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  • Dossiê Darren Aronofsky: Pi — Entrevista Traduzida

    Dossiê Darren Aronofsky: Pi — Entrevista Traduzida

    Quan­do assis­ti­mos algum filme de Dar­ren Aronof­sky é inevitáv­el o tur­bil­hão de sen­sações, ideias e ques­tion­a­men­tos que surgem em torno do enre­do. Os lon­gas do dire­tor são reple­tos de refer­ên­cias e sem­pre deix­am pon­tas para que o espec­ta­dor con­strua sua própria rede de deduções, o que por si só é fan­tás­ti­co. 3.141592.. — Pi (leia nos­so primeiro tex­to do Dos­siê Dar­ren Aronof­sky) é primeira entre­vista que vamos pub­licar, traduzi­da com exclu­sivi­dade pelo inter­ro­gAção, pub­li­ca­da orig­i­nal­mente no site do óti­mo A.V. Club (do grupo The Onion) e con­duzi­da por Joshua Klein. O dire­tor, lá em 1998, fala da exper­iên­cia de faz­er um filme de baixo orça­men­to total­mente foca­do em ideias, já con­sid­er­a­do cult na época, além de prom­e­ter con­tin­uar fazen­do filmes do mes­mo nív­el e con­ven­hamos, Dar­ren Aronof­sky con­seguiu man­ter o foco.

    Dar­ren Aronof­sky — 3.141592…

    Traduzi­do por Natália Bel­los

    Pro­du­to de Har­vard e do Amer­i­can Film Insti­tute, o cineas­ta Dar­ren Aronof­sky, nasci­do no Brook­lyn, parece ter sido des­ti­na­do a faz­er o extremo e int­elec­tu­al filme de ficção cien­tí­fi­ca, que gan­hou o prêmio de Mel­hor Dire­tor, na com­petição de dra­ma, em 1998, no Fes­ti­val de Cin­e­ma de Sun­dance.

    A tra­ma de Pi – um gênio da matemáti­ca desco­bre um elab­o­ra­do códi­go numéri­co e pre­cisa se pro­te­ger daque­les que querem sua descober­ta — resul­ta tan­to do perío­do de tem­po que ele pas­sou em um kibutz em Israel quan­to do “des­ti­no Wall Street” que muitos de seus ami­gos de infân­cia seguiram. 

    Des­de que o filme ger­ou o bur­bur­in­ho após sua exibição em Utah, Aronof­sky assi­nou um con­tra­to para pro­dução de vários filmes com a Mira­max. O The Onion con­ver­sou com Aronof­sky sobre o hype, fazen­do um filme de baixo orça­men­to pare­cer caro e a real­i­dade de comprometer-se. 

    Toda a atenção em torno do pré-lança­men­to que Pi rece­beu criou mui­ta pressão?

    Pressão para transar, talvez. 

    Bem, Pi não é um filme muito comercial… 

    Ah, você está erra­do quan­to a isso, amigo!

    Você acha que Pi é um filme comercial?

    É um filme pura­mente com­er­cial. É o filme mais com­er­cial desse verão. Você quer saber por quê? Porque a estrela do filme são as ideias.

    São as mes­mas ideias que deix­am as pes­soas curiosas há muito tem­po. Assista A pro­fe­cia celesti­na, leia The Bible Code, são best-sell­ers no mun­do todo. As pes­soas querem saber por que esta­mos aqui, o sen­ti­do da vida, quem é Deus, onde Ele está, o que Ele é. 

    São questões como essas que Pi brin­ca. Eu acred­i­to que se os donos de cin­e­ma não fos­sem uns bananas e as pes­soas percebessem os temas inter­es­santes trata­dos no filme, nós faríamos eles irem ao cinema. 

    O proces­so de fil­magem é uma espé­cie de retorno aos dias mais visuais dos indies, de dire­tores como David Lynch. A maio­r­ia dos filmes inde­pen­dentes atual­mente, se são de con­fron­to, quase nun­ca são estilis­ti­ca­mente con­frontantes. O foco é sem­pre o tema, como sexo, vio­lên­cia ou a lin­guagem. Pi é um ataque sen­so­r­i­al completo.

