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  • Três Dedos: Um Escândalo Animado (2009), de Rich Koslowski | HQ

    Três Dedos: Um Escândalo Animado (2009), de Rich Koslowski | HQ

    tres-dedos-um-escandalo-animado-2009-de-rich-koslowski-hqQuan­do éramos cri­anças, cor­ríamos para o sofá (ou cadeira) com o intu­ito de assi­s­tir aos desen­hos ani­ma­dos que envolvi­am per­son­agens-ani­mais, tais como Taz, Per­na­lon­ga, Tom, Jer­ry, Mick­ey, entre out­ros. Mas o que não sabíamos aca­ba de ser rev­e­la­do na obra “Três Dedos: Um escân­da­lo Ani­ma­do” (2009), de Rich Koslows­ki.

    O que muitos críti­cos acusam como um tra­bal­ho vazio ou uma “leitu­ra par­o­dís­ti­ca do mun­do encan­ta­do dos desen­hos” reflete uma ten­ta­ti­va para silen­ciar a gravi­dade no inte­ri­or do escân­da­lo expos­to neste livro.

    Em for­ma de HQ-Doc­u­men­tário, Rich inves­ti­ga os basti­dores da indús­tria cin­e­matográ­fi­ca hol­ly­wood­i­ana através de um lev­an­ta­men­to detal­ha­do que nos mostra seu surg­i­men­to, des­de o fim do cin­e­ma prim­i­ti­vo nos Esta­dos Unidos.

    Nesse con­tex­to, o leitor con­hece a vida do cineas­ta Dizzy Wal­ters, fun­dador do “cin­e­ma ani­ma­do” oci­den­tal. Com uma tra­jetória de vida mar­ca­da por crises e suces­sos, Rich apon­ta que o grande difer­en­cial de Dizzy deu-se na cor­agem de reti­rar do sub­mun­do, os artis­tas – que, por serem “desen­hos ani­ma­dos” — eram demo­niza­dos pela sociedade tradi­cional­ista norte-americana.

    Rich Koslowski
    Rich Koslows­ki

    Viven­do uma fase som­bria, “ele começou a fre­qüen­tar partes cada vez mais perigosas e pouco recomen­dadas da cidade, até que final­mente, uma noite, encon­trou-se vagan­do (…) pela ‘Ani­malân­dia’” e con­heceu – tocan­do numa boate escon­di­da — o rat­in­ho Rick­ey”. Esse encon­tro muda toda a história do cinema.

    O tal­en­to e caris­ma de Rick­ey no pal­co fez Dizzy tomar uma ati­tude arrisca­da: levar para as telas os “ani­ma­dos”, mes­mo cor­ren­do o risco de perder sua dig­nidade, pois nes­sa época, ess­es bich­in­hos sofri­am bas­tante pre­con­ceito, viven­do na mar­gin­al­i­dade e esque­ci­dos pelo poder público.

    Ser um “ani­ma­do” era noci­vo, repug­nante e assus­ta­dor. A sociedade com­pos­ta pelos humanos excluiu a raça ani­ma­da do con­vívio social e a jogou — sem o mín­i­mo de cidada­nia — nos bair­ros per­iféri­cos, no qual muitos deles vivi­am da pros­ti­tu­ição, trá­fi­co de dro­gas e ani­mação em fes­tas infan­tis, onde as cri­anças con­tratavam os “ani­ma­dos” para vio­len­tá-los em orgias envol­ven­do recheio de chi­clete sin­téti­co, refrig­er­ante com alto teor de gás e brigadeiros industriais.

    O risco em tornar um “ani­ma­do” ícone pop era alto, mas Dizzy Wal­ters investiu todo seu din­heiro no filme “Rick­ey na Fer­rovia”. Sur­preen­den­te­mente, o suces­so foi ime­di­a­to! Mes­mo com todo o ceti­cis­mo enraiza­do na críti­ca de cin­e­ma espe­cial­iza­da, as plateias humanas acla­mavam o filme como “rev­olu­cionário”.

    Rich Koslows­ki afir­ma que:

    Rap­i­da­mente, todos os grandes estú­dios de cin­e­ma começaram a pro­duzir filmes estre­la­dos por atores ani­ma­dos. Seis meses após a estréia de ‘Rick­ey na Fer­rovia’, qua­tro dos maiores estú­dios lançari­am pro­duções estre­ladas ape­nas por elen­cos de atores animados.

    Assim, a indús­tria cin­e­matográ­fi­ca de ani­mação pro­move uma avalanche de filmes mar­ca­dos pelo fra­cas­so de bil­hete­ria. Por algum moti­vo descon­heci­do, o públi­co não respon­dia pos­i­ti­va­mente ao lança­men­to dos novos filmes que sur­gi­ram após o “fenô­meno Rickey”.

    O autor entre­vista (entre ex-atores e teste­munhos da época) Hans Wurstmacher:

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    Enquan­to os filmes ani­ma­dos não estre­la­dos por Rick­ey causavam pre­juí­zos aos atrav­es­sadores, pro­du­tores e exibidores, a fama de Dizzy e seu par­ceiro lotavam as capas de revista, jor­ran­do din­heiro por todos os lados!

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    A alta cúpu­la do setor de ani­mação em Hol­ly­wood estran­hou como Dizzy e Rick­ey tornaram-se, do dia para a noite, os novos mag­natas do cin­e­ma. Algo erra­do esta­va acon­te­cen­do nos cír­cu­los inter­nos do setor.

    O suces­so de Rick­ey aumen­ta­va a cada filme real­iza­do, mas para atin­gir a fama ime­di­a­ta os artis­tas sem­pre pagam um alto preço.

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    Até o ano de 1946, ape­nas os filmes da dupla pros­per­avam, fazen­do Rick­ey tornar-se o maior super-astro ani­ma­do de todos os tem­pos, o que o lev­ou a casar-se com uma humana! A união afe­ti­va com Rosa Bel­mont pro­moveu uma grande dis­cussão étni­ca nos anos 40 nos Esta­dos Unidos: Humanos podem unir-se a Ani­ma­dos? Mes­mo com a fúria do públi­co con­ser­vador norte-amer­i­cano, sem dúvi­da, Rick­ey e Rosa que­braram os tabus em torno do amor entre seres tão distintos.

    A vida de Rick­ey e Dizzy esta­va no seu mel­hor momen­to, até que os seg­re­dos sobre o Rit­u­al são rev­e­la­dos à impren­sa a par­tir de uma denún­cia anôn­i­ma real­iza­da em 1948, que trouxe à tona um dos­siê fotográ­fi­co respon­sáv­el pela des­graça da car­reira de ambos. As ima­gens con­fir­mam: o Rit­u­al é uma ter­rív­el realidade.

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    A par­tir das ima­gens expostas por Rich, “Três Dedos” pro­move um debate com ex-atores ani­ma­dos fra­cas­sa­dos para com­preen­der a pos­sív­el lig­ação dos per­son­agens cen­trais com o escân­da­lo envol­ven­do o Ritual.

    Seria essas práti­cas macabras que o levaram à fama abso­lu­ta? É a par­tir des­ta fór­mu­la bizarra que os desen­hos ani­ma­dos con­seguem hip­no­ti­zar mil­hares de cri­anças atual­mente? Seria o “hor­ror” a palavra de ordem nas ani­mações que for­maram ger­ações de home­ns e mulheres?

    Numa rara aparição à Rich Koslows­ki, Rick­ey polemiza:

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    Comen­tários bom­bás­ti­cos bus­cam ques­tionar a indús­tria cin­e­matográ­fi­ca e avaliar o raio‑X do maior escân­da­lo da cul­tura pop nos anos 40.

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    Quem lem­bra do Pato Daniel? Engas­guin­ho? Ton­to? Liu Liu? Rapid­in­ho Rodriguez? Gafan­ho­to Can­tante? Per­nalou­ca? Frei­drich Von Gatze? Mil­lie Mar­su­pi­al? Pato Nil­do? Anti­gos grandes astros da ani­mação que hoje vivem em condições precárias, na maio­r­ia dos casos venden­do-se à indús­tria pornográ­fi­ca lig­a­da à cat­e­go­ria Zoo-She­male-Gag­fac­tor ou tra­bal­han­do nas zonas boêmias da Animalândia.

    A reper­cussão em torno do Rit­u­al pro­moveu ataques de artis­tas e políti­cos famosos (como Mar­i­lyn Mon­roe, o senador Theodore Iver­son, Mar­tin Luther King e J. F. Kennedy), que “se lev­an­taram con­tra o abu­so e trata­men­to ruim dado aos ani­ma­dos”. Poucos meses após a man­i­fes­tação de apoio aos ani­ma­dos, os mes­mo críti­cos que acusavam a indús­tria hol­ly­wood­i­ana por tais crimes sofr­eram trági­cos “aci­dentes de per­cur­so” até hoje inex­plicáveis. Have­ria algu­ma lig­ação entre essas mortes e o Ritual?

    Per­nalou­ca, após ser ques­tion­a­do por Rich sobre sua pos­sív­el lig­ação com rit­u­al, reage de for­ma surpreendente:

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    Desse modo, “Três Dedos” apre­sen­ta aos leitores o proces­so de con­strução dos mitos ani­ma­dos da TV e cin­e­ma. Anal­isa como a indús­tria da ani­mação lucra mil­hões de dólares, investin­do em filmes e séries tele­vi­si­vas infan­tis que movi­men­tam um mer­ca­do macabro, obri­g­an­do os artis­tas a se sub­me­terem ao Rit­u­al em tro­ca da fama, luxo e recon­hec­i­men­to de públi­co. Quan­do os pro­du­tores lucram tudo que podem, os jogam no esquec­i­men­to absoluto.

    O que está por trás do uni­ver­so dos filmes infan­tis? Até que pon­to nos­sos fil­hos devem con­sumir tais con­teú­dos, mar­ca­dos por uma atmos­fera de hor­ror e sub­mis­são? “Três Dedos” é um livro que pre­cisa ser lido e divul­ga­do ime­di­ata­mente nas esco­las, crech­es e aos pais mais cuida­dosos, como um aler­ta moral sobre a maldição envol­ven­do os desen­hos animados.

  • Trilogia Nikopol (2012), de Enki Bilal | HQ

    Trilogia Nikopol (2012), de Enki Bilal | HQ

    Somos todos mon­stros de nós mesmos

    trilogia-nikopol-2012-de-enki-bilal-hq-capaAo ler “Trilo­gia Nikopol”, do Enki Bilal, nos deparamos com a seguinte reflexão gilber­tiana: “Quem hoje fala de futuro, sabe­mos que fala num tem­po que já é quase pre­sente, tal a rapi­dez com que esta­mos pas­san­do de pre­sente a futuro. Nun­ca mais do que hoje o homem viveu tem­po aparente só mod­er­no já tão alcança­do pelo pós-mod­er­no e ain­da influ­en­ci­a­do pelo pré-mod­er­no”. O que um per­nam­bu­cano tem em comum com um iugoslavo?

    Ao abrir “Além do Ape­nas Mod­er­no”, de Gilber­to Freyre, e ler esse tre­cho, fiquei com von­tade de escr­ev­er sobre Bilal, um autor muito novo e difí­cil pra mim, mas que me desafiou a for­mu­lar algu­mas con­sid­er­ações sobre sua trilogia.

    A Edi­to­ra Nemo fez um óti­mo tra­bal­ho ao reunir “A Feira dos Imor­tais”, “A Mul­her Armadil­ha” e “Frio Equador” num encader­na­do auda­cioso lança­do em 2012 por aqui, traduzi­do por Fer­nan­do Scheibe.

    Enlaçan­do resum­i­da­mente as histórias, Bilal afir­ma que “se suce­dem nos três livros, cacos obsedantes e grotescos de nos­so mun­do, deuses egíp­cios ver­gonhosa­mente mal­trata­dos, um homem com nome de cidade da Ucrâ­nia (…), uma emblemáti­ca e aber­rante mul­her de pele bran­ca e cabe­los azuis nat­u­rais, ani­mais, ver­dadeiros, fal­sos (…) uma pirâmide voado­ra (…) e tam­bém histórias de amor e son­hos de cin­e­ma”. Este é o mosaico que vamos explo­rar a seguir.

    Esta­mos em março de 2023, Paris. A atmos­fera “facis­ti­za­da” da cidade — mul­ti­povoa­da e sec­ciona­da em dis­tri­tos desiguais – é alter­a­da (em ple­na farsa eleitoral) pela aparição de uma pirâmide, esta­ciona­da no céu cinzen­to, pro­por­cio­nan­do um mal-estar cole­ti­vo aos habi­tantes, sobre­viventes desse “uni­ver­so de degenerescên­cia, mis­éria e imundície”.

    Os ocu­pantes da pirâmide voado­ra exigem com­bustív­el ao dita­dor Fer­di­nand Chou­blanc. O silên­cio dele a respeito do fato “não tran­quil­iza ninguém”.

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    No inte­ri­or da pirâmide, os deuses egíp­cios estão pre­ocu­pa­dos com o sum­iço de Hórus, con­de­na­do a perder sua condição eter­na por deserção e práti­cas sub­ver­si­vas con­tra a “ordem uni­ver­sal e a san­ta eternidade”. Nesse momen­to, Anúbis, Bes, Bastet e a cúpu­la inteira tra­mavam os cam­in­hos necessários para recap­turar Hórus e obri­gar Chou­blanc a ced­er com­bustív­el à pirâmide.

    O proces­so de nego­ci­ação entre o dita­dor e os deuses fica ten­so, pois Chou­blanc sug­ere algo nada amigáv­el: “Estou pron­to a ced­er-lhes todo o com­bustív­el de que vocês neces­si­tam, (…) mas sob a condição de que vocês me con­cedam a imor­tal­i­dade em con­tra­parti­da”, pro­pos­ta que é inter­romp­i­da brus­ca­mente pelo cha­cal: “Bas­ta, Jean- Fer­di­nand Chou­blanc! Está fora de questão con­trari­ar a ordem universal!”

    O dita­dor é expul­so da pirâmide, encer­ran­do as nego­ci­ações. Para­le­lo a esse acon­tec­i­men­to, o jor­nal “A Voz Legal” (instru­men­to pux­as­aquista de Chou­blanc) pub­li­ca um con­jun­to de notí­cias que pode tumul­tu­ar ain­da mais os rumos de Paris.

    A impren­sa local tra­ta das nego­ci­ações entre Chou­blanc e Anúbis com cin­is­mo e vista grossa — típi­co dos jor­nal­is­tas “lambe-botas” dos dias de hoje -, atribuin­do tal como proces­so à “fineza diplomáti­ca”, detur­pan­do o que teste­munhamos nos basti­dores piramidais.

    Corte para a lin­ha 4 (Met­ro­pol­i­tano): Porte D’Orléans de Clig­nan­court. Em proces­so de descon­ge­la­men­to, Alcide Nikopol ain­da não con­segue lem­brar como chegou ali. Joga­do na beira dos tril­hos, a úni­ca sen­sação que o tor­tu­ra é a forte dor na região da per­na amputa­da no aci­dente aéreo da sua cela criogêni­ca. Um sono de 30 anos.

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    Eis que Hórus surge para “aux­il­iar” Nikopol com o grave fer­i­men­to, mas como para tudo é pre­cis­ar tro­car, o pás­saro lança sua pro­pos­ta: ofer­e­cer uma “per­na” (de fer­ro, extraí­da dos tril­hos) para Nikopol, e este con­ced­er seu cor­po para hospedar o espíri­to de Hórus. “E foi assim que teve lugar, no dia 03 de março de 2023, no metrô Alésia, a posse do cor­po de Alcide Nikopol por Hórus de Hierakonópolis”.

    Tal encon­tro, pro­movi­do na primeira sequên­cia da trilo­gia (“A Feira dos Imor­tais”) ger­ou uma resul­tante de forças que irá sacud­ir a supos­ta tran­quil­i­dade do gov­er­no de Chou­blanc, ali­men­tan­do con­fli­tos políti­cos ter­restres e divi­nos, pren­den­do a res­pi­ração do leitor.

