Se perguntassem há um século atrás qual era o projeto de determinado escritor, a resposta viria fácil: Escrever bons livros e publicá-los posteriormente, toda uma rotina sempre foi levada em conta na vida de um escritor. Os temas poderiam ser variados, mas o projeto em si se resumiria há um longo tempo de dedicação para a escrita, estudo e buscas por editores. Mas e no mundo chamado de pós-moderno, como um escritor se comporta diante de tanta informação e hibridismo? Ele consegue se manter ingênuo no seu posto de somente escrever de forma passiva?
Partindo de um título que daria assunto para bem mais de uma hora no Café Literário da Bienal do Livro Rio 2011, a mesa O Livro além do Livro teve a ambiciosa tarefa de juntar três escritores contemporâneos da literatura brasileira, mediados pela jornalista Cristiane Costa. O trio formado para mesa foram os gaúchos Paulo Scott, Antônio Xerxenesky e a carioca Simone Campos. Os três, mesmo sendo de gerações um pouco diferentes, Paulo é o mais velho, possuem suas atividades literárias ligadas de alguma forma com a cultura digital.
Entre eles, Simone Campos é a que tem o projeto atual mais híbrido, envolvendo a literatura e games. Desde a sua estreia como escritora, aos 17 anos, ela apresenta uso de vocabulário da web mesclados com diálogos curtos e narrativas que beiram ao experimental. No último ano, Simone vem trabalhando no livro-jogo Owned (que já foi anunciado o lançamento no dia 20 de outubro) que tem uma proposta próxima do clássico O Jogo de Amarelinha, de Julio Cortázar, onde o objetivo é deixar o enredo ser desenvolvido pelas decisões do próprio leitor. O livro vai ser disponível online e uma versão com extras no impresso. Simone diz que sentia necessidade de criar algo que superasse o número de possibilidades de se ler uma obra e para tal aprendeu bases de linguagem computacional e lógica. Na certa, Owned ainda vai render muito assunto, principalmente por unir duas linguagens que aparentemente são pouco associáveis.
Para Xerxenesky os jogos não estão tão distantes das narrativas ficcionais literárias como se pensa. Em seu primeiro livro, o romance Areia nos Dentes (Rocco, 2010), ele deixa clara sua influência ao jogo clássico Alone In the Dark. Explica que um jogo precisa de cabeças tão pensantes como se acredita a literatura ter e que o fato de alguém gostar muito de determinado tipo de narrativa, como em muitas vezes os complexos roteiros de games, não signifique que ela tenha algum grau diferente de intelectualidade. Os escritor gaúcho ainda relembra que jogos são usados há muito tempo na literatura, sem deixar de citar os experimentalismos literários, do já citado, Julio Cortázar.
Um dos pontos mais bacanas de uma discussão sobre as influências da cultura digital no desenvolver do trabalho de um escritor é que os tópicos ultrapassam a mera discussão mercadológica e apocalíptica sobre os ebooks e tablets. Esses autores do presente estão mais preocupados em formas interessantes de colocarem em prática suas reações às informações que chegam o tempo todo. Em tom divertido, Paulo Scott fala que na verdade ele é um frustrado em muita coisa que gostaria de ter feito e por isso acaba envolvendo tudo isso no seu projeto literário.
Paulo Scott está numa empenhada função de virar DJ Literário remixando poesias de outros poetas com as suas, ou ainda, colocando outros escritores para lerem, declamarem e etc transformando tudo em um trabalho multimidiático. Mesmo afirmando de que o mundo da ficção literária vai muito além do game e do virtual, ele também diz que os jovens escritores, se referindo aos seus companheiros de mesa, tem uma bagagem de conhecimento construído na leitura e no bom aproveitamento das informações. Antônio Xerxenesky foi prático em dizer que um escritor hoje não tem muita opção a não ser fazer parte das redes sociais e ser uma figura ativa na internet. Ele já havia escrito sobre isso num texto muito enfático e interessante sobre os escritores contemporâneos brasileiros, no site do IMS — Instituto Moreira Salles.
Xerxenesky tem uma veia forte na metaficção e metaliteratura, em seu último livro — reunião de contos — intitulado de A Página Assombrada por Fantasmas (Rocco, 2011), são nítidos os vultos das referências literárias e eruditas que constroem o escritor. Quando questionado se sua literatura é uma espécie de fanfiction, ele explica que o seu texto é mais uma forma de lidar com as referências e não distorce-las ou reescreve-las. No mais, há outra forma de um autor se livrar de seus próprios demônios a não ser lidando com eles?
O escritor gaúcho ainda cita sua influência por escritores como Thomas Pynchon, Roberto Bolaño e Enrique Vilas-Matas, que são conhecidos por terem seus próprios projetos voltados ao caos da vida contemporânea. Ou seja, facilmente o leitor encontrar figuras pop e mitológicas passeando pelos textos desses autores em situações mirabolantes e inusitadas. De fato, não há como fugir das próprias referências, onde os próprios escritores são personagens de seus mundos paralelos.
Quando se fala em cultura digital parece que é praticamente impossível de se empregar junto as palavras livro, literatura, autores, editoras e mais o leque de sinônimos que acompanham essas outras. É muito mais fácil usar termos mais apocalípticos e de informações de que você não tem chance nenhuma a não ser se render aos terabytes de tecnologia que deixam sua vida mais interessante. E é fugindo das discussões de mercado que podemos observar mais de perto como os escritores, estes preocupados com a criação e como boa parte deles lidam de forma harmônica com a web e o digital. As possibilidades são infinitas e provavelmente logo teremos novas visões e ramos para a literatura, sem ela, de forma nenhuma, deixar de ter suas funções primordiais, seja para quem escreve ou para quem lê.
O interrogAção gravou em áudio todo esse bate-papo e se você quiser pode escutar aqui pelo site, logo abaixo, ou baixar para o seu computador e ouvir onde preferir.
Ouça a palestra completa: (clique no link abaixo para ouvir ou faça o download)
[wpaudio url=“http://www.interrogacao.com.br/media/bienallivrorio11/BienalRio11-CL-Livro_alem_do_livro.mp3” text=“Café Literário: Livro além do livro” dl=“0”]