    Des­de o começo, nós sabíamos que queríamos faz­er um filme que fos­se com­ple­ta­mente orig­i­nal, úni­co e difer­ente, porque eu acred­i­to que o públi­co tem uma cer­ta fome após verem o mes­mo pastelão hol­ly­wood­i­ano sem val­or repeti­das vezes.

    Há sem­pre o inter­esse em ver algo novo. Filmes inde­pen­dentes rara­mente dão isso ao públi­co atual­mente. Quan­do eu era mais novo, os filmes que eu gosta­va, como Laran­ja Mecâni­ca – eu cos­tu­ma­va ir a sessões à meia-noite em Man­hat­tan e fica­va deslum­bra­do. Eu sem­pre quis faz­er um filme que fos­se exci­tante e desafi­ador como esse para o público. 

    A parte mais impor­tante do filme, e uma das razões pelas quais eu o acho com­er­cial, é que Pi é ape­nas um thriller. É um filme de perseguição, guia­do pela adren­a­li­na. Nós queríamos faz­er um pas­seio de mon­tan­ha-rus­sa por 90 min­u­tos, em que o públi­co ficas­se pre­so e se man­tivesse cola­do nos seus assen­tos. Com essa meta… Se nós cumprísse­mos o obje­ti­vo do thriller, eu sabia que nós podíamos forçar os temas um pouco e forçar o esti­lo. Se eu tivesse o públi­co sen­ta­do por todo o tem­po pen­san­do para onde o filme esta­va indo, eu sabia que podia brin­car com as out­ras coisas.

    É um filme pura­mente com­er­cial. É o filme mais com­er­cial desse verão. Você quer saber por quê? Porque a estrela do filme são as ideias.

    A ideia era, des­de o começo, faz­er algo que fos­se ao mes­mo tem­po visual­mente inter­es­sante e int­elec­tual­mente estimulante?

    Sim, nós con­stan­te­mente queríamos que fos­se difer­ente. Queríamos que fos­se visual­mente difer­ente de qual­quer coisa que qual­quer um já ten­ha vis­to. É por isso que nós fil­mamos em pre­to ou bran­co em oposição ao pre­to e bran­co; é por isso que nós mis­tu­ramos todos ess­es tipos novos e estran­hos de fil­magem (como o Heat-Cam e a Vibra­tor-Cam). Nós queríamos mudar as regras bási­cas da fil­magem e faz­er escol­has que eram novas na tela. 

    Isso foi difí­cil com um orça­men­to baixo?

    Ah, sim. É um desafio enorme. É muito mais fácil ape­nas ajus­tar a câmera no can­to e deixar a cena rolar, mas isso não seria grat­i­f­i­cante. Meus tipos favoritos de filmes me fazem sen­tir coisas como “Uau, isso é incrív­el”.

    Nós queríamos que nos­sa câmera fizesse isso pelas pes­soas. Nós sim­ples­mente a colo­camos em todos os lugares que podíamos. Nós fomos muito inspi­ra­dos pelos quadrin­hos. A mel­hor coisa dos quadrin­hos é que eles podem colo­car a “câmera” em qual­quer lugar. Não há prob­le­mas de orça­men­to quan­do se quer colo­car a câmera a 90 met­ros do chão. Então ten­ta­mos faz­er isso o máx­i­mo possível. 

    Afi­nal, quan­to o filme custou?

    Cus­tou U$60.000,00 para faz­er até o corte final. Toda a fil­magem e todos os cortes para video­tape. Cus­tou mais din­heiro para ser con­ver­tido para 35 mm* e deixá-lo com um som profis­sion­al. O filme que você vê na tela é defin­i­ti­va­mente de muito baixo orça­men­to, mas ele não parece. 

    *Blown up é o nome que se dá ao proces­so no qual o filme é grava­do em for­ma­to dig­i­tal e depois con­ver­tido para 35 mm, para que se ten­ha uma cópia em película. 

    É total­mente pau­ta­do em seu próprio esti­lo visu­al, então ele fun­ciona nesse nív­el [de baixo orça­men­to]. Com apoios, porém, você pode faz­er um filme por nada. Você sabe, empres­ta uma câmera , pega o filme de graça. Com Pi, o cus­to real incluin­do todos os favores que tive­mos seria astronômi­co. É facil­mente um filme de U$2 mil­hões com todos o apoio que tive­mos e com a equipe que tra­bal­hou receben­do o paga­men­to atrasado.