    Nikopol e Hórus. Dois deser­tores, dois inimi­gos do poder, dois cor­pos em per­fei­ta sin­to­nia e con­ju­gação. Cor­pos e espíri­tos unidos, Hórus começa sua empre­ita­da e define para Nikopol seus obje­tivos na Ter­ra: depor Chou­blanc e con­stru­ir seu império. Após burlar todas as bar­reiras, final­mente Hórus manip­u­la a mente do gov­er­nante e vai dire­to ao ponto:

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    O pro­longa­men­to da história (ini­ci­a­da nos anos 80) segue com “Mul­her Armadil­ha”, expon­do a fase de Nikopol dois anos após seu inter­na­men­to (eles e Chou­blanc enlouque­ce­r­am com a exper­iên­cia men­tal via-Hórus).

    Através de um lev­an­ta­men­to hemero­grá­fi­co da época, Bilal cos­tu­ra o panora­ma políti­co do perío­do que Hórus/Nikopol pro­movem o golpe à Chou­blanc, para situ­ar o leitor historicamente.

    Após ser con­de­na­do e iso­la­do numa câmara criogêni­ca, Hórus é lib­er­ta­do aci­den­tal­mente e vol­ta com tudo, rein­cor­po­ran­do-se ao cor­po de Nikopol, à contragosto.

    Para­le­lo a este núcleo nar­ra­ti­vo, Bilal nos apre­sen­ta mais dois per­son­agens: o fil­ho de Nikopol (idên­ti­co, com a mes­ma idade do pai) e Jill, uma mul­her bran­ca, de lábios, lágri­mas e cabe­los azuis. Hórus artic­u­la um encon­tro entre Jill e Nikopol, ini­cian­do um triân­gu­lo amoroso-sex­u­al muito útil para os obje­tivos da ave. Os três via­jam ao Egi­to, em bus­ca de um escon­der­i­jo ade­qua­do para escapar da pirâmide voado­ra, que está caçan­do nova­mente Hórus.

    A Mul­her Armadil­ha” bus­ca con­stru­ir um espaço de con­vivên­cia entre os per­son­agens, crian­do os laços necessários para desen­volver as afe­tivi­dades entre Jill e Nikopol, habil­mente con­tro­la­da por Hórus, que visu­al­iza em Jill uma arma potente para con­cretizar seus planos megalomaníacos.

    E assim, Hórus foge do Cairo (Anúbis desco­bre seu escon­der­i­jo) com sua artil­haria pro­te­gi­da: o seu império ini­cia aqui, pois a ponte para a eternidade esta­va dev­i­da­mente acer­ta­da. Jill acred­i­ta que:

    Nos­sa par­ti­da pre­cip­i­ta­da, provo­ca­da pela chega­da da Pirâmide voado­ra ao Cairo, tin­ha um cer­to ar de jogo que não me desagra­da­va. Isso me per­mi­tia, em todo caso, não me faz­er per­gun­tas demais sobre o nasci­men­to de min­has estra­nhas relações com a dupla Nikopol/Hórus, sobre a qual ignoro até hoje, quase tudo”.

    A nave segue rumo ao “Frio Equador”, onde os dois se sep­a­ram e o amor vira son­ho de cin­e­ma. Bilal gos­ta de pro­duzir novos hor­i­zontes para suas histórias, tran­si­tan­do dos quadrin­hos para o cin­e­ma sem­pre que pos­sív­el. É o que podemos con­ferir em adap­tações audio­vi­suais como Bunker Palace Hotel (1989), Tykho Moon — Seg­re­dos da Eternidade (1996) e Immor­tel (ad vitam) (2004), basea­do na trilo­gia Nikopol.

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    Nas suas leituras cin­e­matográ­fi­cas, a adap­tação resul­ta numa “descon­strução” do núcleo nar­ra­ti­vo das HQs, para ger­ar um novo sen­ti­do aos per­son­agens em con­fli­to, como se fos­se uma “exten­são” do que lemos, um pós-história, o que arrisco a chamar de pós-história exper­i­men­tal, para efe­t­u­ar novos rabis­cos no cor­po dos atores, uma per­for­mance em proces­so de ree­scri­ta do tex­to orig­i­nal. Bilal acred­i­ta que suas tra­mas podem ir além dos desen­hos e faz uma exigên­cia: com­por novas pos­si­bil­i­dades aos seus mun­dos, ele quer músi­ca, movi­men­to, mise en scene. Out­ros des­fe­chos para cri­ar out­ras sensibilidades.

    A trilo­gia é recon­fig­u­ra­da num mix de histórias que cruzam out­ros inter­ess­es de Bilal no uni­ver­so Nikopol. Mais nomes, out­ras cores, ten­sões políti­cas ree­scritas surgem para o autor explo­rar livre­mente, tor­nan­do o cin­e­ma fun­da­men­tal para suas vivên­cias estéti­cas em andamento.

    O peso dos tons envel­he­ci­dos de um futuro em crise é sub­sti­tuí­do pela lev­eza azu­la­da de Jill e da ani­mação com­puta­doriza­da, que dis­tan­cia-se dos odores mal-cheirosos, da neve suja de lama, do con­cre­to mal con­ser­va­do e da imagem vis­cer­al expostas na HQ.

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    A pais­agem audio­vi­su­al de “Immor­tel (ad vitam)” é com­pos­ta por uma nova estru­tu­ra nar­ra­ti­va, que serve como suporte para con­stru­ir vari­a­dos exer­cí­cios de cri­ação na jor­na­da dos per­son­agens cen­trais. Aqui podemos sen­tir uma Jill menos rad­i­cal. Aqui ela é car­ente de suas ori­gens, amáv­el e frágil.

    Nos­so Nikopol é menos rús­ti­co, sedu­tor e firme em seus posi­ciona­men­tos per­ante Hórus. Este man­tém sua rigidez — como lemos na trilo­gia — crian­do sua platafor­ma de per­pet­u­ação e con­t­role do plan­e­ta a lon­go pra­zo, toman­do o cor­po de Nikopol como ponte para a vin­gança con­tra os deuses mag­istra­dos do Egi­to (no filme, tal ação é mais “explica­ti­va” do que no texto-base).

    Uma opor­tu­nidade para ampli­ar os hor­i­zontes cria­tivos de Paris pós-tudo. Um cam­in­ho sofisti­ca­do para per­pet­u­ar o lega­do de Hórus, mais difun­di­da ao públi­co não-leitor ou já fã do tra­bal­ho de Bilal (talvez os mais “lig­a­dos ao tex­to-HQ” não aceit­em este per­cur­so, mas, quem se impor­ta? Se o filme é uma par­ti­tu­ra regi­da pelo próprio cri­ador?). Goran Vejvo­da pro­duz uma sonori­dade-sen­so­r­i­al pen­e­trante em todos os momen­tos, cor­ta­da brus­ca­mente por um hap­py-end que deixa a dese­jar, mas nada prej­udique o con­jun­to da obra. Lança­do em 2004, “Immor­tel (ad vitam)” merece atenção e uma cuida­dosa análise com­par­a­ti­va com os quadrinhos.

    trilogia-nikopol-2012-de-enki-bilal-hq-4E assim, tomo essa obra como ele­men­to de reflexão sobre o mal-estar do autor per­ante o futuro, que se aprox­i­ma-chega de for­ma assus­ta­do­ra. Um futuro cin­za, demar­ca­do pela deses­per­ança do homem pelo homem, este ati­ra­do numa dis­pu­ta ani­malesca pelo con­t­role do Out­ro e de si.

    Vejo nes­ta trilo­gia a expec­ta­ti­va de um vir-a-ser despedaça­do, cor­pos endure­ci­dos pelo fas­cis­mo tri­un­fante, gov­er­na­do por tira­nos cada vez mais enlouque­ci­dos pelo poder. Uma sociedade regi­da pela sep­a­ração e vio­lên­cia aos “pan­fletários”.

    O homem e a mul­her: sui­ci­das em poten­cial. É pre­ciso tomar os com­prim­i­dos de Jill? Os gatos telepatas serão nos­sos mel­hores ami­gos em tem­pos de enges­sa­men­to do amor e do esgo­ta­men­to da con­fi­ança? Como escapar ao olho mor­tal do KKDZO? Seria a sel­va de Equador City o Eldo­ra­do pós-pós-tudo? As prisões criogêni­cas são penal­i­dades ou o pas­s­aporte para a fuga des­ta ger­ação? Hórus e Chou­blanc encar­nam tem­po­ral­i­dades que rev­e­lam rup­tura o con­tin­uís­mo com o pre­sen­tepas­sad­o­fu­turo? Nikopol é a zona inter­mediária do tem­po tríbio gilber­tiano? Nos­so des­ti­no está sela­do ao impul­so autode­stru­ti­vo? Somos Além de Ape­nas Mod­er­nos ou Aquém de Nos­sas Expectativas?

    Nikopol é uma “real­i­dade [insur­gente] na qual se cruzam sobre­vivên­cias, [pro­jeções] e ante­ci­pações”. Seu cor­po é a “fusão tem­po­ral [que] com­ple­ta [Hórus] e o per­eniza. Eterniza‑o em épocas para além e para aquém do pensamento”.

    Bilal provo­ca uma série de questões que somente as próx­i­mas ger­ações irão respon­der, num futuro bem próx­i­mo, pos­sív­el e cru­el. Nikopol nos deixa uma lição que fica clara aos leitores do pas­sado­p­re­sente: somos mon­stros de nós mesmos.

  • Local (2008–09), de Brian Wood e Ryan Kelly | HQ

    Local (2008–09), de Brian Wood e Ryan Kelly | HQ

    Capa do Vol. 1
    Capa do Vol. 1

    À primeira vista, quan­do peguei, por aca­so, o mate­r­i­al de Bri­an Wood (roteiro) e Ryan Kel­ly (arte) na livraria Quin­ta Capa (a mais legal de Teresina), tive basi­ca­mente a intenção de atu­alizar algu­mas leituras ain­da descon­heci­das por mim na cena dos quadrin­hos. A sen­sação que tive (não sei explicar o moti­vo) ao tatear “Local” foi de encon­trar algo na lin­ha nar­ra­ti­va de Craig Thomp­son em “Retal­hos”, por imag­i­nar que o eixo temáti­co seria pare­ci­do. Feliz­mente esta­va engana­do, e o uni­ver­so que se abriu foi out­ro bem difer­ente, lin­do por sinal.

    Local” expõe a importân­cia dos lugares e das cam­in­hadas que faze­mos pelos espaços. No iní­cio da leitu­ra, tive pre­con­ceito em achar que a história não teria uma potên­cia poéti­ca uni­ver­sal na lin­ha de tra­bal­hos autorais como de Emilio Fra­ia e DW Rib­ats­ki (“Cam­po em Bran­co”) ou do próprio Craig, mas não. Mes­mo com uma nar­ra­ti­va que fre­qüen­ta ambientes/paisagens estadunidens­es, o impacto da obra uni­ver­sal­iza o que somos e o que podemos ser… É surpreendente!

    Estru­tu­ra­do em 12 capí­tu­los “auto­con­ti­dos” (encader­na­do em dois vol­umes: “Pon­to de Par­ti­da” e “Fim da Jor­na­da”, pelo Devir Livraria), as histórias estão demar­cadas na vida de Megan McK­eenan, uma jovem em bus­ca de novas exper­iên­cias, que segue via­jan­do pelos EUA atrás de si mesma.

    Cada capí­tu­lo situa Megan numa cidade-aven­tu­ra, no qual ela vive uma série de situ­ações cotid­i­anas com pes­soas nor­mais, que vivem seus prob­le­mas, suas con­quis­tas, afe­tivi­dades e deses­per­os, que nem sem­pre é fácil de enten­der: um mer­gul­ho nas particularidades.

    local-2008-09-de-brian-wood-e-ryan-kelly-hq-3Entre empre­gos, namora­dos, sus­tos, exper­iên­cias cul­tur­ais, decepções e ima­turi­dades, Megan nos encan­ta com sua von­tade de descen­trar o Eu que a habi­ta, pul­ver­izan­do as raízes que a pren­dem no chão, car­regan­do nas costas sua mochi­la rec­hea­da de dese­jos e son­hos. Que­brar as lin­has rígi­das do mapa e com­preen­der-se enquan­to car­tografia: se jog­ar sem medo ou cul­pa, pelo Não do previsível.

    Megan cam­in­ha pela cidade encarando‑a como um lab­o­ratório de sen­si­bil­i­dades. Talvez ela não com­preen­da ini­cial­mente a força dos ele­men­tos afe­tivos que está crian­do, mas do decor­rer da nar­ra­ti­va é pos­sív­el acom­pan­har que cada espaço prat­i­ca­do rep­re­sen­ta uma micro-rev­olução fun­da­men­tal na con­strução da sua personalidade.

    Megan muda seu olhar para o mun­do a cada apren­diza­do vivi­do. Poten­cial­iza os estil­haços recol­hi­dos dos con­fron­tos urbanos inte­ri­ores e das pes­soas que habitam estas ten­sões. Ser a soma dos cruza­men­tos das avenidas, dos gri­tos e estouros alheios, dos par­ceiros de quar­to mal-resolvi­dos, do irmão prob­lemáti­co e dos corações-fan­tas­mas. Histórias muitas vezes incon­clusas, encer­radas às pres­sas com um bil­hete de despedida.

    A paixão de Megan pela fuga/deambulação/desprendimento dos cen­tros de fix­idez vem des­de a infân­cia, quan­do avisa­va para a mãe que esta­va fug­in­do para algum lugar e tin­ha como respos­ta: “Mas daqui a pouco é hora de jan­tar. O que você vai com­er? Quem vai coz­in­har pra você?”.

    Capa do Vol. 2
    Capa do Vol. 2

    Sua primeira ten­ta­ti­va de explo­rar o mun­do foi frustra­da, pois não pas­sou do “car­val­ho no nos­so quin­tal da frente”. A supos­ta “indifer­ença” da mãe em torno das fugas era, na ver­dade, um incen­ti­vo para que Megan seguisse seu des­ti­no sem medo de sonhar.

    Enquan­to nos­sas mães nos sufo­cam com pro­teção e mimo, “ela esta­va removen­do qual­quer obstácu­lo que sur­gisse no meu cam­in­ho. Ela que­ria que eu me sen­tisse livre”. A mãe era víti­ma de uma pro­fun­da prisão inte­ri­or, e não dese­ja­va o mes­mo à filha.

    A mãe atua como espaço livre de trav­es­sia para o mun­do em con­strução. A figu­ra pater­na aparece como ele­men­to repres­sor na jor­na­da, mas nada que atra­pal­he seus obje­tivos: “Meu pai nun­ca a desafiou [mãe], nun­ca levan­tou um dedo para tirá-la da sua roti­na diária. Acho que na cabeça dela, me lim­i­tar seria uma for­ma de mau trato”.

    Apren­den­do com a mãe que o desprendi­men­to rep­re­sen­ta os son­hos e a esper­ança da liber­dade, Megan só encer­ra sua cam­in­ha­da quan­do a pontes entre o coração mater­no e o mun­do rompem-se com a vio­lên­cia ines­per­a­da da morte.

    Após o falec­i­men­to da mãe, é hora de voltar. A dis­per­são e a iden­ti­dade flâneur con­vertem-se em fechadu­ra-por­ta-casa. Ago­ra é pre­ciso sen­tar no sofá, tomar um leite quente e ser impor­tu­na­da por todos os espíri­tos que o pas­sa­do guardou na mochi­la. Quan­tos ter­ritórios te perseguem? Quan­do amores não enter­ra­dos te per­tur­bam? Quan­tas feri­das não cica­trizaram na memória? Qual o preço de per­cor­rer tan­tos uni­ver­sos em bus­ca da liber­dade? Os fan­tas­mas “querem saber por que você os abandonou?”.

    local-2008-09-de-brian-wood-e-ryan-kelly-hq-4O trân­si­to pelo mun­do é encer­ra­do (por enquan­to) na casa da fale­ci­da mãe, em Ver­mont, soz­in­ha. O lar mater­no é chave para o auto-con­hec­i­men­to. Recol­her-se para o des­can­so, até que novas aven­turas e con­vites para futur­os saltos apareçam por aí.

