i­ca a pos­tu­ra da acad­e­mia e dos pesquisadores por “seques­trarem” grande parte do acer­vo cin­e­matográ­fi­co pro­duzi­do na déca­da de 1970 e “engavetarem em depar­ta­men­tos”. Por que você acha que isso acon­tece, se o DEVER da uni­ver­si­dade é (ou seria, em tese) democ­ra­ti­zar o con­hec­i­men­to e pos­si­bil­i­tar aces­so livre?

    A críti­ca que faço a respeito desse pon­to é porque pre­cisamos democ­ra­ti­zar o aces­so dos filmes lev­an­ta­dos em pesquisas acadêmi­cas para um públi­co mais amp­lo, que se encon­tra dis­tan­ci­a­do dos debates real­iza­dos por trás dos muros da uni­ver­si­dade. Filmes raros ficam pre­sos nas pági­nas de arti­gos lidos entre os próprios pesquisadores, e o que ven­ho ten­tan­do faz­er pelo Cole­ti­vo Diag­o­nal é algo sim­ples: que os filmes brasileiros não-com­er­ci­ais sejam vis­tos pela comu­nidade não-acadêmi­ca, através da real­iza­ção de mostras de cin­e­ma, cine-debates, encon­tros, entre outros.

    Vestir nos­sas cri­anças de Super-Man, ou pin­tá-las de verde igual ao Hulk? Ensi­nar nos­sos fil­hos a usar a tele­visão aprovei­tan­do seus poten­ci­ais de crit­i­ci­dade, ou entupir os olhos de filmes pirotéc­ni­cos? Por que não inve­stir no cin­e­ma plur­al? Assim, ter­e­mos a opor­tu­nidade de escol­her os anzóis pelos quais dese­jamos ser capturados.

    No últi­mo ano, o Cole­ti­vo Diag­o­nal trouxe para Teresina impor­tantes parce­rias com mineiros (Pajé Filmes) e per­nam­bu­canos. Hoje, o cin­e­ma mar­gin­al pre­cisa chegar ao públi­co ou é o públi­co que pre­cisa desco­brir o cin­e­ma fora dos grandes circuitos?

    Reto­mo e insis­to no ter­mo “mar­gin­al­iza­do”. Acred­i­to que o tra­bal­ho de gru­pos como a “Pajé Filmes”, bem como dos novos per­nam­bu­canos que apare­cem na cena audio­vi­su­al brasileira, não se encon­tram afas­ta­dos do públi­co. É o públi­co, na sua maio­r­ia, que não apre­sen­ta o mín­i­mo inter­esse em con­hecer essas pro­duções. Saiu na “Fol­ha de São Paulo” hoje (20/12/12) o resul­ta­do de uma pesquisa que afir­ma o seguinte: “Enquan­to mais de 60 filmes brasileiros aguardam para estrear nos cin­e­mas, 61% das salas do país exibem hoje estrangeiros como “O Hob­bit” ou a últi­ma parte da saga “Crepús­cu­lo”. Já a pro­dução nacional que estre­ou neste ano viu sua fatia de públi­co cair 31,8% —de 13,5% para 9,2% — em relação a 2011”. E aí? Dados como esse se repetem des­de a fase da retoma­da, lá nos idos de 1992 (já dizia Hugo Car­vana, em diál­o­go cru­cial com Nag­ib), onde nos­sos filmes – lon­gas -, mes­mo com o boom das leis de incen­ti­vo, cochicham, enquan­to os filmes ian­ques gri­tam nas salas de cin­e­ma. O espec­ta­dor brasileiro não foi edu­ca­do a assi­s­tir seus filmes. 

    Mostra Pajé Filmes, na Casa da Cul­tura — PI, por Meire Fernandes
    Retoman­do as provo­cações de Glauber Rocha no “Aber­tu­ra”, imag­i­no que sua voz ain­da ecoa neste debate. Vestir nos­sas cri­anças de Super-Man, ou pin­tá-las de verde igual ao Hulk? Ensi­nar nos­sos fil­hos a usar a tele­visão aprovei­tan­do seus poten­ci­ais de crit­i­ci­dade, ou entupir os olhos de filmes pirotéc­ni­cos? Por que não inve­stir no cin­e­ma plur­al? Assim, ter­e­mos a opor­tu­nidade de escol­her os anzóis pelos quais dese­jamos ser cap­tura­dos. Enquan­to não hou­ver uma séria coor­de­na­da políti­ca em torno da dis­tribuição de filmes nacionais nas salas de cin­e­ma, estare­mos longe de uma mudança. Leopol­do Nunes (Sec­re­taria do Audio­vi­su­al do MinC) está tra­man­do coisa boa por aí, ref­er­ente ao aces­so dessas obras. O públi­co pre­cisa sair do seden­taris­mo e procu­rar novos cir­cuitos, assim como os cir­cuitos pre­cisam tra­bal­har para con­quis­tar esse públi­co, é um jogo, um jogo duro, a ser con­quis­ta­do em lon­go prazo.

