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  • Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia quente, de Lourenço Mutarelli

    Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia quente, de Lourenço Mutarelli

    Quan­tas vezes você ficou olhan­do para o céu se per­gun­tan­do se não existe mais nada nes­ta imen­sa vastidão que é o uni­ver­so? Será que extrater­restres real­mente exis­tem? Então sente-se con­for­t­avel­mente na cadeira que você irá con­hecer a história de Quan­do meu pai se encon­trou com o ET fazia um dia quente (Com­pan­hia das Letras, 2011), escrito e desen­hado por Lourenço Mutarel­li, que mar­ca o retorno do autor ao uni­ver­so dos “quadrin­hos”.

    Per­gun­tei como era o ET, se era como as ima­gens que con­hece­mos de humanoides cinzen­tos de olhos grandes. Ele disse que era mui­ta ignorân­cia pen­sar dessa for­ma. Disse que seria a mes­ma coisa que se um ser de out­ra galáx­ia avis­tasse um astro­nau­ta e achas­se que ele esta­va pelado.

    As primeiras per­gun­tas que surgem quan­do você pega um exem­plar na mão são: é um quadrin­ho? um livro ilustra­do? um obje­to de out­ro plan­e­ta? A respos­ta é sim­ples: nen­hum deles e todos eles ao mes­mo tem­po. Quan­do meu pai se encon­trou com o ET fazia um dia quente, segun­do o próprio Mutarel­li, tem o for­ma­to de tela de cin­e­ma, onde o tex­to par­tic­i­pa como uma leg­en­da em um filme. Mas o autor decid­iu ir além e con­ta que as ima­gens não tem necessári­a­mente haver com o tex­to que ire­mos ler, o que deve ter deix­a­do muitas pes­soas no mín­i­mo con­fusas. Mas aí entra a grande per­gun­ta, por que as fig­uras dev­e­ri­am seguir a mes­ma nar­ra­ti­va — se é que há uma — do tex­to? Como o livro é com­pos­to de ima­gens sequen­ci­ais, muitas vezes ele é clas­si­fi­ca­do como um quadrin­ho, ape­sar destas não estarem lit­eral­mente den­tro de quadros. Mas, acred­i­to que a obra como um todo tende mais para um exper­i­men­to artís­ti­co do que sim­ples­mente uma história em quadrinhos.

    O enre­do dele não pode­ria ser mel­hor resum­i­do do que o próprio títu­lo da obra sug­ere: Quan­do meu pai se encon­trou com o ET fazia um dia quente. É inter­es­sante notar quie nen­hum per­son­agem do livro tem pro­pri­a­mente um nome, todos são iden­ti­fi­ca­dos através de rótu­los genéri­cos como: pai, mão, tio, irmã, o tal de cabe­lo bran­co, … todos anôn­i­mos, assim como as fotos de descon­heci­dos que pai do nar­rador com­pra­va e guar­da­va em uma caixa, por um moti­vo que ele nun­ca entendeu.

    Um pouco antes de meu pai se encon­trar com o ET, quem mor­reu foi min­ha mãe. Con­to isso porque é um fato impor­tante. É engraça­do que, antes de min­ha mãe mor­rer, eu não perce­bia meus pais como indi­ví­du­os. Você sabe, eram meus pais e eu os via como uma mes­ma coisa. Como uma úni­ca coisa.

    Ape­sar de ser com­pos­to por tex­tos cur­tos, cada frase tem grande sig­nificân­cia, nada parece ter sido escrito a toa. É difí­cil muitas vezes não parar pen­sati­vo após ler algu­ma pági­na, fazen­do um pequeno inter­va­lo, as vezes até sem perce­ber, para refle­tir o sig­nifi­ca­do daqui­lo na nos­sa própria vida. As ima­gens de Quan­do meu pai se encon­trou com o ET fazia um dia quente reme­tem bas­tante a um grande ban­co de lem­branças de uma ou mais vidas, onde cada uma tem uma car­ga emo­cional muito forte. É como se você entrasse em uma loja de obje­tos usa­dos e sen­tisse história bem par­tic­u­lar que cada obje­to car­rega con­si­go. Arrisco até a diz­er que cada ilus­tração pos­sui sua própria nar­ra­ti­va que é com­ple­men­tar ao texto.