    Meu primeiro instin­to é fugir, ir emb­o­ra, sim­ples­mente se esqui­var da questão e evi­tar a situ­ação. Mas não há pra onde fugir. Por que fui emb­o­ra todas aque­las vezes? Eu não sei por quê!”

    Num encon­tro com o espíri­to da mãe, ela con­fes­sa que suas fugas pelo mun­do resul­taram em pro­fun­das crises exis­ten­ci­ais. A solidão da cam­in­ha­da a obrigou a enten­der seus con­fli­tos pes­soais soz­in­ha, já que, até então, nun­ca com­preen­deu por que as pes­soas foram tão hor­ríveis com ela, porque esta­va deslo­ca­da de tudo.

    Pre­cisamos sen­tir saudade, talvez esse foi o erro de Megan: neg­li­gen­ciar tal sentimento.

    local-2008-09-de-brian-wood-e-ryan-kelly-hq-5Sen­ta­da na varan­da da vel­ha casa, ela pen­sa: “No fim, o que real­mente impor­ta­va era o que eu pen­sa­va, como eu respon­dia às min­has próprias per­gun­tas. Demor­ei muito tem­po pra perce­ber isso. E com o tem­po, eu fiquei ver­dadeira­mente feliz comi­go mesma.”

    O retorno ao anti­go lar move a per­gun­ta final: “A sua cidade natal se impor­ta com você?”

    Somos como Megan. Sujeitos em construção/contradição. Um pedaço de muitos lugares, cacos de muitas esquinas, retal­hos de amores feri­dos, rup­turas em bus­ca de aconchego, mutações diárias, ilhas descon­heci­das. Somos conexões de olhares e sabores de cidades pas­sadas. De nen­hum lugar, de todos os lugares.

    No final, o cheiro da infân­cia nos tor­na pes­soas fortes.

  • Por Dentro do Máscara de Ferro, de Bernardo Aurélio | HQ

    Por Dentro do Máscara de Ferro, de Bernardo Aurélio | HQ

    Será que temos de ser loucos para ser­mos heróis? Será que todos não usamos máscaras?

    Não, aqui você não encon­tra ninguém vesti­do com roupas super-col­ori­das, poderes daque­les que soltam fogo pela boca, raios pelos olhos, muito menos lutas core­ografadas. O tra­bal­ho do quadrin­ista e artic­u­lador cul­tur­al — isso, artic­u­lador: pro­du­tor de ambi­entes cul­tur­ais na área das HQs em Teresina, o que fal­ta a muitos cri­adores hoje em dia — Bernar­do Aurélio pas­sa longe das explosões gra­tu­itas dos nos­sos ama­dos heróis impe­ri­al­is­tas, mas com uma influên­cia fun­da­men­tal no seu proces­so criativo.

    por-dentro-do-mascara-de-ferro-de-bernardo-aurelio-hq-capaAntes de falar de “Por Den­tro do Más­cara de Fer­ro”, vale a pena situ­ar a importân­cia do autor na cena das HQs na cidade. Autor de “Foic­es e Facões – A Batal­ha do Jeni­pa­po” (jun­to com Caio Oliveira, seu irmão e artista dos bons, que par­tic­i­pa do livro como desen­hista con­vi­da­do), Bernar­do faz parte do Núcleo de Quadrin­hos do Piauí, onde orga­ni­za (ao lado de uma equipe muito coer­ente) feiras temáti­cas em Teresina des­de 2001 até então, movi­men­tan­do o cir­cuito dos quadrin­hos inde­pen­dentes por aqui com mui­ta responsabilidade.

    O culpo diari­a­mente por me tornar um apaixon­a­do pelos quadrin­hos há quase um ano. Depois da indi­cação de “Bat­man: Ano Um” não con­si­go parar de ler HQs. Enfim, vamos voltar ao que interessa!

    Por Den­tro do Más­cara de Fer­ro” é um livro que te atrai fisi­ca­mente. Grande, ver­mel­ho, com uma capa impos­sív­el de resi­s­tir à leitu­ra, gos­toso de segu­rar e car­regar por aí. Um difer­en­cial que gostei foi o cruza­men­to com out­ras lin­gua­gens, mar­ca­dos pela inserção do tex­to em prosa no iní­cio da história, seguin­do com seus traços em p&b, bem como a pre­ocu­pação com a pais­agem sono­ra nos momen­tos mais impor­tantes da saga. Músi­ca e HQ tran­si­tam no mes­mo espaço.

    Já no índice, Bernar­do lança para o leitor uma tril­ha indi­ca­da, pre­scrição sono­ra que des­obe­de­ci — quan­do come­cei a ler, veio out­ro barul­ho na min­ha cabeça, já que na min­ha con­strução sono­ra do per­son­agem cou­ber­am out­ros sons, como Ten Years After e alguns momen­tos de Neil Young — para exper­i­men­tar out­ras pos­si­bil­i­dades de leitu­ra e exer­cí­cios par­tic­u­lares de imaginação.

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    A cada situ­ação valiosa na tra­ma, Bernar­do faz as indi­cações sono­ras apare­cerem ao leitor, como podemos visu­alizar em Aceleran­do em mar­cha ré, com a tril­ha “Foi tudo cul­pa do amor”, de Odair José ou “As rosas não falam”, de Car­to­la, e out­ras sequên­cias musi­cais artic­u­ladas ao enre­do. Assim, Bernar­do abre espaço para ampli­ar as sen­sações do públi­co, tor­nan­do seu tra­bal­ho mais sonoro-visu­al-pop-exper­i­men­tal. Um jogo de mix­agem que deve ser feito tan­to com as músi­cas sug­eri­das e as que com­põem o uni­ver­so do leitor, sacud­in­do as exper­iên­cias do personagem.

    Numa ofic­i­na de car­ros, o jovem mecâni­co ten­ta recu­per­ar o motor de um Mav­er­ick (entra o som de Alvin Lee e Ten Years After… viu? Não pude evi­tar). Neste cenário é que a história do Más­cara ini­cia em tex­to-prosa. Sua mente está divi­di­da entre o fim de um rela­ciona­men­to e o tra­bal­ho que o con­some, a roti­na, a repetição, a von­tade de mudar o per­cur­so: “ten­ho pen­sa­do em ten­tar coisa nova (…). O prob­le­ma é esse: não sei o que quero. Só sei que pre­ciso sair dessa ofic­i­na vez ou out­ra (…)”.

    Uma inqui­etação move aque­le mecâni­co, algo esta­va fora do lugar. A oper­ação de reviv­er o Mav­er­ick foi um fra­cas­so. Fecham-se as por­tas da ofic­i­na. A pais­agem fica cada vez mais notur­na e úmi­da. Um leve chu­vis­co, daque­les leves e demor­a­dos, com relâm­pa­gos e tro­vões ao fun­do. Nos­so olho está do lado de fora da garagem aparente­mente vazia e triste, esperan­do algo acon­te­cer, pois dá pra ver lá den­tro que a luz está acesa.

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    A garagem abre. Dois faróis acen­dem (…). A Kom­bi gan­ha a rua. Den­tro dele, pela primeira vez, a alma de um aven­tureiro encon­tra aque­le botão de adren­a­li­na escon­di­do, que inje­ta bati­das fortes no peito”. Eis que explode o Más­cara de Fer­ro.

    Car­ac­ter­i­za­do por uma más­cara típi­ca dos sol­dadores, car­regan­do no seu “cin­to de util­i­dades” um maçari­co, umas chaves de boca e roda, marte­lo, pre­gos, por­cas, um cano e o “anti­go 38 do meu vel­ho pai”, o Más­cara de Fer­ro sai em bus­ca de aven­turas nas noites de Teresina.

    Entre ações frustradas como “super-herói” da noite e explo­rações das suas habil­i­dades, o Más­cara abre para nós uma reflexão que move sua cam­in­ha­da: “Será que temos de ser loucos para ser­mos heróis? Será que todos não usamos más­caras?

    por-dentro-do-mascara-de-ferro-de-bernardo-aurelio-hq-3E assim, vamos acom­pan­han­do o proces­so de autode­scober­ta do Más­cara. Após a cômi­ca “car­ga dramáti­ca” que movi­men­ta a per­for­mance do nos­so herói, ele salta pelo ar e viven­cia um con­jun­to de exper­iên­cias fun­da­men­tais para reor­ga­ni­zar seus sen­ti­men­tos, mes­mo em con­fli­to com seu mel­hor ami­go: “Algu­ma vez, da altura dess­es teus vinte e poucos anos, tu já sen­tiu uma maldita certeza de que que­ria faz­er algu­ma coisa na vida e que só o que te impe­dia era tu mes­mo?

    Cam­in­han­do por Teresina (já escu­ra), ele vai em direção aos seus fan­tas­mas, pois a sua más­cara é o instru­men­to que poten­cial­iza todas as suas von­tades mais sec­re­tas, ago­ra com­par­til­hadas entre nós. É aí que fui imag­i­nan­do os traços auto­bi­ográ­fi­cos em con­vergên­cia entre Más­cara e seu autor, que o toma como ele­men­to para explo­rar pais­agens talvez inabitadas, se não hou­vesse a armadu­ra con­struí­da para tal.

    A bus­ca por justiça, ameaça­da por um dese­jo mal com­preen­di­do? A angús­tia e a von­tade de invadir os olhos da anti­ga ama­da? Uma curiosi­dade insis­tente pela feli­ci­dade dela? Por que tomar os olhos dos out­ros? “Você ain­da não con­seguiu colo­car uma pedra por cima dis­so”? Estaria o Más­cara, (como todos nós) bus­can­do uma armadu­ra para resolver seus con­fli­tos mais ínti­mos? Quan­tas Kás­sias pre­cisamos (diari­a­mente) para exor­cizar nos­sos demônios, a fim de rein­ven­tar a noção de dese­jo e todo aque­le pó que cobre nos­sas taras? Aqui entra Mari­na Lima (na min­ha tril­ha sono­ra), situan­do o amor dos dois: “Os dois cansa­dos, de tan­to amar, empapuça­dos, pra poder fugir, os dois cansa­dos, de via­jar, mar­avil­ha­dos, pra poder fugir, enquan­to você se afas­ta me desen­ter­ro…”.

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    Nada como a água para purificar os con­fli­tos inter­nos, mes­mo com Deus cus­pin­do ver­dades que a gente não quer ouvir. Às vezes a gente toma o apren­diza­do como algo doloroso e é dessa for­ma que vejo o Más­cara, um per­son­agem que car­rega a von­tade de des­bravar todos os seus lim­ites e de con­hecer esferas que fogem das con­venções esta­b­ele­ci­das. Como invadir sem pro­teção? Como não sen­tir dor se algu­mas explo­rações podem nos cus­tar um preço alto?

    Todos os des­bravadores da vida, seja por meio líc­i­to ou não, guardam nas mochi­las suas más­caras de fer­ro, pois o cor­po não supor­ta todas as pressões: “somos tão falíveis”!

    Sen­ta­do na calça­da, con­ver­san­do com uma garo­ta per­to da Ponte Metáli­ca, talvez o Más­cara ten­ha encon­tra­do algum estil­haço que pos­sa ser útil para aliviar seus con­fli­tos. “Sabe o que acon­tece quan­do se pede algo a Deus? Ele te dá a opor­tu­nidade de provar para si mes­mo se você merece o que quer… depende mais de você e das suas escol­has do que da von­tade dele”.

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    Os demônios que o cer­cam são expul­sos para que um Amor pos­sa entrar. O Más­cara enfrenta todos os seus inimi­gos inte­ri­ores, amplia todos os seus hor­i­zontes de exper­iên­cia, para final­mente com­ple­tar seu obje­ti­vo mais impor­tante: se reen­con­trar a par­tir do outro.

    Bernar­do é o Más­cara de Fer­ro? E você? Aonde você esconde a sua? Já explodiu em si mes­mo para arran­car as armaduras que o impe­dem de viv­er um grande amor? Não seria a nos­sa más­cara um artefa­to moral­ista-con­ser­vador diante da mar­avil­hosa pos­si­bil­i­dade de tran­si­tar pelo Infer­no e por vários cor­pos ofer­e­ci­dos por Dino Buz­za­ti? A difer­ença entre Más­cara e Orfi é que aque­le não usa vio­lão para lutar con­tra seus maus espíri­tos, mas con­vergem no mes­mo “inven­tário de ‘baix­ezas’ e de ‘nobrezas’, aque­las que se abrigam no coração de todos” (TOSCANI, Cláudio).

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    Orfi sofre o luto de não cap­turar Eura e o Más­cara vive feliz, jogan­do fora sua armadu­ra para poder (final­mente) olhar sem medo para a mul­her que ama, encer­ran­do uma saga inte­ri­or, pois “pou­cas coisas no mun­do devem ser como estar no fun­do da rede com quem você quer”. A vida segue.

  • Revolta! | HQ da Semana

    Revolta! | HQ da Semana

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    Notí­cias sobre cor­rupção no gov­er­no não são nen­hu­ma grande novi­dade e estão cada vez mais pre­sentes no nos­so cotid­i­ano. É difí­cil não mostrar cer­ta indig­nação a respeito do assun­to em con­ver­sas com nos­sos con­heci­dos e ami­gos, fican­do a dis­cussão ain­da mais acalo­ra­da em bares, onde o efeito do álcool se une ao forte sen­ti­men­to de indig­nação. Quem aqui nun­ca pen­sou que talvez seria mais fácil se alguém colo­casse uma bala na cabeça dess­es políti­cos cor­rup­tos para resolver de vez a situação?

    É jus­ta­mente a notí­cia de uma pes­soa que resolveu tomar esta ati­tude, que cin­co ami­gos escu­tam na tele­visão enquan­to estão beben­do no bar, con­ver­san­do sobre suas revoltas com a situ­ação políti­ca do país. Na saí­da, eles acabam esbar­ran­do com esse mas­cara­do assas­si­no e a vida de todos atrav­es­sa uma pro­fun­da trans­for­mação. Assim começa “Revol­ta!”, uma HQ rote­i­riza­da e desen­ha­da pelo curitibano André Cal­i­man, pub­li­ca­da men­salmente, des­de out­ubro de 2012, em seu blog ofi­cial.

    revolta-hq-da-semana-2O pro­je­to ini­ciou antes das primeiras passeatas do país, quan­do ain­da paira­va no ar um cli­ma descon­fortáv­el de cal­maria. Na época, André (que é tam­bém escritor, ilustrador, car­i­ca­tur­ista e pro­fes­sor), que­ria faz­er algo mais autoral, que fos­se rel­e­vante e falasse sobre o momen­to atu­al brasileiro. Quan­do começou a pub­licar a história na inter­net, viu que ela pode­ria tomar pro­porções bem maiores e que tam­bém havia uma cer­ta urgên­cia para pub­licá-la, pois a real­i­dade esta­va se mostran­do coer­ente com suas ideias. Assim, decid­iu finan­ciar cole­ti­va­mente o seu tra­bal­ho, através do Catarse, para trans­for­má-lo em um livro, con­seguin­do inclu­sive atin­gir um val­or maior do que sua meta ini­cial em out­ubro de 2013.

    Além da arte muito bem tra­bal­ha­da, fei­ta inteira­mente a mão com nan­quim, a história é o grande destaque des­ta HQ. Com per­son­agens bem com­plex­os, não há aque­la divisão sim­plista de bom/mau e, por con­ta de várias revi­ra­voltas e sur­pre­sas, o enre­do prende o leitor de uma for­ma alu­ci­nante entre seus capí­tu­los. É aque­le tipo de leitu­ra que uma vez que você ini­cia, não con­segue mais parar.

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    Por enquan­to, a história ain­da não foi pub­li­ca­da por inteiro no blog da HQ, mas já está final­iza­da e em breve os apoiadores do pro­je­to no Catarse dev­erão rece­bê-la em suas casas. Pos­so afir­mar que não é fácil quan­do você se depara com o avi­so “Em breve” ao chegar no últi­mo capí­tu­lo disponív­el, mas a espera por cada novo capí­tu­lo está val­en­do a pena!

    Se você ficou inter­es­sa­do em saber um pouco mais sobre o autor e a obra, con­fi­ra a entre­vista com o André Cal­i­man que o inter­ro­gAção fez.

