Traduzido pelo colaborador Guilherme Sobota. O interrogAção é o tradutor oficial das HQs do Stuart McMillen.
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Livro: Precisamos Falar sobre o Kevin — Lionel Shriver
Gozado como a gente vai escavando o buraco com uma colherinha de chá – uma concessão mínima, um arredondamento insignificante ou uma levíssima reformulação de determinada emoção para outra que seja um tiquinho mais simpática ou lisonjeira.
Kevin Khatchadourian é autor de uma chacina escolar que levou quase uma dezena de pessoas à morte. Naturalmente ao sabermos dessa informação, são inevitáveis as perguntas que buscam elucidar a razão de tal ato. “O que leva jovens com uma vida aparentemente boa a tomarem tal atitude, tirando a vida de pessoas inocentes?” “Por quê?” é a pergunta que sintetiza muitas vezes nossa perplexidade diante do fato.
Porém, ao longo da leitura de Precisamos falar sobre o Kevin (2007, Intrínseca), de Lionel Shriver, esse ato brutal passa muitas vezes esquecido, nos parece menor, ou pior ainda, soa apenas como o desfecho de uma sucessão de peculiares eventos que pontuam a vida da família Khatchadourian e de seu filho.
A história de Kevin é contada por sua mãe, de simbólico nome Eva. Por meio de cartas ao marido Franklin, Eva remonta sua trajetória como uma moça solteira com um destacado senso crítico aos EUA e com ímpetos de explorar o mundo. Sua vida muda ao conhecer (e se casar com) aquele que muitas vezes seria seu oposto, Franklin, um típico norte-americano enamorado por seu próprio país.
A opção de narrar as lembranças de Eva por meio de epístolas já nos diz muito sobre a história da qual vamos compartilhar em Precisamos falar sobre o Kevin, uma vez que essa escrita confessional parece a mais adequada para que a narradora pontue sua culpa, seu remorso e as concessões indevidas que Eva fez ao marido desde que engravidara. Seu relato é pontuado pelo silêncio e pela resignação.
Eva não queria, de fato, uma criança, mas não pôde “negar” ao marido a vontade de ter um rebento em casa. Mesmo durante a gravidez ela se sentia desconfortável, como se a criança anulasse sua individualidade, sua feminilidade, sua independência e, pior, seu casamento.
Capa da primeira edição Desde a gestação, Eva trava lutas silenciosas com seu filho, em um clima hostil que perdura por toda narrativa. O clima de Precisamos falar sobre o Kevin nunca é leve, e por vezes a leitura dos acontecimentos choca, magoa, demanda um respiro ao leitor.
Isso porque as memórias de Eva são retomadas com sinceridade e brutalidade extremas. É possível acompanhar nitidamente cada passo errado e dado em falso pela família, e o oneroso peso que eles têm de pagar por isso. Kevin não é sociável, não é uma criança de desenvolvimento normal – os papéis muitas vezes se invertem e é ele quem força seus pais a crescerem, os provoca com sua apatia, questiona-os enquanto pais. A violência, a intransigência e o vazio que partem de Kevin permeiam a história e é impossível ficar indiferente a ela.
Naturalmente é fácil observar os Khatchadourian e tachá-los de culpados ou de negligentes… Agora, a história dessa família, até certo ponto, não se afasta muito da nossa: quantas vezes, em nossas relações, não nos vemos forçados a ceder a contragosto, a tomar partido, a optar por lados? Obviamente a história de Kevin é um relato extremado de uma atmosfera doentia e problemática, mas por isso mesmo Precisamos falar sobre o Kevin é um livro tão marcante – antes de se encerrar sobre o tema dos assassinatos em si, ele se abre ao dialogar com nossas relações familiares, com nossos arranjos sociais e com nossas crenças.
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Crítica: Corações em Conflito
Trabalhar muito para conseguir ganhar dinheiro suficiente e dessa forma manter um padrão de vida desejável é a realidade de muitos. Em Corações em Conflito (Mammoth, Suécia/Dinamarca, 2009), de Lukas Moodysson, é refletido justamente o distanciamento que este tipo de comportamento pode causar dentro de uma família.
Leo (Gael Garcia Bernal), criador de um site sobre jogos eletrônicos de sucesso, e Ellen (Michelle Williams), cirurgiã totalmente dedicada à salvar vidas, são um casal de sucesso profissional. Eles tem uma filha de oito anos mas, por trabalharem demais, ela passa a maior parte do tempo com sua babá Filipina, de forma que a relação entre pais e filha é muito escassa. Quando Leo precisa viajar a Tailândia, para assinar um contrato importante, uma série de reações em cadeia começam a acontecer, trazendo consequências dramáticas para todos.
Corações em Conflito tem como principal característica personagens que mesmo estando em lugares e situações totalmente diferentes, possuem algum tipo de ligação, na maioria dramáticas. O que lembra muito filmes como Babel, de Alejandro González Iñárritu, e Crash — No limite, de Paul Haggis. Apesar disso, o longa não chega a ser tão envolvente e cativante quantos estes dois.
O enredo possui algumas ideias bem interessantes, principalmente em mostrar diferentes realidades convivendo uma ao lado da outra sem terem consciência disso. Corações em Conflito questiona também a falta de atenção dada á própria família, principalmente aos filhos, e a dificuldade de lidar com eles por causa deste afastamento cada vez maior. Algumas cenas do filme são bastante impactantes, mostrando como o ciúme e a dificuldade para conseguir comunicar uma mensagem, podem resultar em desdobramentos muito sérios.
