Drácula, personagem da literatura de horror criado pelo irlandês Bram Stoker, tem o poder de dominar gerações inteiras. A estória do sugador de sangue demoníaco e sedutor, que se alimenta da vida – e consequentemente da alma – de suas vítimas, surgiu por meio dos pesadelos de Bram Stoker, ganhando corpo em 1897. A inspiração do romancista também veio das pesquisas que realizava sobre a vida do príncipe Vlad III da Valáquia, região da Romênia. Conhecido como “O Empalador”, Vlad III era extremamente temido pelo sadismo e carnificina com o qual tratava inimigos e prisioneiros, impondo punições cruéis. Segundo a lenda, o príncipe romeno se deliciava ao ver os corpos dos inimigos empalados em estacas vertendo sangue.
Mas nem só de biografias e mitos vivia o criador de Drácula. As narrativas que envolvem vampiros remontam à tradição oral de povos da antiguidade, mas só ganharam espaço na literatura em meados do século XIX. Antes de Bram Stoker, os escritores Sheridan Le Fanu (1814 – 1873) e John Polidori (1795 – 1821) já haviam abordado a temática do vampiro em suas obras, mas a consagração só viria com Drácula. Apesar do sucesso do livro, Bram Stoker continuou vivendo sem muitos alardes até sua morte, em 1912, aos 65 anos. Dois anos depois, Florence Stoker, esposa do escritor, publica uma coletânea de contos do marido, cujo título é “O Hóspede de Drácula e outras histórias estranhas” (original ‘Dracula’s Guest And Other Weird Stories’), lançado pela editora George Routledge & Sons, Ltd. of London. O conto de abertura é o homônimo O Hóspede de Drácula, e segundo o prefácio escrito por Florence Bram Stoker, a história é parte integrante do livro de sucesso do marido, mas que não foi inserida à época por questões de espaço, considerando à extensão do romance.
A narrativa começa com a visita de um inglês à Munique, cidade alemã, e sua vontade de dar um passeio pelos arredores da região. Na saída do hotel, o cocheiro encarregado de fazer a condução do visitante é alertado pelo maître a retornar antes do cair da noite. O inglês chegara bem em cima da “Walpurgisnacht”, conhecida como a “Noite de Santa Valburga”, tradicional festa cristão com origens pagãs, celebrada na noite do dia 30 de abril. Durante as celebrações, são feitas grandes fogueiras com o intuito de expulsar demônios e espíritos sem rumo que vagam pela dimensão dos vivos.
Empolgado pela paisagem vibrante, o turista não dá ouvidos aos apelos do cocheiro quando este sugere que voltem, pois estavam se aproximando de um vilarejo abandonado e considerado por toda gente local como amaldiçoado. Ostentando a racionalidade e soberba inglesas, o homem decide que vai seguir em frente sem o condutor da carruagem, e a partir desse momento começam a surgir diversos perrengues que nem mesmo a inabalável razão inglesa é capaz de dissimular. Alterações climáticas explosivas, seguidas de uma atmosfera lúgubre, desabam sobre o destemido inglês e o leitor começa a sentir os efeitos da narrativa bem construída de Bram Stoker, que utiliza muito bem a mistura de superstição com terror psicológico. Particularmente, uma das situações mais interessantes do conto foi acompanhar o bom senso tipicamente inglês ser dissolvido nas moléculas do medo e misticismo, já que o visitante começa a palpitar mais forte e desejar até ter atendido aos apelos do aflito cocheiro, de quem desdenhou e duvidou.
Essa falta de “imunidade” ao sobrenatural faz companhia ao leitor durante toda a narrativa, transformando o cenário de raios enfurecidos, lobos sanguinários, estacas e mortos que levantam em respiração ofegante, quase fantasmagórica. Quem leu “Drácula” vai estar familiarizado com o terreno e pode até imaginar o desfecho final da história, que também assombrou o próprio protagonista. Um dos destaques da trama é a capacidade de Bram Stoker em envolver e projetar cenários imaginários na mente do leitor, cativando pelo medo. Drácula é, antes de tudo, o fascínio por um mundo sem amarras, noturno, irreal e sem a âncora da racionalidade. Um estereótipo de poder onde tudo é permitido e onde a magia esbarra na eternidade, afinal de contas, “os mortos viajam depressa”.
O Hóspede de Drácula é um conto rápido, com 36 páginas, que se divide entre a história, prefácio e curiosidades, e pode ser lido entre vinte e trinta minutos. Li a história na versão e‑book publicada pela editora DarkSide em 2012 e traduzida por Maria Clara Carneiro e Bruno Dorigatti. O site Darksidebooks oferece o conto em formato e‑book gratuitamente para download.