    É um monte de din­heiro. É por isso que ele parece um filme de U$2 mil­hões: na ver­dade é um filme de U$2 mil­hões. Mas em ter­mos de din­heiro real­mente gas­to, foram U$60.000,00.

    Eu acred­i­to que se os donos de cin­e­ma não fos­sem uns “bananas” e as pes­soas percebessem os temas inter­es­santes trata­dos no filme, nós faríamos eles irem ao cinema

    Você acha que a difí­cil situ­ação “din­heiro-primeiro, filme-depois” que muitos jovens cineas­tas enfrentam atra­pal­ha a cria­tivi­dade deles?

    Não, eu acho que expande total­mente a cria­tivi­dade. O prob­le­ma com muitos filmes de grande orça­men­to é que eles têm muito din­heiro, e então eles agem de maneira rotineira e mecâni­ca. Eu acho que quan­do você é lim­i­ta­do pelos seus recur­sos você tem que ser mais criativo. 

    Seus lim­ites cri­am sua real­i­dade, e den­tro dessa real­i­dade, você ten­ta trans­for­mar essas lim­i­tações em seus pon­tos fortes. No fim das con­tas, se algo não fun­ciona, você tem que cor­tar. Você não pode sim­ples­mente diz­er “Bem, eram três da man­hã e meu ator esta­va vom­i­tan­do, esta­va frio e é por isso que o filme ficou assim”. Você não pode faz­er isso. 

    Ou fun­ciona ou não fun­ciona. Pon­to. Fim. Então nós nem queríamos chegar nes­sa situ­ação. Nós basi­ca­mente per­gun­ta­mos “O que podemos faz­er?” E uma vez que nós sabi­amos, nós falam­os “Vamos levá-lo o mais longe que con­seguirmos e torná-lo o mais excep­cional que pud­er­mos nes­sa direção”.

    Já é desafi­ador faz­er out­ros filmes como este da sua estreia?

    Não, eu vou sim­ples­mente desafi­ar con­stan­te­mente os lim­ites o máx­i­mo que pud­er. Eu ten­ho um grande inter­esse em faz­er grandes filmes hol­ly­wood­i­anos, mas eu quero ter certeza de que eles sejam difer­entes e úni­cos. Eu acho que qual­quer empre­sa que fiz­er negó­cios comi­go vai esper­ar isso de mim. 

  • Dossiê Darren Aronofsky: Pi

    Dossiê Darren Aronofsky: Pi

    poster piVinte zero um. Aque­la capa pre­ta com um grande sím­bo­lo bran­co sem­pre me chama­va atenção na locado­ra, mas por algum moti­vo nun­ca loca­va ou chega­va muito per­to dele.

    Vinte zero três. Alguém aleatório em uma fes­ta de ano novo começa a con­ver­sar sobre filmes comi­go e comen­to da tal capa, ele então fala que ape­sar de mais difer­ente é um lon­ga fab­u­loso que eu dev­e­ria assi­s­tir. Acho inter­es­sante mas não dou mui­ta atenção, vou ali pegar um pouco mais de sal­a­da de batata.

    Vinte zero seis. Pare­cia perseguição, nova­mente aque­la imagem, deci­di final­mente ter cor­agem e ver a parte de trás da caixa, mas ao ver fotos em pre­to e bran­co, achei mel­hor ficar para a próx­i­ma vez, que não tin­ha ideia de quan­do era.

    Nota men­tal. Naque­la época ver filme ain­da era uma sim­ples fuga, as vezes até do filme em si.

    Vinte zero sete. Desafir­mo a suposição a respeito dos filmes na min­ha situ­ação atu­al. Algo havia muda­do den­tro de mim. Reafir­mo min­has novas suposições.

    Um. Filmes podem con­ter muito mais infor­mações do que imaginamos.

    Dois. A escol­ha por um tipo de lon­ga diz mui­ta coisa a respeito da situ­ação atu­al de uma pessoa.

    Três. Quase sem­pre é pos­sív­el decifrar infor­mações inter­es­santes ao assi­s­tir algo.

    Nota men­tal: escr­ev­er a respeito dessas coisas começa a pare­cer uma ideia interessante.