    O autor comen­tou que a história surgiu quan­do o escritor Marçal Aquino, um ami­go seu, con­tou uma pia­da na qual havia um extrater­reste que fala­va “leve-me a seu líder” e essa frase ficou remoen­do em sua cabeça, por muito tem­po. Afi­nal, se algum ET chegasse e fizesse essa per­gun­ta a ele, para quem iria levar? Quem seria o seu líder? Então começou a ficar muito obceca­do com isso. Esse mes­mo ques­tion­a­men­to surge no meio de Quan­do meu pai se encon­trou com o ET fazia um dia quente, com uma respos­ta que me fez lem­brar o humor e esti­lo de Ray Brad­bury em As Crôni­cas Mar­cianas, livro que aliás recomen­do muito.

    Meu pai disse que não só tin­ha vis­to como tin­ha con­ver­sa­do com ele. Per­gun­tei que idioma a criatu­ra fala­va. Ele disse que não fala­va idioma nen­hum. Disse que se comu­nicaram telepati­ca­mente. Fazia sentido.

    Em um bate-papo na Gibi­Con #0, que acon­te­ceu em Jul­ho de 2011 em Curiti­ba, quan­do per­gun­tei ao Mutarel­li sobre sua relação com o tema extrater­restres, ele comen­tou que anda meio obceca­do pela temáti­ca. Sem­pre que pos­sív­el esta­va acom­pan­han­do uma série de pro­gra­mas a respeito de ETs, como Aliení­ge­nas do Pas­sa­do, Arquiv­os Extrater­restres e Caçadores de Óvnis, todos exibidos pelo His­to­ry Chan­nel. Além dis­so, cada vez acred­i­ta mais no assun­to, mes­mo que ness­es pro­gra­mas eles nun­ca encon­trem nada e sem­pre dizem ter uma pro­va incrív­el no final de cada episó­dio, ape­sar de nun­ca terem na ver­dade. Admi­to tam­bém com­par­til­ho o mes­mo inter­esse pelo assun­to — só não sei se tão obsecada­mente tam­bém — e após a leitu­ra de Quan­do meu pai se encon­trou com o ET fazia um dia quente ape­nas ficou mais forte ain­da a sen­sação de que faz tem­po não esta­mos mais sozinhos.

    Ape­sar de as ima­gens pare­cerem desconexas do tex­to em Quan­do meu pai se encon­trou com o ET fazia um dia quente, não acred­i­to que isto seja real­mente ver­dade. Uma segun­da leitu­ra da obra acabou con­fir­man­do ain­da mais essa sus­pei­ta, pois como a história ago­ra já era con­heci­da, cada uma das ilus­trações se encaixa em um ou out­ro momen­to da nar­ra­ti­va. A sen­sação era como se a ordem das ima­gens tivesse sido embar­al­ha­da e que as vezes as próprias ilus­trações eram uma con­tin­u­ação de uma nar­ra­ti­va com­ple­men­tar ao que esta­va escrito. Foi a mes­ma sen­sação que ten­ho quan­do vejo as cenas extras de um filme em DVD, com todo aque­le con­teú­do adi­cional, mas não essen­cial para o entendi­men­to da nar­ra­ti­va como um todo. Se já leu o livro, gostaria de saber qual a sua opinião a respeito deste ques­tion­a­men­to, as ima­gens e tex­to real­mente pare­ce­r­am ser total­mente desconexas para você?

    Esque­ci de diz­er que min­ha mãe não tin­ha hob­by. Ela gosta­va de assi­s­tir às nov­e­las, mas não pos­so diz­er que isso fos­se um hob­by. A meu ver, um hob­by se ref­ere a algo que você faz com as própias mãos.

    Quan­do meu pai se encon­trou com o ET fazia um dia quente é uma obra que no iní­cio pode pare­cer meio con­fusa e talvez até aleatória, mas que pos­sui uma sutileza e sig­nifi­ca­do extra­ordinário. Com um humor seco e ao mes­mo tem­po sen­sív­el, já car­ac­terís­ti­co do Mutarel­li, além de suas ilus­trações incríveis, o livro cer­ta­mente é um deleite que não deve ficar somente empoeiran­do na sua estante.

    httpv://www.youtube.com/watch?v=j8ub2bppjgw

    A equipe do inter­ro­gAção par­ticipou do lança­men­to em Curiti­ba de Quan­do meu pai se encon­trou com o ET fazia um dia quente e gan­hou um autó­grafo desen­hado do Mutarel­li espe­cial­mente para o site:

  • Lançamento de ¨Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia quente¨, de Lourenço Mutarelli, dia 14/12, na Itiban, em Curitiba

    Lançamento de ¨Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia quente¨, de Lourenço Mutarelli, dia 14/12, na Itiban, em Curitiba

    Lourenço Mutarel­li

    No dia 14 de dezem­bro, quar­ta-feira, 19 horas, Lourenço Mutarel­li estará na Itiban Com­ic Shop para lança­men­to do seu aguarda­do retorno às histórias em quadrin­hos, Quan­do meu pai se encon­trou com o ET fazia um dia quente. Na ocasião haverá bate-papo com os fãs e sessão de autógrafos.