  • Entrevista: André Caliman

    Entrevista: André Caliman

    andre-caliman-0Ini­cian­do o nos­so ciclo de entre­vis­tas com autores nacionais de Histórias em Quadrin­hos, con­ver­samos dire­ta­mente de Curiti­ba com o André Cal­i­man, que recen­te­mente teve seu pro­je­to “Revol­ta!” finan­cia­do pela platafor­ma Catarse.

    André tam­bém é escritor, ilustrador, car­i­ca­tur­ista e pro­fes­sor. Ele foi um dos cri­adores da revista Quadrin­hó­pole e tam­bém da revista Aveni­da, pos­suin­do vários de seus tra­bal­hos pub­li­ca­dos tan­to nacional­mente quan­to inter­na­cional­mente, como as HQs: “Rua”, “Fire”, “Seque­stro em Três Bura­cos” e “E.L.F”.

    Como surgiu a ideia de cri­ar “Revol­ta” e qual foi o estopim para o pro­je­to sair ape­nas do mun­do das ideias?

    Escrevi e desen­hei o primeiro capí­tu­lo em Out­ubro de 2012. A situ­ação não era a mes­ma que vive­mos ago­ra. Na ver­dade era bem o con­trário. Paira­va no ar uma cal­maria descon­fortáv­el. Pare­cia que um joga­va no out­ro a cul­pa por ninguém faz­er nada com relação aos escân­da­los de cor­rupção. Quan­tas vezes, em algu­ma dis­cussão políti­ca, eu ouvia alguém falar, não nec­es­sari­a­mente pra mim: “Ah, é?! E você, o que está fazen­do sobre isso?

    Out­ro comen­tário recor­rente era: “Quero ver quan­do chegar algum malu­co e matar ess­es ladrões!

    Nes­sa época eu que­ria faz­er um pro­je­to meu, e algo que fos­se rel­e­vante, que falasse sobre o momen­to atu­al e sobre essas pes­soas que eu encon­tra­va em bares, fac­ul­dades, etc. Imag­inei o que acon­te­ceria se as pes­soas se revoltassem. Ou ao menos, se uma pes­soa se revoltasse.

    O resto da história veio naturalmente.

    Você já pen­sa­va des­de o iní­cio em uti­lizar o crowd­fund­ing para via­bi­lizar uma ver­são impres­sa da HQ?

    Não, a ideia era sim­ples­mente escr­ev­er e desen­har e esper­ar que as pes­soas lessem. Eu não sabia muito bem no que isso ia dar. O primeiro capí­tu­lo, que retra­ta o bar que eu sem­pre fre­quen­ta­va e os ami­gos com os quais eu sem­pre esta­va, foi umas das coisas mais diver­tidas que já fiz. Quan­do a história foi toman­do cor­po e vi que seria um grande livro e pre­cisa­va ser pub­li­ca­do o quan­to antes, pois a real­i­dade se mostrou coer­ente com a ficção, o Catarse pare­ceu a mel­hor opção, me val­en­do do públi­co que já acom­pan­ha­va a HQ na internet.

    Como foi o plane­ja­men­to para cri­ar a cam­pan­ha deste seu primeiro pro­je­to de crowd­fund­ing? Onde você sen­tiu, ou sente, mais dificuldade?

    Revol­ta!” é uma HQ mais mar­gin­al, vio­len­ta, trans­gres­so­ra. E quan­do colo­quei ela no Catarse, me deparei com uma supos­ta obri­gação de torná-la com­er­cial, um pro­du­to que pre­cisa­va ser com­pra­do. E o desafio foi faz­er isso sem descar­ac­teri­zar a obra e sua intenção provoca­ti­va. Acho que deu certo.

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    André tra­bal­han­do na HQ “Revol­ta!”

    Há vários pro­je­tos de HQs que con­seguiram ser via­bi­liza­dos graças a essa nova dinâmi­ca, para citar ape­nas alguns: “GNUT”, “RYOTIRAS OMNIBUS” e recen­te­mente o livro “Ícones dos Quadrin­hos”. Você acred­i­ta que o mod­e­lo de crowd­fund­ing pode ser, ou já está sendo, uma grande rev­olução no cenário nacional dos quadrinhos?

    Acho que sim, pois há muito tem­po são os próprios autores de quadrin­hos que fazem o mer­ca­do nacional. As edi­toras tem uma mis­te­riosa difi­cul­dade para apos­tar em coisas novas e autores novos. Então o Catarse vem como uma fer­ra­men­ta para tirar essa difi­cul­dade que os autores tem de atin­gir o seu públi­co e vender seu pro­du­to diretamente.

    Por que você decid­iu lançar a HQ gra­tuita­mente na inter­net? Você acred­i­ta que isto pode ter um impacto neg­a­ti­vo numa futu­ra ven­da da ver­são impres­sa de algum pro­je­to deste tipo?

    Acho que não. Pre­tendo man­ter o públi­co que começou a ler a HQ gra­tuita­mente no blog, fazen­do-os con­hecer mais do mate­r­i­al e eternizá-lo em suas prateleiras com o livro impres­so. Fora que essa incia­ti­va de pub­licar gra­tuita­mente tam­bém teve um intu­ito de atin­gir um públi­co mais amp­lo, que não está acos­tu­ma­do e com­prar quadrin­hos. Mes­mo porque, antes dis­so, pre­cisa saber que exis­tem bons quadrin­hos sendo feitos.

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    Você já tra­bal­hou rote­i­rizan­do e desen­han­do (“FIRE” e “Aveni­da”), somente desen­han­do (“E.L.F.” e “Seque­stro em Três Bura­cos”) e recen­te­mente par­ticipou em um pro­je­to que ape­nas rote­i­ri­zou.  Qual você mais gos­ta de faz­er? Como foi tra­bal­har só escrevendo?

    Eu gos­to cada vez mais de escr­ev­er. E a atu­al­i­dade está me dan­do muitas ideias que quero abor­dar. Não con­si­go mais me sat­is­faz­er desen­han­do roteiros de out­ras pes­soas que falam de per­son­agens que já não exis­tem há cem anos.

    E, para mim, a úni­ca for­ma de ser um quadrin­ista com­ple­to é escr­ev­er e desen­har histórias próprias. Recen­te­mente eu escrevi um roteiro que foi desen­hado por uma quadrin­ista super tal­en­tosa daqui de Curiti­ba, a Mari­na Tye­mi, e gostei da experiência.

    Mas como disse, não é um tra­bal­ho autoral completo.

    Você tam­bém já pos­sui tra­bal­hos pub­li­ca­dos no exte­ri­or (“E.L.F.” e “Fire”), como foi essa experiência?

    Antes ain­da de me for­mar, come­cei a desen­har a série E.L.F. escri­ta pelo Jason Avery. Antes dis­so, eu havia feito ape­nas revis­tas inde­pen­dentes, então foi um momen­to de profis­sion­al­iza­ção do meu tra­bal­ho. Tin­ha mui­ta pre­ocu­pação com o resul­ta­do, e isso me fez crescer muito, pen­san­do novas for­mas de resolver meu desenho.

    Tam­bém foi muito bom ser bem remu­ner­a­do e pub­li­ca­do lá fora. É um mer­ca­do para o qual eu quero voltar, mas com pro­je­tos próprios.

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    Falan­do em pub­licar no exte­ri­or, há planos de no futuro sair uma ver­são em inglês de Revolta?

    Sim. Mas antes pre­ciso pub­licar aqui. A história per­tence a este país e esse é o momen­to de ser pub­li­ca­da aqui. Mas num pas­so seguinte, com certeza.

    Acho que o tema da Revol­ta é uni­ver­sal. E os con­fli­tos dos per­son­agens da HQ com certeza são recon­hecíveis em qual­quer parte do mun­do. E isso fica prova­do com algu­mas críti­cas que rece­bo no blog onde a HQ é pub­li­ca­da. As pes­soas sem­pre criti­cam aqui­lo que as aflige, que as provo­ca. E na min­ha opinião, é isso que uma boa história deve causar nas pessoas.

    Quais são os autores e artis­tas que exercem algum tipo de influên­cia no seu trabalho?

    Muitos, mas eu pode­ria citar alguns: Hugo Pratt, Flavio Col­in, Vic­tor de La Fuente, Dino Battaglia, Lourenço Mutarelli.

    Se você pen­sar na sua tra­jetória até ago­ra no mun­do dos quadrin­hos, hou­ve algo especí­fi­co que te deixou extrema­mente revoltado?

    Algo óbvio: As edi­toras nacionais se empen­harem tan­to em repub­licar mate­r­i­al estrangeiro e não faz­erem muito esforço para apos­tar em algo feito aqui, muitas vezes com uma qual­i­dade maior.

    Inclu­sive autores brasileiros que estão acos­tu­ma­dos a pub­licar por edi­toras estrangeiras, que pos­suem tra­bal­hos autorais supe­ri­ores ao que fazem lá fora, encon­tram difi­cul­dade em achar espaço com as edi­toras daqui.

    Acho que a ati­tude a ser toma­da pelas edi­toras é: Apos­tar em coisas novas e inter­es­santes. Os autores já estão fazen­do isso, e se elas não os acom­pan­harem, vão ser deix­adas cada vez mais de lado.

    Na maio­r­ia das vezes que te vi desen­han­do Revol­ta, você esta­va com fone de ouvi­do. Que tipo de músi­ca você cos­tu­ma escu­tar para desenhar?

    Na maio­r­ia das vezes ouço palestras filosó­fi­cas. Hahaha

    Ouço todo tipo de música.

    Anal­isan­do o cenário atu­al de HQs, tan­to nacional­mente quan­to inter­na­cional­mente, quais são os quadrin­istas que mais estão chaman­do a sua atenção?

    Gipi, Sean Mur­phy, Dani­lo Beyruth, Cyril Pedrosa, Guazzel­li, Craig Thompson.

    Muito se dis­cute sobre os novos jeitos de se cri­ar quadrin­hos na web, adi­cio­nan­do ani­mações, inter­a­tivi­dade e até real­i­dade aumen­ta­da. Como você vê isso? Acred­i­ta que ain­da pos­sam ser chama­dos de quadrin­hos ou é out­ra coisa? Tem algu­ma dessas novas pos­si­bil­i­dades que você gostaria de explorar?

    Quan­do você muda de for­ma­to, é nat­ur­al que per­ca alguns ele­men­tos e gan­he out­ros. Acho que essas pos­si­bil­i­dades tem que ser bem aproveitadas. E se chegarem ao pon­to de se tornarem out­ra coisa que não quadrin­hos, óti­mo. Os quadrin­hos vão con­tin­uar do jeito que são.

    Não pen­so em nada do tipo ago­ra, mas é uma possibilidade.

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    Na maio­r­ia de seus quadrin­hos você sem­pre aparece de algu­ma for­ma, as vezes você mes­mo é o per­son­agem prin­ci­pal das histórias e em out­ras as vezes aparece disc­re­ta­mente ape­nas em um desen­ho. Essa aparição é algo esti­lo Hitch­cock ou tem algum sig­nifi­ca­do específico?

    É inevitáv­el. Em todos os per­son­agens há um pouco de mim e quan­do eu retra­to a mim mes­mo, tem um pouco de out­ras pes­soas ali. E isso acon­tece porque gos­to de humanizar bas­tante meus per­son­agens, torná-los recon­hecíveis. A min­ha mel­hor ref­er­en­cia sou eu mes­mo e as pes­soas ao meu redor.

    No Revol­ta, além de você como refer­ên­cia para o “Ani­mal”, há tam­bém há seus ami­gos como inspi­ração para o visu­al dos per­son­agens. Até onde eles se mis­tu­ram com a realidade?

    No começo da HQ, eu que­ria que os per­son­agens fos­sem eles mes­mos, inteira­mente. Mas con­forme a história foi avançan­do, os per­son­agens foram se definin­do den­tro da tra­ma de for­mas difer­entes. E me dei a liber­dade de dar autono­mia aos per­son­agens, desvin­cu­lan­do-os em parte das pes­soas que os inspi­raram. Mes­mo assim, ain­da ago­ra quan­do vou desen­har os gestos dos per­son­agens ou colo­car uma fala nos balões, pen­so nos meus ami­gos que servi­ram de mod­e­lo. Isso enriquece e human­iza muito cada um dos personagens.

    Alguém já reclam­ou por ter se vis­to desen­hado em algum dos quadros da HQ?

    Não, todo mun­do gos­ta. (até agora)

    Você acha que é pos­sív­el a ideia prin­ci­pal do Revol­ta sair do papel e se trans­for­mar em realidade?

    Foi uma sen­sação estran­ha quan­do, em Jun­ho, eu vi na tele­visão as man­i­fes­tações no Brasil todo. Foi quase como se a HQ estivesse se tor­nan­do real­i­dade, pois esse era o cam­in­ho para o qual eu esta­va dire­cio­nan­do a trama.

    Quan­do eu par­ticipei das man­i­fes­tações, vi e sen­ti o que esta­va acon­te­cen­do, sabia que eu dev­e­ria aprox­i­mar ain­da mais a HQ da real­i­dade. Se antes eu havia inva­di­do as ruas, colan­do pági­nas nas pare­des, ago­ra as ruas pare­ci­am estar entran­do na HQ. As pes­soas que eu desen­ha­va gri­tan­do ago­ra gri­tavam de ver­dade. E eu deix­ei que elas entrassem de vol­ta nos quadrin­hos. E tudo fez muito mais sentido.

    Ain­da assim, é uma peça de ficção, e o que eu vi se tornar real­i­dade foi o cli­ma da HQ, a intenção de gri­tar, falar, se revoltar, recla­mar. E não se pre­ocu­par se tem um ban­do de gente dizen­do que tudo não pas­sa de uma ingenuidade, porque querem pare­cer cul­tas e con­tro­ladas, quan­do no fun­do o que querem é estar ali gri­tan­do jun­to, mes­mo na chu­va e depois de um dia de tra­bal­ho duro.

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    Tre­cho da HQ “Revol­ta!”

    Vários quadros do Revol­ta são bas­tante cin­e­matográ­fi­cos, as vezes é quase pos­sív­el escu­tar o que está acon­te­cen­do em cada um deles. Isso me fez ficar imag­i­nan­do que tipo de tril­ha sono­ra a HQ teria. Qual seria a sua indi­cação de track­list per­fei­ta para escu­tar enquan­to se lê Revolta?

    Acho que de tudo um pouco, não con­si­go pen­sar em uma tril­ha especí­fi­ca. Mas pos­so diz­er que eu colo­caria algu­mas coisas épi­cas para os capí­tu­los que ain­da estão por vir.

    Quais fer­ra­men­tas físi­cas e vir­tu­ais você uti­liza para desen­har este projeto?

    Eu desen­ho tudo com pena e nan­quim em papel A3. Depois faço um trata­men­to no pho­to­shop e colo­co as letras. Gos­to de man­ter a sim­pli­ci­dade que os quadrin­hos permitem.

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    Muito legal a sua ideia de colar algu­mas pági­nas pela cidade, como está sendo o retorno des­ta ini­cia­ti­va? Já pen­sou em colar eles em algum lugar bem inusi­ta­do mas ain­da não teve coragem?

    O retorno é muito bom. As pes­soas me man­dam e‑mails, comen­tam, mas a maior parte do retorno é silen­cioso. Eu gos­to de pen­sar que as pes­soas olham a pági­na cola­da em algum lugar, gostam ou des­gostam e voltam à sua vida normal.

    Eu sem­pre pen­so em colar onde as pes­soas pos­sam ler. Pon­tos de ônibus, pare­des de bares, fac­ul­dades. Eu faço isso ape­nas para as pes­soas lerem, e não para provo­car os donos de estabelecimentos.

    Mas eu gostaria de colar den­tro dos ônibus ou den­tro da prefeitura.

    Você já tem ideia no que quer tra­bal­har depois deste projeto?

    Primeiro eu vou tirar férias (cur­tas). Mas já tem alguns pro­je­tos quase acaba­dos que vão sair logo em segui­da do Revolta!

    Depois pre­tendo enveredar por quadrin­hos jor­nalís­ti­cos por um tempo.

