
Chegar em qualquer lugar, mesmo um ambiente preparado para receber poesia é um desafio. Tenho que desfazer expectativas. A primeira, em relação à etnia japonesa. Vou logo dizendo: não escrevo haicai. Depois, explicar que sou poeta, não poetisa. “Poeta, porque em poetisa todo mundo pisa”, como diz Leila Miccolis.
Óbvio: “japonesa” escreve haicai. Aí é que está: não sou japonesa. Nasci no Brasil, nunca fui ao Japão. Meus quatro avós nasceram no Japão. Por isso, sou sansei: a terceira geração de imigrantes japoneses no Brasil. Até há um tempo atrás teria paciência para explicar o que é um nikkei. Palavra japonesa que designa o descendente de japoneses nascido fora do Japão. No Brasil, nipo-brasileiros. Nos EUA, nipo-americanos. No Peru, nipo-peruanos. Netos de imigrantes japoneses são nativos do país que recebeu seus avós.
Mas ascendência japonesa “forçou a barra” para que eu orientasse oficinas sobre haicai. Aí, passei a estudar o tema e a escrever mais haicai. Não sou haijin — haicaísta praticante. Meus poemas ainda não tem haimi — o sabor, aquilo que os mestres — Matsuo Bashô, Kobayashi Issa, Yosa Buson e outros — diziam ser a essência do poema.

Nunca fiz parte de grêmios literários que praticam haicai. Conheço Teruko Oda, sobrinha de Masuda Goga, fundador do primeiro grêmio de haicai do Brasil, o Ipê. Goga aprendeu com Nempuku Sato, o maior propagador do haiku — o haicai tradicional japonês. Em 2008, para divulgar o haiku no Brasil, promovi, pelo Nikkei Curitiba, o Concurso Nacional de Haicai Nempuku Sato, em parceria com a Secretaria da Cultura do Paraná.
Admiro poetas que, com liberdade de espírito transpuseram o haicai para o Brasil: Helena Kolody, Millôr Fernandes, Paulo Leminski e Alice Ruiz. Admiro menos Guilherme de Almeida e desconheço Afrânio Peixoto e Fanny Dupré, citados em estudos sobre a história do haicai no Brasil.
A jornalista e poeta Karen Debertólis, em entrevista para o programa de rádio “Contracapa”, disse que meus poemas parecem encadeamentos de haicais. Espécie de renga, que é mesmo um encadeamento de poemas. Mesmo com essa pista, me sentia alienígena na poesia japonesa.
Nos anos 90, fiz curso de vídeo e a professora, documentarista de São Paulo, disse algo curioso: que eu, tendo raízes japonesas não precisava escrever haicai ou cantar em karaokê. Podia escrever letras de baladas e ser fã de jazz. Gostei do que ela disse. Me encorajou a escrever poesia em composições ready-made, como diz o crítico Martin Palácio Gamboa, na antologia argentina “Bicho de Siete Cabezas”, para a qual tive a honra de ser selecionada e foi lançada no começo desse ano, em Buenos Aires.
O que não sabia e fui aprender estudando, é que na poesia japonesa é comum a composição de textos em fragmentos, seja em diários (nikki), “ensaios” (zuihitsu) ou poesia (haiku, tanka e outras formas). Um amigo, de tanto de ler meus poemas no Facebook, pôs na cabeça que ia pesquisar poesia contemporânea de Curitiba. E disse que encontrou a palavra sol em muitos de meus poemas.
Percebi que, de modo trôpego e sem forçar a barra do enraizamento, estou voltando para um lugar que nunca pareço ter saído. E assim retorno, caiçara japonesa, a uma onda feita de lágrimas. No Brasil a expressão é piegas, mas em japonês já foi usada em poema, só por causa do trocadilho: onda é nami, e lágrimas, namida. Não existe nada mais confortável do que voltar pra casa, mesmo que a casa seja a toda hora sacudida por tsunamis e ressacas.