O poeta Lau Siqueira nasceu em Jaguarão (RS), em 21 de março de 1957. Começou a publicar poemas no Jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, nos anos 70. Seu primeiro livro foi O Comício das Veias, publicado em 1993. Seguem O Guardador de Sorrisos (1998), Sem Meias Palavras (2000). Participou das antologias Mário Quintana – 1985, Na Virada do Século — Poesia de Invenção no Brasil (Landy, 2002) e Agendas da Tribo. Há 20 anos mora em João Pessoa (PB), e há outro par de anos mantém o blogue Poesia Sim
Lau Siqueira também esteve em Curitiba lançando o livro Poesia Sem Pele.
Teu nome é Laureci Siqueira . De onde vem o “ Lau”?
O que é o nosso nome? É o que está na cédula de identidade ou é o nome no qual as pessoas nos reconhecem? Nem sempre essas coisas coincidem. Acho que este é o meu caso. Na minha identidade está escrito Laurecí Siqueira dos Santos. Foi assim que meu pai me batizou. No entanto, nem ele me chamava pelo nome de batismo. Meu apelido de infância era Dido. Até hoje alguns amigos de infância lá de Jaguarão, me chamam assim. O “codinome” Lau foi se empoderando naturalmente da minha existência e da minha inexistência. Tudo porque quando apresentado às pessoas a confusão aparecia logo: Laudecir, Lauremi, Laudeci?… As pessoas simplificavam naturalmente, rapidamente, reduzindo para Lau. Isso aconteceu muito com colegas de trabalho e na escola, principalmente, mas em outros espaços também . Depois veio o primeiro livro e eu pensei que era mais coerente assinar o nome pelo qual eu já estava conhecido entre os amigos. Enfim, se tudo tem uma história, esta minha história é assim. O nome também explica uma poesia que busca se despir das sonoridades desnecessárias. Assim, o meu nome literário é também mínimo e ao mesmo tempo de densa sonoridade.
Você nasceu em Jaguarão , passou a infância, lá, depois morou em Porto Alegre ? Conta um pouco sobre a tua juventude.
É verdade, nasci em Jaguarão, cidade histórica e muito bonita, às margens de um rio (Rio Jaguarão) que corta a fronteira com o Rio Uruguay. A cidade tem uma vida cultural intensa, produzindo uma Feira Binacional do Livro onde farei uma sessão de autógrafos no mês de novembro. Morei lá até os 15 anos e fui para Porto Alegre, de onde voltei no final do serviço militar para ajudar a cuidar do meu pai que estava muito doente. Assim, fiquei novamente em Jaguarão no ano de 1977, até que meu pai morreu no dia 3 de dezembro e em janeiro de 78 voltei para Porto Alegre onde morei novamente até me mudar para a Paraíba, “de mala e cuia”, em 1985. Este é o resumo da ópera.
Por que mudou do Rio Grande para a Paraíba?
Por motivos muito particulares. Eu casei na Paraíba, vivi casado 13 anos e depois divorciei. Mas aí já tinha duas filhas para dar conta dos meus afetos e das minhas responsabilidades de pai apaixonado e fui ficando. Hoje tenho uma neta, também por aqui. Além disso, o povo paraibano é muito especial, muito acolhedor e sempre me senti querido por aqui. Hoje me sinto um sertanejo do pampa ou um pampeano do sertão que mora num dos litorais mais belos do País. Não é difícil largar tudo e vir pra cá. Os encantos são muitos. A capital da Paraíba é a terceira mais antiga do país. É uma das cidades mais verdes do país e ainda não está assim tão caótica. Aqui se convive com passado e futuro numa mesma avenida.
Em Porto Alegre você conheceu Mário Quintana ? Que lembrança tem dele ? Que outros poetas foram importantes para sua formação e informação ?
Mário era uma personalidade das ruas de Porto Alegre. Quem andou pelo centro da capital gaúcha até os anos 80, pelo menos alguma deve ter visto o poeta caminhando pela Rua da Praia, pelas ruas do centro. Ele tinha hábitos regulares. Morava no Hotel Majestic, onde hoje é a Casa de Cultura Mário Quintana. Tomava café sempre no antigo Ryan, gostava de uma salada de frutas no Mercado Central. Eu vi Mário muitas vezes, na Feira do Livro, na antiga Livraria do Globo, na Biblioteca Pública onde até assisti um recital com ele, nos anos 80. Também tive o privilégio de entrevistá-lo, juntamente com a jornalista Joana Belarmino, em janeiro de 1987. Enfim, além disso, podia encontrá-lo nos livros que escreveu e traduziu. A primeira tradução de Proust que li, foi sua. Ele trabalhava no jornal Correio do Povo e quando o jornal fechou, pude vê-lo em uma passeata de jornalistas pelas ruas de Porto Alegre. Acho que foi sim um poeta importante para a minha formação, mas eu admiro muitos poetas. Inclusive me sinto a vontade para dizer que não gosto de tudo que leio nos poetas que admiro. Sinto da mesma forma quanto aos meus contemporâneos. Sou um escritor absolutamente aberto às influências e não me preocupo em ser engolido por algum estilo. Acho que quanto maiores e mais diversificadas as leituras, mais possibilidades temos de construir uma linguagem singular, que não seja a mais pura e bela diluição, a imitação de algum poeta amado. Enfim, os poetas que mais me fascinam são os que caminham no fio da navalha, os que buscam o extremo, a margem do erro… o risco permanente.