    Mas tudo isso só depois de pub­licar o livro do Revol­ta!, que é a min­ha prioridade.

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    Para finalizar a entre­vista: o sen­ti­men­to de revol­ta pode ser um grande catal­isador, o que te move a desenhar?

    Quan­do eu come­cei a ler, quadrin­hos e livros (lá na ado­lescên­cia), me sur­preen­di com a pos­si­bil­i­dade de con­hecer novas ideias e prin­ci­pal­mente pen­sar sobre elas, seja con­cor­dan­do ou dis­cor­dan­do. É isso que eu bus­co ago­ra como autor, abor­dar ideias, de várias for­mas. E com isso, sacio a min­ha neces­si­dade de me expressar.

    E o que me man­têm escreven­do e desen­han­do é ver que as pes­soas estão lendo.

    Por isso, agradeço a todos que acom­pan­ham o blog e que con­tribuíram no Catarse. O livro da “Revol­ta!” vai exi­s­tir graças a vocês.

    Obri­ga­do.

  • Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

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    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Ratolândia (Rat Park)

    Con­sul­to­ria cien­tí­fi­ca da tradução por Luís Fer­nan­do Tófoli. O inter­ro­gAção é o tradu­tor ofi­cial das HQs do Stu­art McMillen.

  • Folheteen: direto ao ponto | HQ da Semana

    Folheteen: direto ao ponto | HQ da Semana

    folheteen-capaArran­jar um novo emprego, aju­dar a pagar o aluguel e as con­tas da casa, estu­dar pras provas no colé­gio, aceitar o novo namora­do da mãe den­tro da família. Ess­es são os prob­le­mas de Malu.

    Malu não tem super-poderes, não pre­cisa sal­var o mun­do, não teve uma exper­iên­cia traumáti­ca, não vive uma grande história de amor. Ela é a meni­na que te atende no caixa do super­me­r­ca­do, é a meni­na que dis­tribui fol­hetos nos sinais de trânsito.

    Essa é a pro­tag­o­nista do álbum Fol­heteen: dire­to ao pon­to, escrito pelo curitibano José Aguiar. E a cidade de Curiti­ba se faz pre­sente em toda a história, nos detal­h­es dos lam­bre­quins, pré­dios, pon­tos de ônibus. Ain­da assim, não é uma história bair­rista. A moça Malu pode­ria morar em qual­quer cidade. O forte do álbum é essa nar­ra­ti­va despre­ten­siosa e adoráv­el sobre essa meni­na abso­lu­ta­mente comum.

    folheteen-1

    A tra­ma de Fol­heteen começa quan­do a pro­tag­o­nista perde seu emprego no super­me­r­ca­do. A par­tir dis­so, acom­pan­hamos as dúvi­das e pre­ocu­pações de Malu, ten­tan­do aju­dar a man­ter sua casa, equi­li­bran­do estu­dos com sua vida pes­soal. Ela pre­cisa resolver prob­le­mas den­tro de sua família e, prin­ci­pal­mente, prob­le­mas den­tro de si mesma.

    folheteen-2Os per­son­agens no traço de José Aguiar gan­ham uma forte expressão grá­fi­ca em lin­has geométri­c­as e for­mas sim­ples. O esti­lo de desen­ho aju­da na nar­ra­ti­va que flui de maneira nat­ur­al e aumen­ta ain­da mais a sen­sação de “cotid­i­ano”.

    Tra­ta-se de um tra­bal­ho hon­esto, muito bem real­iza­do e cheio de humanidade. O acaba­men­to grá­fi­co do álbum é belís­si­mo e ain­da apre­sen­ta um tex­to sobre a car­reira profis­sion­al do autor e a gênese de sua obra.

    Fol­heteen: dire­to ao pon­to foi lança­do ago­ra, em de jun­ho de 2013, e pode ser encon­tra­do nas livrarias e com­ic shops com preços var­ian­do entre R$40,00 e R$49,00. Você tam­bém pode adquirir um exem­plar dire­to com o autor, auto­grafa­do, pelo e‑mail projeto.quadrinho [arro­ba] gmail [pon­to] com.

    Fol­heteen: dire­to ao ponto
    Autor: José Aguiar
    Edi­to­ra: Quadrinhofilia
    Preço: Entre R$ 40,00 e R$49,00

  • Vertigo Especial: Atire | HQ da Semana

    Vertigo Especial: Atire | HQ da Semana

    Vertigo_Especial_atireLança­da esse mês, essa edição de 232 pági­nas reúne um grande apan­hado de diver­sas histórias pub­li­cadas pelo selo Ver­ti­go, da edi­to­ra norte-amer­i­cana DC Comics. A maio­r­ia são histórias cur­tas, de 8 pági­nas em média, falan­do sobre fan­ta­sia e ficção cien­tí­fi­ca. Mas há aque­las que fogem desse tema.

    Atire é uma delas e recebe grande destaque, sendo capa da edição. A história, pro­tag­on­i­za­da pelo mago John Con­stan­tine, cau­sou mui­ta polêmi­ca. Ela foi com­ple­ta­mente cen­sura­da na época de sua real­iza­ção, em 1999, e só veio a ser pub­li­ca­da em 2010.

    A tra­ma de Atire mostra uma inves­ti­gado­ra do con­gres­so norte-amer­i­cano ten­tan­do com­preen­der o porquê de uma série de matanças que acon­te­ci­am nas esco­las do país. Cri­anças e ado­les­centes que matavam out­ros e se sui­ci­davam. Seria cul­pa de videogames, dro­gas, vio­lên­cia na tv? Durante a inves­ti­gação, a mul­her percebe a pre­sença de Con­stan­tine em muitas fil­ma­gens feitas em cenários de diver­sos crimes. A princí­pio isso levaria o leitor, que acom­pan­ha as histórias do per­son­agem, a imag­i­nar que os assas­si­natos seri­am cau­sa­dos por forças sobre­nat­u­rais. Mas o real moti­vo das mortes que John Con­stan­tine sug­ere é muito mais per­tur­bador e cor­riqueiro. A con­clusão da história é impactante.

    Recorte de uma das páginas de “Atire”
    Recorte de uma das pági­nas de “Atire”

    Atire foi escri­ta e esta­va prestes a ser pub­li­ca­da quan­do acon­te­ceu o mas­sacre em Columbine. A edi­to­ra DC Comics sug­eriu alter­ações na história, que o autor War­ren Ellis não aceitou. Então, a edi­to­ra decid­iu sim­ples­mente não pub­licar e arquiv­ou o mate­r­i­al. Incon­for­ma­do, Ellis demitiu-se.

    Emb­o­ra Atire seja a prin­ci­pal atração, a mel­hor HQ da revista é Mate seu namora­do, um dos roteiros mais inspi­ra­dos e insti­gantes do escocês Grant Mor­ri­son. A mais lon­ga história apre­sen­ta­da nes­sa edição, com 56 pági­nas, Mate seu namora­do não tem nada a ver com fan­ta­sia ou ficção cien­tí­fi­ca. Tra­ta-se de uma tra­ma sobre amor, vio­lên­cia, rebel­dia e ado­lescên­cia, que lem­bra um boca­do filmes como Assas­si­nos por Natureza (1994).

    Recorte de uma das páginas de “Mate seu namorado”
    Recorte de uma das pági­nas de “Mate seu namorado”

    Ver­ti­go Espe­cial: Atire apre­sen­ta diver­sos autores e desen­his­tas reno­ma­dos em suas pági­nas, como Mor­ri­son, Ellis, Bri­an Azzarel­lo, Garth Ennis, Peter Mil­li­gan, Jim Lee, Frank Quite­ly, Bri­an Bol­land, Jeff Lamire, Eduar­do Ris­so e muitos outros.

    Como toda coletânea, há histórias fra­cas, porém a média do mate­r­i­al apre­sen­ta­do é óti­ma. Vale con­ferir com atenção as HQs Par­ceiros, Ultra: o mul­ti­alien, Brin­que­dos Novos, O Kapas… Enfim, tra­ta-se do lança­men­to com a mel­hor relação qualidade/custo do mês.

    Ver­ti­go Espe­cial: Atire
    Autores: diversos
    Edi­to­ra: Panini
    Preço: R$19,90

  • O Inescrito | HQ da Semana

    O Inescrito | HQ da Semana

    O-inescritoEssa história em quadrin­hos mostra um mun­do muito, muito pare­ci­do com o nos­so. A prin­ci­pal difer­ença é que nele o maior best-sell­er de fan­ta­sia não é Har­ry Pot­ter, mas um garo­to bruxo chama­do Tom­my Tay­lor. Ao invés de enfrentar Vold­mort, o inimi­go é Conde Ambró­sio. No lugar de uma coru­ja, temos um gato com asas.

    O autor Wil­son Tay­lor escreveu 13 livros com as aven­turas de Tom­my e então desa­pare­ceu mis­te­riosa­mente. Seu fil­ho, Tom Tay­lor, jamais desco­briu o que acon­te­ceu ao pai. Hoje, Tom gan­ha a vida par­tic­i­pan­do de con­venções, auto­grafan­do pôsteres e livros e tiran­do retratos com a legião de fãs do per­son­agem que inspirou.

    Tudo vai muito bem até que aparece uma moça que ten­ta con­vencer Tom de que ele não é bem quem pen­sa que é.

    Essa é a pre­mis­sa de O Ine­scrito, série de quadrin­hos que começou a ser lança­da no Brasil esse ano e que se encon­tra em seu segun­do vol­ume. Os autores baseiam-se clara­mente na obra de J.K. Rowl­ing, mas com out­ra abor­dagem. Ao invés de falar de mág­i­ca, eles querem falar de lit­er­atu­ra e ficção.

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    O-inescrito-3À medi­da que se acom­pan­ha as aven­turas de Tom Tay­lor, percebe­mos que a história é fan­tás­ti­ca, mas baseia-se na força das ficções, dos per­son­agens inven­ta­dos. Partin­do da pre­mis­sa que algo não pre­cisa ser real para ser ver­dadeiro (e vice-ver­sa), os autores apre­sen­tam uma tra­ma insti­gante onde os mis­térios do des­ti­no de Wil­son Tay­lor, de uma sin­is­tra orga­ni­za­ção sec­re­ta e de um mapa com os locais de livros e ficções se mis­tu­ram e pren­dem a atenção do leitor.

    Além do bom rit­mo e do sus­pense, as refer­ên­cias à lit­er­atu­ra, cul­tura pop e mídias são exce­lentes e dão uma dimen­são dinâmi­ca e extrema­mente con­tem­porânea à história. Vale muito a pena con­hecer e acom­pan­har a tra­jetória do sen­hor Tom Taylor.

    O Ine­scrito
    Autores: Mike Carey (roteiro) e Peter Gross (desen­hos)
    Edi­to­ra Panini
    Preço: R$ 18,90

  • Asterios Polyp | HQ da Semana

    Asterios Polyp | HQ da Semana

    AsteriosIgnazio era irmão gêmeo idên­ti­co de Aste­r­ios Polyp, mas mor­reu durante o par­to. Sua ausên­cia foi sen­ti­da pelo sobre­vivente durante toda sua vida e é jus­ta­mente esse gêmeo fan­tas­ma que nar­ra essa história fab­u­losa sobre arte, caos e ordem.

    O autor Dave Maz­zuc­chel­li tra­bal­hou nesse livro durante 10 anos. Durante os anos 80 desen­hou alguns clás­si­cos dos quadrin­hos de super-heróis, como Bat­man – Ano Um e Demoli­dor – A Que­da de Mur­dock. Ao lon­go dos anos 90 dedi­cou-se à pro­dução de diver­sas histórias em quadrin­hos alter­na­ti­vas. Aste­r­ios Polyp foi sendo desen­volvi­do lenta­mente, enquan­to Maz­zuc­chel­li leciona­va na School of Visu­al Arts de Nova York. E, de fato, é a obra-pri­ma do autor.

    Aste­r­ios Polyp é uma iro­nia viva. Um bril­hante arquite­to que foi con­sagra­do no meio acadêmi­co graças à ino­vação e ousa­dia de seus pro­je­tos, que, ape­sar de geni­ais, jamais foram construídos.

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    Maz­zuc­chel­li explo­ra ao máx­i­mo a lin­guagem dos quadrin­hos, brin­can­do com recur­sos grá­fi­cos como cor e esti­los de desen­ho para ampli­ar a gama de sig­nifi­ca­dos que per­me­iam a história. O design da edição é belís­si­mo e todo detal­he tem função narrativa.

    Asterios-2Polyp inter­age com diver­sos per­son­agens inter­es­santes, cada um inter­pre­tan­do uma per­spec­ti­va sobre a vida, a arte, o caos e a ordem. Para cada per­son­agem foi desen­volvi­da uma caligrafia espe­cial para car­ac­teri­zar suas falas.

    Ao mes­mo tem­po em que abor­da diver­sas ideias e abre por­tas para mui­ta dis­cussão e reflexão, o livro não é em nen­hum momen­to pedante ou modor­ren­to. A nar­ra­ti­va flui e os per­son­agens cati­vam o leitor. Além de Aste­r­ios, a adoráv­el Hana, a excên­tri­ca Ursu­la e o vai­doso Willy Ili­um se destacam.

    Tra­ta-se de uma obra espetac­u­lar, ple­na de sig­nifi­ca­dos e leituras, que con­quis­tou a críti­ca ao redor do mun­do e esta­b­ele­ceu um novo pata­mar de qual­i­dade para as chamadas graph­ic nov­els.

    Asterios-3

    Quem quis­er se apro­fun­dar um pouco mais na obra, veja tam­bém este post no meu blog que escrevi sobre ele.

    Aste­r­ios Polyp
    Autor: David Mazzucchelli
    Edi­to­ra: Quadrin­hos na Cia.
    Preço esti­ma­do: R$ 63,00

  • We3 – Instinto de Sobrevivência | HQ da Semana

    We3 – Instinto de Sobrevivência | HQ da Semana

    we3-capaImag­ine uma mis­tu­ra insana de Robo­cop com A Incrív­el Jor­na­da e pitadas de Matrix. O resul­ta­do dis­so é We3 – Instin­to de Sobre­vivên­cia.

    De A Incrív­el Jor­na­da vêm um trio de bich­in­hos: um cachor­ro, um gato e um coel­ho. Ani­maiz­in­hos de esti­mação que são rou­ba­dos de seus donos pelo exérci­to para par­tic­i­par de um pro­je­to mil­i­tar secretíssimo.

    Daí vem a parte do Robo­cop: os três são trans­for­ma­dos em ciborgues, máquinas de matar extrema­mente sofisti­cadas e se envolvem em sequên­cias de ação cheias de vio­lên­cia sanguinolenta.

    De Matrix vem os exper­i­men­tal­is­mos ousa­dos: uma dis­posição de quadrin­hos e pági­nas que fazem lem­brar toda a rev­olução do bul­let time, mas trans­pos­ta ago­ra para a lin­guagem dos quadrin­hos. São pági­nas em que o sen­ti­do de per­cepção de tem­po dos ani­mais é rep­re­sen­ta­do através da dis­posição de quadrin­hos que invo­cam mul­ti­pli­ci­dade de leituras e explo­ração da ter­ceira dimen­são na página.

    transposição do bullet time para a linguagem dos quadrinhos
    trans­posição do bul­let time para a lin­guagem dos quadrinhos

    We3 é uma história alu­ci­nante que com­bi­na de maneira magis­tral ação, vio­lên­cia e ter­nu­ra. Ter­nu­ra porque é impos­sív­el não cri­ar empa­tia pelo sofri­men­to e des­ti­no dos pro­tag­o­nistas. Mes­mo com as alu­ci­nantes sequên­cias de ação, há diver­sos momen­tos e detal­h­es que dão um aper­to no coração, como os car­tazes dos ani­maiz­in­hos perdidos.

    Apesar de tudo eles ainda são animais que necessitam de cuidado e carinho
    Ape­sar de tudo eles ain­da são ani­mais que neces­si­tam de cuida­do e carinho

    Essa edição ain­da tem uma porção de extras bem bacanas, com comen­tários do roteirista Grant Mor­ri­son e do desen­hista Frank Quite­ly sobre os basti­dores dessa HQ. Sim­ples­mente imperdível.