    Depois de anos afas­ta­do dos quadrin­hos, o autor vol­ta com a história de um fil­ho que resolve nar­rar os dias de luto do pai. Urdi­da com a econo­mia de palavras e a far­tu­ra de silên­cios que são mar­ca reg­istra­da de Mutarel­li, a tra­ma espetac­u­lar do livro é realça­da por ima­gens deslum­brantes, feitas de tin­ta acríli­ca em tons que reforçam o cli­ma desolador.

    Quan­do meu pai se encon­trou com o ET fazia um dia quente tam­bém exper­i­men­ta com a lin­guagem tradi­cional das HQs, ao faz­er quadros de pági­na inteira em todo livro. Não bas­tasse a ousa­dia visu­al, Mutarel­li tam­bém orga­ni­za as ima­gens de for­ma a que não sigam rig­orosa­mente a história nar­ra, crian­do um que­bra-cabeça que exige a par­tic­i­pação ati­va da inteligên­cia do leitor.

    Lourenço Mutarel­li é escritor, ator e quadrin­ista. Atu­ou na peça escri­ta e dirigi­da por Mario Bor­tolot­to, Músi­ca para ninar dinos­sauro e no filme Nati­mor­to, além de diver­sas out­ras par­tic­i­pações. Escreveu os livros Cheiro do ralo (Com­pan­hia das Letras), que foi adap­ta­do para cin­e­ma por Heitor Dhália; Teatro das som­bras (Devir); A arte de pro­duzir efeito sem causa, Miguel e out­ros demônios, O Nati­mor­to e Nada me fal­tará, indi­ca­do ao prêmio Por­tu­gal Tele­com 2011, todos tam­bém pela Com­pan­hia das Letras.

    Entre diver­sos tra­bal­hos em quadrin­hos, desta­cam-se: Tran­sub­stan­ci­ação, O dobro de cin­co, O rei do pon­to, A soma de tudo – partes 1 e 2 e A caixa de areia – ou eram dois no meu quin­tal, todos lança­dos pela Edi­to­ra Devir. Quan­do meu pai se encon­trou com um ET fazia um dia quente é sua primeira HQ pela Com­pan­hia das Letras.

    O even­to é gra­tu­ito. A itiban Com­ic Shop fica na Av. Sil­va Jardim, 845, em Curiti­ba. Mais infor­mações podem ser obti­das pelo tele­fone (41) 3232–5367, com a Mitie.

  • Café Literário: HQ — Cruzamento de Linguagens

    Café Literário: HQ — Cruzamento de Linguagens

    Um Café Literário que esta­va ansiosa­mente esperan­do par­tic­i­par na Bien­al do Livro Rio 2011 era HQ: Cruza­men­to de Lin­gua­gens, com os artis­tas André Dah­mer, Lourenço Mutarel­li, Rafael Coutin­ho e Rafael Sica, medi­a­dos por Lobo Bar­ba Negra.

    O bate papo se ini­ciou com a per­gun­ta de como era o proces­so cria­ti­vo de cada artista. Coutin­ho disse que cos­tu­ma ini­ciar a par­tir de um con­ceito, Mutarel­li tam­bém, mas ulti­ma­mente esper­a­va o desen­ho — prin­ci­pal­mente de seus sketch­books — dar o tex­to. Já Sica uti­liza bas­tante a obser­vação, enquan­to Dah­mer afir­ma que nun­ca con­seguiu for­mar um méto­do pois nor­mal­mente não dava certo.