E a poesia, quando se tornou importante? Ao contrário de tantos, você não começou escrevendo poesia…
A poesia foi se tornando gradativamente importante pra mim. Na adolescência eu detestava poesia. Aprendi a gostar com os românticos Castro Alves e Fagundes Varela por motivos absolutamente extra-literários. Um pelo discurso agudo contra o sitema de escravismo da monarquia brasileira, outro pela dor de ter perdido um filho. Digamos que não comecei a escrever poesia, mas também não comecei escrevendo gênero algum. Escrever era apenas uma forma de respirar melhor num mundo em que o silêncio gerava o medo e tudo era de uma violência assustadora. Cresci numa área de segurança nacional, em plena ditadura. Acho que isso tudo me ensinou uma forma de ver as coisas. Escrever é um ato único e contínuo. Sinto que desde sempre estive escrevendo o mesmo livro, mesmo já tendo publicado cinco inéditos e um pela Coleção Dulcinéia Catadora que considero, talvez, o mais importante de todos. Procuro sempre fugir dos rótulos e, pra dizer a verdade, algumas vezes questiono até mesmo o fato de ser chamado de poeta. O que é ser poeta? Eu acho que ser poeta é exatamente não ser.
Participou do movimento Arte Postal ? O que era este movimento ?
Como se diz aqui no Nordeste, fui me metendo meio que de “enxerido” e acabei trocando toques com nomes importantes do movimento arte-postal e com artistas da vanguarda visual, como Paulo Brusky, Samaral, Hugo Pontes, Moacy Cirne e Constança Lucas. Pessoas que depois acabei conhecendo pessoalmente (menos Samaral que faleceu prematuramente) e hoje são meus amigos. Conheci muita gente bacana, muita criação na área da Poesia Visual que circulava como se estivesse antecipando o que hoje temos na internet. Eu enviava fanzines que produzia para divulgar minha produção poética, minhas experiências, mesmo antes de sequer pensar em publicar livros. Fazia um original numa folha de ofício e imprimia em aerogramas, encaminhando não apenas para outros militantes da arte postal, mas selecionando aleatoriamente endereços nas velhas listas telefônicas e encaminhando correspondências poéticas, geralmente anônimas. Enfim, no meu caso foi da forma como hoje se envia spam pela internet.
Você trabalhou na secretaria de cultura de João Pessoa ? Que cargo exerceu ? Quais os feitos memoráveis de sua passagem por lá ?
Na verdade, fui o diretor executivo da Fundação Cultural de João Pessoa – FUNJOPE, entre 2007 e 2008. É a Fundação que dirige as políticas de cultura na cidade. Não temos Secretaria Municipal de Cultura aqui. De 2005 a 2006, eu era o diretor adjunto na gestão do ator Luiz Carlos Vasconcelos que fez o médico em Carandiru, Baile Perfumado e outros filmes. Ele se afastou para filmar Pedra do Reino, na Rede Globo e eu assumi. Depois veio o Chico Cesar e agora a Fundação é dirigida por Milton Dornellas, um amigo músico dos bons que foi meu adjunto. Portanto, tivemos teatro, literatura e música na direção da Fundação nos últimos anos. Olha, para falar dos feitos memoráveis, não sei se tenho jeito. Até porque esses feitos não são meus. Vou falar de algumas coisas que considero relevantes, como ter criado o departamento de Literatura na Fundação, coisa que antes não existia; também assinei juntamente com o secretário da Educação da época, Walter Galvão, a criação da primeira biblioteca pública do município de João Pessoa. Na verdade, levamos arte e cultura para praticamente todos os bairros da cidade e destaco aí o projeto Circuito Cultural das Praças que até hoje visa aproveitar os anfiteatros que foram criados pela Prefeitura nas praças públicas para apresentação semanal de grupos da cidade, em todas as áreas, em todas as estéticas. Trabalhamos muito pela preservação da diversidade cultural, pela preservação das tradições da cultura popular, dos bens imateriais, trazendo para a cena expressões que se encontravam marginalizadas, como as Cambindas, o Cavalo Marinho, o Boi de Reis, o Coco de Roda, o Babau, o Coco de Embolada, o tradicional forró pé-de-serra que hoje Chico Cesar busca preservar no Estado, enquanto Secretário de Cultura da Paraíba. Até mesmo o Cordel andava deixado de lado porque a gestão anterior buscava preservar as ações de pão e circo, deixando a cultura na míngua. Nós