    We3 – Instin­to de Sobrevivência
    Autores: Grant Mor­ri­son (roteiro) e Frank Quite­ly (arte)
    Edi­to­ra: Panini
    Preço esti­ma­do: R$45,00

  • Fábulas Vol. 1 – Lendas no Exílio, de Bill Willingham, Lan Medina e Steve Leialoha

    Fábulas Vol. 1 – Lendas no Exílio, de Bill Willingham, Lan Medina e Steve Leialoha

    Os con­tos de fada estão em alta. As famosas histórias cri­adas orig­i­nal­mente pelos Irmãos Grimm, tão acla­madas na infân­cia, têm inspi­ra­do bas­tante autores e dire­tores de cin­e­ma. Só este ano, dois filmes influ­en­ci­a­dos no con­to Bran­ca de Neve e os Sete Anões chegaram às telonas. O primeiro Espel­ho, Espel­ho Meu (Mir­ror, Mir­ror), estre­la­do por Lily Collins (fil­ha de Phill Collins) e o mais recente Bran­ca de Neve e o Caçador (Snow White and the Hunts­man), com o belo papel desem­pen­hado por Char­l­ize Theron como Rain­ha Má. Ape­sar das adap­tações feitas aos roteiros e per­son­agens fugirem um pouco dos con­tos tradi­cionais, a ideia dos ambi­entes e a tra­ma prin­ci­pal con­tin­u­am os mes­mos. A série Once Upon a Time, famosa nos Esta­dos Unidos, tam­bém reúne os per­son­agens dos con­tos de fada, e ape­sar de dis­torcer um pouco a história orig­i­nal, pois os per­son­agens vivem na cidade e não se lem­bram quem real­mente são, eles ain­da pas­sam pelos mes­mos prob­le­mas e esti­mam pelos mes­mos son­hos, serem felizes e encon­trarem o seu ver­dadeiro amor. É aí que a HQ Fábu­las (Devir, 2004), apre­sen­ta o seu difer­en­cial. Nela não existe mais o mes­mo felizes para sem­pre.

    Em Fábu­las Vol. 1 – Lendas no Exílio, com roteiro de Bill Will­ing­ham e arte de Lan Med­i­na e Steve Leialo­ha, após a invasão de um adver­sário enig­máti­co de seu povo em sua ter­ra natal, os per­son­agens foram exi­la­dos e pas­saram a viv­er na cidade de Nova York, ao lado dos humanos, ou “mun­danos como são comu­mente chama­dos. Bran­ca de Neve ago­ra não mais vive para amar e dedicar-se ao seu príncipe, mas sim como uma vice-prefei­ta intol­er­ante, divor­ci­a­da e que não pode nem sequer ouvir falar nos sete anões. O Lobo Mau (Big­by Lobo), aque­le da Chapeuz­in­ho Ver­mel­ho, não é mais gov­er­na­do pela sua bar­ri­ga e sim pela sua mente. Como xerife da cidade, a sua prin­ci­pal ‘refe’ição é deli­ciar-se ao desven­dar os mis­térios que ron­dam os crimes da cidade das Fábu­las. O príncipe encan­ta­do, que aliás é o mes­mo para todas as prince­sas, é um nar­ci­sista aproveita­dor, que pos­sui um reina­do sem val­or no mun­do em que vive ago­ra. Cada per­son­agem apre­sen­ta uma per­son­al­i­dade úni­ca e dis­tor­ci­da dos con­tos orig­i­nais, o que con­tribuiu enorme­mente para faz­er de Fábu­las um quadrin­ho que con­ta algo anti­go, de for­ma total­mente inovadora.

    Um dos pon­tos fortes da orig­i­nal­i­dade de Fábu­las é a com­plex­i­dade dos prob­le­mas vivi­dos pelos per­son­agens. A difi­cul­dade ago­ra não é mais de a prince­sa con­seguir viv­er feliz para sem­pre ao lado de seu príncipe enquan­to a rain­ha má paga pelas suas mal­dades. O que era trági­co vira cômi­co. Dev­i­do aos prob­le­mas cotid­i­anos e finan­ceiros de um casal que perdeu sua for­tu­na, Fera não con­segue con­tro­lar a maldição que tor­na a sua aparên­cia feri­na, prin­ci­pal­mente com o mau humor e recla­mações de sua esposa Bela. Ou o Pinóquio que fica revolta­do com a fada que o trans­for­mou em um meni­no de ver­dade, mas que nun­ca chega à puberdade.

    Neste primeiro vol­ume de Fábu­las, a história prin­ci­pal se pas­sa no desa­parec­i­men­to de Rosa Ver­mel­ha, irmã de Bran­ca de Neve. O cli­ma de inves­ti­gação de romance poli­cial da tra­ma, semel­hante a quadrin­hos como Júlia Kendall: As Aven­turas de uma Crim­inólo­ga envolve o leitor do iní­cio ao fim, com diál­o­gos exce­lentes ricos em iro­nia e fran­queza. Bill Will­ing­ham obtém suces­so ao trans­for­mar os clás­si­cos per­son­agens antes inat­ingíveis, em pes­soas quase comuns que ape­nas procu­ram viv­er suas vidas, ten­tan­do não rev­e­lar sua aparên­cia mág­i­ca ao mun­do humano. No desen­ro­lar da tra­ma, o autor apre­sen­ta assun­tos que você difi­cil­mente pen­saria em ver entre os mocin­hos dos con­tos de fada, como traição, sex­u­al­i­dade e por aí afora.

    As 132 pági­nas de Fábu­las têm ilus­trações fan­tás­ti­cas, com teor mais real­ista e atu­al, mas que em alguns momen­tos são inter­cal­adas com desen­hos de per­son­agens recon­tan­do histórias anti­gas, com aque­le ar dos con­tos mais clás­si­cos. Ao final da história, tam­bém há um con­to ilustra­do pelo próprio roteirista Bill Will­ing­ham chama­do Um lobo entre cordeiros, que rev­ela detal­hada­mente como o lobo obteve sua for­ma humana.

    Pub­li­ca­dos pela Pani­ni Comics, os vol­umes no Brasil encon­tram-se na 11º edição. Para quem gos­ta de boas histórias com um quê de fan­ta­sia, Fábu­las é uma óti­ma opção.

  • Crítica: Batman — O Cavaleiro das Trevas Ressurge

    Crítica: Batman — O Cavaleiro das Trevas Ressurge

    O mel­hor a faz­er para aproveitar ao máx­i­mo esse filme é se infor­mar o menos pos­sív­el a respeito de sua história. Quan­to menos sou­ber, maiores serão as surpresas.

    Não que o últi­mo filme da trilo­gia dirigi­da por Christo­pher Nolan depen­da ape­nas das revi­ra­voltas e rev­e­lações do roteiro. Exis­tem out­ros méri­tos que tor­nam o filme muito atraente. O pre­sente tex­to pre­tende, sem rev­e­lar ele­men­tos do enre­do, jus­ta­mente apon­tar ess­es méritos.

    Bat­man: o Cav­aleiro das Trevas Ressurge (The Dark Night Ris­es, USA, 2012) é uma con­tin­u­ação dire­ta de seus ante­ces­sores. Há muitas menções e con­se­quên­cias dos even­tos ocor­ri­dos nos dois filmes ante­ri­ores. Tra­ta-se de uma ver­dadeira con­clusão, como se os três filmes for­massem uma úni­ca história, de modo muito semel­hante a trilo­gias como O Sen­hor dos Anéis e De Vol­ta para o Futuro.

    Bat­man é um per­son­agem de histórias em quadrin­hos que há muito tem­po tornou-se um mito da cul­tura pop. Ao lon­go de mais de 70 anos de existên­cia, teve inúmeras abor­da­gens e con­cepções em diver­sas mídias. A série sessen­tista com Adam West, os filmes de Tim Bur­ton, peças de teatro, con­tos literários, mil­hares e mil­hares de pági­nas de quadrinhos.

    Mes­mo no uni­ver­so dos quadrin­hos, parece que exis­tem diver­sos “bat­men” difer­entes. O pro­tag­o­nista da famosa história O Cav­aleiro das Trevas, de Frank Miller, é um boca­do difer­ente do Bat­man do final da déca­da de 1950 (que con­tra­ce­na­va com per­son­agens como o Batcão e o Batmirim).

    O que Christo­pher Nolan fez em sua trilo­gia foi cri­ar uma nova abor­dagem para o homem morcego. Emb­o­ra ten­ham muitos ele­men­tos e per­son­agens reti­ra­dos dos quadrin­hos, Nolan tomou diver­sas liber­dades na trans­posição e con­strução de seu uni­ver­so fic­tí­cio. Por­tan­to, os fãs podem se diver­tir encon­tran­do as refer­ên­cias e alusões às histórias em quadrin­hos orig­i­nais, mas não há neces­si­dade de ser um leitor famil­iar­iza­do com os quadrin­hos para apre­ciar os filmes.

    Um exem­p­lo é o Coringa. A ver­são dos quadrin­hos tem a pele bran­ca e cabe­los verdes alter­ados por um aci­dente quími­co, comete crimes visan­do din­heiro, é um boca­do histriôni­ca e está con­stan­te­mente rindo e tagare­lando piadas. Já no filme, o per­son­agem inter­pre­ta­do por Heath Ledger usa maquiagem, tem cica­trizes em for­ma de um sor­riso, mas não ri o tem­po todo. Comete crimes, mas não pelo din­heiro. Sua ver­dadeira intenção é ten­tar cor­romper as pes­soas, fazê-las pas­sar por cima de seus princí­pios e lim­ites morais.

    Nolan vai trans­for­man­do o mate­r­i­al dos quadrin­hos e adaptando‑o para um sis­tema nar­ra­ti­vo onde os per­son­agens gan­ham out­ras dimen­sões e sig­nifi­ca­dos. A intenção é cri­ar uma história de super-herói de uma per­spec­ti­va “real­ista”, mas ain­da assim encon­tramos alguns absur­dos, típi­cos das histórias de super-heróis. Por exem­p­lo, a arma de micro-ondas do primeiro filme ou a recon­sti­tu­ição da bala com impressão dig­i­tal do segundo.

    Esse ter­ceiro filme tam­bém apre­sen­ta uma cer­ta quan­ti­dade de absur­do. Entre­tan­to, talvez com a exper­iên­cia adquiri­da no filme A Origem, Nolan trans­for­ma esse absur­do em algo como uma atmos­fera oníri­ca. Em muitos momen­tos Bat­man: O Cav­aleiro das Trevas Ressurge tem um jeito de son­ho. Há uma série de ele­men­tos que acabam gan­han­do um aspec­to sim­bóli­co. São lap­sos de tem­po, cenários e situ­ações que pas­sam um estran­ho cli­ma de irre­al­i­dade ao mes­mo tem­po em que o roteiro despe­ja uma enorme quan­ti­dade de infor­mações e per­son­agens sobre o espectador.

    Entre­tan­to, essa sen­sação de irre­al­i­dade é entremea­da por even­tos desagra­dav­el­mente verossímeis. À luz da tragé­dia ocor­ri­da durante a exibição do filme em Den­ver, é muito per­tur­bador ver uma cena em que os vilões tomam de assalto pes­soas em seu local de tra­bal­ho. A rep­re­sen­tação da vio­lên­cia que­bran­do o cotid­i­ano é bru­tal e assustadora.

    São diver­sos per­son­agens que vão con­duzin­do a tra­ma, mas sem dúvi­da o grande pro­tag­o­nista é Bruce Wayne (Chris­t­ian Bale). Através dele Nolan tece uma série de con­sid­er­ações sobre cul­pa, respon­s­abil­i­dade, apa­tia, revol­ta, deter­mi­nação e fracasso.

    A exem­p­lo do que fez com o Coringa, Nolan tam­bém trans­for­ma Bane (Tom Hardy) em algo muito mais impac­tante na tela do cin­e­ma do que era nas pági­nas de quadrin­hos. Emb­o­ra muito mais ameaçador e poderoso que o Coringa, Bane não tem o mes­mo caris­ma que seu ante­ces­sor. Ain­da assim, isso não com­pro­m­ete o resul­ta­do do filme.

    Seli­na Kyle (Anne Hath­away), a Mul­her-Gato, talvez seja a per­son­agem mais fiel à sua ver­são em quadrin­hos: uma ladra esper­ta, caris­máti­ca e com­ple­ta­mente imprevisível.

    E ain­da encon­tramos os vel­hos con­heci­dos Lucius Fox (Mor­gan Free­man), Alfred Pen­ny­worth (Michael Kane) e James Gor­don (Gary Old­man), além de novos ros­tos como Miri­am Tate (Mar­i­on Cotil­lard) e o dete­tive John Blake (Joseph Gordon-Levitt).

    Christo­pher Nolan orques­tra todo esse pes­soal em meio a um roteiro intrin­ca­do, con­stru­in­do o capí­tu­lo final de sua obra e dan­do a impressão de que tudo tin­ha sido plane­ja­do des­de seu iní­cio, em 2005, com Bat­man Begins.

    Por isso é difí­cil com­parar Bat­man: O Cav­aleiro das Trevas Ressurge com os out­ros dois grandes filmes de super-heróis do ano: Os Vin­gadores e O Espetac­u­lar Homem-Aran­ha. Os dois apre­sen­tam um uni­ver­so fic­tí­cio mais leve e sim­ples, cheio de cor e de pos­si­bil­i­dades fab­u­losas, como trans­for­mações físi­cas, voos, super-força. Mas, além dis­so, ess­es filmes são clara­mente pro­je­ta­dos visan­do mer­ca­do e envolvem uma série de profis­sion­ais. O con­t­role que a Warn­er deu a Nolan sobre os rumos da sua trilo­gia de Bat­man con­fer­em aos filmes uma car­ac­terís­ti­ca quase que de tra­bal­ho autoral.

    E assim o Bat­man ter­mi­na, mas de uma maneira muito inter­es­sante. Quan­do o filme aca­ba, o que se tem é o fim de um ciclo e a aber­tu­ra de diver­sas pos­si­bil­i­dades que podem ser seguidas. Inclu­sive a de deixar as som­bras para trás e ten­tar aproveitar um pouco a luz que res­ta do dia.

    Trail­er:

  • Frango com Ameixas (Poulet aux Prunes) (2011), de Vincent Paronnaud & Marjane Satrapi

    Depois do suces­so da graph­ic nov­el Per­sépo­lis (2007), adap­ta­da para o cin­e­ma em uma fab­u­losa ani­mação, a quadrin­ista ira­ni­ana Mar­jane Satrapi, nova­mente em parce­ria com Vin­cent Paron­naud, deixa um pouco de lado a sua auto­bi­ografia, para res­gatar uma anti­ga história de família, ago­ra em Fran­go com Ameixas (Poulet aux Prunes,2011,França, Ale­man­ha, Bél­gi­ca).

    Fran­go com Ameixas, que tam­bém se tra­ta de uma adap­tação dos quadrin­hos para o cin­e­ma, con­ta a vida de Nass­er Ali (Math­ieu Amal­ric de O Escafan­dro e a Bor­bo­le­ta), um tal­en­toso músi­co, tocador do tar (uma espé­cie de vio­li­no, típi­co do Irã). Seu instru­men­to, além de ser a úni­ca coisa que ain­da lhe traz praz­er, traduz em cada nota o amor que man­tém por Irâne, uma anti­ga paixão da qual teve que abrir mão.

    Desilu­di­do, para sat­is­faz­er os dese­jos de sua mãe, Ali se casa com Nahid, com quem tem dois fil­hos. Um dia, cansa­da do iso­la­men­to e fal­ta de obri­gações do mari­do para com ela e as cri­anças, em um exces­so de rai­va que­bra o ado­ra­do instru­men­to de Ali. O músi­co decide então deitar em sua cama e esper­ar pela morte. A par­tir daí a espera de Ali é nar­ra­da em oito capí­tu­los, nos quais con­ta des­de o rela­ciona­men­to com seus fil­hos Farzaneh e Mozaf­far, até o dia em que se encon­tra com Azrael, o anjo da morte islâmico.