    Um tópi­co que cada vez mais é difí­cil de não entrar nes­sas con­ver­sas é jus­ta­mente como a inter­net influ­en­cia em seus tra­bal­hos e a sua importân­cia no papel do quadrin­ista atu­al. Muitos começam pub­li­can­do ape­nas na inter­net hoje tem seus desen­hos impres­sos por edi­toras, como é o caso do Sica e do Dah­mer. Mas em bus­ca de se tornar con­heci­do na web, muitas vezes alguns autores cri­am uma obsessão em torno da divul­gação do seu tra­bal­ho e sua pro­dução aca­ba sendo afe­ta­da. Dah­mer comen­ta que este é um prob­le­ma que está acon­te­cen­do cada vez mais e que o artista dev­e­ria estar mais pre­ocu­pa­do na cri­ação e não na divul­gação, pois isto que é o mais impor­tante, não o contrário.

    Nos últi­mos tem­pos, Sica ten­tou faz­er algu­mas exper­i­men­tações com for­matos difer­entes na inter­net, mas chegou a con­clusão que as pes­soas não tin­ham mui­ta paciên­cia para desen­hos mais lon­gos ou seri­ados neste meio. Coutin­ho acres­cen­tou que ape­sar dis­so, a web dá mais pos­si­bil­i­dades em relação ao papel, não pos­suin­do muitas das suas lim­i­tações, poden­do se ir bem mais além. Uma refer­ên­cia inter­es­sante para essas várias pos­si­bil­i­dades é um quadrin­ho do filme TRON: O Lega­do que explo­ra as novi­dades do HTML 5 e pode ser lido gra­tuita­mente aqui, mas infe­liz­mente o mes­mo está só em inglês. Out­ra tam­bém é o site do artista Scott McCloud, que foi um dos primeiros a faz­er exper­i­men­tos difer­entes do que sim­ples­mente “escanear” e pub­licar os tra­bal­hos. Ele tam­bém pub­li­cou um livro sobre o assun­to pub­li­ca­do aqui no Brasil como Rein­ven­tan­do os Quadrin­hos, pela edi­to­ra M. Books.

    Quan­do o assun­to da con­ver­sa entrou na parte de quais as refer­ên­cias de cada artista, muitas vezes um momen­to del­i­ca­do que eles ten­tam evi­tar, respon­den­do muitas vezes de for­mas nada especí­fi­cas, enquan­to os espec­ta­dores esper­am ansiosa­mente, Mutarel­li deu uma óti­ma respos­ta dizen­do que o mel­hor lugar para você pegar influên­cias é em você mes­mo. Out­ro comen­tário inter­es­sante sobre o assun­to foi o de Coutin­ho, que falou que vive­mos em uma época bem inter­es­sante, onde se podia piratear o que se quisesse.

    Ao con­tar sobre os seus tra­bal­hos, Mutarel­li disse que ten­tou recen­te­mente faz­er um pro­je­to mais exper­i­men­tal, ain­da não pub­li­ca­do, mas teve várias difi­cul­dades pois as pes­soas diziam que não enten­di­am nada e que não fazia sen­ti­do. Mas isso acon­te­ceu porque elas não viam que era só uma história e que bas­ta­va só par­tic­i­par, isto que era o mais impor­tante na sua visão. É pre­ciso enten­der o que aqui­lo diz para o leitor e não o que o autor que­ria dizer.

    Durante todo o Café Literário, foi inter­es­sante notar a difer­ença de cada um dos artis­tas, ape­sar de o assun­to — assim como as várias per­gun­tas — não fugirem muito dos bate papos que nor­mal­mente se faz. Infe­liz­mente a con­ver­sa ficou meio lim­i­ta­da tam­bém pois Dah­mer acabou não abrindo muito espaço para os out­ros quan­do começa­va a falar, pois sim­ples­mente se alon­ga­va demais em suas opiniões. Mas no ger­al, foi óti­mo ouvir várias das exper­iên­cias e opiniões de cada autor.

    O inter­ro­gAção gravou em áudio todo esse bate-papo e se você quis­er pode escu­tar aqui pelo site, logo abaixo, ou baixar para o seu com­puta­dor e ouvir onde preferir.

    Tam­bém já fize­mos uma lon­ga entre­vista com o Rafael Sica e uma matéria sobre o lança­men­to da HQ Ordinário e um debate com o autor, se você tiv­er inter­esse em saber mais sobre ele.

    Ouça a palestra com­ple­ta: (clique no link abaixo para ouvir ou faça o down­load)

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  • Crítica: Natimorto

    Crítica: Natimorto

    Lourenço Mutarel­li é um dos escritores mais inter­es­santes e híbri­dos da lit­er­atu­ra atu­al e Nati­mor­to (Brasil, 2011), dirigi­do por Paulo Mach­line, é a adap­tação do segun­do livro deste escritor con­heci­do pela den­si­dade e iro­nia de suas obras.

