Filmes que reunam vários diretores tendo como objeto central da narrativa uma única cidade/metrópole não é nenhuma novidade. Um clássico do gênero é o Contos de Nova Iorque, de 1989, que reuniu Woody Allen, Martin Scorsese e Francis Coppola, já trazendo a premissa de criar personagens para a metrópole cheia de mitos e cosmopolita. Assim, em 2008, surge o projeto de criar três histórias para a capital japonesa, dando origem a Tokyo! (Tokyo!, França/Japão/Alemanha/Coréia , 2008 ), de Michel Gondry, Leos Carax e Bong Joon-Ho.
Tokyo! traz três histórias inspiradas pela cultura e cotidiano da moderna capital. O primeiro intitulado de Interior Design pelo criativo francês Michel Gondry, e livremente baseado no quadrinho Cecil and Jordan in New York, de Gabrielle Bell, traz o casal Hiroko e Akira chegando a Tóquio para levar adiante o sonho de Akira em ser cineasta (talvez aqui uma bela homenagem ao maior cineasta japonês Akira Kurosawa). Além dos problemas em instalar-se na cidade, o casal sofre com os problemas de desemprego. A historieta gira, principalmente, em torno da utilidade que Hiroko acredita não ter em relação às outras pessoas. O curta é o mais imaginativo de Tokyo!, recheado de detalhes típicos do cinema feito por Gondry. Objetos, à primeira vista banais, são transformados em fábula sobre a necessidade de utilidade das pessoas e a ambição de ser algo.
O segundo, e talvez mais fraco, é o Merde do diretor francês Leos Carax. Um ser estranho, intitulado de “criatura do esgoto” sai às ruas pregando o caos porque simplesmente não gosta dos japoneses e nem de sua cultura. A criatura, mais tarde nomeada de Merde, lembra muito os seres das fábulas européias e os próprios japoneses têm lendas urbanas em relação ao “submundo” dos esgotos, que foram referências nítidas nas séries japonesas que fizeram sucesso nos anos 80 e 90 no Brasil. A história de Carax se inicia de uma forma frenética mas acaba se perdendo no foco político da história.
O terceiro, e que considero o mais sensível de Tokyo!, é o Shaking Tokyo (algo como, Balançando Tóquio) do sul-coreano Bong Joon-ho, mais conhecido pelo filme O Hospedeiro. Joon-ho denuncia um dos problemas mais sérios, não somente de Tóquio, mas de boa parte das grandes metrópoles mundiais com superpovoamento: o sentimento/necessidade de isolamento. O personagem desse segmento é um típico hikikomori japonês, um antissocial ao extremo que se isola por anos, na sua residência dentro do próprio meio urbano. Somos apresentados a uma casa extremamente organizada e cheia de detalhes para que esse homem possa viver longe das pessoas. O único contato pessoal que ele tem é com entregadores e carteiros. Obviamente, nem tudo funciona sempre assim. Um dia ao receber uma pizza e observando que a entregadora usava uma cinta-liga, o caos está feito, como deixar o isolamento? O curta é conduzido de forma muito interessante e com toques fantásticos tão sutis que mal causam estranhamento, lembrando alguns nuances dos filmes de outro sul-coreano, Kim Ki-Duk.
Os três segmentos seguem a linha de cinema de realismo-fantástico, o qual os cineastas do leste sempre mostraram certo vanguardismo, cujo um bom exemplo é o filme Sonhos de Akira Kurosawa. Lendo alguns textos, devo discordar da visão colonialista que muitos críticos se referiram, principalmente, aos diretores franceses. Considero Tokyo! um dos filmes mais interessantes dessa leva de reunião de diretores em torno de uma cidade, até porque o elemento que melhor interliga as três histórias não é um tema universal e sim uma particularidade da própria cultura japonesa, a fantasia, que em cada enredo é conduzido de forma muito criativa, elemento este que sempre marcou o cinema japonês.
Outra críticas interessantes:
- Daniel Dalpizollo, no CinePlayers
- Ana Martinelli, no Cineclick
- Marcelo Hessel, no Omelete
Trailer:
httpv://www.youtube.com/watch?v=YGxKjxAx1lU