afirmamos as políticas de cultura dentro da gestão. Pautamos politicamente a cultura na cidade. Dialogamos com a cena contemporânea, apoiando a criação de eventos undergrounds ou populares, ajudamos a consolidar aqui o Festival de Cinema de Língua Portuguesa, o CINEPORT, implementamos oficinas de arte pela cidade inteira, buscamos a qualidade musical para os nossos eventos de verão que hoje referenciam João Pessoa nacionalmente. A cidade tem hoje um dos mais importantes festivais de verão do país, o Estação Nordeste. Na verdade tudo isso foi fruto de um debate coletivo que vinha se formando através dos anos, nos instrumentos da luta dos artistas, como o Musiclube da Paraíba, nas idéias do grupos como Jaguaribe Carne, com Pedro Osmar, Chico Cesar e Paulo Ró, de pensadores e gestores da cultura paraibana como Carlos Aranha e Fernando Abath… Enfim, buscamos preservar a identidade cultural nordestina e dialogar com a contemporaneidade. São essas as idéias que ainda prevalecem por lá. Não são coisas minhas, relevâncias minhas, mas questões coletivas, debatidas e implementadas coletivamente. Portanto, estive dentro de um processo e não fiz nada sozinho. E esse é o que foi o diferencial e que ainda está sendo. Foi uma gestão de companheiros e continua sendo uma gestão de companheiros e companheiras. Como diz Chico Cesar, no meu tempo, eu fui “apenas o ordenador de despesas”. (risos)
Para que ou para quem serve a poesia ?
A poesia não serve para absolutamente nada, ainda bem. Não existe nada mais inútil que a danada da poesia. Para quem serve? Sei lá… acho que serve de pano de fundo aos que curtem jogar amarelinha com psiquiatras que investigam as profundezas do espírito humano.
Um poeta precisa ter grupo, site, blogue, livro , ser dinâmico, ativo, empreendedor ? Precisa ganhar prêmios, receber bolsas de criação literária e coisas tais ?
Um poeta precisa ter consciência do seu ofício que é: trabalhar, trabalhar, trabalhar… Trabalhar para sustentar o cadáver desajeitado que é e trabalhar exaustivamente a palavra, escrevendo ou não. Então ele pode ter grupo, pode ter blog, ser dinâmico, ativo, passivo, maluco, empreendedor, bundão… Ele só não pode achar que já está pronto, que já é uma celebridade por ser razoavelmente conhecido ou elogiado pelos amigos. Um poeta nunca é uma celebridade. Pelo menos, não deve pensar que é. Porque aí ele terá morrido e será apenas uma camisa e uma calça flutuando pelas ruas em busca de algum tipo de imortalidade. O poeta não pode ter medo de arriscar-se. Ser poeta é não ter medo do abismo, ser poeta é correr riscos permanentemente. É não ter medo do ridículo. Ele pode até receber prêmios, bolsas de criação literária, mas acho complicado alguém achar que pode escrever um grande livro apenas porque recebeu uma bolsa de criação literária. Poesia é como diz meu querido poeta Ronald Augusto, “coisa nenhuma” e portando o poeta tem que estar preocupado é com coisa nenhuma mesmo. O poeta precisa viver intensamente a vida (como qualquer pessoa), viver profundamente a palavra e buscar experimentar esse mistério que é a pulsação dos seus movimentos, dos seus significados dentro da invenção poética, dentro das possibilidades de transgressão dos próprios processos.
Você lançou teu livro Poesia sem Pele na Semana Antimanicomial, na Paraíba. Como a loucura pode ser arte na cidade ?
Sim, acho que a poesia não pode ser engajada — embora possa ser temática. No entanto, o poeta pode escolher entre ser um cidadão engajado ou não. Eu estou engajado na Luta Antimanicomial, contra o antigo e criminoso modelo dos choques, das lobotomias… ações que vitimaram pessoas do meu mais profundo afeto. Desde muito novo estou engajado nas questões humanas. Na verdade eu sabia e sei que cuidar do outro é cuidar de si mesmo. E acho que a arte é uma das curas da humanidade. Por isso, a loucura pode ser arte na cidade.
quarta capa
o poeta
é o que busca na palavra
a dimensão do átomo
o silêncio extremo
por detrás de cada fato
o poeta é o etéreo e o ácido
na pele dos valores estáticos
estéticos são seus baralhos
o poeta é o vapor barato e o
lance de dados
o acaso e o atalho
macalé e mallarmé
no mesmo saco
o poeta é um guapo
(de: POESIA SEM PELE , Casa Verde, 2011. Pedidos pelo email: poesiasempele@gmail.com)