    Um homem e uma mul­her numa pro­pos­ta de tentarem viv­er suas vidas, lit­eral­mente, num quar­to de hotel. Os per­son­agens se resumem no homem (Lourenço Mutarel­li), uma espé­cie de pro­du­tor musi­cal e a mul­her (Simone Spo­ladore), uma can­to­ra de ópera. Enquan­to o cotid­i­ano da relação vai se con­stru­in­do, eles pas­sam a dis­cu­tir, entre cig­a­r­ros e cafés, seus futur­os através da asso­ci­ação de embal­a­gens de cig­a­r­ro e car­tas do Tarô.

    O enre­do de Nati­mor­to se foca neste con­vívio claus­trofóbi­co, exem­pli­f­i­can­do de for­ma muito inter­es­sante o sufo­ca­men­to das relações. Os dois per­son­agens podem sair o momen­to que quis­erem da situ­ação pro­pos­ta, mas não há a ini­cia­ti­va. Ele por não acred­i­tar na vida fora do quar­to e sen­tir que sua vida se resume em lamen­to, café e cig­a­r­ros e ela por ter a neces­si­dade de alguém que ali­mente a sua per­spec­ti­va de existên­cia, ou seja, uma relação extrema­mente simbiótica.

    Antes de ser con­heci­do pela sur­preen­dente obra e bem suce­di­da adap­tação de O cheiro do Ralo, Lourenço Mutarel­li era famoso pelos seus quadrin­hos obscuros e reple­tos de um humor negro incon­fundív­el. Além dis­so, o paulista tam­bém é con­heci­do na lit­er­atu­ra con­tem­porânea pelas idioss­in­cra­cias e por con­stru­ir diál­o­gos inteligentes pau­ta­dos por movi­men­tos de câmeras-nar­ra­ti­vas que vem e vão durante as cenas literárias.

    O fato de Mutarel­li usar recur­sos de roteiro para escr­ev­er seus romances não sig­nifi­ca que as adap­tações de seus tra­bal­hos, para o cin­e­ma, devam sem­pre ser trans­postas de for­ma lit­er­al. Há detal­h­es na nar­ra­ti­va literária que surtem efeito aos olhos do leitor mas, quan­do pas­sadas para uma nar­ra­ti­va de imagem, elas aparentam serem mais lon­gas ou fazem pouco sen­ti­do num deter­mi­na­do plano. Na adap­tação de Nati­mor­to, ocor­reu isso algu­mas vezes, como, por exem­p­lo, nos lon­gos diál­o­gos reple­tos de reflexões, numa espé­cie de bate e vol­ta con­si­go mes­mo, do per­son­agem sociofóbi­co inter­pre­ta­do pelo próprio Mutarel­li. Os lon­gos diál­o­gos no lon­ga se tor­nam, em algum momen­tos, um pouco cansativos por ocu­parem difer­entes tem­pos do que ocorre na nar­ra­ti­va literária. No livro, os dis­cur­sos se desen­volvem em muitas pági­nas, enquan­to no filme eles são suprim­i­dos a uma cena do roteiro.

    Por out­ro lado, out­ras situ­ações se encaixaram per­feita­mente, como em muitos momen­tos onde os planos seguem à risca as descrições do livro em que o nar­rador apon­ta a câmera para a boca de deter­mi­na­do per­son­agem, como se o leitor — ago­ra espec­ta­dor — final­mente pudesse enten­der deter­mi­na­da situ­ação descri­ta no livro.

    Em Nati­mor­to há pou­cas cenas exter­nas, o que aca­ba fazen­do a atenção se voltar para as inter­pre­tações, como a do próprio escritor que se mostra inse­guro no íni­cio do filme mas que, com o pas­sar do tem­po, se tor­na uma pre­mis­sa psi­cológ­i­ca do per­son­agem. A aparên­cia miú­da e ner­vosa de Mutarel­li con­funde, de for­ma muito inter­es­sante, o cri­ador e a criatu­ra. Já Spo­ladore faz um papel que acred­i­to com­bi­nar com ela, pos­suin­do uma voz forte e um olhar irôni­co cabív­el à personagem.

