Sinto-me solidária com as mulheres que assumiram suas vidas e que lutam para ter sucesso, o que não me impede, porém, de interessar-me pelas que não conseguiram alcançá-lo.
O bastante lúcido trecho acima – retirado do livro Balanço Final de 1972 — define a sinopse de A Mulher Desiludida (tradução de Helena Silveira e Maryan A. Bon Barbosa, Nova Fronteira, 2010), da escritora e uma das personas mais conhecidas do movimento feminista no campo intelectual, a francesa Simone de Beauvoir.
É basicamente imprescindível conhecer ao menos um pouco da trajetória de Beauvoir para se compreender a força dos três contos de A Mulher Desiludida e não se ver lendo apenas textos simplórios da vida de três mulheres. Conhecida por várias situações que vão desde seu relacionamento considerado bastante incomum, movida pelo intelectual de ambos, que atravessou décadas com o filósofo Jean Paul-Sartre, a relação passional e à distância – passaram muitos anos se comunicando apenas por cartas — com o escritor americano Nelson Algren (conhecido por O Homem do braço de Ouro) ou a ousada escritura dos dois volumes de O Segundo Sexo, Beauvoir viveu conforme suas próprias regras buscando sempre o sentido de liberdade. Com a cruel consciência de que ser livre não é uma questão tão simples quando se depende das convivências sociais e o desprendimento dos papéis pré-estabelecidos, a escritora deu voz e universos ficcionais íntimos da realidade à mulheres que matavam seus próprios demônios femininos.
Em a Mulher Desiludida, Simone de Beauvoir apresenta três mulheres, em momentos cruciais de suas vidas, onde a questão do papel feminino – o pré-estabelecido versus as escolhas próprias das personagens – entra em conflito com a questão da idade e todo o aparato psicológico que acompanha o paradoxo que pode ser agir ora através dos sentimentos, ora respeitando suas próprias ideologias e escolhas. As mulheres descritas por Beauvoir refletem muito do momento, o inicio da década de 70, as revoluções feministas e as novas situações encaradas por essas mulheres.
Desde quando o terreno baldio do bulevar Edgar-Quinet se tornou estacionamento? A modernidade da paisagem me salta aos olhos, todavia não me lembro de tê-la visto de outra forma. Gostaria de contemplar lado a lado os dois cenários: antes e depois, e me espantar com a diferença. Mas não. O mundo se constrói sob meus olhos num eterno presente. Habituo-me tão depressa aos seus aspectos que ele não parece mudar. (p.11)

É clara a dificuldade da personagem em aceitar que não existem eternidades quando se trata de quase todas as relações, sejam elas físicas ou materiais. A partir do momento que ela se dá conta que tudo ao seu redor está em constante processo de desenvolvimento e que há um ciclo funcionando por trás disso, ela simplesmente encara a força da idade e em vários momentos se vê melancólica e descrente.
Também é isso envelhecer. Tantos mortos atrás de si, lamentados, esquecidos. De repente, quando leio o jornal, descubro uma nova morte: um escritor querido, uma colega, um antigo colaborador de André, um de nossos camaradas políticos, um amigo com quem perdemos o contato (p.75 e 76)
Já Monólogo, assim como aponta o título, é narrado por fluxo de consciência de uma mulher perturbada pelo divórcio e abandono. Oscilante entre dormir e acordar durante uma madrugada de festa na casa vizinha ela reflete, de forma bastante passional entre amor e ódio, sobre como poderia ter sido uma esposa e mãe melhor já que seus filhos aparentemente estão com o pai. É uma narrativa assustada e descontrolada de uma mulher que perdeu sua única referência de posição feminina como esposa e mãe, uma situação nada peculiar para uma sociedade que durante tanto tempo alegou ser esse o único papel da mulher.
O conto que carrega o nome do livro é o mais longo e também dá continuidade, de forma mais detalhada e próxima, a questão do pseudo protagonismo da mulher no casamento. Narra através da intimidade de um diário, escrito em pouco mais de 3 meses, a vida conjugal de Monique, uma mulher de 44 anos que tenta vivenciar uma relação aberta com o marido, mas se vê em plena decadência psicológica quando este arruma uma amante mais jovem e torna-se dividido entre a “segurança” da companheira de anos e a juventude sensual da amante independente.
Quando se viveu de tal maneira para os outros, é um pouco difícil começar a viver para si. Não cair nas armadilhas da dedicação: sei muito bem que as palavras dar e receber são intercambiáveis e como eu tinha necessidade da necessidade que minhas filhas tinham de mim. Nesse sentido nunca blefei. (p.145)
Monique é a personagem mais concreta das três apresentadas no livro pois a construção de sua personalidade e conceitos próprios se dá através da sua desconstrução como mulher e mãe narrada por si própria no seu diário. O conflito com o seu corpo, o sentido do sexo longe da juventude e a dificuldade de se entender os limites de um relacionamento aberto são cruciais para a desestabilização da autoconfiança da personagem até porque muitas das regras desse jogo – a relação e o sexo entre o casal – foram delimitadas pelo marido que decide a hora que entra ou sai da situação.

Simone de Beauvoir consegue fazer com que A Mulher Desiludida seja tanto suas experiências e relatos que ouviu e viu intimamente das mulheres de sua época. São histórias adornadas pela beleza da literatura. Ou como uma própria personagem define: Eis o privilégio da literatura – disse eu – As figuras se deformam, empalidecem. As palavras, nós as levamos conosco. (p.83)