Tag: igreja

  • Livro: O Sobrevivente — Chuck Palahniuk

    Livro: O Sobrevivente — Chuck Palahniuk

    O Sobre­vivente (Edi­to­ra Nova Alexan­dria, 2003) foi incumbido a ser o suces­sor da bem rece­bi­da adap­tação de O Clube da Luta, escrito pelo amer­i­cano Chuck Palah­niuk. O autor é o nome mais lem­bra­do — até mais que o dire­tor David Finch­er — quan­do se comen­ta do lon­ga-metragem estre­la­do por Brad Pitt e Edward Nor­ton. O filme deu entra­da ao escritor, que até aque­le momen­to era só um cara mal com­preen­di­do, um mar­gin­al mod­er­no da lit­er­atu­ra amer­i­cana, ao grande públi­co. Mar­ca­do por uma lin­guagem con­tro­ver­sa, Palah­niuk pas­sou a escr­ev­er muito e sem demo­ra, repetindo sem­pre a fór­mu­la de lin­guagem que o dera tan­ta visibilidade.

    O homem da vez é Ten­der Bran­son, um dos poucos sobre­viventes da Igre­ja do Cre­do — um mis­to de igre­ja que pos­sui cos­tumes puri­tanos e tendên­cias sui­ci­das com sociedade fecha­da — e não entende muito qual a sua função fora dos parâmet­ros esta­b­ele­ci­dos pela sua religião. Não que a sociedade fora da Igre­ja tam­bém não impon­ha regras, mas a supos­ta liber­dade de escol­ha que se diz haver, inco­mo­da esse homem. Bran­son é um empre­ga­do esforça­do numa man­são que nem ele mes­mo con­hece os donos, é manía­co por orga­ni­za­ção e sabe todos os truques para man­ter a ¨ordem¨. Mas toda essa fal­sa per­feição esconde lados som­brios dele como, por exem­p­lo, sua iden­ti­dade notur­na de con­sel­heiro para sui­ci­das via tele­fone. No dia em que Ten­der resolve mudar as regras, sua vida sim­ples­mente dá uma revi­ra­vol­ta rumo à situ­ações pouco prováveis, mas realistas.

    Como todo bom per­son­agem anti-herói que se preze, Bran­son vive os momen­tos dis­tin­tos de subi­da ao cli­max, indo até a máx­i­ma de poder — que ele acred­i­ta ter — e sim­ples­mente decai, pois a que­da é inevitáv­el e ele sabe muito bem dis­so. Chuck Palah­niuk usa um recur­so muito inter­es­sante para mostrar a con­tagem regres­si­va da que­da do últi­mo sobre­vivente: o livro tem exatos 50 capí­tu­los, ao chegar no 25 a con­tagem é regres­si­va, a cada capí­tu­lo o leitor sabe que o fim está próx­i­mo, há um deses­pero apáti­co na voz de Branson.

    A lin­guagem usa­da em O Sobre­vivente é a mes­ma que já mar­cou a car­reira do escritor amer­i­cano, dom­i­na­da por um fluxo de con­sciên­cia com­ple­ta­mente trans­gres­sor ela não poupa palavrões e nem ele­men­tos total­mente mar­gin­ais que deix­am o tex­to extrema­mente frag­men­ta­do, mas de fácil com­preen­são pelo leitor. Afi­nal isso se assemel­ha muito com o fluxo de falas cotid­i­anas, claro, com um tom bem mais esquizofrênico.

    As críti­cas per­manecem muito pare­ci­das com as abor­dadas em O Clube da Luta, a apa­tia do homem mod­er­no e a fácil ilusão que o con­sum­is­mo traz se fazem pre­sentes nos per­son­agens que o úni­co fim passív­el é a que­da. Chuck Palah­niuk acer­ta todos em O Sobre­vivente, deixan­do claro que todos somos molda­dos para seguir um padrão e quan­do há que­bra dis­so, ocorre uma inevitáv­el mudança ‑muitas vezes fatal — de per­cur­so. Um livro de tirar o fôlego e acer­tar em todas as feridas.

  • Livro: As intermitências da Morte — José Saramago

    Livro: As intermitências da Morte — José Saramago

    José Saramago

    E “No dia seguinte ninguém mor­reu”, a primeira frase do livro As inter­mitên­cias da Morte (Com­pan­hia das Letras, 2005), de José Sara­m­a­go, ecoou pelos mil­hares de leitores dele, no últi­mo dia 18 de jun­ho. A Morte de fato não ces­sou e as Letras perder­am um dos escritores con­tem­porâ­neos que mais trouxe dis­cussões em torno do ser humano. Com car­ac­terís­ti­cas próprias, Sara­m­a­go escrevia sem pen­sar nas for­mal­i­dades do tex­to. Seus lon­gos (e den­sos) pará­grafos, mar­cam a sua téc­ni­ca nar­ra­ti­va úni­ca, fazen­do o leitor mais assí­duo ficar atôni­to e os desav­isa­dos lev­e­mente cansados.