    Nati­mor­to é uma exper­iên­cia inter­es­sante para o cin­e­ma nacional que vem apo­s­tan­do em tra­bal­ho menos hiper­re­al­is­tas e con­fig­u­ran­do asso­ci­ações com a lit­er­atu­ra fei­ta no pre­sente. Mes­mo para os desacos­tu­ma­dos a um cin­e­ma com mais diál­o­gos e exper­i­men­tal, o filme vale o ingresso.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=PfoHx-kHUhQ

  • Gibicon 2011, em Curitiba

    Gibicon 2011, em Curitiba

    De 15 a 17 de jul­ho de 2011, Curiti­ba será o des­ti­no dos fãs de quadrin­hos, HQs, Graph­ic Nov­els, Gibis ou como preferir chamar. Ness­es dias acon­te­cerá a Gibi­con — Con­venção Inter­na­cional de Quadrin­hos de Curiti­ba, com real­iza­ção da Prefeitu­ra de Curiti­ba, Quadrin­hofil­ia e ZnorT! ilustradores.

    A cap­i­tal paranaense além de con­tar com um óti­mo número de bons quadrin­istas e ilustradores de renome, tam­bém sem­pre esteve no cir­cuito de lança­men­tos de esti­lo. Con­tan­do com a primeira gib­ite­ca do Brasil, a cidade resolveu realizar o even­to com três dias rec­hea­d­os de atrações nacionais e inter­na­cionais, além de ofic­i­nas e muitas ativi­dades voltadas aos fãs de quadrin­hos. Segun­do os real­izadores, o even­to é inti­t­u­la­do de número zero por ser jus­ta­mente um aque­c­i­men­to ao próx­i­mo que será em comem­o­ração aos 30 anos da Gib­ite­ca.

    Mas como diz o tex­to de intro­dução do site, não se enganem achan­do que a Gibi­con desse ano será menor, con­tan­do com nomes como Lourenço Mutarel­li, os gêmeos Fábio e Gabriel Bá, o curitibano Sol­da e mais uma trupe de peso, o even­to prom­ete ser extrema­mente inter­es­sante e inten­so durante os três dias.

    A Gibi­con acon­tece em vários lugares da cidade e vai ser gra­tu­ito, para se inscr­ev­er somente é necessário a doação de um gibi ou livro sobre o assun­to. Con­fi­ra maiores infor­mações no site do even­to e acom­pan­he a cober­turas de algu­mas ativi­dades aqui, no inter­ro­gAção!

  • Lançamento da HQ “Ordinário” e debate com Rafael Sica na Itiban, em Curitiba

    Lançamento da HQ “Ordinário” e debate com Rafael Sica na Itiban, em Curitiba

    ¨Meus desen­hos são sobre esse cotid­i­ano alien­ante¨ afir­ma o quadrin­ista Rafael Sica. O gaú­cho é uma das promes­sas da nova safra de desen­his­tas que parece ter vin­do para mudar a cara das HQs brasileiras. Sica esteve em Curiti­ba, no dia 23 de fevereiro, lançan­do o livro Ordinário (Com­pan­hia das Letras, 2011), na tradi­cional livraria espe­cial­iza­da em quadrin­hos, a Itiban Com­ic Shop. Hou­ve sessão de autó­grafos e debate sobre a obra do autor, medi­a­do por Liel­son Zeni.

    Ordinário reúne tiras que Rafael Sica pub­li­ca no seu blog des­de 2009. que são mar­cadas pelo silên­cio e iro­nias. Elas garan­tem muitas opiniões con­tro­ver­sas pelos leitores do blog e provavel­mente dos que lerem o livro tam­bém. O desen­hista se inspi­ra prin­ci­pal­mente em obser­vações, há muito sobre com­por­ta­men­tos obses­sivos, refer­ên­cias cin­e­matográ­fi­cas e literárias nos seus per­son­agem indigentes.

    Rafael Sica diz que os quadrin­hos falam de pes­soas e que o silên­cio é fun­da­men­tal para isso, anteceden­do a respos­ta na obra. Garante que tudo é dito o tem­po todo, por­tan­to a ausên­cia de nar­ra­ti­va é fun­da­men­tal. Além dis­so, reflete que o tem­po da leitu­ra de um quadrin­ho sem tex­to é difer­ente, mais lento. Quan­do está lendo histórias maiores, muitas vezes ele mes­mo se viu ape­nas indo rap­i­da­mente de um diál­o­go para o out­ro sem nem olhar dire­ito o desen­ho. Sica expli­ca que com o silên­cio, os desen­hos pas­saram a ser mais provoca­tivos ao leitor.