    Difer­ente das primeiras obras de Mar­jane Satrapi, como Per­sépo­lis e Bor­da­dos, Fran­go com Ameixas traz uma história pecu­liar de um homem, cuja melan­co­l­ia e desilusão com a vida que gostaria de ter tido e não teve, o faz optar por desi­s­tir. Mas ao mes­mo tem­po Satrapi não perde o humor para tratar de temas del­i­ca­dos como a vida e a morte. Fran­go com Ameixas em vários momen­tos apre­sen­ta cenas cômi­cas, como quan­do Ali em um de seus devaneios imag­i­na o futuro de seu fil­ho Mozaf­far: após sair do Irã e ir morar nos EUA, com­prar uma casa e um car­ro, vive um típi­co ‘son­ho amer­i­cano’ com sua mul­her e seus fil­hos obesos.

    Ape­sar de não ser mais uma auto­bi­ografia, Nass­er Ali foi um tio-avô queri­do de Satrapi, por isso Fran­go com Ameixas traz ain­da, alguns temas já abor­da­dos em suas anti­gas obras, como a arte, a mitolo­gia, a decadên­cia famil­iar e a feli­ci­dade. Para quem gos­ta da auto­ra, Fran­go com Ameixas é mais um belo tra­bal­ho que merece ser saboreado.

    Trail­er
    :

    httpv://www.youtube.com/watch?v=RwRyHTjzh2c

  • Porta na Cara: Férias do Barulho, três recomendações de leitura

    Porta na Cara: Férias do Barulho, três recomendações de leitura

    Olá. Você pode me chama de Bruno, mas o que eu mais quero é que você me chame de ami­go. Esta­mos cer­tos? Eu acred­i­to que sim. Então pegue na min­ha mão e vamos embar­car nes­sa empre­ita­da juntos.

    Pen­san­do em você, caro leitor (a) jovem e baladeiro (a), eu vou aqui relatar três livros com selo de qual­i­dade “Que Trem Bão, Sô” para tem­po­ra­da de férias que está por vir. Mas olha só, livros são legais, mas tudo tem lim­ite. Eles não vão deixar você mais inteligente ou algo do tipo. Como diria o sábio Arnal­do Bran­co: se quis­er posar de inteligente, use um cachim­bo. Enfim, segue o baile.


    Ruí­do Bran­co, Don DeLil­lo – Um per­son­agem que usa túni­ca e ócu­los escuro para lecionar pre­cisa — mais do que nun­ca — ser ama­do. E como não amar Jack Glad­ney, um pro­fes­sor uni­ver­sitário pio­neiro no estu­do de Hitlerolo­gia (!), mas que não sabe falar uma palavra em alemão? Ruí­do Bran­co é foca­do na vida desse pro­fes­sor excên­tri­co, sua família nada con­ven­cional e a sua fasci­nação por um assun­to pouco queri­do: A morte. Além de tudo, há um aci­dente nuclear em sua cidade e um sujeito extrema­mente engraça­do chama­do Mur­ray. Mais não pos­so con­tar, mas pos­so diz­er que DeLil­lo influ­en­ciou uma ger­ação de escritores como David Fos­ter Wal­lace, Bret Eas­t­on Ellis, Chuck Palah­niuk, entre out­ros. O romance inspirou uma músi­ca do Mog­wai chama­da White Noise (duh), que está no álbum Hard­core Will Nev­er Die (but you will) (2011).


    Eu Falar Boni­to um Dia, David Sedaris – As rem­i­nis­cên­cias de David Sedaris são uma das coisas mais engraçadas que já li em anos. Mas não espere um cli­ma Clarah Aver­buck de falar do próprio umbi­go, nada dis­so. Sedaris tra­bal­ha com engen­ho rela­tan­do sua tem­po­ra­da em sube­m­pre­gos, sua fase “artís­ti­ca”, sua família para lá de estran­ha e como seu namora­do, Hugh, o aguen­ta mes­mo David sendo desagradáv­el a todo instante. Seus con­tos tam­bém podem ser vis­tos como pequenos ensaios sobre gente comum, ralan­do para ter uma vida digna, extrema­mente bem escrito. David Sedaris é colab­o­rador fre­quente de revis­tas como New York­er, Esquire e tan­tas out­ras. Bril­ha muito esse rapaz. 


    The Alco­holic, Jonathan Ames TREVAS. Assim mes­mo, com caps lock e tudo, é a palavra per­fei­ta para descr­ev­er essa HQ de Jonathan Ames, roteirista do seri­ado Bored to Death, da HBO. Jonathan (o per­son­agem, não o autor) quan­do jovem, era um óti­mo aluno até con­hecer o álcool. Sua vida cai num abis­mo gigan­tesco, mas ele con­segue se safar do prob­le­ma e vira um escritor de romances poli­ci­ais de suces­so – claro que o álcool vol­ta para tornar a vida de nos­so herói um infer­no dos dia­bos nova­mente. Além dis­so, a tra­ma con­ta com sua relação com seu cha­pa, Sal, que não é das mel­hores. Nota 10 de dez estre­las pos­síveis. Con­fi­ra para enten­der porque virei um fã con­strage­dor desse autor. 

    Espero que as recomen­dações agra­dem pelo menos um ou out­ro jovem inter­es­sa­do nes­sas coisas. Estou aqui para con­tribuir com seu bem estar. É o mín­i­mo que pos­so faz­er por vocês, lin­dezas. Até a próx­i­ma e evitem serem fla­gra­dos fazen­do besteira. Sabe­mos que assim é fei­ta a juven­tude, mas vamos com calma.

    Boas férias a todos.

  • Gibicon 2011, em Curitiba

    Gibicon 2011, em Curitiba

    De 15 a 17 de jul­ho de 2011, Curiti­ba será o des­ti­no dos fãs de quadrin­hos, HQs, Graph­ic Nov­els, Gibis ou como preferir chamar. Ness­es dias acon­te­cerá a Gibi­con — Con­venção Inter­na­cional de Quadrin­hos de Curiti­ba, com real­iza­ção da Prefeitu­ra de Curiti­ba, Quadrin­hofil­ia e ZnorT! ilustradores.

    A cap­i­tal paranaense além de con­tar com um óti­mo número de bons quadrin­istas e ilustradores de renome, tam­bém sem­pre esteve no cir­cuito de lança­men­tos de esti­lo. Con­tan­do com a primeira gib­ite­ca do Brasil, a cidade resolveu realizar o even­to com três dias rec­hea­d­os de atrações nacionais e inter­na­cionais, além de ofic­i­nas e muitas ativi­dades voltadas aos fãs de quadrin­hos. Segun­do os real­izadores, o even­to é inti­t­u­la­do de número zero por ser jus­ta­mente um aque­c­i­men­to ao próx­i­mo que será em comem­o­ração aos 30 anos da Gib­ite­ca.

    Mas como diz o tex­to de intro­dução do site, não se enganem achan­do que a Gibi­con desse ano será menor, con­tan­do com nomes como Lourenço Mutarel­li, os gêmeos Fábio e Gabriel Bá, o curitibano Sol­da e mais uma trupe de peso, o even­to prom­ete ser extrema­mente inter­es­sante e inten­so durante os três dias.

    A Gibi­con acon­tece em vários lugares da cidade e vai ser gra­tu­ito, para se inscr­ev­er somente é necessário a doação de um gibi ou livro sobre o assun­to. Con­fi­ra maiores infor­mações no site do even­to e acom­pan­he a cober­turas de algu­mas ativi­dades aqui, no inter­ro­gAção!

  • Crítica: Padre

    Crítica: Padre

    crítica padreBasea­do na famosa HQ core­ana de mes­mo nome, Padre (Priest, USA, 2011), dirigi­do por Scott Charles Stew­art, é mais uma das várias adap­tações de Histórias em Quadrin­hos feitas pelo cin­e­ma amer­i­cano. Pos­suin­do belos efeitos espe­ci­ais para rep­re­sen­tar a já vel­ha luta entre home­ns e vam­piros, temos um filme visual­mente atraente, mas nar­ra­ti­va­mente e cine­tografi­ca­mente pobres.

    Em um mun­do pós-apoc­alíp­ti­co, onde des­de o começo dos tem­pos há guer­ras entre home­ns e vam­piros — que nes­ta ver­são são seres cin­zas e sem olhos- os humanos tin­ham pou­cas chances de vencer esta luta até sur­girem os Padres, exímios exter­mi­nadores de vam­piros. Tem­pos depois, quan­do se acred­i­ta­va que não havia mais peri­go, uma família é suposta­mente ata­ca­da por vam­piros e a sua fil­ha, Lucy (Lily Collins), rap­ta­da. Seu tio, um Padre (Paul Bet­tany), ten­ta aler­tar seus supe­ri­ores des­ta ameaça e vai atrás de vin­gança jun­to com Hicks (Cam Gigan­det), par român­ti­co de Lucy.

    É inegáv­el que o cin­e­ma e as HQs estão estre­i­tan­do seus laços cada vez mais, onde um aca­ba ali­men­tan­do o uni­ver­so do out­ro que, em segui­da, aca­ba servin­do de ali­men­to para o primeiro, um ver­dadeiro ciclo de retro-ali­men­tação. Isto não é nen­hu­ma novi­dade, Osamu Tezu­ka — cri­ador do Astro Boy, Speed Rac­er, … — inovou os mangás na sua época, quan­do inseriu nar­ra­ti­vas mais cin­e­matográ­fi­cas em seu tra­bal­ho, que mais tarde acabaram influ­en­cian­do muitas obras do cin­e­ma. Quan­do uma obra é adap­ta­da para um out­ro meio, é dese­jáv­el que se explore as novas pos­si­bil­i­dades deste e não que sim­ples­mente se faça uma trans­posição de um para o out­ro. Infe­liz­mente, é jus­ta­mente neste pon­to que Padre não soube explorar.

    Antes que você comece a se per­gun­tar, já vou respon­der: não, não sou daque­les chatos que fica procu­ran­do tudo que tem em uma HQ no filme e, neste caso em par­tic­u­lar, até nem teria como faz­er isto pois ain­da não tive ain­da a opor­tu­nidade de ler a obra. Muitas cenas do Padre, havi­am ele­men­tos que pare­ci­am ser niti­da­mente trans­pos­tos de um desen­ho, mas que não fun­cionavam efe­ti­va­mente nas telas, só se a imagem fos­se estáti­ca. A trans­fo­mação na mudança de expressão e gestos dos atores, tril­ha sono­ra, movi­men­tação da câmera de um pon­to ao out­ro, … todos ess­es ele­men­tos impor­tantes para a lin­guagem cin­e­matográ­fi­ca pare­cem não ter tido tan­ta importân­cia quan­to o de ter cenas “fiéis” aos quadrin­hos. Me per­gun­to, de que adi­anta você ver uma cena muito bem pro­duzi­da visual­mente se o ator tem expressão de peixe e movi­men­tos mecânicos?

    Os momen­tos de cli­max das cenas de ação em Padre ficaram sim­ples­mente fra­cos, dev­i­do a fal­ta da uti­liza­ção mais elab­o­ra­da destes ele­men­tos, ficou difí­cil haver aque­le envolvi­men­to com ten­são e emoções que o cin­e­ma per­mite. O roteiro fra­co cer­ta­mente aju­dou neste que­si­to tam­bém, não que seja necessário muitas expli­cações em uma tra­ma de padres matan­do vam­piros, mas um pouco mais de desen­volvi­men­to teria feito grande diferença.

    Padre provavel­mente é daque­las obras que por enquan­to — uma sequên­cia é deix­a­do em aber­to no final — deve fun­cionar mais como HQ do que como filme. Aliás, fiquei bem curioso de ler ela, aqui no Brasil foi pub­li­ca­da pela Lumus Edi­to­ra.

    Out­ras críti­cas interessantes:

    Trail­er Legendado:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=_nOxYl80FDA

  • Lançamento ¨Caderno Listrado¨ na Itiban Comic Shop, em Curitiba

    Lançamento ¨Caderno Listrado¨ na Itiban Comic Shop, em Curitiba

    Neste sába­do, dia 11/06, às 16hs, na Itiban Com­ic Shop, a edi­to­ra Cader­no Listra­do estará lançan­do sua nova edição de sketch­books . O edi­tor e encader­na­do Daniel Bar­bosa con­vi­dou três quadrin­istas para pro­duzirem a arte dos sketch­books: Fábio Lyra (RJ), Samuel Casal (SC) e Rafael Sica (RS).

    A Itiban vai abrir espaço para bate-papo com os artis­tas e sessão de autó­grafos. Os cader­nos poderão ser com­pra­dos lá mes­mo e cus­tarão R$52,00 cada.

    Lança­men­to Cader­no Listrado
    Dia 11 de junho
    Local: Itiban Com­ic Shop — Av. Sil­va Jardim, 845 — Curiti­ba, Paraná
    16h

  • Entrevista: Rafael Sica

    Entrevista: Rafael Sica

    No dia 23 de fevereiro, uma das típi­cas noites chu­vosas Curitibanas, Rafael Sica esteve na Itiban Com­ic Shop lançan­do e con­ver­san­do sobre seu livro Ordinário (Com­pan­hia das Letras, 2011). Antes do bate-papo — que você acom­pan­ha aqui — a equipe inter­ro­gAção con­ver­sou com o Sica sobre quadrin­hos, refer­ên­cias, situ­ação do livro no Brasil e até mes­mo o assun­to de licenças autorais apare­ceu na conversa.

    Entre­vis­tar um quadrin­ista como Rafael Sica não é uma tare­fa muito fácil. O gaú­cho tem um esti­lo de quadrin­ho que ao mes­mo tem­po que soa her­méti­co à primeira olha­da é tam­bém aber­to, pos­sív­el das mais diver­sas inter­pre­tações. O blog dele recebe, em cada nova postagem, uma enx­ur­ra­da de críti­cas, teo­rias, elo­gios vir­tu­ais e de tudo mais um pouco. Deci­di­dos que não iríamos levar muitas per­gun­tas ano­tadas, opta­mos por ter um bate-papo for­ja­do nas idéias, lig­ações, teo­rias e curiosi­dades que tín­hamos em relação ao quadrinista/ilustrador. Lig­amos o gravador e o resul­ta­do você acom­pan­ha logo abaixo, e bem, recomen­do: leia/observe/teorize Ordinário, de Rafael Sica (ou acesse o blog), vale a pena!

    Obser­van­do seu blog, nota-se algo inter­es­sante: Você não responde os comen­tários, né? Você nun­ca respon­deu. Existe até pseudôn­i­mos de ¨Eu¨ nos comen­tários, é você ou alguém que comenta?
    Não, não respon­do e esse “eu”, não sou eu. Até porque o legal dos comen­tários é uma inter­pre­tação dos tra­bal­hos, né. Muitas vezes tem cara xin­gan­do ou via­jan­do a respeito do tra­bal­ho, sem­pre achei que se eu inter­ferir ali, ou explicar algu­ma coisa não funcionaria.

    O que você acha das pes­soas ten­tan­do explicar, teorizar … Dá para notar mui­ta gente ali ten­tan­do explicar o trabalho.
    Eu acho que essa é a pro­pos­ta do tra­bal­ho, né. É um tra­bal­ho aber­to, que só sug­ere, é silen­cioso, não tem tex­to e nem é dis­cur­si­vo. Então, é a aber­tu­ra que o tra­bal­ho se dá pra o leitor, a idéia aca­ba sendo que o leitor tam­bém tra­bal­he, com­ple­tan­do o desen­ho. Então acho óti­mo, quan­do não tiv­er ninguém comen­tan­do ou ten­tan­do adi­v­in­har é porque o tra­bal­ho já falou tudo, fez tudo soz­in­ho. Pre­firo essa inter­fer­ên­cia, acho que é sem­pre bem vinda.

    Como é lidar com as críticas?
    É tran­qui­lo, me divir­to com aque­le espaço. Até que, quan­do vem críti­cas, geral­mente são comen­tários anôn­i­mos, com apeli­dos e tudo assim, então não tem como levar muito em con­sid­er­ação. Mas tudo bem, acho óti­mo. Se exis­tisse mais críti­ca de quadrin­hos no Brasil… Mas as críti­cas geral­mente vem como ofen­sa, ou algu­ma coisa recal­ca­da. Mas leio sem­pre, acompanho.

