Tag: histórias em quadrinhos

  • Mundo Fantasma, de Daniel Clowes

    Mundo Fantasma, de Daniel Clowes

    Con­sid­er­a­da uma das HQ’s mais acla­madas dos quadrin­hos alter­na­tivos norte-amer­i­canos, Mun­do Fan­tas­ma (Ghost World, Gal Edi­to­ra, 2011), cri­a­da em 1989 pelo quadrin­ista Daniel Clowes, rep­re­sen­ta de for­ma hilária e melancóli­ca as adver­si­dades da adolescência.

    As ami­gas Enid e Rebec­ca, recém saí­das do cole­gial, são duas ado­les­centes com­plexas que pos­suem uma maneira bem par­tic­u­lar de ver o mun­do. Entre per­son­agens esquizofrêni­cos como o ex-padre pedó­fi­lo, o casal de satanistas que ado­ra com­prar comi­da instan­tânea para cri­anças e o astról­o­go e médi­um Bob Skeets, as duas fazem obser­vações per­spi­cazes a respeito das pes­soas com quem con­vivem, enquan­to ten­tam adap­tar-se à sua fal­ta de práti­ca de viv­er em meio à sociedade.

    Os diál­o­gos des­ta HQ pos­suem um poten­cial incrív­el de sar­cas­mo e irreverên­cia, pois ambas as pro­tag­o­nistas, em espe­cial Enid, criti­cam a tudo e a todos de maneira cru­el mais ao mes­mo tem­po cômi­ca, expres­san­do sem rodeios, as suas opiniões. As refer­ên­cias que Enid usa em seus diál­o­gos com per­son­agens e episó­dios de seri­ados da déca­da de 60/70 como Mod Squad e Os mon­stros, além das letras de músi­ca para pon­tu­ar alguns momen­tos da nar­ra­ti­va, como o punk rock do Ramones (músi­cas que são traduzi­das ao final do livro), são alguns ele­men­tos que tor­nam Mun­do Fan­tas­ma uma HQ tão envol­vente que é capaz de mudar a nos­sa per­cepção sobre algu­mas situ­ações cotid­i­anas que vivemos. 

    A difer­ença entre as duas, é que enquan­to Enid, com suas tro­cas repenti­nas de visu­al, pen­sa em se mudar de sua cidade e viv­er de uma out­ra maneira, Becky só quer con­tin­uar com sua mes­ma condição, sem muitas expec­ta­ti­vas, isso aca­ba por con­tribuir para o inevitáv­el dis­tan­ci­a­men­to das ami­gas, que pare­cem estar se tor­nan­do mais “maduras”.

    Os oito capí­tu­los da obra que depois de reunidos em um úni­co vol­ume em 1997, resul­taram na HQ inde­pen­dente Mun­do Fan­tas­ma, relatam episó­dios comuns da vida ado­les­cente como a nar­ração da primeira vez de Enid com um hip­pie sério do últi­mo ano do colé­gio e a escol­ha dela pela fal­ta de opções de um par­tido com um bom gos­to musi­cal, Pelo menos ele não escu­ta­va Grate­ful Dead!. Difer­ente das grandes histórias de super heróis, em todos os capí­tu­los Daniel Clowes rela­ta com detal­h­es os con­fli­tos e com­plex­i­dades da vida real e desa fase cheia de insegurança.

    Depois dos inúmeros prêmios que lev­ou, Mun­do Fan­tas­ma foi adap­ta­da tam­bém para o cin­e­ma em Ghost World – Apren­den­do a Viv­er (2001) pelo cineas­ta Ter­ry Zwigoff, com roteiro próprio de Daniel Clowes. Ape­sar de algu­mas mudanças da história orig­i­nal, como de alguns per­son­agens, a atu­ação de Tho­ra Birch e Scar­lett Johans­son é bril­hante, além de con­tar com uma óti­ma tril­ha sonora.

    Mun­do Fan­tas­ma foi escol­hi­do como um dos dez mel­hores álbuns em quadrin­hos de todos os tem­pos pela Revista Time, sendo final­mente lança­do no Brasil ano pas­sa­do pela Gal Edi­to­ra. Um quadrin­ho real­ista rico em cin­is­mo e inteligên­cia que merece ser lido e reli­do. Como descreve o comen­tário pre­sente na biografia do autor ao final da obra, Mun­do Fan­tas­ma é uma pro­va de que Daniel Clowes não é só um vel­ho pervertido.