    Sica não vê o seu tra­bal­ho como críti­ca social com função de acer­tar algum alvo especi­fi­co. Afir­ma que não lev­an­ta ban­deiras e nem teo­rias, sim­ples­mente apon­ta um seg­men­to e que as inter­pre­tações vem de quem as lê e obser­va. O leitor de Ordinário e, con­se­quente­mente, do blog de Rafael Sica é tam­bém um autor. É esse obser­vador não pas­si­vo que, com seus próprios fil­tros, vai dar sen­ti­do a cada quadro e metá­fo­ra sur­re­al apresentada.

    O quadrin­ista diz que há uma cer­ta demo­ra para se ter um tra­bal­ho mais autoral e que para ele, em par­tic­u­lar, hou­ve um proces­so tran­sitório lento entre a nar­ra­ti­va tex­tu­al e o silên­cio dos quadrin­hos atu­ais. Quan­do ques­tion­a­do sobre a ausên­cia de diál­o­gos ser uma fer­ra­men­ta fácil para se pub­licar em out­ros país­es e expandir o tra­bal­ho, Sica responde que não foi esta a razão da uti­liza­ção deste esti­lo, mas é claro que seria óti­mo ver ess­es tra­bal­hos em vários can­tos do mun­do. Entre­tan­to, não está dis­pos­to a faz­er ¨de tudo um pouco¨ para isso, ele sim­ples­mente desen­ha, se der cer­to, óti­mo. Rafael Sica con­ta que já teve algu­mas ilus­trações pub­li­cadas em Buenos Aires e algu­mas tiras numa revista na Eslovê­nia, mas isso em um meio mais under­ground. As indi­cações para ess­es tra­bal­hos vier­am através do blog, ressaltan­do a importân­cia da inter­net no tra­bal­ho dele.

    O tra­bal­ho de Rafael Sica pode se encaixar per­feita­mente no ter­mo de ¨con­tem­porâ­neo¨ por tratar de temas urbanos e das doenças com­por­ta­men­tais obses­si­vas, aparente­mente comuns do dia a dia, de for­ma escan­car­a­da e irôni­ca. Mas o autor faz pia­da sobre ess­es ter­mos gen­er­al­izadores, e diz que ele somente faz quadrin­hos. Afir­ma que fal­ta uma críti­ca ver­dadeira de HQs no Brasil e acred­i­ta que isso tende a mudar, afi­nal as edi­toras estão apo­s­tan­do bas­tante no seg­men­to, o que não acon­te­cia há quase duas décadas.

    Rafael Sica ain­da não vive dos quadrin­hos, expli­ca que isso no Brasil não é tão sim­ples, atual­mente tra­bal­ha como ilustrador e faz alguns edi­to­ri­ais. Além dis­so, o desen­hista par­tic­i­pa de pro­je­tos como o Friquinique e a revista Picabu. Ain­da, quan­do per­gun­tam a ele se estaria dis­pos­to a desen­har sobre qual­quer assun­to, diz que não, sendo essa negação uma for­ma de inde­pendên­cia nos quadrin­hos. Afi­nal, Sica afir­ma que pos­sui um esti­lo bem par­tic­u­lar e este cer­ta­mente não com­bi­na­ria com qual­quer proposta.

    Ordinário lem­bra bas­tante os primeiros quadrin­hos de Lourenço Mutarel­li, em Tran­sub­stan­ci­ação, mas com um teor menos pes­simista, mais real­ista e hilário em muitos momen­tos. Até diria que os desen­hos são bas­tante reflex­ivos e muitas vezes facil­mente ide­ti­ficáveis com situ­ações cotid­i­anas. Rafael Sica merece destaque nesse novo cenário que a inter­net per­mite e mes­mo que amorte­ci­dos pelo hábito, vale a reflexão em torno dessas nar­ra­ti­vas desenhadas.

    Veja as fotos do even­to no Flickr da Itiban.

    O inter­ro­gAção gravou em áudio todo esse bate-papo e se você quis­er pode escu­tar aqui pelo site, logo abaixo, ou baixar para o seu com­puta­dor e ouvir onde preferir.

    Ouça o debate com­ple­to: (clique no link abaixo para ouvir ou faça o down­load)

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