    Os quadrin­hos sem nar­ra­ti­va exigem mais do leitor…
    Existe uma nar­ra­ti­va, mas é grá­fi­ca, visu­al. Sim, exige que o leitor com­plete o tra­bal­ho. E é essa real­mente a pro­pos­ta dele, fui tiran­do o tex­to das tiras — no começo do blog eu usa­va um cer­to número de palavras — dimin­uin­do o número de palavras e fui me dan­do con­ta de como isso poten­cial­iza­va as interpretações.

    Acho que isso dire­ciona de cer­ta for­ma, né?
    É, existe um tema ali cen­tral, existe uma coisa que a pes­soa se iden­ti­fique. Mas não está dizen­do nada, não está sendo dis­cur­si­vo, botan­do um pon­to. Não há uma só expli­cação ou teo­ria sobre qual­quer coisa, é mais para lev­an­tar questões mes­mo. E lev­an­tan­do elas, os comen­tários são muito bem vindos.

    Por que você faz tiras? Você já pen­sou em faz­er histórias? Mui­ta gente comen­ta no seu blog que fal­ta começo, meio e fim, que as tiras não têm uma lóg­i­ca. Até está­va­mos con­ver­san­do que a lit­er­atu­ra con­tem­porânea hoje — por exem­p­lo Daniel Galera, Bonas­si, Ruffa­to — não tem isso, e tam­bém não pre­cisa ter para haver lógica.
    De fato não. Tem essa cul­tura do humor grá­fi­co nar­ra­ti­vo, da pia­da que ter­mi­na em história. Acho que se eu fizesse uma história maior, iria pelo mes­mo cam­in­ho, deixaria uma história mais aber­ta sem começo, meio e fim, uma coisa que fizesse cer­ta lóg­i­ca, mas pen­so que a aber­tu­ra que o tra­bal­ho pode dar sem­pre é mais impor­tante. A não ser que vá faz­er um quadrin­ho-jor­nal­is­mo, ilus­tra­ti­vo ou auto­bi­ográ­fi­co, aí tudo bem, faz sen­ti­do. Mas nesse caso não, numa obra de ficção não faz sen­ti­do pre­cis­ar ter essa essa estrutura.

    Uma per­gun­ta meio clichê, mas qual são as tuas influên­cias, em qual­quer área?
    Nos­sa, tem tan­ta coisa! É difi­ci­fil achar todos os nomes para con­seguir faz­er que fique algu­ma coisa que defi­na o tra­bal­ho. Na ver­dade é uma coisa muito pes­soal de obser­vação mes­mo da real­i­dade. Somos influ­en­ci­a­dos toda hora, esta­mos sem­pre desco­brindo alguém novo, ou um tra­bal­ho que eu gos­to muito. As vezes se desco­bre o tra­bal­ho de alguém que tem muito haver com o teu tra­bal­ho e parece até que você já leu ele e está fazen­do algu­ma coisa como se ele tivesse sido influên­cia, mas você nem sabia que ele exis­tia. Um autor que con­heci chama­do Gonça­lo Tavares, só fui con­hecer depois, e real­mente, tu vai ler as coisas e tem a ver. Tem um desen­hista amer­i­cano chama­do Edward Gorey, as coisas do Mutarel­li, o Kaf­ka… não sei, tem mui­ta coisa de tudo no meu trabalho.

    Há muito do humor negro né? 
    É a esco­la do meu desen­ho, vem daí do humor grá­fi­co. É a esco­la do quadrin­ho brasileiro, o Chi­clete com Banana, o Ani­mal, que já não era tan­to humor. Mas vem daí de faz­er charges, cartoon…

    E a escol­ha do pre­to e bran­co? Tem alguns quadrin­hos teus que tem cores… 
    É uma opção mes­mo. Se eu fos­se pin­tar, eu pin­taria ou no com­puta­dor, que fica um coisa meio mecâni­ca que eu não gos­to muito, ou uma aquarela, que acho que iria ficar muito fofo e muito bonit­in­ho. Eu fico con­tente com o pre­to e bran­co, acho que atinge um resul­ta­do que me interessa. 

    Como é que chegou a decisão de pub­licá-los na inter­net? Começou com eles no blog?
    O blog começou em 2004, na eṕo­ca que eu fui morar em São Paulo e pre­cisa­va de um espaço para faz­er um port­fólio, para tra­bal­har com ilus­tração. Aí eu fiz ele para postar min­has coisas, era uma coisa muito dis­per­sa, tin­ha um pouco de tudo. Tin­ha quadrin­hos, muitas ilus­trações, fun­ciona­va mais como um port­fólio mes­mo, até que foi toman­do um cam­in­ho de pub­li­cação do tra­bal­ho de quadrin­hos mes­mo. Come­cei a encar­ar como se fos­se um fanzine, pub­licar com uma cer­ta reg­u­lar­i­dade, pas­sou a ter mais leitores. Foi um cam­in­ho muito nat­ur­al, não foi nada plane­ja­do. Chegou um pon­to em que eu começei a pub­licar tiras em jor­nal, todo dia, e pub­licar tam­bém no blog.

    Aqui ou no Sul?
    São Paulo e Rio Grande do Sul. Tra­bal­hei em redação de jor­nal, pub­li­ca­va as tiras lá, isso acho que em 2006 mais ou menos. Fui pub­li­can­do no site sem­pre, e ele tem esse liber­dade de você poder faz­er o que quis­er num tra­bal­ho. No jor­nal tin­ha mui­ta respos­ta do leitor e cobrança do edi­tor: “isso não faz sen­ti­do”, “tem que faz­er que nem eu gos­to”, “por que você não ten­ta faz­er isso e não aqui­lo?”, coisa que o blog não tem né, tu bota o que tiv­er afim.

    O taman­ho da imagem do blog, peque­na, é de propósito?
    É de propósi­to sim, eu gos­to dela peque­na assim. Que é para parar e prestar atenção, chegar mais perto…

    Você usa algu­ma fer­ra­men­ta para tra­bal­har as tiras no computador?
    Faço tudo dire­to na mão mes­mo. As vezes ajeito depois uma cois­in­ha ou out­ra, mas coisa mín­i­ma, não chego a com­ple­tar desen­hos nem repe­tir quadros. Acho meio relax­ado repe­tir cenários. Muitas tiras vão sem nen­hu­ma mod­i­fi­cação, até porque muitas vezes a sujeir­in­ha fica legal.

    Dá para notar mes­mo que você não repete cenário e etc.
    Sim, estou fazen­do uma história grande ago­ra que tin­ha umas 20 vezes o mes­mo cenário…dá muito tra­bal­ho mesmo.

    As suas tiras tem muito do cotid­i­ano, aqui­lo que comentei do con­tem­porâ­neo, do efeito da real­i­dade extremo, mas é ao mes­mo tem­po sur­re­al. Você sur­re­al­iza em muitos momen­tos a real­i­dade, um choque das duas coisas. Acho que algu­mas das críti­cas mais recor­rentes é dis­so, que você ¨via­ja¨.
    É uma maneira de sub­vert­er a palavra, mas eu sub­ver­to a real­i­dade mes­mo. As vezes é a mel­hor maneira de você se faz­er enten­der, trans­por essa real­i­dade para um out­ro con­ceito. Eu uso segui­do tam­bém o truque do fan­tás­ti­co, do per­son­agem que é estran­ho ou tem cara de bicho, um per­son­agem que voa ou monstros.

    Os pal­haços, os comediantes.…
    Sim, tem mui­ta coisa meio mími­ca, cinema.

    Tem o quadrin­ho do mími­co que veste a luva… São iro­nias que ao invés de serem irôni­cas e hilárias são total­mente sem reação.
    Sim, tem umas coisas pesadas, né. Então essa iro­nia vem a favor.

    Isso tudo você tira do dia a dia, da observação?
    Do dia a dia, ou de algu­ma coisa que estou lendo. Eu nun­ca ten­ho um lugar certo.

    O que você tá lendo hoje?
    Eu tô lendo Michel Fou­cault, tava lendo no avião (risos). Eu ando inter­es­sa­do sobre a história dos hos­pí­cios, sobre saúde men­tal. Eu tô cansa­do de ler romance, aí to lendo ensaios que é uma coisa que pode te dar idéia. Romance tu pen­sa ¨Putz, eu pode­ria ter feito isso¨ e ago­ra já tá pron­to. Então, ler ensaio e arti­go é uma coisa que eu ten­ho gosta­do de fazer.

    Hoje, você vive de quadrinhos? 
    Não. Eu ten­ho feito cada vez mais coisas de quadrin­hos, mas vivo de ilus­tração, de edi­to­r­i­al, uma cois­in­ha ou out­ra de pro­je­to grá­fi­co. Mas, quadrin­hos não é tão fácil.

    Você acha que hoje o mer­ca­do está mel­hor para os quadrin­istas? No Brasil pelo menos?
    Sim, tá mais maduro. Tem cada vez mais edi­toras investin­do nos quadrin­hos. Tem selos de quadrin­hos. Tem a lei de incen­ti­vo à leitu­ra. Eu espero que não seja pas­sageiro como foi nos anos 80, que tin­ha revis­tas com mil­hares de autores. Tem essa coisa de estar mais eli­ti­za­do, de ser ven­di­do em livraria e já não é todo mun­do que tem acesso.

    Você começou pub­li­can­do seus quadrin­hos no blog e hoje tá lançan­do os quadrin­hos pela Cia das Letras. Hoje, as pes­soas vêem a inter­net como o apoc­alipse dos livros e ness­es mes­mos aspec­tos de divul­gação, como você vê a inter­net? Ela é impor­tante, te aju­da como quadrinista?
    Eu ten­ho um bom retorno, todas as tiras do livro foram pub­li­cadas antes na inter­net, então me aju­dou. Eu acred­i­to que aju­da muito na divul­gação do tra­bal­ho e no boca a boca mes­mo. Eu não sou muito de redes soci­ais, mas os ami­gos e pes­soas próx­i­mas a mim ficam twit­tan­do ou colo­can­do coisas no face­book e eu acabo ten­do o retorno dis­so. Eu acho que se tivesse como viablizar a ven­da de quadrin­hos pela inter­net — e eu ain­da não desco­bri como faz­er isso — acho que seria muito inter­es­sante, seria legal. Enfim, por enquan­to é mera­mente para divul­gação e uma base de exper­i­men­tação de publicação.

    Como é que você lida com out­ros sites pegarem seus quadrin­hos e usarem sem pedir per­mis­são, não falarem nada?
    Tran­qui­lo, é uma das regras do jogo, né. Não tem como faz­er difer­ente na inter­net, eu gos­to que fique aber­to é bem a min­ha ideia mesmo.

    Você con­hece a licença Cre­ative Com­mons? Uma licença que você colo­ca e per­mite que as pes­soas podem divul­gar e faz­er coisas a von­tade mas não pode vender, gan­har din­heiro com isso, por exemplo?
    Ah, aí já é out­ra coisa, né. Se eu desco­brir algo vai ter que ter uma asses­so­ria para isso, com advo­ga­dos. Aí Se a coisa é com­pli­ca­da ou vira uma estam­pa de camise­ta, por exem­p­lo, como já acon­te­ceu com uns desen­his­tas que eu con­heço, vira um jogo de chá ou sei lá o quê, aí inco­mo­da né. Mas essa coisa de repub­licar em blog, site, con­tan­to que não seja um site dirigi­do por algu­ma cor­po­ração, por mim é tran­qui­lo. É para usar de uma maneira livre tam­bém, não é para gan­har din­heiro assim, porque tem um tra­bal­ho meu aí, né.

    Há sem­pre o escritor/quadrinista que só se sente um profis­sion­al com um livro lança­do, na estante. Como é isso para você?
    Eu gos­to de ter mate­r­i­al pub­li­ca­do. Acho que é um amadurec­i­men­to do tra­bal­ho mes­mo, a pon­to de eu ter con­segui­do pub­licar em uma edi­to­ra, poder dis­tribuir o mate­r­i­al, o livro tá ali impres­so, tem uma vida lon­ga maior. Eu publiquei em várias revis­tas inde­pen­dentes e tal e você sabe que isso a par­tir de um momen­to se esgo­ta e você tem que cor­rer atrás. O livro tá ali edi­ta­do, o mate­r­i­al tá reg­istra­do e tal, isso me agra­da bas­tante, ter as coisas pub­li­cadas e aca­ba chegan­do um pouco difer­ente do que pub­licar na inter­net. O que eu sin­to, que é uma pena, que as vezes você tra­bal­ha algum tem­po e só ago­ra, depois de pub­li­ca­do, que o tra­bal­ho é vis­to com um cer­to recon­hec­i­men­to. Talvez nem recon­hec­i­men­to, mas atenção mes­mo e cer­to respeito pelo tra­bal­ho. Só acho um pouco cha­to que seja assim, que a impren­sa e as pes­soas que for­mam opinião este­jam lig­adas a essa história de que o mate­r­i­al tem que estar pub­li­ca­do, que tem que ter uma edi­to­ra por trás para o tra­bal­ho ter um cer­to val­or. Infe­liz­mente ain­da tem resquí­cios disso.

    Mas tam­bém é legal isso…
    Nem é tan­to assim sabia, a por­cent­agem é muito cur­ta. O Laerte falou uma coisa que é legal: O Brasil é um país de três mil leitores, nen­hum livro sai com mais de 3 mil exemplares.

    Só o Crepús­cu­lo e olha lá…
    Só o Crepús­cu­lo e olha lá mes­mo. Esse aí já sai com tudo, ban­de­jin­ha, mochi­la, agen­da, caneca…

    Uma coisa inter­es­sante é que mes­mo os teus quadrin­hos ten­do um con­teú­do mais pesa­do e de humor negro, a Cia das Letras se inter­es­sou pelo teu tra­bal­ho e isso vai entrar para um públi­co maior, queren­do ou não, e isso rep­re­sen­ta uma reflexão das pes­soas. Nem que seja para xin­gar no teu blog, algu­ma coisa vai causar…
    É, a edi­to­ra arriscou. Um autor descon­heci­do, pub­li­ca­va na inter­net, jovem. É um risco que eles estão cor­ren­do. Mas o livro tem tido uma respos­ta boa também.

    Quais out­ros car­tunistas, estrangeiros, você se inspi­ra também?
    Além do Edward Gorey, tem o Charles Addams tam­bém, que fez a Família Addams, os car­tuns dele são incríveis. Sei lá, o próprio Crumb quan­do eu desco­bri, alguns ilustradores argentinos…

    Há algo meio oníri­co em seus desen­hos? Do tipo, você son­hou algo e desenha.
    Não, não muito. Eu son­ho algu­mas coisas estra­nhas, mas difi­cil­mente isso vira desen­ho. Mas as vezes tem a intenção de pare­cer um pesade­lo, um lugar sem saí­da, tu sabe onde está mas não sabe, pes­soas que você acha que con­hece mas não con­hece. Tem a coisa do silên­cio também.

    Como é que você com­pi­lou as ideias para aque­le quadrin­ho com os comen­tários dos leitores?
    Ah, eu pas­sei uns bons dias lendo bas­tante os comen­tários e sele­cio­nan­do os mais inter­es­santes. Aí eu peguei e ten­tei vestir com o inver­so mes­mo, pegan­do um per­son­agem nada haver com o que foi falado.

    Existe um cam­in­ho para começar a ser desen­hista, ilustrador, e ter um esti­lo próprio? Você teve esse caminho?
    Eu começei a desen­har des­de a infân­cia. Mas é aque­la coisa das primeiras coisas que tu vai lendo enquan­to tu tá for­man­do a tua cabeça, tu começa a copi­ar mes­mo, o que tu gos­ta. E aí até que o desen­ho mes­mo vai te dan­do o cam­in­ho. É um exer­cí­cio desen­har, ter o teu traço particular.

    Você dev­e­ria pub­licar umas coisas mais velhas.
    Não, não. Essas a gente esconde. [risos]

    O que você usa para desenhar?
    Hoje em dia uso mais cane­ta, ou pena para dar aque­le efeito mais fluí­do. As vezes um pin­cel seco… tem coisa em lápis também.