A última frase do conto Lembramos para você a preço de atacado (Realidades Paralelas, Editora Aleph), de Philip Dick, diz que a verdade não tardará a chegar, deixando para o leitor uma variedade de possibilidades quanto ao futuro de Douglas Quaid, um homem que tem sonhos repetitivos com Marte como se fosse uma lembrança recorrente na sua mente. E essas possibilidades do universo de Dick nunca passaram batidas pelas mãos de cineastas que já adaptaram boa parte da obra do escritor. O conto em questão ficou especialmente conhecido em 1990, quando o diretor Paul Verhoeven levou às telas O Vingador do Futuro, protagonizado por Arnold Schwarzenegger. O filme dava sequência aos fatos apresentados no enredo, levando Quaid até Marte para entender os sonhos de perseguição.
A versão dos anos 90 era típica da época, cheia de exageros e uma visão bem suja — e bastante interessante para fãs do gênero — do futuro, trazendo o icônico Schwarzenegger com Sharon Stone, a musa da época, no papel da esposa de Quaid. Os fãs dessa primeira versão de Total Recall ficaram bastante apreensivos quando o diretor Len Wiseman, conhecido pela saga Anjos da Noite, anunciou um remake, ou melhor, uma nova visão para o Vingador do Futuro (Total Recall, EUA/Canada, 2012).
Mantendo o mesmo título e vários outros elementos do anterior — soando como uma possível homenagem — o longa tenta se sustentar por suas próprias opções de roteiro, assinado por Kurt Wimmer. Levando em consideração que ambas as versões tratam do futuro, cada um com as tecnologias de sua época, nessa nova versão são usados todas as possibilidades de efeitos, cenários requintados e manipulações da realidade. Mas ninguém sai da Terra, que aliás vive numa distopia típica de ficção científica. Depois de uma terceira guerra mundial o planeta está dividido em duas grandes conglomerações de pessoas. Uma, a Euroamerica, altamente tecnológica, desenvolvida e rica. Outra, New Shangai, na antiga Oceania, onde vivem todas as populações periféricas do globo. Observa-se uma verdadeira mistura de culturas, placas com ideogramas enfeitam habitações enfileiradas e precárias, já ditas pelo diretor que foram inspiradas nas favelas brasileiras.
Douglas Quaid (Collin Farrel) trabalha como operário na Euroamerica e é assombrado por um sonho repetitivo em que é um agente em fuga, acompanhado de uma mulher que escapa enquanto ele é preso. Sonhando sempre com a mesma cena o homem se sente cada vez mais incomodado e compartilha isso com sua mulher Lori (Kate Beckinsale), uma espécie de bombeira em New Shanghai. Quaid decide ir até a Rekall, empresa que adiciona memórias em seres humanos, com a ideia de parar de ser perseguido pelo pesadelo. A verdade é que o pesadelo nada mais é que uma lembrança mal apagada de Quaid e é então que as verdadeiras facetas do operário entram em ação.
Nada fácil convencer o público do potencial do remake de um filme que foi ganhando status cult com o passar do tempo. Wiseman tenta trabalhar juntamente com o roteiro para que o espectador não tire os olhos da tela, mas o que consegue mais é uma chuva de ações e reviravoltas que acabam entediando. Não que Farrel não dê conta da persona de Quaid, na verdade, as companheiras de cena não colaboraram. Kate Beckinsale, por exemplo, esposa do diretor do longa e estrela da saga Anjos da Noite, dá uma aula de como ser uma vilã sem sal e sem graça. Extremamente caricata de mulher fatal, ela e Jéssica Biehl (um pouco melhor) protoganizam uma cena extremamente desnecessária de duas mulheres brigando. Aliás, boa parte do elenco fica bastante apagado nesse roteiro que se preocupa em dar ares steampunk para um futuro inevitável.
O Vingador do Futuro tem tudo para ser mais um remake afogado na praia. Um enredo arrastado, atrizes bonitas com pouca atuação e a sombra de um clássico por trás. Talvez o longa seja um bom entretenimento para quem está pouco familiarizado com a versão anterior e com as narrativas de Philip Dick. Mas a dica é, veja sem muitas espectativas e gaste bastante tempo lendo os contos do autor.
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