    Book­trail­er do quadrin­ho:

    httpv://youtu.be/qYwXlYa6Wmg

  • Achados e Perdidos, de Eduardo Damasceno, Luís Felipe Garrocho e Bruno Ito

    Achados e Perdidos, de Eduardo Damasceno, Luís Felipe Garrocho e Bruno Ito

    Sem­pre achei que todas as histórias em quadrin­hos têm uma tril­ha sono­ra. Quan­do eu li pela primeira vez Gen pés descalços, por exem­p­lo, do Kei­ji Nakaza­wa, achei que com­bi­na­va com Beau­ti­ful Boys das irmãs Cocorosie. Mas isso varia muito de pes­soa para pes­soa, cada um tem um repertório e uma sen­sação ao ler algu­ma coisa. 

    Mas a HQ Acha­dos e Per­di­dos foi além dis­so. Eduar­do Dam­a­s­ceno e Luís Felipe Gar­ro­cho, nas suas habil­i­dades em inven­tar histórias para diver­tir as pes­soas, cri­aram cada pági­na do livro de for­ma autên­ti­ca e inspi­rado­ra, e ain­da, se não bas­tasse, uma músi­ca especí­fi­ca foi com­pos­ta para cada capí­tu­lo da tra­ma pelo ami­go de lon­ga data dos cri­adores, o músi­co Bruno Ito.

    Quan­do li o primeiro capí­tu­lo de Acha­dos e Per­di­dos, Vácuo, o qual os meni­nos disponi­bi­lizam no site do Quadrin­hos Rasos me apaixonei no mes­mo momen­to pela obra. Nun­ca havia lido algu­ma história com uma músi­ca pen­sa­da exata­mente para cada situ­ação dela, e só fiquei queren­do mais. O negó­cio é que o livro só iria ser pro­duzi­do por com­ple­to se os autores con­seguis­sem arrecadar o din­heiro total que pre­cisavam, pois o pro­je­to esta­va den­tro do Catarse.me, uma platafor­ma de finan­cia­men­to colab­o­ra­ti­vo. Cola­bor­ei e acom­pan­hei o site durante todo o proces­so, e eis que depois de dias esperan­do o resul­ta­do, graças às mais de 500 pes­soas que colab­o­raram, o Acha­dos e Per­di­dos foi o primeiro lança­men­to do selo Quadrin­hos Rasos.

    Mas afi­nal do que se tra­ta essa HQ tão espe­cial? Imag­ine algo que englo­ba quadrin­hos, músi­ca e bura­cos negros. Em um dia comum, Dev, um garo­to um tan­to triste e solitário, acor­da com um bura­co negro no estô­ma­go. Pipo, seu mel­hor ami­go, fica deslum­bra­do com o fenô­meno e esquema­ti­za vários planos para solu­cionar o prob­le­ma de Dev. No meio das bus­cas dos dois, acabam con­hecen­do Lau­ra, uma ado­les­cente que tam­bém pos­sui um bura­co negro embaixo de sua cama.

    Acha­dos e Per­di­dos uti­liza-se de uma situ­ação extra­ordinária para tratar de prob­le­mas e con­fli­tos comuns da vida cotid­i­ana, a qual todos esta­mos condi­ciona­dos. E faz isso com taman­ha sen­si­bil­i­dade, mas sem perder o humor, através de per­son­agens como Pipo, que con­segue trans­for­mar o mis­tério do bura­co negro de Dev em uma grande aventura.

    O livro é divi­di­do em sete capí­tu­los e um epíl­o­go. Cada faixa do CD cor­re­sponde a um capí­tu­lo de Acha­dos e Per­di­dos, e, por incrív­el que pareça, ao tér­mi­no de cada capí­tu­lo, uma músi­ca ter­mi­na e out­ra começa e você nem ao menos se dá con­ta. Como no capí­tu­lo seis: Hor­i­zonte de even­tos, quan­do começa a chover na história, o barul­ho de chu­va aparece tam­bém na músi­ca. Mágica.

    Acha­dos e Per­di­dos foi ini­cial­mente pro­duzi­do em quan­ti­dade lim­i­ta­da para as pes­soas que colab­o­raram para que ele viesse a exi­s­tir, mas a boa notí­cia é que a obra será relança­da ain­da esse mês pela edi­to­ra Migu­il­im. Se eu fos­se você não perde­ria a opor­tu­nidade de via­jar por essa história inten­sa e fasci­nante e desco­brir o sig­nifi­ca­do da peque­na afir­mação de Dam­a­s­ceno: Por uma boa vida.