    Imagem filme PiVinte onze. O filme da capa estran­ha não é mais nada estran­ho. Já o assisti pelo menos umas seis vezes, seu títu­lo é Pi (EUA, 1998), dirigi­do por Dar­ren Aronof­sky, e o mes­mo está no topo da lista dos lon­gas que eu mais gos­to, assim como o dire­tor, que ocu­pa o segun­do lugar na min­ha lista de cineas­tas preferidos.

    Nota men­tal: é pos­sív­el cri­ar lis­tas para quase tudo.

    Pi foi a estréia de Aronof­sky no cin­e­ma, real­iza­do com um micro-orça­men­to de 60 mil dólares finan­cia­do pela família e ami­gos, mas já pos­suin­do todas as car­ac­terís­ti­cas bem par­ti­c­u­liares e muito pecu­liares do dire­tor. Max­imil­lian “Max” Cohen (Sean Gul­lette), o pro­tag­o­nista e nar­rador do filme, é um matemáti­co que acred­i­ta que tudo ao nos­so redor pode ser rep­re­sen­ta­do e enten­di­do através de números. Além dis­so, se rep­re­sen­tar­mos grafi­ca­mente os números de qual­quer sis­tema, padrões surgem. Por­tan­to, há padrões em toda a natureza.

    Poster Pi Thiago EsserApe­sar de trans­bor­dar em sim­bolis­mos, mitolo­gias, metá­foras e teo­rias, Pi pode ser vis­to de longe como um filme cha­to e maçante, mas ele não é nada dis­so, muito pelo con­trário. Assim como acon­tece em um tex­to do Jorge Luís Borges, após ser­mos quase que esma­ga­dos pela primeira avalanche de infor­mações, aparente­mente desconexas e sem muito sen­ti­do, a luz logo se tor­na tão inten­sa que chega a doer os olhos. Em con­tra­parti­da ao vol­ume de infor­mação, ao lon­go do filme há várias expli­cações feitas de for­ma muito com­preen­síveis para vários dos con­ceitos abor­da­dos, sem em nen­hum momen­to pare­cer aque­las aulas chatas ou total­mente fora do con­tex­to, como acon­te­ceu um pouco em uma cena de A Origem (2011) quan­do se vai explicar como fun­ciona o mecan­is­mo para entrar nos sonhos.
    Nota pes­soal: Torá, Cabala, Teo­ria do Caos, Euclides, Arquimedes, Pitá­go­ras, Fibonac­ci, Leonar­do da Vin­ci, Go, Pro­porção Áurea, Espi­ral Dourada.

    Tam­bém já é pos­sív­el notar um pouco do rit­mo frenéti­co e pico­ta­do, que mais tarde se con­sagrou em Réquiem para um Son­ho (2000), que muitas vezes cria uma ambi­en­tação de thriller no lon­ga. Além dis­so, o Pi tam­bém pos­sui alguns efeitos espe­ci­ais bem inter­es­santes, ape­sar do seu baixo orça­men­to, sendo um deles a cena em que é feito um zoom em cima de números, assim como o mem­o­ráv­el efeito do iní­cio do filme que Matrix (1999) fez no ano seguinte. Aliás, os filmes de Aronof­sky são bem con­heci­dos por resolverem várias questões de efeitos com­plex­os com solução sim­ples e baratas, mas que causam um efeito estonteante.

    Imagem filme PiA tril­ha sono­ra é out­ro pon­to alto de Pi, sendo o iní­cio de uma pro­lí­fi­ca parce­ria com Clint Mansell, que o acom­pan­hou de algu­ma maneira em todos os seus out­ros filmes. Para quem é fã deste tipo de músi­ca, envol­ven­do prin­ci­pal­mente som intru­men­tal, vai ado­rar escutá-la. Tam­bém recomen­do demasi­da­mente a tril­ha sono­ra do seu out­ro filme A Fonte da Vida, que para mim é a mel­hor de todas.

    A exper­iên­cia de assi­s­tir Pi pode ser um pouco difí­cil nos primeiro min­u­tos, mas uma vez super­a­da essa fase, é difí­cil não achá-lo no mín­i­mo per­tur­bador e cheio de pos­si­bil­i­dades de dis­cussões para quem acred­i­ta que através de números ou não, há muito o que ain­da con­hecer sobre as infini­tudes do novo uni­ver­so quântico.

    Out­ros tex­tos inter­es­santes sobre o filme Pi:

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=xzAjzoNOaaU