    Que tipo de pro­duções vocês recebem e divul­gam? O tra­bal­ho do Cole­ti­vo tem uma pos­tu­ra políti­ca e ideológica?

    Recebe­mos todos os tipos de filmes, nos mais vari­a­dos for­matos (web-cam, máquina fotográ­fi­ca, hand­cam), onde bus­camos dialog­ar com videoartis­tas do Brasil inter­es­sa­dos em expor seus tra­bal­hos livre­mente, para quem quis­er ver. Não sei se “lev­an­ta­mos ban­deira”, mas como não agir no cotid­i­ano sem sen­so políti­co não é?

    As novas mídias trans­for­maram a lin­guagem cin­e­matográ­fi­ca e “sopram ven­to na cal­maria”, mod­i­f­i­can­do o con­sumo de arte con­tem­porânea e desmisti­f­i­can­do o cin­e­ma hol­ly­wood­i­ano, onde se procu­ra a ven­da, o mar­ket­ing e a práti­ca de vas­cul­har o fun­do dos bol­sos do públi­co, que vira mero con­sum­i­dor. Quais as prin­ci­pais mudanças você tem obser­va­do no com­por­ta­men­to do públi­co pro­du­tor e con­sum­i­dor da séti­ma arte?

    Acho que uma peque­na parcela do públi­co está bus­can­do novi­dades, mes­mo que sejam as “vel­has novi­dades”. Essa ação micro pode ger­ar algo macro, que é a exigên­cia por filmes mais inteligentes nas salas de cin­e­ma convencionais.

    Em Teresina, o Cole­ti­vo Diag­o­nal é um pro­je­to pio­neiro. A ideia de ser exem­p­lo é desconfortável?

    Primeira for­mação do Cole­ti­vo Diag­o­nal, 2007–2008
    Real­mente não sei se existe por aqui algum grupo com esse tipo de ação (o Cine Clube Olho Mági­co pen­sa pare­ci­do com a gente), mas o que impor­ta é faz­er, sem mar­cos, delim­i­tações ou troféus. O que quer­e­mos é um data-show, tela de pro­jeção, apar­el­ho de DVD e gente… Gente para com­par­til­har de pais­agens não explo­radas. Quer­e­mos artic­u­lar novos meios de exibição audio­vi­su­al, con­for­t­avel­mente, é claro.

    Você se con­sid­era um video­mak­er à deri­va ou existe suporte sufi­ciente? A práti­ca do ‘faça você mes­mo’, con­heci­do mun­do à fora como ‘do it your­self’, viran­do até palavra de ordem para o sis­tema anárquico-rev­olu­cionário, é o úni­co motor do audio­vi­su­al independente?

    Sou amador, um pro­fes­sor que acred­i­ta no poder do cin­e­ma. Sou amador, ou aque­le que ama a liber­dade de expressão, mes­mo capen­ga, com ruí­dos, mas que acon­tece, na pul­são da urgên­cia e da autocríti­ca. Quem nos deixa à deri­va ou em ter­ra firme é o públi­co. Somos inde­pen­dentes na medi­da em que ninguém limi­ta seu proces­so cria­ti­vo. Faça, crie, deixe a críti­ca falar, traçar uma diag­o­nal nas para­le­las é o mel­hor motor inven­ti­vo que temos. 

    Que out­ros pro­je­tos semel­hantes ao Cole­ti­vo Diag­o­nal exis­tem no Brasil?

    Pela plu­ral­i­dade e democ­ra­ti­za­ção das mídias eu chamo a Pajé Filmes (MG) e Angu TV (RJ) para a roda.

    Aris­tides, encer­ramos a entre­vista mostran­do seu habitat:

    Um filme para ser assis­ti­do em nasci­men­tos: Sub­con­scius Cruelty.
    Um filme para ser assis­ti­do em funerais: Jack­ass.
    Um livro: Ao Farol, Vir­ginia Woolf.
    Uma músi­ca: Qual­quer uma de Neil Young.
    Uma imagem: Atual­mente, a últi­ma cena de Red Belt.

    No tum­blr do Cole­ti­vo Diag­o­nal você encon­tra mais infor­mações, tex­tos, arti­gos e out­ros tra­bal­hos de videomakers.

    Assista algu­mas pro­duções de Aris­tides:

    Tra­bal­ho de Aris­tides e Meire

    Tra­bal­ho de Meire Fer­nan­des: