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  • Livro: Eu Receberia as Piores Notícias dos seus lindo Lábios — Marçal Aquino

    Livro: Eu Receberia as Piores Notícias dos seus lindo Lábios — Marçal Aquino

    Alguém pode­ria escr­ev­er um man­u­al sobre como se deve rea­gir a esse tipo de notí­cia, se as cir­cun­stân­cias não forem favoráveis ao casal. Eu rece­be­ria as piores notí­cias dos seus lin­dos lábios. Seria bas­tante útil para home­ns como eu. (p.183)

    Des­de as primeiras estórias de amor que se tem noti­cia o infortúnio de amantes é sem­pre um mote inter­es­sante para escritores. Eu Rece­be­ria as Piores Noti­cias de seus lin­dos Lábios (Com­pan­hia das Letras, 2005), de Marçal Aquino já nasce com um amor desafor­tu­na­do, cheio de paixão e tragé­dia con­ta­da pela voz de Cau­by, quase que um Romeu nas mãos de Aquino.

    Cau­by é fotó­grafo, rodou o mun­do e sem­pre se sen­tiu incom­ple­to quan­to à vida. Num impul­so de fotogra­far lugares inóspi­tos e fugir da frenéti­ca São Paulo, vai para o inte­ri­or do Pará. Numa região onde as leis são feitas à base do silên­cio dom­i­nador dos grandes e os sujeitos à estes — pes­soas que vis­lum­bram o encon­tro de ouro nos garim­pos — é o pano de fun­do da história do fotó­grafo com a mis­te­riosa e sen­su­al Lavinia. No calor do norte do Brasil, lugar descrito por Cau­by como quente e um tan­to mor­to é propí­cio que tudo se mis­ture, a lei, a religião e o amor, tudo, sem o mín­i­mo de delicadeza.

    Nun­ca prom­e­te­mos nada um ao out­ro, e eu sabia que podia acabar de repente. Poe­ma que ces­sa antes de virar a pági­na. Um Haikai. Na práti­ca, con­tu­do, não me con­for­ma­va com a ideia. Eu que­ria mais. (p.67)

    Eu Rece­be­ria as Piores Noti­cias de seus lin­dos Lábios é nar­ra­do em tom de alu­ci­nação e insistên­cia de um homem apaixon­a­do. Cau­by oscila entre o pre­sente, um momen­to cur­to de uma noite, onde um out­ro homem nar­ra as suas decepcões amorosas, e o pas­sa­do, não muito longe, inten­so e cheio de revi­ra­voltas. Tudo sem maiores sinal­iza­ções além da lóg­i­ca que a própria leitu­ra dá. Um pon­to-chave e bacana do livro é o fluxo de con­sciên­cia de Cau­by, reple­to de sen­ti­men­tos e orga­ni­za­do con­forme os fatos que vão surgin­do e reme­tendo à out­ras situ­ações. O nar­rador con­segue cri­ar uma própria orga­ni­za­ção no seu rela­to sem deixar de ser infor­mal e con­t­a­m­i­na­do pelo que sente, usan­do a não-lin­eari­dade total­mente a seu favor.

    Lem­brei dos dias que pas­sei sem ela. Dias em que encon­trar, por aca­so, um fio de seu cabe­lo pre­so na fron­ha do trav­es­seiro bas­ta­va para me encher de angús­tia e dor. Estive a pon­to de raste­jar. Atire a primeira pedra aque­le que não estreme­ceu ao recu­per­ar, nos lençóis encar­di­dos da cama em que dorme solitário, o cheiro da mul­her ausente. (p.74)

    Marçal Aquino
    O livro é divi­di­do em três partes com títu­los bas­tante per­ti­nentes e trag­icômi­cos quan­do se tra­ta de Marçal Aquino. Em Amor é Sex­ual­mente Trans­mís­siv­el tra­ta da efer­vescên­cia do amor de Cau­by e Lavinia como um encan­ta­men­to que é basi­ca­mente sex­u­al. Seus cor­pos con­ver­sam, tro­cam e fun­cionam mel­hor na cama. O diál­o­go entre os dois quase só é pos­sív­el quan­do con­seguem curar o seu caos no sexo. Quan­do não o fazem é tudo muito estran­ho e depen­dente, nem eles sabem ao cer­to porque estão ali. Para enten­der um pouco da desen­f­rea­da Lavinia, em Carne-Viva é apre­sen­ta­da, numa nar­ra­ti­va bem con­ven­cional, o históri­co dessa mul­her que dá sequên­cia no rela­to de Cau­by em Postais de Sodoma à luz do primeiro fogo, onde somos lev­a­dos, já sem fôlego, ao des­fe­cho da relação tem­pes­tu­osa do casal.

    De acor­do com o pro­fes­sor Schi­an­berg (op. cit), não é pos­sív­el deter­mi­nar o momen­to exa­to em que uma pes­soa se apaixona. Se fos­se, ele afir­ma, bas­taria um ter­mômetro para com­pro­var sua teo­ria de que, neste instante, a tem­per­atu­ra cor­po­ral se ele­va vários graus. Uma febre, nos­sa úni­ca sequela div­ina. Schi­amberg diz mais: ao se apaixonar, um ¨homem de sangue quente¨ exper­i­men­ta o desam­paro de sen­tir-se vul­neráv­el. Ele não caçou; foi caça­do. (p.15)

    Um dos pon­tos mais inter­es­santes é como Cau­by e o per­son­agem Vik­tor são lev­a­dos a agir con­forme leituras feitas. O fotó­grafo é fiel seguidor do fic­tí­cio filó­so­fo do amor, Ben­jamin Schi­an­berg, o mes­mo que veio a se tornar o ide­al­izador imag­inário do exper­i­men­to de Beto Brant em O amor segun­do B. Schi­an­berg . Os tre­chos de livros do filó­so­fo são inseri­dos de for­ma bas­tante inteligente em Eu Rece­be­ria as Piores Noti­cias de seus lin­dos Lábios com Cau­by trazen­do a tona pági­nas e citações inteiras asso­ci­adas à sua relação com Lavínia. 

    Mas Eu Rece­be­ria as Piores Noti­cias de seus lin­dos Lábios não é somente um livro sobre amantes mal suce­di­dos. Em vários momen­tos o casal se tor­na ape­nas duas peças para tratar de uma ter­ra sem lei, com explo­ração ambi­en­tal e humana onde quase tudo é deci­di­do por instin­to. Essa filosofia do matar ou mor­rer é que tor­na os per­son­agens um monte de anti-heróis fada­dos a um des­ti­no deter­mi­na­do caso não andem con­forme o pro­gra­ma­do. Todos são reple­tos de con­tro­vér­sias, donos de val­ores que acred­i­tam ter, como se estivessem nesse lugar aparente­mente tão longe para expur­gar sua vida.

    Fada­dos ou não à tragé­dia, Cau­by e Lavinia, assim como boa parte dos per­son­agens são toma­dos pelo sen­ti­men­to de insistên­cia, seja de val­ores, sen­ti­men­tos e o que for. Eu Rece­be­ria as Piores Noti­cias de seus lin­dos Lábios é um romance para se ler com o fôlego daque­les que gostam de arriscar con­tra o tédio da vida.

    *Eu Rece­be­ria as Piores Notí­cias dos seus lin­do Lábios foi adap­ta­do — com títu­lo homôn­i­mo — para o cin­e­ma pelo dire­tor Beto Brant e entrou em car­taz em abril de 2012.

  • Café Literário: Marçal Aquino e Laerte

    Café Literário: Marçal Aquino e Laerte

    As relações entre Lit­er­atu­ra, Cin­e­ma, TV e Quadrin­hos, hoje, giram em torno da questão da adap­tação. É fre­quente a dis­cussão sobre as for­mas que os meios audio­vi­suais se apro­pri­am da lin­guagem literária. Foi per­me­a­do por essa polémi­ca que o quadrin­ista Laerte e o roteirista Marçal Aquino fiz­er­am um debate medi­a­do por Mar­i­ana Sanchez, dia 06 de out­ubro no Café Literário da Bien­al do Livro Paraná 2010.

    Laerte é car­tunista e um dos maiores quadrin­istas do Brasil, pub­li­ca tiras nos prin­ci­pais jor­nais do país e atual­mente tam­bém no seu site Man­u­al do Mino­tau­ro. Marçal Aquino é roteirista, escritor e jor­nal­ista e assi­na roteiros de filmes como Os Mata­dores e O Cheiro do Ralo. Ambos os con­vi­da­dos tem uma vas­ta exper­iên­cia da imagem como lin­guagem, seja ela no for­ma­to de HQs ou em roteiros para o audio­vi­su­al. Laerte defende mais a Tele­visão e as pro­duções em seri­ados, falan­do muitas vezes que a qual­i­dade da TV não é de todo ruim, já Marçal Aquino é um defen­sor do Cin­e­ma como lin­guagem imagéti­ca e dialo­ga muito sobre a importân­cia da Lit­er­atu­ra para um roteirista.

    A exper­iên­cia de ambos é que pon­tua as duas opiniões durante a dis­cussão. Um dos pon­tos altos do debate acon­te­ceu quan­do o assun­to se situ­ou na adap­tação de livros e quadrin­hos para a tela dos cin­e­mas. Marçal diz que ¨Cin­e­ma é que nem suru­ba, pre­cisa de mais gente para faz­er¨ se con­trapon­do com o ato solitário da escri­ta. Ain­da, diz que essa pre­mis­sa de que o livro é sem­pre mel­hor que o filme é ver­dadeira levan­do em con­ta que as duas lin­gua­gens são com­ple­ta­mente difer­entes e que não há uma neces­si­dade de fidel­i­dade entre os dois, afi­nal ¨tex­to não tem dono quan­do vai ser adap­ta­do para out­ro meio”.

    Para Laerte, não há certeza que o livro seja mel­hor, mas que fre­quente­mente é. Ele cita o filme Uma História sem Fim como refer­ên­cia de adap­tação porque o roteirista teve a sabedo­ria de se lim­i­tar pegan­do ape­nas uma parte da história para que fos­se algo viáv­el. O quadrin­ista comen­ta sobre a adap­tação do seu tra­bal­ho Piratas do Tiête, afir­man­do que Otto Guer­ra é um herói da ani­mação nacional e que o filme não será mais basea­do ness­es per­son­agens, mas sim em tiras feitas nos últi­mos anos, que são mais gerais e sem personagens.

    Laerte lev­an­ta muitas car­ac­terís­ti­cas pio­neiras das HQs que servi­ram de inspi­ração para os esti­los de tomadas no Cin­e­ma. Ambos os palestrantes con­seguiram o tem­po todo com­pro­var com vários ele­men­tos esse diál­o­go que com­põe o tripé Cinema/HQs/Literatura. Marçal tam­bém afir­ma que hoje é quase impos­sív­el ter um roteiro total­mente orig­i­nal, sem refer­ên­cias na lit­er­atu­ra, afi­nal hoje as artes são polifôni­cas e dialogam entre si.

    Out­ro pon­to da dis­cussão foi a questão do papel do artista e da sig­nifi­cação social da palavra Arte. Laerte afir­ma ter difi­cul­dades com ess­es ter­mos e que para ele isso não tem tan­ta importân­cia porque para faz­er quadrin­hos é pre­ciso ape­nas de papel, cane­ta e com­puta­dor, para pesquis­ar ima­gens no google. Marçal tam­bém se mostra pouco inter­es­sa­do em rotu­lações artís­ti­cas, afir­man­do que faz o que real­mente gos­ta e que vê de for­ma favoráv­el ele não viv­er de lit­er­atu­ra, se per­mitin­do escr­ev­er só quan­do tem von­tade ou uma coisa bacana para dizer.

    Marçal final­iza seu dis­cur­so com um grande elo­gio á obra de Laerte, afir­man­do a todos pre­sentes que eles estavam pres­en­cian­do um momen­to muito impor­tante com um grande artista. Além dis­so, chama a atenção para o fato de que os seus quadrin­hos são um dos poucos que podem ser con­ta­dos para out­ra pes­soa, sem pre­cis­ar do apoio visu­al feito pelo desenho.

    Foram muitos os assun­tos per­ti­nentes nesse Café Literário, na Bien­al do Livro Paraná 2010, os três tópi­cos Cinema/HQs/Literatura são muito amp­los, prin­ci­pal­mente quan­do se colo­ca dois artis­tas ampla­mente lig­a­dos nes­sas áreas para debater. O que ficou níti­do é que hoje, em âmbito con­tem­porâ­neo, é prati­ca­mente impos­sív­el uma arte se desven­cil­har de out­ra, por­tan­to há sem­pre a neces­si­dade de dis­cussão de diál­o­go entre elas.

    O inter­ro­gAção gravou em áudio todo esse bate-papo e se você quis­er pode escu­tar aqui pelo site, logo abaixo, ou baixar para o sue com­puta­dor e ouvir onde preferir.

    Ouça a palestra com­ple­ta: (clique no link abaixo para ouvir faça o down­load)

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  • Crítica: Cabeça a Prêmio

    Crítica: Cabeça a Prêmio

    Cabeça a Prêmio (Brasil, 2010), estréia do dire­tor Mar­co Ric­ca, basea­do em livro homôn­i­mo de Marçal Aquino, é um filme nacional que ape­sar de ter um enre­do mis­tu­ran­do dra­ma e poli­cial, com ele­men­tos já bem con­heci­dos, con­segue ousar e apre­sen­tar um resul­ta­do muito pouco convencional.

    Miro (Ful­vio Ste­fani­ni) é um poderoso cri­ador de gado, que tam­bém faz para­le­la­mente out­ros “negó­cios” jun­to com seu irmão Abílio (Otávio Müller). Para isso eles usam o pilo­to de aluguel Denis (Daniel Hendler), que tem um caso com a fil­ha de Miro, Elaine (Alice Bra­ga), e faz o trans­porte de mer­cado­rias pela fron­teira do país. Tam­bém há mais dois capan­gas, Albano (Cás­sio Gabus Mendes) e Brito (Eduar­do Mosco­vis), respon­sáveis por man­ter a ordem e servirem de guardas costas. Resu­min­do: uma peque­na família de mafiosos nacional.

    Cabeça a Prêmio prati­ca­mente não faz uso de tril­ha sono­ra, só em pou­cas tomadas de pais­agem e de con­tem­plação de algum per­son­agem tam­bém com a pais­agem, sendo bas­tante “cru” na exibição dos acon­tec­i­men­tos, geran­do uma con­tem­plação maior aos even­tos ocor­ri­dos. Acred­i­to até que ele pode­ria ter dis­pen­sa­do toda tril­ha sono­ra, pois quan­do ela se faz pre­sente aca­ba destoan­do com com cli­ma do filme em ger­al. As pais­agens gan­ham um destaque espe­cial no lon­ga, não só pela beleza com que foram fil­madas, mas pelo sig­nifi­ca­do que gan­ham com o silên­cio e vazio que o filme propõe.

    Sem flash­backs ou qual­quer tipo de recur­so para ten­tar explicar as moti­vações de cada per­son­agem, somos lit­eral­mente joga­do em situ­ações para, cada um, ten­tar encaixar por si mes­mo as peças do que­bra cabeça ao qual somos apre­sen­ta­dos. Infe­liz­mente o uso exces­si­vo des­ta téc­ni­ca em Cabeça a Prêmio acabou geran­do uma fal­ta de conexão com o enre­do em ger­al, resul­tan­do em um sen­ti­men­to de que muito está acon­te­cen­do, mas ao mes­mo tem­po nada real­mente se desenvolve.

    A riqueza e a ganân­cia, são mostradas lit­eral­mente com todo seu peso, amar­gu­ra e indifer­ença em relação a vida. Tudo é ape­nas um negó­cio, que na ver­dade nun­ca sabe­mos qual real­mente é, e as pes­soas são sim­ples­mente empre­ga­dos, ten­tan­do pis­ar em cima do out­ro a qual­quer opor­tu­nidade. Todos ess­es ele­men­tos são extrema­mente claros em Cabeça a Prêmio não por serem desta­ca­dos ao exces­so na tela, mas por pos­suírem uma sutileza muito marcante.

    Mes­mo Cabeça a Prêmio sendo uma pro­dução muito boa, com ele­men­tos não muito con­ven­cionais, o filme em ger­al parece que lit­eral­mente não acon­tece, no sen­ti­do de não agradar e cati­var, e tem pou­cas chances de con­seguí-lo em relação ao públi­co. Isso inclui tan­to os que bus­cam o mais con­ven­cional quan­to aos que querem coisas mais diferentes.

    Out­ras críti­cas interessantes:

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=GlAKBqKloKs