    Anun­cian­do que a Morte tirou férias, somente em um pequeno país, se dá o ini­cio da saga de uma morte com tre­jeitos humanos que resolve dar aos home­ns o que pedem há sécu­los, a vida eter­na. Mas com ela ces­san­do seus serviços, o que sobra? Como um país, eco­nomi­ca­mente falan­do, fun­ciona se as pes­soas pararem de mor­rer? E a Igre­ja, vai prom­e­ter uma vida após morte para quem? Num primeiro momen­to a sen­sação era de esta­do de eufo­ria e de otimis­mo e até de fer­vor patrióti­co, afi­nal as pes­soas não mor­re­ri­am mais, acabaram-se os momen­tos depres­sivos do adeus. Mas em pouquís­si­mo tem­po essa eufo­ria se dis­si­paria em pedaços, com tre­chos descreven­do o deses­pero de pes­soas atrav­es­san­do as fron­teiras do país, para sim­ples­mente morrer.

    Na primeira parte de As inter­mitên­cias da Morte, a própria se apre­sen­ta de for­ma clás­si­ca porém exis­ten­cial­ista decidin­do não tra­bal­har por alguns dias, e sim­ples­mente nem um pouco pre­ocu­pa­da com o que andam dizen­do os home­ns. Por mais estran­ho que pos­sa pare­cer, ela decide ¨viv­er¨. A par­tir do pon­to em que resolve exper­i­men­tar as vicis­si­tudes humanas é que a nar­ra­ti­va de Sara­m­a­go toma out­ro rumo. A segun­da parte do livro surge com uma história de uma Morte apaixon­a­da, sem saber o que faz­er com um dos sen­ti­men­tos que mais ques­tion­am os home­ns, além dela própria, o amor.

    Sara­m­a­go foi min­u­cioso, como não pode­ria deixar de ser. A nar­ra­ti­va de As inter­mitên­cias da Morte é sim­ples porém detal­hista, em muitos momen­tos ele se atém a dados e resul­ta­dos de cada setor de um país (nesse caso, monar­quista), que pode sofr­er com uma coisa que pode ser tão banal como a morte, deixan­do o tex­to cheio de refer­ên­cias soan­do como um ver­dadeiro rela­to. A críti­ca é fer­ren­ha con­tra o Esta­do e a Igre­ja, e o por­tuguês não deixa por menos a sua fama de ques­tion­ador, fato que se com­pro­vou até os seus últi­mos dias escreven­do sem­pre infla­mações em relação ao mun­do no seu blog.

    A críti­ca espe­cial­iza­da banal­i­zou ao extremo a obra pub­li­ca­da em 2005. Afi­nal, Sara­m­a­go já havia escrito livros pre­mi­a­dos e polêmi­cos como o ¨Ensaio sobre a Cegueira¨ e ¨O evan­gel­ho segun­do Jesus Cristo¨ que trazia explíc­i­tas suas opiniões sobre ateís­mo e alien­ação das pes­soas. Muito se falou da solução ¨hol­ly­wood­i­ana¨ do autor usar uma Morte que encon­tra no Amor um moti­vo de tratar o seu tra­bal­ho de out­ra for­ma, de enten­der um pouco os sen­ti­men­tos humanos. Mas a ver­dade que dessa for­ma, mais uma vez, ele sur­preen­deu trazen­do a obviedade em meio todo o caos que se ger­ou e tor­na de uma úni­ca figu­ra, a Morte.

    Talvez, para a críti­ca, não cai­ba mais a dis­cussão da recepção do leitor (sem teo­rias, por favor), ou de como a exper­iên­cia da leitu­ra faz sen­ti­do para quem lê. Essa obra de José Sara­m­a­go, como em todas as suas ficções, traz a tona ques­tion­a­men­tos pro­fun­dos típi­cos dele, a econo­mia, a religião e a sociedade, afi­nal elas andam jun­tas e devem ser pen­sadas como parte de um todo. Pen­sar sobre o fim das coisas sem­pre foi um ques­tion­a­men­to que se igualou com o do porquê estar­mos aqui, e para onde mes­mo vamos.

    O autor sem­pre fora con­heci­do por ser críti­co e certeiro e, mes­mo assim, sem atacar ninguém. Não era necessário, ele pre­cisa­va sim­ples­mente escr­ev­er sobre o que con­sid­er­a­va ver­dade, sem temer. Não foi difer­ente no seu últi­mo livro, Caim. Real­mente, na lit­er­atu­ra, autores como José Sara­m­a­go farão fal­ta. Em tem­pos de cele­bri­dades instan­ta­neas tor­nan­do-se ¨escritoras¨, sem­pre sobrarão lacu­nas para aque­les que pos­sam pro­lif­er­ar seu áci­do sobre tais situações.

    As inter­mitên­cias da Morte, enfim, faz mais que o papel de uma nar­ra­ti­va cir­cu­lar e fic­cional, usan­do como per­son­agem um dos maiores temores humanos. É uma leitu­ra niti­da­mente críti­ca e que rep­re­sen­ta, além dos próprios cânones dele, uma obra tipi­ca­mente ¨sara­m­aguiana¨ que crit­i­ca além dos con­tratos soci­ais, o próprio homem, human­izan­do a própria morte.