Um dos grandes problemas de Corações em Conflito está na sua trilha sonora, mais parecendo um apanhado das dez músicas favoritas de alguém da equipe de produção, que simplesmente jogou em cima do longa em cenas que achou legal. As músicas simplesmente não tem nenhuma ligação com o que está acontecendo, algumas se repetiram incansáveis vezes, além de “quebrarem o clima” dramático almejado pelo longa. Como as trilhas sonoras são um aspecto muito importante para mim, fiquei muito incomodado e posso afirmar: dificilmente vi uma produção sonora tão ruim. Infelizmente os atores também não ajudaram muito a manter o clima do filme, seus papéis são bem vazios e certas atuações são totalmente forçadas e sem emoção.
Corações em Conflito lida com problemas frequentes e importantes das relações humanas, mas que muitas vezes são ignorados por causa da complexidade que trazem consigo. Apesar de não conseguir ser muito envolvente, causa um desconforto devido aos fortes temas abordados, que podem ser usados para uma boa discussão após o filme.
Outras críticas interessantes:
- Janaina Pereira, no Pipoca Combo
Trailer:
httpv://www.youtube.com/watch?v=qVgwpLyN2ek
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Crítica: Plano B
Fomos educados para primeiro terminar a faculdade, depois casar e aí ter filhos. E se você decidisse fazer tudo ao contrário? É a partir dessa idéia que Plano B (The Back-Up Plan, EUA, 2010), de Alan Poul, monta sua história, nesta comédia romântica.
Zoe (Jennifer Lopez) está cansada de esperar o “homem ideal” aparecer em sua vida. Como quer muito ser mãe, decide que fará isso tudo sozinha, e vai até uma clínica de inseminação artificial para assim finalmente realizar o seu sonho. Só que após sair da consulta, ela conhece Stan (Alex O’Loughlin), que pode ser aquele parceiro que ela tanto procurou.
Praticamente só o universo feminino é explorado no Plano B. O homem é um mero coadjuvante, totalmente perdido e aparentemente quase sem nenhuma vida social, o que acabou sendo mais uma inversão, em relação à vários outros filmes. Mas desta vez também se preocupou em mostrar o lado mais “cru” (leia-se: natural, mas tratado muitas vezes como tabu) das mulheres. Como se comporta uma mulher grávida louca por satisfazer seus desejos alimentares? Como é o sexo durante a gravidez? E o parto? O mais divertido dessas situações foi ver essas mulheres 100% higienizadas e de plástico, passando por essas situações “super embaraçosas”.
É interessante a demonstração da total falta de preparo, principalmente informacional, de mulheres que querem filhos e das que já são mães, no Plano B e na vida real também. Parece que a cada dia está se afastando mais de coisas tão naturais, como o próprio corpo, que qualquer coisinha acaba sendo um grande evento/segredo. Tão grande que virou até motivo para ser comédia. E é claro que não poderia faltar um bizarro clube de ajuda, para dar suporte a essas mães solteiras.
Apesar de tentar muito, Jennifer Lopez não consegue convencer como atriz. Em algumas cenas que requerem uma atuação um pouco maior, chega a ser incômodo vê-la brincando de atriz. Mas na grande maioria, ela está apenas sendo ela mesma, como em praticamente todos os filmes que já fez.
Logo no início de Plano B há uma animação (desenho), enquanto se mostra alguns dos créditos do filme que ficou totalmente perdida, já criando uma expectativa meio ruim do que poderá acontecer. Isso sem mencionar o fato que ela foi muito mal feita, não tem nenhuma vida (e humor), sendo totalmente mecânica. Teria sido um recurso até interessante para ser usado no final do filme, enquanto todos os créditos fossem lançados, mas que acabou sendo desperdiçado por aparecer logo no começo.
Plano B se diferencia por suas abordagens pouco comuns, mas que não chegam a causar qualquer tipo de incômodo, conseguindo manter um ritmo muito bom. Para quem gosta deste tipo de filme, ele é uma boa escolha de entretenimento, e para os outros, espero terem um bom plano b (apesar de fraca, é difícil não fazer essa piadinha).
Outra críticas interessantes:
- Ricardo Prado, no Cinecartógrafo
- Mateo Sancho Cardiel, no G1
- Mariamma Fonseca, no FUNtástico
Trailer:
httpv://www.youtube.com/watch?v=fOMG_4qTnaI
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Espalhadas pelo ar
Tirar as roupas e fumar um cigarro, na saída de incêndio de um prédio. Assim é satisfeita a necessidade de se desvencilhar das roupas que lhe incomodam e simplesmente praticar um ato que lhe traga um momento de pensamento e prazer. Tudo isso são simplesmente metáforas que a diretora Vera Egito usou para criar o curta Espalhadas pelo ar (Brasil, 2007), uma história de duas vizinhas, com mais ou menos 15 anos de diferença, que se ajudam a superar seus problemas de uma forma bem peculiar, fumando.
O curta é intimista e direto, discute sobre o tempo, aquele que vier e o que se foi. O tempo do amor, daquele que inicia e daquele que se acaba.
Vera Egito é uma das mais novas promessas do cinema nacional e apenas 27 anos já tinha dois curtas-metragens na semana de crítica em Cannes. Ela já trabalhou como assistente em O Cheiro do Ralo e foi coautora do roteiro de À deriva com, seu atual namorado, o diretor Heitor Dhalia.